sábado, abril 16, 2016

A Saúde no Brasil e no Mundo: Entrevista para a Revista Hospitalar

Ano 10, No. 76, Abril 2016


Em fevereiro deste ano, dei uma entrevista para a jornalista Ana Jussara Leite, da Revista da Feira Hospitalar, sobre a saúde pública e privada em 2015, ao nivel nacional e internacional, e algumas propostas tópicas para reformas necessárias no Brasil.. Os pontos principais foram publicados na material organizada pela jornalista nas páginas 36 e 39 da revista, que pode ser visualizada em http://www.hospitalar.com/index.php?option=com_sppagebuilder&view=page&id=122&lang=pt. Publico para vocês a íntegra da entrevista. Este ano a feira hospitalar vai abordar, entre outros temas de sua area de eventos, o da economia da saúde.

 

AJL - Qual o retrato que o Sr. faria do setor de saúde pública e privada nos principais países do mundo, no ano de 2015? Quais os fatores que mais impactaram o setor neste e nos últimos anos? Como a crise financeira dos principais países, a crescente questão migratória na Europa e o ressurgimento de epidemias (ebola, zika vírus, etc) influenciaram o atendimento e a qualidade da saúde prestada às populações? Onde houve avanços e retrocessos?

AM – No ano de 2015 predominaram os mesmos fatores que tem levado o gasto de saúde, ao nivel mundial, a continuar crescendo. Envelhecimento da população, inovações na geração de medicamentos e tecnologia médica e aumento da cobertura de saúde nos países em desenvolvimento, são fatores continuam pressionando o crescimento dos gastos em saúde. Em alguns países em desenvolvimento, os gastos começaram a se reduzir pela deterioração da gestão pública, da economia e da governabilidade. A fumaça dos BRICS  vem se dissipando ao meio dos escândalos de corrupção, ineficiência, queda dos preços das matérias primas, conflitos desnecessários e a persistência do populismo.

Em 2013 (último ano com informação global da OMS sobre o tema) os gastos em saúde alcançaram 8,6% do PIB mundial, em termos de paridade do poder de compra (PPC). Destes, a maioria (57,6%) correspondia ao gasto público o qual cresce como proporção do gasto total em saúde na medida em que avança o processo de desenvolvimento. Na Região das Américas – puxado pelos Estados Unidos e pelo Canadá – o gasto em saúde alcançava 13,6% do PIB e nos países Europeus 8,9% no ano de 2013. Mas a discrepância na participação do gasto público entre estas duas regiões é muito grande: 49,4% nas Américas comparado com 72,5% na Europa. Países como os Estados Unidos, por exemplo, gastam 17,1% do PIB e 47,1% do gasto em saúde é público. No Brasil, o gasto público em 2013 alcançou 9,7% do PIB e cerca de 48% do gasto foi público. Mas é possível que essa proporção tenha caido recentemente em função da crise fiscal e dos cortes do gasto público.

A crise financeira já está sendo superada na maioria dos países desenvolvidos e o gasto de saúde parece voltar a crescer em alguns países entre 2012 e 2013. De 53 países europeus listados pela OMS, somente 13 tiveram redução absoluta no gasto percapita em saúde. Entre eles, alguns mais fortemente afetados pela crise, como Espanha, Itália e Portugal, mas essa situação parece ter se revertido em 2014 e 2015. Obviamente que a questão migratória na Europa e nos Estados Unidos tem sido um grande fator de pressão no aumento dos gastos públicos em saúde e na deterioração da qualidade das políticas assistenciais e esse tema poderá ser importante na redefinição de estratégias de prestação de serviços de saúde nos próximos anos. No entanto, estudos recentes realizados na Inglaterra em outubro de 2015, mostram que a migração não tem tido impacto no aumento dos tempos de espera e nas filas associadas aos serviços de saúde até o momento.

Outro risco tem sido o crescimento das epidemias descontroladas, especialmente em regiões em desenvolvimento – como o ébola na África e mais recentemente o Zika e as perspectivas para a microcefalia no Brasil, ameaçando também a integridade epidemiológica dos países desenvolvidos, alguns dos quais estão totalmente preparados para enfrentar epidemias, caso estas ocorram. Casos de Zika, por exemplo, ainda que importados da América Latina, tem sido registrados em países como os Estados Unidos e algumas nações européias.   

