sábado, dezembro 29, 2018

Entrevista sobre Analise Econômica e Farmacoeconomia

Ano 12, Número 91, Dezembro de 2018

No dia 7 de dezembro de 2018, Cristina Balerini, jornalista da Editora Phoenix, solicitou-me uma entrevista sobre econmia em saúde e modelos de avaliação econômica. Estou reproduzindo, nesta postagem, a íntegra da entrevista que basicamente se concentra nos temas de Análise Econômica e Farmacoeconomia. Boa leitura.






Cristina Balerini (CB) Quais são os principais modelos de avaliação econômica em saúde?

Andre Medici (AM) Não existem principais modelos. As necessidades de avaliação estão em aberto e novos modelos e alternativas tem sido criados ao longo do tempo, a depender da natureza destas necessidades. Portanto, é necessário, antes de tudo, definir com claridade a pergunta que se quer fazer antes de utilizar a forma de análise econômica mais adequada. Análises econômicas em saúde podem envolver temas de benefício-custo ou a relação entre os resultados financeiros e os custos envolvidos; eficiência-custo ou a avaliação da produtividade física de uma técnica em relação ao seu custo; utilidade-custo, a qual tem sido pouco utilizada mas pode ser relevante em aspectos de farmacoeconomia que incluam análises direcionadas para medir anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) e análises de efetividade-custo, que medem o resultado final em termos de melhoria das condições de saúde relacionados ao custo incorrido em todo um determinado tratamento. Em geral, as análises de efetividade-custo, ou custo-efetividade, como é mais comumente dito na literatura, são as mais frequentes no caso da saúde.  


A análise custo-efetividade busca avaliar, por exemplo, cual a efetividade clínica de um medicamento novo em relação ao seu custo. A efetividade pode ser medida de várias formas. Podem ser utilizados indicadores, tais como número de mortes evitadas, número de casos curados, número de anos de vida ajustados pela qualidade ou discapacidade perdidos que são evitados, tempo e permanência da cura, grau de sofrimento durante a cura, ou qualquer outro parâmetro de efetividade que se queira utilizar, em relação ao custo incorrido. A maioria das análises medem os efeitos da relação custo-efetividade de um novo medicamento, de uma nova técnica, de num novo prodecimento ou de um novo diagnóstico em relação a um medicamento ou processo clínico previamente existente para atingir o mesmo resultado. Menor custo para uma mesma efetividade ou mesmo custo para uma efetividade maior são evidências de que o novo medicamento ou procedimento é melhor.  

As análises custo-efetividade podem ser sofisticadas e necessitam a utilização de modelos matemáticos, tais como modelos dinâmicos, cadeias de Markov, árvores de decisão, simulação de eventos discretos e outros. Mas a escolha dos modelos que serão utilizados depende de uma série de circunstâncias, tais como o que ser quer obter com o estudo, ou o que se quer avaliar de forma clara, quais são os potenciais beneficiários, qual as informações disponíveis para realizar o estudo e sua confiabilidade, em que período de tempo o estudo estará contido, qual a taxa de desconto a ser utilizada na análise dos benefícios ou resultados, e uma medida do grau de incerteza provável do resultado, a partir de uma análise de sensibilidade.


CB - Atualmente, qual papel tem desempenhado o profissional de saúde neste contexto de farmacoeconomia?  



AM - A farmacoeconomia é um ramo da economia da saúde que tem por objetivo analisar os resultados do uso de um determinado medicamento em terapias, assim como os custos derivados da introdução ou uso deste medicamento para os pacientes e para os sistemas públicos ou privados de saúde. Questões aparentemente simples como qual o melhor medicamento para tratar uma determinada doença em relação ao seu custo muitas vêzes exigem estudos complexos para obter uma resposta clara e o profissional de farmaco-economia é aquele que vai desenvolver os estudos e técnicas para dar estas respostas, buscando analisar suas diversas nuances, como os custos associados aos efeitos da medicação na qualidade de vida do paciente, e o tempo de sobre-vida com qualidade que o paciente teria com o uso deste medicamento.
As respostas fornecidas pelos profissionais de farmacoeconomia a estas questões permitem, do ponto de vista dos governos e planos de saúde, saber se podem adotar ou não determinado medicamento em suas listas de procedimentos e, do ponto de vista da empresa farmacêutica, tomar a decisão sobre e vale a pena desenvolver este medicamento, continuar ou descontinar sua produção, assim como outras decisões estratégicas.  


