domingo, maio 30, 2010

Da Atenção Primária às Redes de Saúde: Futuros Caminhos para a Regionalização do SUS - Parte II

Ano 5, No. 15, Maio 2010


Andre Cezar Medici




Na última postagem deste blog apresentamos a discussão sobre alguns aspectos teóricos e práticos associados ao tema da regionalização de saúde e da conformação de redes como forma de gestão regional de saúde. Nesta postagem vamos abordar o debate em torno da Regionalização da Saúde no Brasil, passando pelos temas de municipalização, distritos sanitarios e consórcios intermunicipais de saúde.

1. A Municipalização como promessa

No Brasil, o tema da regionalização em saúde está na pauta de discussão há muito tempo. Nos anos oitenta ele se orientou para uma proposta de municipalização da saúde que acabou prevalescendo na Constituição de 1988. Como afirmou Paim, “a proposta da municipalização em saúde no Brasil tem uma história de mais de trinta anos, muitas vezes confundindo-se com as lutas pela democracia, pela defesa do direito à saúde e pela conquista da cidadania plena. Torna-se um dos componentes do projeto da Reforma Sanitária cujas linhas básicas encontram-se explicitadas no Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde”.

No entanto, a municipalização não é, em si mesma, uma estratégia para viabilizar o conceito de regionalização. No Brasil, os municípios tem variados tamanhos populacionais – desde algumas centenas de pessoas até dezenas de milhões de habitantes. Isto inviabiliza o uso puro e simples dos municípios como gestores funcionais de redes de saúde. Para viabilizar estratégias regionais efetivas, muitos municípios teriam que se organizar sob a forma de redes inter-municipais, enquanto outros teriam que ser divididos em redes sub-regionais de saúde.

Por outro lado, a interpretação dada pelo Ministério da Saúde ao conceito de regionalização, ao longo da história do SUS, foi pendular: ora fortalecendo o papel dos Estados, ora tirando-os de cena e passando as atribuições essenciais da gestão de saúde aos municípios, sem levar em conta a capacidade e a abrangência regional dos mesmos para desempenhá-las.

Nesse sentido, a proposta de SILOS trouxe um novo alento para a discussão da regionalização em saúde no Brasil, ao introduzir alguns conceitos teóricos como os de distritos sanitários ou consórcios inter-municipais de saúde. Na verdade, essas propostas, ainda que incentivadas, pouco aterrissaram no contexto real do funcionamento do Ministério da Saúde nos anos noventa, embora tenham permitido o estabelecimento de algumas experiências práticas onde se desenvolveram elementos para uma melhor compreensão das dificuldades práticas e alternativas para a criação de redes de saúde no país.

2. Definindo o espaço geográfico: os Distritos Sanitários

A discussão sobre o tema de distritos sanitários no Brasil muito se beneficiou das contribuições de Mendes (1993, 1995). Este autor, que já havia contribuido, como acessor da OPAS, sobre a discussão do conceito de SILOS na América Latina, debruçou-se nos anos noventa a buscar critérios para a implementação destes sistemas, através do conceito de Distritos Sanitários.

Distrito Sanitário (DS) é uma área geográfica que comporta uma população com características socio-econômicas e epidemiológicas definidas, para as quais existem necessidades de saúde conhecidas ou a ser reveladas por instrumentos de análise econômica, demográfica e epidemiológica. Para atender a estas necessidades (uma vez conhecidas) existem, ao nível local, recursos de saúde (físicos, humanos e financeiros) assignados cuja suficiência e organização são objeto de análise e intervenção da administração das instituições de saúde que atuam neste Distrito.

Considerando que a capacidade de planejamento e gestão e a resolubilidade de um DS está associada a uma dada dimensão, representada por um intervalo de magnitude populacional, a área geográfica de um DS, a depender da densidade demográfica, pode comportar vários bairros de um município ou vários municípios de uma região. Cada DS, portanto, tem uma área de influência, representada pela população a ser atendida, pelo lado da demanda, e pela rede de serviços integrada em seu interior, pelo lado da oferta, composta por hospitais, ambulatórios, unidades de apoio diagnóstico ou terapêutico, unidades de média complexidade e hospitais gerais e especializados de referência.