AJL - Comparando a situação do Brasil com as demais economias mundiais, o que mais preocupa? (se puder fornecer estatísticas sobre os principais indicadores de saúde, seria ótimo!)

AM - No caso brasileiro, a crise tem tido impacto tanto nos gastos públicos de saúde como nos planos de saúde. Desde 2014 tem sido verificados cortes nos gastos públicos do Governo Federal em Saúde. Segundo estimativas que tenho realizado, os gastos federais em saúde se reduziram em 9% entre 2014 e 2015 e as perspectivas para 2016 indicam que mais cortes sejam realizados. Em alguns Estados que perderam receitas com a crise, como é o caso do Rio de Janeiro, os cortes tem sido maiores, trazendo impactos como os ocorridos em dezembro de 2015, como o fechamento de hospitais e UPAs e deixando a população desassistida.

Países como Brasil e Venezuela, na América Latina, e Rússia, no contexto europeu, representam graves situações de deterioração das condições de saúde, onde o tema do financiamento pode ser parte do problema, mas também se destaca a ineficiência na gestão pública. O que mais preocupa, portanto, não é o fato de faltar recursos mas a ausência de um plano para evitar que a situação fique ainda pior. Com a epidemia de Zika, por exemplo, todas as atenções se voltam para os problemas de combate ao Aedis Aegypit, mas o problema da deterioração das condições assitenciais nos estabelecimentos públicos tem sido totalmente abandonado.

A crise também tem tido impacto no setor de saúde suplementar. O mercado brasileiro de planos de saúde médico-hospitalares registrou, no terceiro trimestre de 2015 em relação ao trimestre anterior, uma queda de 0,5% dos usuários, o que representou a saída de 236,2 mil beneficiários. Com o aumento do desemprego e a falta de uma solução para a grave crise econômica e de governabilidade do país, essa situação tende a se deteriorar ainda mais em 2016.

No entanto, diferentemente do que parece estar ocorrendo no setor público, o setor de saúde suplementar vem ampliando a oferta de serviços, especialmente hospitalares. Por exemplo, de acordo com os dados apresentados pelo IESS, os planos de saúde ofereciam em setembro de 2015, 2,6 leitos para cada grupo de mil beneficiários, índice que atende o padrão recomendado pelo Ministério da Saúde, (2,5 leitos para cada mil beneficiários), comparado com o SUS que oferece apenas 1,5 leito para cada grupo de mil brasileiros, situação que tende a se deteriorar com o fechamento de leitos públicos e a insuficiência de recursos para investimentos no setor prevista para os próximos dois anos.

 AJL - Quais são os caminhos e alternativas para que o setor possa, em 2016, manter os níveis de atendimento de saúde e conseguir avanços de qualidade e de cobertura percebidos pela população?

AM - Ainda que questões emergenciais, como as epidemias de dengue e Zika sejam importantes para evitar um mal estar ainda maior no setor, é necessário não perder o foco em manter o atendimento da população nos setores de saúde básica, urgência e emergência e evitar a descontinuidade dos serviços de promoção e prevenção que estavam avançando até cinco anos atrás, em áreas como os programas de saúde da familia (PSF) e em temas como o controle dos fatores de risco associados a doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares, depressão) que poderão aumentar como resultado do stress trazido pela crise econômica e a falta de perspectivas. Nesse sentido, eu proporia uma agenda de quatro pontos:

1. No âmbito dos direitos, das mudanças culturais e demográficas, consolidar mecanismos que atendam aos reclamos mais imediatos da população, evitando as filas, melhorando a qualidade e resolvendo os problemas que se apresentam nos estabelecimentos de saúde. É necessário aumentar a qualidade mas também tratar os cidadãos com a dignidade e respeito, criando instâncias para resolver as queixas e avaliar a qualidade e a satisfação dos usuários dos serviços públicos.

2.No ámbito do financiamento, completar o processo que possa garantir, de um lado, um melhor uso dos recursos existentes do SUS, aumentando a eficiência, a fiscalização para reduzir a corrupção e o mau uso e garantido os recursos suficientes para financiar a expansão das necessidades da população.