CB - Existe a preocupação com o custo x qualidade? O profissional entende a importância e sabe avaliar custos e efetividade? 

AM - Sim. Profissionais de farmacoeconomia procuram estabelecer qual a melhor opção terapeutica para uma determinada doença sob o ponto de vista da qualidade e custo, ou seja, aquela que permite a racionalização da aplicação dos recursos com ganhos de qualidade de vida para o paciente e resultados positivos para a organização dos serviços de saúde.

A efetividade de uma opção terapeutica é aquela que permite a melhor combinação para um paciente viver mais com o exercício pleno de suas capacidades e desfrutando, de forma confortável, as oportunidades que a vida lhe confere. Em economia da saúde, uma das medidas utilizadas para medir a efetividade são os anos de vida perdidos por discapacidade (DALY), que podem estar associados a mortalidade precoce (YLL), ou seja, uma doença pode levar uma pessoa à morte prematura, ou podem estar associados a morbidade (YDL), ou seja uma pessoa poderá ter uma qualidade de vida ruim por ter uma doença em aspectos como não poder se movimentar, ter que viver com dor permanente ou com incapacidades diversas ou ter ainda perda de capacidade cognitiva. Portanto, a efetividade de uma opção terapeutica, simplificando várias coisas, é a medida que permite avaliar se, ao menor custo possível, será minimizado o número de YLL e YDL perdidos pelos indivíduos e pela sociedade.




No entanto, cabe sempre a pergunta de qual será o custo de prolongar a vida de um paciente por um determinado tratamento e se tal custo é justificavel, sobre os aspectos clínicos e de qualidade de vida. A este tema, vale responder que  tudo depende de como a sociedade valoriza a vida dos individuos (e sua qualidade de vida) e qual os recursos disponiveis para pagar por este valor.


Existe um ditado de que a vida é um valor sem preço. Mas existe um custo máximo que cada sociedade pode suportar para pagar por ela. Países desenvolvidos tem mais recursos para pagar por terapias inovadoras que prolongam a vida. Estas demoram a chegar e a estar acessíveis aos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento (pelo menos no setor público). No entanto, podem chegar futuramente a um custo menor, dado que o custo inicial de amortizar a pesquisa para as novas tecnologias costuma ser pago inicialmente pelas populações dos países desenvolvidos e estas tecnologias, quando chegam aos países em desenvolvimento, podem estar descontadas destes custos de recuperação dos investimentos realizados para disponibiliar estas novas tecnologias, dado que as populações dos países mais ricos pagam mais caro mais são as primeiras a se beneficiar. 


CB: Quais os riscos para a saúde pública e privada da não realização de uma avaliação econômica eficaz ou de uma avaliação pouco robusta? 

AM – No caso da saúde pública, avaliações de tecnologia de saúde (ATS) são um campo obrigatório de ação (direta ou indireta) dos Ministérios da Saúde, permitindo avaliar quais os medicamentos que compõe ou que podem ser incorporados ou atualizados como melhores alternativas para a formulação de listas de medicamentos para os programas públicos de saúde. O risco de não realizar estas avaliações de tecnologia, seja diretamente, seja com base em protocolos ou referências internacionais validadas, é aprovar tratamentos pouco eficazes ou até mesmo aumentar o risco dos pacientes com os tratamentos existentes.

No caso dos planos de saúde, quando estes não seguem as normas públicas, devem também ter mecanismos (proprios ou referenciais) de considerar estes critérios. Vale tanto para o setor público como para o setor privado, a consideração sobre os benefícios das análises de sensibilidade e dos princípios do uso racional de medicamentos, incluindo temas como os quesitos de segurança clínica, eficácia (incluindo o processo de gestão) e correspondentes análises de qualidade em relação aos seus custos.