Segundo Mendes (1993), a implantação de um DS leva ao enfrentamento de quatro tipos de problemas: atuais, potenciais, solucionados e normativos. Os primeiros são aqueles objeto de intervenção imediata e dinâmica, identificados como presentes, enfrentados de forma contínua e ocasional e monitorados por meio de dados e informações de natureza quantitativa e/ou qualitativa. Os potenciais são aqueles que, mesmo não estando presentes, existtem evidências ou fatores de risco que predispõem o seu aparecimento. Os problemas solucionados são os que ocorreram no passado recente e estão sob controle epidemiológico, devendo de qualquer modo estar sendo objeto de estratégicas de prevenção e exigindo ainda ações de manutenção ou de prevenção e os normativos são aqueles geralmente predefinidos como existentes e generalizados para diferentes realidades, sem que realmente sejam verdadeiros para todas elas.

3. O entorno jurídico-institucional: os Consórcios Inter-Municipais de Saúde

Em municípios de maior porte um Prefeito ou Secretario de Saúde tem condições para organizar sua gestão através da divisão territorial do municipio em DS, mas em se tratando de municípios dispersos e de menor porte que não comportariam em seu territorio um DS, a forma jurídica pela qual se poderia coordenar assegurar uma assistência médica estruturada, visando o estabelecimento de DS, seria através de Consórcios Inter-Municipais de Saúde.

Consórcios Inter-Municipais de Saúde (CIMS) nada mais são do que acordos jurídicos entre governos municípais que visam estabelecer a coordenação e a gestão integrada de seus recursos de saúde, visando atender às necessidades de promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde da população contida em seus territórios. Os municípios que integram um CIMS deveriam conter os elementos necessários para gestionar a saúde de um DS, mas isto nem sempre ocorre, dado que um DS é uma regionalização de base técnica que nem sempre encontra uma expressão jurídica nos acordos políticos entre prefeituras municipais para elaborar um CIMS.

De acordo com Lima (2000), “a formação de consórcios não obedece a uma única lógica, mas aos interesses e disponibilidades de uma dada região, conformando diversos modos de atuação e permitindo o seu aprimoramento, inclusão ou não de municípios, agrupamento de municípios que, pela lógica da proximidade, podem não pertencer ao estado/sede do consórcio”.

O primeiro CIMS foi implantado no Brasil em 1986, no entorno do Município de Penápolis, em São Paulo. Mesmo assim, a discussão sobre a formação de CIMS no Brasil só se intensifica após a formulação da proposta de SILOS. Ainda em 1990, as Leis 8080 (Lei Orgânica da Saúde) e 8142 abrem a possibilidade que os municipios brasileiros se organizem em CIMS como meio para avançar o processo de municipalização previsto na Constituição de 1988.

No entanto, no início da implantação do SUS, havia uma contradição entre os propósitos de municipalização e a escassêz de instrumentos para o financiamento à saúde dos municípios. A maioria destes não tinham recursos próprios para financiar o processo de descentralização previsto na Constituição de 1988 e somente com a progressiva implantação da reforma fiscal, também incluida na Constituição, e a promulgação de uma extença legislação complementar, composta por Normas Operacionais Básicas (NOB 1991, 1993 e 1996), foi possível concretizar uma base de financiamento mais estável para as ações de saúde desenvolvidas pelos municípios.

Medici (2002) assinalou que a NOB-96 instituiu as bases para a descentralização da saúde no Brasil ao: (a) classificar os municípios segundo sua capacidade de gestão do SUS e instituir processos para seu aperfeiçoamento gerencial; (b) aperfeiçoar a regulamentação dos repasses automáticos fundo a fundo e as modalidades de prestação de contas dos recursos do SUS; (c) fixar valores máximos e mínimos para o financiamento da saúde; (d) aumentar o papel dos estados na coordenação da gestão da saúde e estabelecer linhas divisórias mais claras entre os papeis dos Estados e Municípios na gestão do SUS; (e) instituir mecanismos de programação integrada para orientar as decisões de investimento em saúde; (f) aperfeiçoar os mecanismos de financiamento das ações básicas de saúde, através da criação de um financiamento específico (Piso de Assistência Básica -PAB) e do incentivo financeiro aos programas de agentes comunitários de saúde (PACS) e saúde da família (PSF); (g) aperfeiçoar os mecanismos de pagamento e reembolso de internações hospitalares; (h) apoiar o desenvolvimento de programas de promoção e prevenção para grupos de alto risco e; (i) melhorar a transparência, controle e auditoria dos recursos para a saúde transferidos aos municípios.

