sexta-feira, janeiro 15, 2010

Juljan Czapski: O Cavaleiro da Saúde (1925-2010)

Ano 5, No. 8, Janeiro 2010


André Cezar Medici




Finais dos anos cinqüenta. O país vivia a febre da segunda etapa da industrialização. A economia brasileira crescia a taxas razoáveis, após ser castigada pela relativa estagnação do Governo Café Filho. O Presidente Juscelino Kubitschek havia lançado a sua bandeira: crescer 50 anos em cinco e com isto atrair muitos capitais – nacionais e estrangeiros – para instalar um parque industrial novo e dinâmico. Muitos novos e bons empregos já estavam sendo criados.

A competição para absorver os melhores recursos humanos aumentava e as empresas passavam a oferecer algo mais além dos salários e parcos benefícios assistenciais. Não haviam opções públicas para prestar serviços médicos de qualidade. A assistência à saúde oferecida pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP) era antiquada e deficiente. Não dava conta das necessidades dos empregados nas empresas modernas que se instalavam no país. Os serviços médicos tinham que estar próximos às empresas e dar uma resposta rápida e de qualidade para a recuperação da saúde dos empregados. Além disso, deveriam dar-lhes a certeza de que suas famílias também estariam protegidas quando necessitassem cuidar de sua saúde. Muitas empresas passaram a organizar seus próprios serviços de saúde – especialmente as maiores. Mas a que custo? E as pequenas e médias empresas, como poderiam participar, sem as economias de escala necessárias?

Enquanto isso, um imigrante polônes – Juljan Czapski – fugido do holocausto da 2ª. Guerra Mundial para o interior do Paraná nos anos quarenta com seus pais e irmãos, havia recém terminado o curso de medicina na Universidade de São Paulo. Começou a trabalhar como residente no Hospital das Clínicas sob a supervisão do Professor Ulhoa Cintra. Como o pagamento era pouco, complementava seu salário como médico na Ultragáz – uma das empresas que se perfilava à nova estrutura moderna de benefícios de saúde.

Em 1956, uma greve na Ultragáz levou os donos a cortar os benefícios de saúde. Juljan, como alternativa à perda de emprego e graças a sua grande engenhosidade e capacidade de relacionamento, ofereceu ao dono da Ultragás e a outros empresários que conheceu, uma solução prática e de menor custo para manter a assistência médica de seus empregados: trocar os serviços médicos prestados dentro das empresas, que representavam um alto custo fixo e reduziam a flexibilidade empresarial, pela contratação de uma empresa médica para prover, simultaneamente, serviços de saúde à várias empresas tendo como remuneração um pré-pagamento mensal por empregado.

Como este tipo de empresa ainda não existia no Brasil, e sem saber da existência de experiências similares no exterior, Juljan criou, em 1956, a Policlínica Central – a primeira empresa de medicina de grupo no Brasil, similar em funcionamento às Health Mantainance Organizations norte-americanas que começaram a se estruturar na década de 1930.

O modelo da Policlínica Central no Brasil tem historicamente uma certa equivalência, ao modelo da Kaiser Permanente na California. O número de empresas afiliadas à Policlínica Central cresceu rapidamente. Clientes maiores, como Volkswagen, Chrysler, Simca, Briquedos Estrela e Alcan, passaram a fazer parte da carteira da Policlínica. Logo apareceram outras empresas médicas que foram criadas, seja para competir neste mercado, seja para oferecer os serviços em outras áreas fora do Estado de São Paulo, através de modelos consessionais. Este foi o caso da Policlínica de Porto Alegre, que utilizou o mesmo modelo da Policlínica Central, pagando uma franquia. No início dos anos sessenta, a Policlínica Central já prestava atenção médica a 30 mil vidas.

Ao nascimento da medicina de grupo, se seguiram muitas outras opções de atenção médica gerenciada no Brasil, tais como as cooperativas médicas e os seguros de saúde. Nos anos sessenta e setenta, se estrutura uma oferta de assistência médica que cumpria a grande função de atender às empresas mais bem estruturadas com uma medicina de melhor qualidade para os trabalhadores, funcionando não somente como um benefício importante mas também como um fator de regularidade do trabalho numa economia em crescimento.

Juljan Czapski foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Medicina de Grupo de Empresa – ABRAMGE, em 1966, e foi seu primeiro presidente por 10 anos. Outras associações surgiram para consolidar as instituições de seguro de saúde, as cooperativas médicas (UNIMED) e as próprias empresa de grande porte que não aderiam ao modelo de medicina de grupo, mas mantiveram seus sistemas próprios de saúde.

Ao vender a Policlínica Central, no final dos anos sessenta, Juljan passou a atuar como provedor de saúde (Diretor do Hospital São Jorge) e fez importantes contribuições a várias outras entidades das quais não só fundou, como também promoveu, desde do Sindicato dos Hospitais de São Paulo (SINDHOSP), até a Federação Nacional de Estabelecimentos de Saúde (FENAESS). Participou ativamente das negociações que deram origem a CNS – Confederação Nacional de Saúde, esta última já nos anos noventa.