Riscos de saúde associados a não seguir os criterios de farmacoeconomia no uso racional de medicamentos, tanto para o setor público como para os planos de saúde podem ser: (i) incorrer em custos desnecessários e portanto reduzir a eficácia e a eficiência do tratamento; (ii) não gerar os resultados positivos esperados no tratamento dos pacientes e portanto aumentar o custo do uso dos medicamentos em relação à sua efetividade clínica. Do ponto de vista econômico, para o setor público isto pode ser uma fonte de desequilíbrios e ineficiências orçamentárias e para os planos de saúde uma fonte de perdas de lucratividade ou aumento desnecessário de custos para os segurados.


As empresas farmacêuticas, como já foi dito, são as mais interessadas nos estudos de farmacoeconomia para garantir a segurança dos retornos econômicos de suas pesquisas clínicas. Assim, desde as fases preliminares de desenvolvimento de um novo medicamento, farmacoenomistas deveriam estar debruçados para explorar que benefícios seriam gerados em relação aos custos incorridos comparados com as terapias atualmente existentes para problemas identificados de saúde. No caso de medicamentos para doenças em tratamento, a medida de efetividade seria a comparação de quantos casos podem ser curados ou melhorados sobre o total de casos testados com os medicamentos novos e os medicamentos existentes.

CB: Quais perguntas devem ser respondidas na avaliação econômica?

AM: A primeira pergunta a ser feita é que decisões a maioria dos serviços de saúde ou os médicos tem utilizado para receitar um medicamento ou propor uma terapia? Estou certo de que em grande medida elas não passam por critérios econômicos, e quando se considera o tema da eficácia clínica, os custos são em geral descartados como um aspecto secundário, porque o governo ou o plano (e ainda o paciente) acabam pagando.

As perguntas associadas a avaliação econômica (e a farmacoeconomia em particular) podem ser divididas em aspectos macro e micro. Do ponto de vista macro, cabe perguntar (a) quais os custos monetários de uma doença vis-a-vis os custos de lançar um medicamento novo que permita um tratamento mais efetivo, mesmo que comparado aos medicamentos já existentes? (b) Como utilizar os princípios do uso racional de medicamentos na escolha de uma lista de medicamentos para governos ou instituições assistenciais ou de seguro de saúde?


Do ponto de vista micro, boa parte do desenvolvimento da farmacoeconomia é indissociável ao desenvolvimento da pesquisa clínica farmacêutica. Neste particular os métodos  para a avaliação farmacoeconômica estão estabelecidos há quase duas décadas e o número de países e instituições que exigem avaliações econômicas para a tomada de decisões quanto ao registro ou reembolso de medicamentos tem crescido, mas ainda cabe perguntar sobre o real impacto destas análises nos custos dos medicamentos e fazer uma análise mais detalhada sobre os resultados.


As principais perguntas do ponto de vista micro são relacionadas a: (a) se os métodos utilizados na pesquisa clínica são válidos; (b) Se a análise de efetividade em relação aos custos inclui todas as alternativas possíveis; (c) Se os custos e resultados clínicos são adequadamente medidos e avalidados; (d) Se a análise de sensibilidade foi feita com critérios adequados; (e) Se as linhas de base para os custos e resultados (no caso de não tratamento) foram medidas adequadamente; (f) Se existem variações dos custos e resultados (ou custos incrementais) entre grupos e sub-grupos populacionais, de acordo com a suas características e; (g) Se os resultados do experimento podem ser generalizados em condições não avaliadas pelas pesquisas clínicas e com que margem esperada de risco.

CB - Qual a aplicabilidade da avaliação nos sistemas de saúde?

AM – A avaliação econômica em saúde serve para apoiar a tomada de decisão dos gestores em saúde ao comparar diferentes processos em termos de custos e resultados em saúde, permetindo escolher a melhor alternativa para um mesmo objetivo clínico ou terapeutico. Com isso, ela possibilita melhorar os retornos (econômicos e sanitários) dos recursos investidos no setor.

CB - O que precisa melhorar no processo de avaliação?