Viabilizadas as condições financeiras, o Ministério da Saúde passou, a partir de 1997, a apoiar de forma explícita a pactuação de CIMS, organizando debates e publicando instrutivos de como estes consórcios poderiam ser organizados. Os CIMS passaram a ser considerados, no contexto da regionalização e hierarquização da rede de serviços, estratégias para articulação e mobilização da gestão municipal coordenadas com os Estados. Aspectos técnicos, como características geográficas, perfil epidemiológico e oferta de serviços se somavam a processos políticos de negociação dos municípios, com a participação dos Estados, para instituir consórcios ou estabelecer quaisquer outras relações de caráter inter-cooperativo.

Além do mais, o Ministério da Saúde chegou a definir e propor instrumentos jurídicos para a pactuação e gestão de consórcios bem como modelos de Sociedades Civis que administrariam os mesmos. Nesse sentido, um outro processo – o de definição de iniciativas da gestão não diretamente estatal dos CIMS – se soma ao processo como forma de garantir a flexibilidade necessária à gestão por resultados e às características específicas de cada distrito sanitário, enquanto espaço onde se organizariam os CIMS.

Para garantir a neutralidade quanto ao debate entre os que defendiam enfaticamente a municipalização e os que defendiam que os Estados deveriam ser as instâncias coordenadoras do SUS, a proposta do Ministério da Saúde enfatizava que os CIMS não tiravam a autonomia do Município nem se posicionavam como instâncias intermediárias entre Estados e Municípios. Seu papel seria meramente técnico, ou seja, de estimular o planejamento, gestão e viabilização financeira de investimentos, como forma de superação dos desafios locais na implementação do SUS. A articulação com o gestor estadual, no entanto, seria necessária para que as ações consorciadas componham os processos de programação e pactuação integradas (PPI), os quais garantem a articulação com unidades de saúde do nível estadual e o repasse de recursos correspondente.

Da mesma forma, não se previa nenhuma supremacia de um município na gestão dos CIMS, em função de sua magnitude econômica, fiscal, ou populacional. A relação de igualdade entre os municípios deveria ser a base do consórcio, preservando, assim, a decisão e a autonomia dos governos locais, não admitindo subordinação hierárquica a um dos parceiros ou à entidade administradora.

Cada consórcio tem características próprias, decorrentes das peculiaridades e dificuldades, tanto da região, quanto do município consorciado. No entanto, os CIMS teriam papéis distintos em municípios diferenciados. Para os municípios de pequeno porte, por exemplo, permite o acesso a atendimentos de maior complexidade sem que sejam realizados investimentos ou a manutenção de elevados custos fixos incompatíveis com a magnitude das finanças municipais. Nos municípios que compõe os espaços metropolitanos permite a otimização da rede e a regulação das facilidades de saúde disponíveis evitando o disperdício e aumentando a resolubilidade e a satisfação do usuário.

O aspecto mais importante dos CIMS, no entanto, reside em sua legalidade e institucionalidade. Do ponto de vista jurídico, um consórcio deve conter, no mínimo alguns elementos básicos para o seu funcionamento, tais como objeto e duração, sede e foro, obrigação dos consorciados, atribuições do poder do consórcio, admissão e exclusão de consorciados, sanções por inadimplência, regras para alocação dos recursos, regras para prestação de contas, bases para a observância das normas do SUS em todos os níveis governamentais, mecanismos de controle social, necessidade ou não de instituir uma pessoa jurídica para sua gestão e, caso seja necessário, mecanismos de gestão de recursos humanos, auditoria, licitações, e controle financeiro desta instituição.

Cada CIMS deve ter um estatuto, aprovado em Assembléia Geral dos municípios consorciados. A ata desta assembléia também indicaria, entre outras informações básicas, as leis autorizadoras do Consórcio em cada município participante, a inscrição do consórcio no cadastro geral de contribuintes (CGC) e a formação de uma conta especial para onde seriam depositados, pelos municípios e outras entidades, os recursos que financiariam o CIMS.