3.No âmbito da Gestão dos Serviços, estabelecer processos que integrem os serviços, desde a atenção básica aos hospitais, com os serviços auxiliares e a oferta de medicamentos, e estabelecer modelos alternativos de gestão dos serviços, que permitam aumentar a autonomia gerencial, premiar a eficiência e remunerar os estabelecimentos e o pessoal de acordo aos resultados alcançados. Os serviços devem também ser modernizados, a través do uso em massa de tecnologicas de informação e comunicação, que permitam a marcação eletrônica de consultas médicas e a existência de registros eletrônicos que contenham os dados clínicos dos pacientes para acompanhamento com qualidade e para a produção e análise de dados e tendências do setor, como forma de subsidiar os processos de planejamento;

4. No âmbito da coordenação do SUS com o Setor Privado: O SUS não é um sistema único, e nem totalmente estatal. Cerca de dois terços dos leitos hospitalares pertencem ao setor não estatal – lucrativo e filantópico – e o SUS não apenas necessita da rede privada (que hoje administra boa parte das organizações sociais em São Paulo, por exemplo) mas também fornece serviços de alta tecnologia para os usuários dos planos de saúde. Portanto, há que aumentar os níveis de coordenação entre o SUS e a saúde suplementar.

 

sexta-feira, abril 08, 2016

Macroeconomia e Saúde numa América Latina Partida


Ano 10, No. 75, Abril 2016


André Cezar Medici

 

Introdução

No dia  4 de abril de 2016, o Presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), Francisco Balestrim, publicou um artigo intitulado Economia Coloca Saúde em Risco[i], onde faz um importante alerta sobre os impactos setoriais da crise econômica atual. Para dar alguns números, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015 a saúde suplementar perdeu ao redor de 700 mil beneficiários;  os hospitais da ANHAP registraram uma perda de 1,8% de receita em 2015, comparado com 2014; as contratações dos hospitais da ANHAP em 2015 foram somente um terço das registradas em 2014. Os pronto-socorros desses hospitais registraram 150 mil atendimentos a menos e os custos hospitalares tem disparado.

No setor público, o impacto negativo da economia na saúde não é menor e afeta vários estados e municípios, como demonstra a recente crise na atenção dos hospitais do Estado do Rio de Janeiro que registramos em matéria publicada neste blog em fevereiro deste ano.

A gestão da economia tem um forte reflexo no desempenho de todos os setores de um país, e a saúde não é excessão. Dois artigos publicados em 6 de Abril de 2016, um da jornalista Miriam Leitão[ii] e outro da Economista Mônica de Bolle[iii], mostram como a gestão econômica desastrada dos últimos anos levou o Brasil propositadamente à pior crise econômica já enfrentada desde os primórdios da República, com fortes efeitos à curto prazo no aumento do desemprego, na concentração de renda, no empobrecimento das famílias e no adiamento por prazo indeterminado de um projeto de crescimento com inclusão social e geração de oportunidades para todos, prometido pelo atual governo.

No dia 5 de Abril de 2016, assisti a um interessante debate no Center for Global Development (CGD) – um think tank localizado na área de Washington (DC) - discutindo os impactos positivos da eleição de Mauricio Macri – o novo Presidente da Argentina – no esperado retorno daquele país ao crescimento econômico e aos mercados internacionais. A apresentação foi feita por membros do CLAAF (Comitê Latino-Americano de Assuntos Financeiros)[iv] e introduz uma discussão interessante: a de que a América Latina tem, hoje em dia, uma performance econômica dividida, em função de dois tipos de modelos econômicos.

O primeiro modelo é ancorado em políticas econômicas que estimulam o mercado e mantém uma independência entre a gestão da economia e a política, de forma que os humores da política não afetam a estabilidade econômica e fiscal e garantem confiança dos diversos atores econômicos e da sociedade na forma pela qual a economia é gerida[v]. Países que tem este comportamento são Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Perú e Uruguai.

O segundo modelo é o que adotou políticas econômicas com níveis elevados de intervenção do Estado na economia, desrespeitando os princípios da estabilidade econômica e fiscal, intervindo no Banco Central, controlando o comércio e os fluxos de capital, usando de forma desmesurada o endividamento e empréstimos dos bancos públicos para financiar gastos do governo e dando pouca prioridade a políticas que fortaleçam infra-estrutura, capital humano e capital social. Entre estes países estariam Argentina, Brasil, Equador e Venezuela.