AM – A principal deficiência no Brasil é a falta de uma cultura de custos e resultados nos sistemas de saúde. Com isso, faltam informações para a realização sistemática de anáses econômicas em saúde e, ao faltar informações, faltam também análises, recursos humanos e gestores especializados no uso destas informações para o alcance dos resultados e minimização de custos. A falta de uma cultura de custos e resultados se associa a falta de incentivos econômico. As formas pelas quais se baseiam a maioria dos processos de remuneração em saúde estão centradas no pagamento por volume (como é o caso da AIH) e não em valor. É necessário reverter essa cultura e criar um sistema onde a remuneração esteja associada aos resultados. O sistema de remuneração baseado em valor (value based health care) pode ser uma alternativa para a busca de maior eficiência e para a criação de uma cultura de análise econômica do setor. Sugiro a todos visitar o site do IBRAVS –  Instituto Brasileiro de Valor em Saúde ( https://www.ibravs.org/) onde um grupo de pessoas está se organizando no Brasil para auxiliar as instituições públicas e privadas de saúde que queiram mudar esta cultura.







quinta-feira, outubro 25, 2018

Em Busca da Eficiência: O SUS na Encruzilhada - Ano 12, Número 90, Outubro de 2018






A presente postagem é um artigo de Edson Correia Araujo, economista senior de saúde do Banco Mundial, responsável por projetos e pelo diálogo na área de saúde no Brasil. O artigo complementa a postagem passada (relacionada ao tema dos baixos níveis de financiamento à saúde no Brasil) enfocando o tema da baixa eficiência dos serviços de saúde no país, o qual deveria ser objeto central das políticas de saúde  para o próximo governo. Edson se graduou em economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem mestrado em Economia da Saúde pela Universidade de York (Reino Unido) e Doutorado pela Queen Margaret University (Edimburgo, Reino Unido). Tem vários anos de experiência em áreas de financiamento, eficiência e reformas de saúde na América Latina, África e Ásia. É coordenador e principal autor dos estudos do Banco Mundial sobre eficiência dos gastos públicos em saúde no Brasil, realizados ao longo dos últimos anos.


Em Busca da Eficiência: O SUS na Encruzilhada
Edson Correia de Araújo

 

O periodo eleitoral coincidiu com a celebração dos 30 anos da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), um dos principais avanços introduzidos pela Constituição de 1988.  Os 30 anos do SUS oferecem uma oportunidade única para o debate sobre as conquistas e os desafios do sistema público de saúde brasileiro e  opções para seu aperfeiçoamento.  Este debate é importante tanto para melhorar a atenção à saúde, garantindo serviços que satisfaçam às necessidades e expectativas da população basileira, como para o equilíbrio das contas públicas, na medida em que a saúde tem um dos maiores orçamentos do governo brasileiro (R$231 bilhões em  para os três níveis de governo em 2015,  R$115 bilhões apenas a União em 2017). Mantido o padrão atual de crescimento nominal dos gastos, a conta do SUS alcançará mais de R$700 bilhões em 2030.[1]

Figura 1 - Projeção Nominal dos Gastos do SUS (2014-2030)
Fonte: Banco Mundial, 2018

É indiscutivel que a criação do SUS melhorou a vida dos brasileiros, notadamente os mais pobres.  O estabelecimento da cobertura universal a partir da criação do SUS expandiu a rede de prestadores o que permitiu o acesso a serviços de saúde em locais onde não estavam acessíveis.  A expansão da oferta e do acesso aos cuidados de saúde foram acompanhados de melhorias em indicadores, como, por exemplo, reduções significativas na mortalidade infantil e materna.[2] O SUS tem também um papel importante na redistribuição de recursos sociais. Recente análise do Banco Mundial mostra que os gastos com saúde beneficiam os grupos de mais baixa renda – os 40% mais pobres recebem mais de 50% dos gastos públicos com saúde.[3] No entanto, são muitos os desafios para consolidar essas conquistas e responder às necessidades de saúde da população. 
 