Segundo o modelo desenhado pelo Ministério da Saúde, a institucionalidade dos consórcios seria dada pelo funcionamento de pelo menos três instâncias básicas: a) um Conselho de Municípios, de carater deliberativo (em geral composto pelos secretarios municipais de saúde da área envolvida); b) um Conselho Fiscal, responsável pela supervisão financeira e aprovação das contas do Consórcio e c) uma Secretaria Executiva ou de coordenação, responsável pela implementação de ações, cujo gerente ou coordenador é indicado pelo Conselho de Municípios.

Quanto ao financiamento, ainda que o modelo atual não preveja a transferência de recursos fundo a fundo para os CIMS, existem mecanismos que poderiam autorizar o Ministério da Saúde a repassar recursos para investimentos a serem realizados nos Consórcios. Quanto aos recursos de custeio, estes poderiam vir dos sócios (tesouro dos estados e municípios), de doações e de convênios realizados com outras entidades públicas ou privadas.

A atual legislação que rege os CIMS é representada pela Lei 11.107, de 6 de abril de 2005 e pelo Decreto 6017, de 17 de janeiro de 2007. Essa legislação define consórcios públicos como pessoas jurídicas formadas exclusivamente por entes da federação para estabelecer relações de cooperação, podendo ser estas revestidas sob a forma de associações públicas, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos. Mesmo que revestidos de direito privado, os CIMS observarão às normas de direito público em matéria de licitações, celebração de contratos, admissão de pessoal celetista e prestação de contas. De acordo a esta legislação, os CIMS se estabeleceriam em três etapas: a) protocolos de intensões; b) ratificação e c) estatutos. Cada uma destas etapas tem seus trâmites e prazos específicos.

4. Limites e Potencialidades da Experiência de Consórcios de Saúde no Brasil

Por ser uma política de descentralização estimulada desde o início dos anos noventa, os CIMS tiveram uma rápida expansão no Brasil. Com base nos dados das pesquisas de informações básicas municipais (IBM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se pode verificar que o número de municípios com CIMS, praticamente inexistente ao final dos anos oitenta, aumentou consideravelmente nos anos 90. A maoria dos CIMS foi implantada entre 1995 e 1996, como decorrência da legislação que abre o espaço para sua criação e pela estabilização econômica trazida pelo Plano Real que permitiu maior transparência aos contratos, inclusive entre entidades públicas.

A tabela 1 mostra a evolução do número de municípios com consorcios intermunicipais de saúde entre 1997 e 2005 em sete Estados selecionados.


Os dados da Tabela 1 revelam que, entre 1997-2001 o número de municípios com CIMS cresceu rapidamente em alguns Estados que iniciaram seu processo de consorciamento mas tarde, como Paraíba, São Paulo e Santa Catarina, mas estagnou e até regrediu em Minas Gerais e Santa Catarina entre 2001-2005. Por outro lado, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo continuaram aumentando o número de municípios com consórcios de saúde nos anos mais recentes. Em alguns Estados, como Mato Grosso e Minas Gerais, quase ¾ dos municípios têm consórcios de saúde enquanto que nos demais a percentagem é inferior a metade.

Nos anos mais recentes, por outro lado, a percentagem de municípios com consórcios intermunicipais se comportou diferenciadamente ao nivel de cada Região (ver grafico 2). Com exceção da Região Centro-Oeste, o número de consórcios inter-municipais se reduz em todas as Regiões do país entre 2001 e 2005, indicando que os ganhos obtidos nos final dos anos noventa quanto ao aumento da coordenação da gestão e regulação entre municípios, oriundo dos consórcios, poderia estar se revertendo nos anos mais recentes.



Ao mesmo tempo, como demonstra a tabela 2, se constata também que existem grandes diferenças regionais na participação dos consórcios nas estratégias municipais de saúde. Em 2005, apenas as Regiões Sul e Sudeste tinhamn mais da metade de seus municípios com consórcios vigentes. Nas Regiões Norte e Nordeste este percentual era inferior a 10% e na Região Centro-Oeste, ao redor dos 20%.