Embora seja difícil ter uma denominação para estes dois grupos de países[vi] o documento da CLAAF apelidou os primeiros, de Economias Pró-Mercado[vii] e os últimos, de Economias Neo-Populistas[viii], respectivamente. Não resta dúvida que, nos últimos anos, estes dois grupos de países tem tido performance econômica totalmente distinta. Tomemos por exemplo, as taxas de Inflação: o gráfico 1 mostra a forte diferença de performance entre estes dois grupos de países[ix].


Source: World Development Indicators, Banco Mundial.

Entre 2006 e 2014 os diferenciais de taxas de inflação entre este dois grupos de países não só aumentaram como também cada grupo segue tendências opostas. As economias neo-populistas tendem a aumentar suas taxas de inflação, enquanto que as economias pró-mercado reduzem suas taxas de inflação. As primeiras (puxadas pela Venezuela e Argentina) chegaram em 2014 a uma inflação de 16,8% enquanto que nas últimas, estas taxas alcançaram 3,9% neste mesmo ano.


Source: World Development Indicators, Banco Mundial

No que se refere ao crescimento do PIB percapita (gráfico 2)[x], também se observam diferenças importantes entre estes dois grupos de países. Entre 2006 e 2011 o crescimento das economias neo-populistas foi mais intenso do que o das economías pró-mercado, especialmente em função de que essas se beneficiaram da valorização nos preços de commodities (petróleo, produtos agrícolas e minerais) que estavam fortemente aquecidos durante este período. Mas a partir dos últimos anos a forte desvalorização dos preços das matérias primas e a gestão macro-econômica débil tem afetado o crescimento dos países neo-populistas. Como se pode observar no gráfico 2, entre 2006 e 2010, as economias neo-populistas tiveram um crescimento do PIB percapita superior ao das economias pró-mercado, mas a partir de 2011 a situação se inverte e os dados de 2015 poderão mostrar um hiato ainda maior entre as taxas de crescimento da renda per-capita deste dois grupos de países.

 

Comparação de Indicadores Básicos de Saúde nas Economias Neo-Populistas x Pró-Mercado

Mas como a performance destas varíaveis macro-econômicas afeta a saúde da população? Buscaremos responder a esta questão através da análise de dois indicadores finalísticos importantes: as taxas de mortalidade de menores de 5 anos e as taxas de mortalidade infantil. Estes dois indicadores não somente são importantes, pois refletem um conjunto de condições sócio-econômicas e de acesso aos serviços de saúde, como também tem uma boa qualidade de mensuração estatística nos países da América Latina, podendo, portanto, serem utilizados sem grandes problemas de comparabilidade.

O gráfico 3 mostra as taxas de mortalidade de menores de 5 anos na América Latina[xi], considerando a média para cada um destes dois grupos de países. Verifica-se que embora haja uma redução destas taxas, tanto nas economias neo-populistas quanto nas economias pró-mercado, as reduções aparentam ser mais ou menos similares até 2011. A partir deste ano, a performance das economias pró-mercado aparece ser melhor do que a das economias neo-populistas, onde as taxas de mortalidade de menores de 5 anos se estabilizam ao redor de 16 por mil nascidos vivos, enquanto a das economias pró-mercado se reduzem para menos de 14 por mil nascidos vivos.

 


Fonte: World Development Indicators, Banco Mundial

 

Cabe mencionar que a crise econômica que se abate mais fortemente nas economias neo-populistas, a partir de 2011, tem efeitos negativos, tais como redução de oportunidades de nutrição para as familias e maiores dificuldades de acesso aos serviços de saúde, as quais podem impedir a redução das taxas de mortalidade de menores de cinco anos, como ocorria nos períodos onde as taxas de inflação eram menores e o crescimento do PIB percapita era maior.

Vejamos outro indicador ainda mais sensível, que é a taxa de mortalidade infantil de menores de 1 ano (gráfico 4)[xii].  Neste caso se pode ver que, apesar das Economias Neo-Populistas sempre apresentarem uma taxa superior a das Economias Pró-Mercado, se observa a partir de 2011 um distanciamento crescente destes dois grupos, sendo que as taxas das economias Neo-Populistas aumentam com o aprofundamento da crise econômica em 2015, o que não ocorre com as economias Pró-Mercado que mantém a tendência à redução deste indicador.