O SUS é frequentemente apontado como superlotado, de baixa qualidade e com escassez de profissionais de saúde. A saúde é frequentemente apontada como uma das principais preocupações da população brasileira, seja entre os mais de 170 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do SUS, seja dos outros 25 milhões que tem planos ou seguros de saúde e dependem, mesmo que forma parcial, do sistema público.  Dados da pesquisa IBOPE-CNI de Avaliação do Governo de Setembro de 2018 apontam que a 89% do população avalia o sistema público de saúde como ruim ou péssimo.[4] 


A explicação frequente para esses problemas é que o governo não gasta suficiente com saúde, porém as evidências apontam para uma realidade mais complexa.  Em relação ao seu PIB, o Brasil gasta com saúde 9.1%, ou seja, tanto quanto a média entre os países da OCDE (9%) e mais do que a média entre seus pares econômicos e regionais (6,7% e 7,2%, respectivamente).[5]  Entretanto, ao contrário da maioria de seus pares, menos da metade do gasto total com saúde no Brasil, mais precisamente 42%, é gasto público.  Este percentual é inferior à média entre os países da OCDE (73.2%) e àquela entre os países de renda média comparáveis ao Brasil (59%), estando o percentual de gastos públicos em saúde do país apenas acima da média dos BRICS (46%).  No entanto, comparações internacionais mostram que esses países obtêm melhores resultados dos gastos com saúde do que o Brasil.  Relatório do Banco Mundial aponta que existe claro escopo para fazer mais com os recursos atuais.[6]  As ineficiências do sistema público de saúde custam R$22 bilhões por ano aos cofres públicos (aproximadamente 20% de todo o gasto federal com saúde no Brasil). Mais eficiência poderia resultar em ganhos (nominais) acumulados de aproximadamente R$989 bilhões até 2030.

Melhorar a eficiência do SUS significa que mais pessoas poderiam ter acesso aos serviços de saúde (ou mais serviços poderiam ser oferecidos) e melhores resultados de saúde poderiam ser alcançados.  Por exemplo, melhor eficiência poderia aumentar o número de consultas médicas por habitantes em mais de quatro vezes (do atual 1.72 para mais de 8.36 consultas por habitante ano).  Isso ajudaria a reduzir um dos grandes gargalos do sistema atualmente que são as listas de espera para consultas com especialistas. No setor hospitalar, o SUS poderia aumentar em quase 80% o número de internações ao ano sem necessidade de mais recursos financeiros. Se todas as cirurgias de revascularização do miocárdio do SUS fossem realizadas em hospitais de alto volume, cerca de mil óbitos teriam sido evitados entre 2014 e 2016.  Na atenção primária à saúde (APS), a cobertura da ESF (estratégia de saúde da família) poderia aumentar em média 40% e a cobertura de vacinas em 42% apenas com o uso mais eficiênte dos recursos existentes. Mas a eficiência significa também mais efetividade, ou seja, que mais vidas poderiam ser salvas. Uma APS mais eficiente poderia reduzir em 15% o número de mortes evitáveis entre a população de 5-75 anos de idade e em 8% entre a população de zero a cinco anos de idade.  


Tabela 1: Resultados de Eficiência APS e MAC, Brasil e Regiões – 2013




Atenção Primária à Saúde (APS)


Região


Escore Médio Eficiência


Folga (R$)a, b


Projeção de Consultas Médicas (%)


Cobertura PSF (%)


Gasto per capita (R$)b


Centro-Oeste


0.58


877.35


73.40


60.9


253.2


Nordeste


0.75


1,301.33


55.70


72.5


153.1


Norte


0.69


354.78


43.60


54.7


145.6


Sudeste


0.58


4,267.59


63.90


60.5


214.3


Sul


0.53


2,328.48


76.40


69


283.7


Brasil


0.63


9,129.53


63.60


64.6


205.3


Média e Alta Complexidade (MAC)


Região


Escore médio

Eficiência


Folga (R$)a, b


Projeção - Internações Ajustadas (%)


% Hospitais < 50 leitos


Gasto per capita (R$)b


Centro-Oeste


0.24


869.03


85.30


0.71


246.9


Nordeste


0.31


2,793.98


79.50


0.61


166.5


Norte


0.35


297.19


65.00


0.62


108.6


Sudeste


0.28


6,910.19


78.70


0.42


250.1


Sul


0.26


1,808.50


83.00


0.54


226.8


Brasil


0.29


12,678.89


78.6


0.55


211.1


Fonte: CONASS, 2018 – dados do Banco Mundial, 2017; Araujo et al., 2017.