Por outro lado, o nivel de consorciamento é maior entre os municípios menores (atingindo mais de 40% entre aqueles com menos de 5000 habitantes), dado que estes são os que mais se beneficiam do acesso a tecnologia em saúde e de uma oferta de cuidados mais diversificada, dadas suas limitações em termos de recursos físicos, humanos e financeiros para atender a todo o gradiente de necessidades de suas populações.

Ainda que exista uma leve redução (ou quase estagnação) do crescimento do número de municípios com consórcios inter-municipais de saúde entre 2001 e 2005, há uma tendência que esta redução se concentre nos municípios de pequeno porte, dado que o consorciamento cresce entre os municípios com mais de 20 mil habitantes e particularmente nos municípios de porte ainda maior. Mesmo assim, ao ser mais representativo em municípios menores, se estima que a população residente em municípios com consórcio seja inferior a um terço da população brasileira.

Outro tema a destacar é a participação de outras esferas de governo nos consórcios. Em 2005, de acordo com os dados deo IBGE, 61% dos consórcios intermunicipais de saúde envolviam a participação dos Estados e 29% a participação de alguma entidade do governo federal. Cerca de 31% envolviam a participação de alguma entidade do setor privado e 10% tinham apoio financeiro do setor privado ou da sociedade civil (comunidades) na gestão e financiamento dos consórcios.

Em muitos Estados, os CIMS representam grandes avanços e a realização de compromissos institucionais que anteriormente seriam impossíveis de ser pactados. No caso do Paraná, havia no início da década de noventa, insuficiência de oferta de consultas especializadas, especialmente nos municípios de pequeno porte. Os consórcios no Estado foram estimulados como forma de garantir uma oferta adequada destas consultas. Como resultado, em 2001, 81% dos municípios do Estado eram consorciados e 57% das consultas especializadas registradas no sistema de informações ambulatoriais (SIA) eram realizadas através de consórcios.

Em São Paulo, o número de CIMS evoluiu de 2, ao final dos anos 1980 para 15 em 2005, englobando 147 municípios (24% dos municípios paulistas) e incluindo 2,5 milhões de habitantes (ao redor de 6% da população do Estado). O número de municípios em cada consórcio variou de 4 a 26 perfazendo totais de 42 a 549 mil habitantes. Verifica-se que boa parte das atividades do consórcio tiveram como principal objetivo ampliar a oferta de uma atenção médica especializada e da rede de diangóstico com maior densidade tecnológica. No entanto, em apenas dois destes 15 CIMS o desempenho é medido através de metas e indicadores.

Em síntese,a experiência brasileira de expansão dos CIMS foi moldada pelas seguintes características:

• Representou uma resposta par viabilizar o preceito da municipalização da gestão da saúde contida na Constituição Federal de 1988;
• Concentrou-se na segunda metade dos anos noventa, em função de incentivos gerados pela legislação (Lei Orgânica da Saúde, Normas Operacionais Básicas) que definiu recursos financeiros, fundos de saúde e repasses para os Municípios;
• A estabilização econômica, trazida pelo Plano Real, foi fundamental para o crescimento da receita dos pequenos municípios e para a geração de recursos estáveis para o financiamento dos consórcios;
• A taxa de consorciação é maior nos pequenos municípios, em função da necessidade de prover acesso a ações de saúde de média e alta complexidade não disponíveis pela rede própria ou contratada nestas esferas de governo;
• A taxa de consorciação é regionalmente desigual: é relativamente alta nos municípios da Região Sul e Sudeste, encontra-se avançando nos municípios do Centro-Oeste, mas é extremamente baixa nos municípios das regiões Norte e Nordeste.
• Entre 2001 e 2005 houve uma estagnação no crescimento do número de municípios participantes de CIMS, especialmente nos de pequeno porte, embora houvesse uma ligiera ampliação no número de municípios de médio e grande porte participantes de CIMS.
• É crescente o número de consórcios que envolve a participação de entidades privadas lucrativas ou não lucrativas como sócios ou financiadores de atividades desenvolvidas pelos mesmos.

Na próxima parte deste artigo discutiremos como se poderia avançar no contexto de conformação de redes de saúde a partir das experiências desenvolvidas nos consórcios intermunicipais de saúde

Notas e Referencias

Lima, A.P.G. (2000), “Os Consórcios Intermunicipais de Saúde e o Sistema Único de Saúde”, Cadernos de Saúde Pública, 16(4):985-996, out-dez de 2000, Rio de Janeiro (RJ).