A debilidade do sistema público de saúde no Brasil levou Juljan a ser um dos negociadores, nos anos sessenta, de convênios entre as empresas e a Previdência Social, após a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1967 que depois se converteram, após a criação do INAMPS - o braço de saúde da Previdência em 1974 – nos convênios INAMPS-EMPRESA. Através destes convênios, as empresas poderiam descontar parte da contribuição à saúde que pagavam para a Previdência e utilizar os recursos na compra de uma saúde de melhor qualidade que a do INPS, como a oferecida pelas distintas opções de atenção médica gerenciada já existentes no mercado.

Mas sua contribuição foi muito além do campo específico da medicina de empresa no Brasil. Sempre com um pé na geração de conhecimento e outro na busca de soluções práticas, Juljan realizou seus estudos de pós-graduação (mestrado e doutorado) na Faculdade de Saúde Pública da USP nos anos sessenta. Seu interesse por temas de saúde envolvia questões de prevenção e promoção, levando-o a defender a medicina preventiva e a atenção primária como forma de dar uma atenção à saúde de baixo custo, boa qualidade e passível de ser universal. Ele foi o único profissional do Brasil a participar na Conferência Mundial de Saúde de Alma Ata, em 1978. A declaração de Alma Ata defendeu a atenção primária como porta única de entrada dos sistemas de saúde.

As preocupações de Juljan iam também para outros temas, como o de sustentabilidade ambiental. Nos anos oitenta ele criou, em Itú (São Paulo), município onde passava os fins de semana, a Associação Ituana de Proteção Ambiental (AIPA) onde promoveu junto à comunidade, questões de educação ambiental e desenvolvimento sustentável, gastando de seus próprios fundos para pôr em prática idéias e gerar soluções que só vinte anos depois estariam no seio das preocupações coletivas.

Num momento onde o Estado não respondia adequadamente pelo setor saúde – como os anos sessenta e setenta – a medicina de empresa e sua fusão com as estratégias de assistência médica da Previdência foi fundamental para aumentar a massa crítica e a qualidade da assistência médica no Brasil. Juljan sempre defendeu o SUS, mas seu espírito crítico fazia com que ele buscasse soluções efetivas e racionais no âmbito deste sistema. Por muitos anos fez parte do Conselho Nacional de Saúde onde contribuiu definitivamente no processo de implementação do SUS.

Conheci Juljan no final dos anos oitenta e nos tornamos muito amigos. Aprendi com ele muita coisa e conheci e compartilhei muitas de suas realizações, sonhos e batalhas. Nos últimos anos de sua vida, Juljan se dedicava a inúmeros temas, dentre eles, a organização do Congresso Latino-Americano de Serviços de Saúde – CLAS-SAUDE, que se realiza anualmente na Feira e Forum Hospitalar, em São Paulo. Também participava ativamente dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde no Estado e Cidade de São Paulo, respectivamente.

Juljan morreu em 12 de janeiro de 2010 aos 84 anos, com muitos ideais e sonhos por cumprir, em uma fase ainda bastante ativa de sua vida. Mas, afinal de contas, sonhos e ideais não envelhecem. As últimas conversas que tivemos passavam, pela viabilização da universalização da saúde e por planos para tornar permanente a contratação de profissionais para dar assistência médica nas regiões desprovidas e remotas, como as áreas rurais, ribeirinhas e indígenas da Amazônia. É imperativo levá-las adiante.

Por tudo o que fez, por seu espírito crítico e atuação estratégica, Juljan Czapski foi uma espécie de Cavaleiro da Saúde no Brasil. Seu carater inovador, suas realizações e capacidade de liderança no setor abriram alas para que a infantaria da saúde, nos setores públicos e empresariais, pudesse passar e conquistar os espaços abertos. Quem mais se beneficiou de suas ideais e atuação foram as classes trabalhadoras num momento crucial da história brasileira, onde a inexistência de uma solução pública para a assistência médica poderia trazer grandes dificuldades à consolidação do mercado de trabalho e do crescimento econômico dos anos cinquenta aos anos setenta.

Links: http://www.hospitalar.com/noticias/not4264.html

2 comentários:

Anônimo disse...

André, você é uma pessoa inteligente, embora tenha tentado distorcer, talvez por afinidades afetivas, fatos que não condizem com a história. Tudo bem, o momento não é, convenhamos, de passar com trator sobre terras tumulares. Infelizmente, você escreveu muitas bobagens sobre o doutor Julian, que devem ser perdoadas no momento dedor. Saúde, para doutor Julian, tinha outro significado, não nos enganemos pelo passamento.

Mario disse...

Na folha (assim com minúscula) de São Paulo de hoje, reportagem conta como, no final de sua vida, o Bradesco Saúde negou ao Dr Juljan o atendimento via "internação domiciliar" solicitados pelos médicos assistentes.
Prova cabal de que os tempos são outros? Ou o sistema de seguro saúde apenas "passou recibo" comprovando ao que veio?