Notas: a) recursos que são perdidos devido às ineficiencias (perdas); b) valores em Reais de 2013.

 

Muitos são os fatores que causam este cenário de ineficiências. Entre eles estão, sem dúvida, a corrupção, a má gestão e o mau uso e alocação dos recursos existentes.  Porém, as principais fontes de ineficiência são resultado de problemas sistêmicos, de como o sistema está estruturado e de como funciona, e requerem mudanças nas formas de gestão, financiamento, e organização da atenção à saúde.  Para superar esses desafíos, o SUS necessita urgentemente de reformas estratégicas que resolvam os problemas atuais como a baixa qualidade da atenção e as ineficiências, ao mesmo tempo em que previnam futuros riscos trazidos pelo envelhecimento da população e pela crescente carga das doenças crônicas. 

 

Os pilares mais importantes dessas reformas são: (i) Racionalizar a oferta e a gestão dos serviços ambulatoriais e hospitalares para maximizar escala, qualidade e eficiência; (ii) Melhorar a integração e a coordenação dos cuidados dentro do SUS, através da implantação de redes integradas de atenção à saúde (RAIS); e (iii) Aumentar o desempenho dos serviços e da força de trabalho em saúde, com expansão da oferta de profissionais, mudanças nas relações contratuais de trabalho, introdução de incentivos para aumentar a produtividade dos profissionais e mudança nos sistemas de pagamento a provedores baseados em volume para outros baseados em valor e resultados. Essas reformas têm por objetivo aumentar a eficiência, a efetividade, e a qualidade dos serviços do SUS, de forma a garantir a sua sustentabilidade no médio e longo prazos.[7]

A rede de servi­ços ambulatoriais e hospitalares do SUS é altamente ineficiente. Os serviços operam com elevada capacidade ociosa (ou seja, baixas taxas de ocupação de leitos hospitalares), há deseconomias de escala devido ao pequeno volume de serviços (a maio­ria dos hospitais é pequena e/ou de escala limitada - 80% dos hospitais do SUS tem até 100 leitos, 55% tem até 50 leitos) e existe concorrência entre prestadores de serviços (as Unidades de Pronto Atendimento – UPAs – frequentemente compen­tem por pacientes com a APS e hospitais e não se integram plenamente em sistemas de referência e contra-referência).  As taxas de ocupação de leitos hospitalares são muito baixas, em média, 45% para todos os hospitais do SUS e apenas 37% no caso dos leitos de alta complexidade.[8]  As taxas de ocupação observadas no SUS são muito inferiores à média da OCDE, de 71%, e muito abaixo da taxa de ocu­pação desejável, entre 75% e 85%.  Portanto, há espaço para reduzir o número de hospitais e ambulatórios, para maximizar economias de escala e para implantar sistemas funcionais de referência e contra-referência.




Figura 2: Os hospitais brasileiros são tipicamente pequenos e ineficientes, Brasil – 2018

a) Tamanho do hospital, proporção cumulativa       b) Tamanho do hospital e eficiência


 

Fonte: Banco Mundial, 2018.

A gestão da saúde enfrenta de­safios persistentes relacionados a rigidez imposta por regras estritas de adminis­tração pública. O arcabouço legal limita a capa­cidade dos provedores e formuladores de políti­cas em introduzir inovações no sistema de provisão de serviços.  São muitas as evidências de que os hospitais que funcionam com gestão autô­noma, tais como as Organizações Sociais em Saúde (OSS) têm melhor desempenho do que os que estão sob administração pública direta, desde que bem es­tabelecidos mecanismos de regulação. No estado de São Paulo, comparações sistemáticas realizadas entre hospitais gerais estaduais da administração direta e OSS, demonstram que os hospitais administrados por OSS obtém melhores resultados em termos de tempo médio de permanência, taxa de ocupação, renovação de leitos, utilização de salas de operação, taxa de cesáreas, in­fecção hospitalar e gastos em relação a produção.[9]  Na APS, há evidências de que a estratégia de contratação, também através de OSS, aumenta o número de con­sultas na APS em aproximadamente uma consulta por usuário do SUS por ano e reduz o número de internação evitáveis[10]. A falta de autonomia também limita a capacidade dos provedores de gerir a força de trabalho eficientemente, pagar por desempenho e/ou demitir em caso de baixo desempenho.