Medici, A.C., (2002), “O Desafio da Descentralização: Financiamento Público da Saúde no Brasil”. Ed. Banco Interamericano da Saúde, Washington (DC),

Mendes, E.V. (1993), “A Vigilancia à Saúde no Distrito Sanitario”, Brasilia, Ed. OPAS, Serie Desenvolvimento de Serviços de Saúde No. 10, 1993;

___________(1995), “Distrito Sanitario: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Ùnico de Saúde”, São Paulo, Ed. Hucitec, 1995;

sábado, maio 22, 2010

Da Atenção Primária às Redes de Saúde: Futuros Caminhos para a Regionalização do SUS (Parte I)

Ano 5, No. 14, Maio 2010


André Cezar Medici (1)




1. A Economia da Oferta e suas Limitações

Jean Baptiste Say foi um dos intelectuais francêses que se debruçou sobre os estudos da economia nos finais da época mercantilista (segunda metade do século XVIII). Pertencente a escola posteriormente denominada fisiocrata (2) , descobriu que numa economia insipiente, ainda em formação, a oferta de novos produtos, estimulava a demanda. O papel do Estado em organizar a expansão do comércio além das fronteiras locais, internacionais e ultramarinas fazia com que todos os novos produtos locais, oriundos da especialização do trabalho trazida pela manufatura, e coloniais, frutos da troca mercantilista, tivessem grande aceitação entre a burguesia nascente em distintos países, estimulando a troca nacional e alimentando o comércio internacional. No entanto, o papel ainda limitado da produção e a curiosidade das novas classes afluentes na busca por novos produtos levou o pensador a formular uma máxima conhecida como a Lei de Say: toda a oferta cria sua própria demanda.

A economia política clássica começou sua história desbancando a Ley de Say. Décadas após a publicação dos escritos de Say, David Ricardo, um dos pais da economia política clássica, no incício do século XIX, ao estudar as formas pelas quais se estruturava a economia de mercado na Inglaterra recém ingressa na Revolução Industrial, descobriu que a sociedade havia mudado com o agigantamento da divisão do trabalho e a consequentemente expansão dos mercados. A troca, antes um complemento à produção de subsistência, passava agora a ser a norma e a economia mercantil dava lugar a sociedade de consumo. O acelerado processo de industrialização e a intensificação da divisão do trabalho, numa sociedade onde a escala de produção econômica aumentava em proporções geométricas, mostrava que a demanda – e não a oferta – era o grande motor da economia. Esta tese foi consagrada pelos economistas posteriores e continua vigente nos dias de hoje.

Sob estas condições, a normalidade do mercado e a garantia de que a demanda orientaria a oferta deveriam estar asseguradas por pelo menos duas premissas: (a) o carater concorrencial da economia, garantindo uma diversidade de produtores, baixos graus de monopólio e preços sensíveis às variações de demanda e; (b) a informação simétrica entre quem vende e quem compra, relacionada ao conhecimento mútuo de compradores e vendedores sobre a natureza do mercado e as características dos produtos.

No entanto, imperfeições de mercado sempre existiram, fazendo com que em alguns setores, a produção industrial e de serviços não atendesse às premissas necessárias para que a demanda determinasse a oferta. Como bem demonstrou Joseph Shumpeter, economista austríaco que produziu grande parte de sua obra entre os anos vinte e os anos quarenta do século passado, a inovação é a alma do capitalismo. É ela que garante a conquista de novos mercados e norteia a volúvel preferência dos consumidores. Novos produtos garantem ganhos diferenciais que se baseiam na ausência da concorrência e na assimetria de informação entre quem vende e quem compra e, dessa forma, fazem com que a oferta – mesmo que por um curto período de tempo – determine a demanda nestas áreas de inovação.

Além do mais, em setores específicos como aqueles que garantem serviços essenciais - energia, transporte, educação - as relações entre oferta e demanda são quase sempre complicadas, exigindo, em quase todas as sociedades, a presença do Estado para garantir sua oferta regular e para assegurar a informação adequada e a modulação da demanda de acordo com a tecnologia e os meios de comunicação disponíveis.