 


Fonte: Source: World Development Indicators, Banco Mundial

 

Efeitos no nivel de gasto de saúde das famílias

Um dos possíveis efeitos associados ao mau desempenho da economia pode ser a redução de empregos formais, que afeta a cobertura de planos de seguro de saúde públicos (no caso de muitas economias latino-americanas) ou privados (no caso dos planos de saúde no Brasil) e também a magnitude do gasto e/ou a eficiência do setor público de saúde. Ambos os movimentos podem levar ao aumento do gasto de saúde das famílias e, em muitos casos, à existência de gastos catastróficos nas mesmas, em função do pagamento de despesas não protegidas com serviços de saúde, medicamentos, exames e outros gastos com saúde.

Os dados disponíveis ainda não são passíves de demonstrar que efeitos a crise de 2014-15 estará tendo no gasto de saúde das famílias na América Latina. Mas os dados do Banco Mundial (World Development Indicators) até 2013, já demonstram uma realidade bastante complicada: a de que os gastos diretos das familias (out-of-the-pocket) nas Economias Neo-Populistas são maiores que nas Economias Pró-Mercado. E o pior, é que esta diferença parace estar aumentando, como indica o gráfico 5.

 


Fonte: Source: World Development Indicators, Banco Mundial

 

Portanto, além de apresentar indicadores piores de mortalidade infantil, as famílias nas Economias Neo-Populistas gastam em média mais com saúde do que as familias nas Economias Pró-Mercado, colocando as primeiras numa situação de muito baixa eficiência do gasto em saúde e aumentando o risco de empobrecerem como decorrencia de gastos catastróficos não protegidos pelos mecanismos de seguro público ou privado de saúde.

Estes dados foram utilizados somente como exemplo para ilustrar como a má gestão de políticas macroeconômicas pode gerar problemas em todas as políticas, incluindo as de saúde, deteriorando indicadores sociais e condições de vida.

Por todos esses problemas, é interessante a eleição de Maurício Macri na Argentina, e a perspectiva de que este país deixe de ser uma Economia Neo-Populista para ser uma Economia Pró-Mercado. Poderá significar menos mortes infantis para os pobres e mais eficiência no uso dos recursos públicos de saúde para todos. E creio que muitos esperam que esta perspectiva alcance também, a curto ou médio, outros países como a combalida Venezuela e o dilapidado Brasil. Só assim a América Latina poderá deixar de ser partida para unificar-se em torno do progresso social e das oportunidades para todos[xiii].






[i] Balestrim, F., (2016), Economia Coloca Saúde em Risco, Jornal Correio Brasiliense, 4 de Abril de 2016, Pode ser encontrado no site https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/Economia-coloca-saude-em-risco.html

 


[ii] Leitão, M., (2016), A Ruina Econômica, Caderno de Economia, Jornal O Globo, 6 de Abril de 2016. Entre os pontos levantados no artigo sobre o impacto da política econômica dos últimos anos no país está: “A inflação deu um salto, a dívida bruta subiu 16 pontos percentuais do PIB, o superávit primário virou déficit, o déficit nominal escalou, o PIB, que estava positivo, despencou”.

 


[iii] De Bolle, M. (2016), Sem Trama e Sem Final, Caderno de Economia, Jornal o Estado de São Paulo, 6 de Abril de 2016. Entre os pontos levantados estão: “Depois de registrar o maior déficit primário em duas décadas no mês de fevereiro de 2016, cerca de 2,1% do PIB no acumulado de doze meses, o Brasil está, sim, quebrado. A dívida pública, hoje acima de 70% do PIB segundo a metodologia do FMI, a única métrica comparável a de outros países”.