A fragmentação dos cuidados é um gargalo fundamental na rede de prestação de serviços do SUS. Atualmente existe pouca coor­denação entre os níveis de atenção e a fragmentação da rede do SUS resulta em duplicação de serviços e excesso de capacidade, além de perda de economias de escala e custos operacionais mais altos. A experiência internacional demonstra que a formação de redes integradas é a melhor maneira de assegurar a coordenação da atenção à saúde em diferentes contextos e ao longo do tempo.  Nos países da OCDE, a coordenação da atenção é uma resposta política fundamental para aumentar a eficiência da prestação de serviços de saú­de com menos internações (e reinternações), atenção de mais alta qualidade e menos erros médicos, além de prescrição e uso mais apropriados de medicação.   

A implantação das RAIS necessaria­mente terá de racionalizar o acesso aos serviços especializados e otimizar os sistemas de referência e contra-re­ferência de pacientes. A Estratégia de Saúde da Família (ESF) visou introduzir na APS a função de porta de entrada (gatekeepers), mas as relações funcionais concretas en­tre as equipes de saúde da família e os especialistas e hospitais são limitadas ou inexistentes. Países como Alemanha, Reino Unido, França e Dinamarca implan­taram arranjos em que os médicos da APS são os gatekeepers – os pacientes são obrigados, ou incentivados, a cadastrar-se junto a um clínico geral (ou médico da família) e precisam ser encaminhados por este clínico geral para ter acesso à atenção especializada.

Para estruturar o sistema de prestação de serviços do SUS em torno das RAIS será preciso introduzir mudanças nos fluxos de financiamento do sistema de duas maneiras: primeiro, redirecionando recursos da atenção hospitalar e ambulatorial para a APS. Com base na análise de eficiência, seria possível realocar aproximadamente R$13 bilhões por ano e manter os serviços (e resultados) de MAC nos níveis atuais. Em segundo lugar, os atuais repasses federais para a APS de estados e municípios - Piso da Atenção Básica (PAB) - poderiam ser adaptados para incluir um componente de pagamento por desempenho baseado em um conjunto de indicadores previamente acordados entre o nível federal, os municípios e os prestadores de serviços de saúde (unidades de APS, ambulatórios e hospitais). 

Propor uma agenda de eficiência ao SUS é essencial para consolidar e expandir os avanços dos últimos 30 anos.  Alcançar melhores resultados dos gastos com saúde é um desafio global.  A maioria dos países enfrenta desafios para prover serviços de saúde eficientes e sustentáveis para sua população. A experiência dos países que consolidaram seus sistemas de saúde, com reformas periódicas, mostra que a consolidação do SUS depende da capacidade de adotar medidas avançadas para sua modernização, indo além das amarras ideológicas que têm impedido reformas estruturais.  Propor uma agenda de eficiência ao SUS é buscar soluções para o consolidar ‘SUS real’, o SUS do cotidiano de usuários e gestores.

NOTES




[1] Araujo et al., (2018). SUS 30 anos (no prelo). 
[2] A redução da mortalidade infantil ficou mais lenta nos últimos anos  e cresceu 11% entre 2015  e 2016.
[3] Banco Mundial (2017). Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil. https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-expenditure-review-report
[4] http://www.portaldaindustria.com.br/estatisticas/rsb-44-saude/
[5] Os pares econômicos são os países de renda média e os regionais, países da América Latina como Chile, México e Colômbia.
[6] Banco Mundial (2017). Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil. https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-expenditure-review-report [7] http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf
[8] Araujo et al., (2018). SUS 30 anos (no prelo). 
[9] Mendes e Bittar (2017). Hospitais Gerais Públicos: Administração Direta e Organização Social de Saúde. BEPA, 14(164):33-47.
[10] Greve e Coelho (2017). Evaluating the impact of contracting out basic health care services in the state of Sao Paulo, Brazil. Health Policy and Planning, 32, 2017, 923–933.