As imperfeições de mercado são uma característica do setor saúde. Nele, as assimetrias de informação entre quem compra e quem vende (ou quem entrega o serviço e quem o demanda) são de grande proporção. Kenneth Arrow (3) , premio Nóbel de Economia, escreveu um artigo em 1963 que praticamente fundou o campo da economia da saúde. Neste artigo se destaca que o setor saúde é marcado pela existência de imperfeições de mercado e forte assimetria de informação, associada à natureza da demanda, ao comportamento dos médicos, à incerteza quanto ao produto, às condições da oferta e ao processo de estabelecimento dos preços no setor. Além do mais, é o setor que por mais de quatro décadas tem liderado no campo das inovações científicas e tecnológicas, fazendo com que os ganhos diferenciais de inovação sejam praticamente uma constante em empresas industriais e de serviços associadas ao setor.

Detalhando ainda mais este ponto, Donabedian (4) afirma que o modelo de livre mercado pressupõe a existência de um consumidor soberano, que decide o que comprar ou não, quando e aonde fazê-lo. Mas no caso da atenção médica, estes preceitos não se cumpririam, dado que: (a) doenças são involuntárias e imprevisíveis; (b) serviços de atenção médica são necessários e insubstituíveis; (c) serviços de atenção médica tendem a ser indivisíveis; (d) a necessidade dos serviços coincide com perdas da capacidade de trabalho e do poder aquisitivo dos indivíduos; (e) o médico é que decide, em nome do paciente, que serviços ele necessita; (f) a disponibilidade de alternativas de atenção médica a diferentes preços é limitada e (g) não há informação para que os pacientes comparem os preços de um mesmo ou de diferentes serviços.

Portanto, a assimetria de informações leva a economia da oferta a seguir orientando a dinâmica do setor saúde, trazendo como consequências o desconhecimento dos pacientes quanto aos protocolos e serviços a que estão submetidos,, deficiências de cobertura, disperdício no uso dos recursos e o crescimento desproporcional dos gastos em saúde. Dadas essas circunstâncias, a regulação do mercado, a presença do Estado como financiador da inovação e difusão científica (como demonstra o papel de instituições como o NIH nos Estados Unidos ou da FIOCRUZ no Brasil) e a integração entre as esferas públicas e privadas passaram a ser imperativos ao setor saúde. Mesmo representando importantes mercados privados em muitos países e alcançando partes consideráveis do Produto Interno Bruto, o setor historicamente tem sido pautado pela forte presença de políticas públicas e intervenção do Estado: de um lado, para garantir a oferta equitativa, a disponibilidade do serviço e evitar perdas financeiras das famílias e índivíduos oriundas de gastos catastróficos em saúde e de outro, para assegurar o funcionamento e a inovação em setores essenciais como a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos.

Assim, desde o século XIX, o setor público e a sociedade civil começam a se organizar para garantir saúde, como proteção básica à população e garantia de regularidade do mercado de trabalho. Somente para citar alguns exemplos, a forte presença do Estado em saúde aparece em muitas sociedades de mercado: na Alemanha em fins do século XIX sob o governo de Bismarck; nos Estados Unidos, com os planos de saúde ofertados por instituições não lucrativas, como a Blue Cross, Blue Shield, a Kaiser Permanente, durante a grande depressão dos anos trinta; na Inglaterra, com a medicina de família (primary health centers and general practitioners) de Bertrand Dowson, nos anos 1920, e o Plano Beveridge, ao fim da Segunda Guerra Mundial; nos Estados Unidos novamente, com as reformas que introduziram o Medicare e o Medicaid nas décadas de sessenta e setenta; e no Brasil, com a criação das CAPS, nos anos vinte, dos IAPS, nos anos trinta, do INPS-INAMPS nos anos sessenta e setenta e com o advento do SUS, ao final dos noventa. Em nenhuma destas tratativas o Estado esteve de fora na construção da proposta, seja para o seu financiamento, na regulação e geração de incentivos ou na administração direta dos serviços.

O grande dilema é que, mesmo contribuindo para a redução do sofrimento humano e prolongamento da vida, os processos regulatórios em saúde tem sido tímidos no uso de modelos de gestão que aumentem a eficiência nos gastos com melhores resultados assistenciais. Por este motivo, surgiram correntes de pensamento que passaram a buscar formas de integração de diferentes níveis de atenção e esferas do sistema de saúde que poderiam levar a uma maior coordenação de esforços para melhorar a eficiência e a eficácia do setor do ponto de vista sistêmico e garantir que a informação setorial seja melhor distribuida entre unidades, atores relevantes do sistema e pacientes, com vistas a reduzir os custos de transação e aumentar a capacidade resolutiva do sistema.