 


[iv] CLAAF - Latin American Shadow Financial Regulatory Committee (2016), “Argentina´s Challenging Path to More Open Markets”, Washington DC, 2016. Este Comitê é composto por Laura Alfaro, Guillermo Calvo, Alberto Carrasquilla, Pedro Carvalho de Mello, Roque Fernandez, Pablo Guidotti, Guillermo Perry, Enrique Mendoza, Lilliana Rojas-Suárez e Ernesto Talvi. O document pode ser visto no seguinte link: http://www.claaf.org/documents/Statement%20No%2035-%20CLAAF%20-%20English.pdf

 


[v] Um caso interessante que mostra como a sociedade pode tornar-se consciente dos benefícios de uma boa gerência da economia para a população, é o do Perú. Depois de passar por processos de instabilidade e hiperinflação durante anos, a sociedade peruana passou a dar um peso enorme aos temas de independência das instituições econômicas (Banco Central e Ministério da Economia), equilíbrio orçamentário e fiscal e baixo endividamento, nas propostas políticas de qualquer candidato a Presidente. Não existe naquele país, e com respaldo da sociedade civil e apoio popular, interferência da Presidência da República  e do Legislativo em instituições como o Ministério da Economia e Finanças (MEF) e o Banco Central. Casos similares, ainda que diferenciados, se observam em outros países do grupo que compõe as Economias Pró-Mercado.

 


[vi] Na América Latina se costuma usar a expressão “bolivarianos” para aqueles que defendem uma política econômica fiscal frouxa que vagueia ao sabor dos interesses do poder e “neo-liberais” para aqueles que defendem uma política econômica independente e marcada pela estabilidade econômica e fiscal. Mas do meu ponto de vista, ambas denominações (que acabam sendo usadas pelos opostos como quase-chingamentos), além de imprecisas são injustas.

 


[vii] Considerou-se neste caso Chile, Colombia, Costa Rica, México e Peru. Excluiu-se o Uruguai, embora se reconheça que esse país, mesmo tendo governos de esquerda nas últimas tres gestões, fez importantes reformas na economia e no Estado e não maculou os princípios da estabilidade macroeconômica e fiscal. Mesmo tendo um discurso político recente próximo aos países ditos “neo-populistas”, a política econômica uruguaia tem sido notadamente pró-mercado, o que mostra uma certa maturidade em não misturar a gestão da economia com a política. O primeiro governo Lula tentou, durante o seu primeiro mandato, seguir essa mesma lógica, mas essa racionalidade foi quebrada a partir do segundo Governo e se acelerou na gestão desastrada dos dois Governos Dilma Roussef.

 


[viii] Os termos populismo e neo-populismo e suas respectivas análises na ciência política são complexos. Portanto, apesar desta nota ser extensa, ela não tem nenhuma pretensão de ser exaustiva ou definitiva sobre o tema. O dicionário Collins (English Dictionary - Complete & Unabridged 2012 Digital Edition © William Collins Sons & Co. Ltd. 1979, 1986 © HarperCollins Publishers 1998, 2000, 2003, 2005, 2006, 2007, 2009, 2012) define populismo (tradução livre) como “uma estratégia política baseada no apelo calculado aos interesses ou pre-conceitos da população”. Tendo como centro a figura de um líder carismático, na América Latina, o populismo foi a tônica de vários governos populares e ditaduras como a de Getúlio Vargas no Brasil e os governos de Perón na Argentina, e também na Europa, como é o caso das ditaduras de Franco (Espanha) e Salazar (Portugal). Em certo sentido o governo nazista de Hitler (na Alemanha) e facista de Mussolini (na Itália) também podem ser conceitudos como populistas (Germani, G., Authoritarianism, Facism and National Populism, Transaction Publishers, New Brunswick, New Jersey, 1978, 292 pages), de modo que existe uma certa interface entre ditadura, ou práticas não democráticas, e populismo, dado que estes governos, mesmo nas suas fases “democráticas”, sempre utilizaram atalhos “acima das leis” ou de sua correta interpretação, com a distorção da realidade, associados à propaganda emocional/não racional junto a população para alcançar seus objetivos. Na América Latina, o ciclo de ditaduras militares, como as do Brasil, da Argentina e de outros países, estancou as tendências populistas que existiam latentes na Região, o que fez com que autores escrevessem livros clássicos, como o de Otavio Ianni (1968), “O Colapso do Populismo no Brasil” Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1968, 236 páginas. Na análise de Ianni, o populismo no Brasil foi de corte nacionalista, na transição de uma economia de exportação para uma economia industrial, atuando como técnica de manutenção do poder, através da manipulação política das massas, como meio de sustentar os compromissos estabelecidos entre as elites. Nesse processo, a esquerda atuava como força-tarefa secundária do nacionalismo reformista com a esperança de arregimentar camadas populares para seus propósitos futuros. O crescimento e radicalização dos movimentos da esquerda e sua independencia crescente do pacto com as elites, nos primórdios dos anos 1960 (no Brasil) e nos anos 1970 (Chile e Argentina, por exemplo), levaram à ruptura social entre massas organizadas e classes médias, abrindo o espaço para as ditaduras militares em vários países da Região. O ciclo de redemocratização pós-1990 foi construído de forma sólida em vários países latino-americanos, mas tem sido afetado, a partir do início do século XXI, por uma nova forma de política conceituada como neo-populismo: um movimento político que, mesmo usando métodos similares, se distingue do populismo do século XX, ao combinar o uso extensivo dos meios de comunicação de massa para reduzir os custos de transação e aumentar a velocidade na aproximação entre o lider e as massas. Embora exista em várias partes do mundo, o neo-populismo na América Latina tem forjado um novo ciclo de poder e enriquecimento das grandes empresas nacionais, de executivos de empresas estatais e da classe política, com o uso massivo da corrupção do Estado como forma de financiar partidos políticos de coalizão e interesses empresariais, mas ao mesmo tempo utilizando transferencias de renda, promovendo o consumo e benefícios pecuniarios para os mais pobres para legitimar o poder dos líderes populistas. Isto de certa forma representa um retorno ao populismo, diferentemente do que preveu Otavio Ianni em seu livro, com o aparecimento de líderes como Chaves (Venezuela), Lula (Brasil), família Kirshner (Argentina), Morales (Bolivia) e Correa (Ecuador). Em certo sentido, o neo-populismo tem tido muito mais influência da esquerda (e em grande parte da esquerda não-democrática), através de estratégias regionais como as do grupo do Fórum de São Paulo, que desde 1990 tem discutido fórmulas (muitas delas bem sucedidas) para o retorno da esquerda, de forma organizada, ao poder na América Latina. Uma explicação sobre o Foro de São Paulo pode ser encontrada na wikipedia em português (https://pt.wikipedia.org/wiki/Foro_de_S%C3%A3o_Paulo). Com o fim do boom internacional das commodities, a partir de 2012, e a falta de políticas macroeconômicas e fiscais consequentes, a crise econômica começa a corroer os benefícios sociais superficiais que sustentavam o apoio aos governos neo-populistas na Região.

 


[ix] Todos os dados primários apresentados nos gráficos foram extraídos do World Development Indicators (WDI) do Banco Mundial. No caso da inflação foi utilizado o deflator implícito do PIB (http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.DEFL.KD.ZG). Para calcular os dados para cada um dos dois grupos de países (economias neo-populistas e economias pró-mercado) calculou-se a média ponderada pela magnitude da população para os países que compõe cada um dos dois grupos.

 


[x] O indicador de PIB per-capita foi calculado em valores correntes em dolar e pode ser encontrado na base do WDI do Banco Mundial. http://search.worldbank.org/data?qterm=GDP+percapita+growth+rates&language=&format=. Para calcular os dados para cada um dos dois grupos de países (economias neo-populistas e economias pró-mercado) calculou-se a média ponderada pela magnitude da população para os países que compõe cada um dos dois grupos.

 


[xi] O indicador de Taxa de Mortalidade de Menores de 5 anos pode ser encontrado na base do WDI do Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/SH.DYN.MORT) Para calcular os dados para cada um dos dois grupos de países (economias neo-populistas e economias pró-mercado) calculou-se a média ponderada pela magnitude da população para os países que compõe cada um dos dois grupos

 


[xii] O indicador de Taxa de Mortalidade Infantil pode ser encontrado na base do WDI do Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.IMRT.IN) Para calcular os dados para cada um dos dois grupos de países (economias neo-populistas e economias pró-mercado) calculou-se a média ponderada pela magnitude da população para os países que compõe cada um dos dois grupos.

 


[xiii] Para quem quizer ter acesso aos dados individuais por país, consultar o dataset  que preparei na minha página do Researchgate. https://www.researchgate.net/publication/301199950_Dataset_Saude_Economias_Neo-Populistas_x_Pro-Mercado