2. Consequências da Economia da Oferta em Saúde

Ainda que os processos regulatórios possam levar a soluções que minimizem os efeitos da economia de oferta na assimetria de informações e na gestão dos serviços, esses processos devem ser aplicados, de forma coordenada, em redes que atuem de forma integrada na solução dos problemas de saúde de uma determinada Região. A ausência de processos regulatórios associados a integração de serviços de saúde de distintas naturezas (público, filantropico e privado) e de distintos níveis de complexidade (atenção básica, especializada e de alta complexidade) levam a perpetuação das consequências negativas da economia da oferta no setor saúde, as quais descrevemos abaixo:

a) Fragmentação:

Sem a existência de processos coordenados de integração, todas as unidades de saúde, independentemente de seu porte e complexidade, passam a atuar como porta de entrada do setor. A assimetria de informação sobre o nivel de resolutividade requerido para distintos problemas de saúde, leva os indivíduos a buscar unidades de maior porte e complexidade dado que estas transmitem a impressão (muitas vezes falsa) de que são mais resolutivas, resultando em superlotação nas emergências de hospitais e esvaziamento de unidades básicas.

No caso do Brasil, por exemplo, parte desse processo também se associa a inexistência de unidades resolutivas de média complexidade, funcionando dia e noite durante todos os dias da semana, as quais permitem resolver eficazmente problemas que normalmente são levados para as urgências e emergências hospitalares. As familias urbanas pobres, onde ambos os cônjuges trabalham sem mecanismos de proteção social, tem seu acesso à saúde limitado pelo fato de que as unidades públicas de atenção básica à saúde funcionam somente em horário comercial. Assim, quando necessitam de cuidado médico noturno tem como única opção a busca dos serviços hospitalares de urgência.

Este fato ainda se intensifica pela inexistência de regras definidas para derivar pacientes para unidades de maior complexidade. Casos simples são tratados em estabelecimentos mais complexos e casos complexos deixam de ser atendidos em unidades de maior complexidade, aumentando o risco dos pacientes.

As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) que começam a ser implantadas em Estados como o Rio de Janeiro desde 2007, parecem demonstrar uma elevada eficácia na solução destes problemas, mas muito ainda se teria que avançar em sua integração com outros unidades das redes de saúde locais de porte e complexidade diferenciado como as de atenção básica (Programa de Saúde da Família) e os hospitais gerais e especializados.

b) Ausência de gestão clínica:

O forte desenvolvimento das tecnologias de informação tem permitido avanços na identificação, registro, agendamento de pacientes, regularização do fluxo de serviços, criação de prontuários eletrônicos, desenvolvimento de sistemas de custos, gestão de farmácia e insumos e muitas outras aplicações na área de saúde. No entanto, boa parte destas tecnologias somente permite um processo integrado de gestão clínica quando os serviços se estruturam em rede e os processos de TI se integram ao nivel das mesmas.

A inexistência de redes de saúde leva a não integração da gestão clínica e não permite o uso eficiente de processos que hoje se iniciam a difundir nas unidades de saúde no Brasil como fichas clínicas eletrônicas, protocolos por patologia, case-mix ou regras de conduta para estabelecer caminhos críticos para preservar ou salvar a vida dos pacientes.

A ausência de redes dificulta a detecção precoce de problemas de saúde e o registro e acompanhamento de pacientes crônicos ao longo dos distintos tipos de serviços prestados. Temas como promoção, prevenção, uso de linhas de cuidado acabam sendo conceitos teóricos pouco refletidos em práticas cotidianas nos estabelecimentos de saúde.

c) Falta de gestão eficiente dos recursos financeiros.:

A inexistência de redes de saúde não permite economias de escala e aglomeração que levam a racionalizar o financiamento das ações de saúde. A análise do fluxo dos recursos passa a se concentrar em estabelecimentos de saúde que, sem estarem integrados em redes, acabam vinculando o financiamento à categorias de gasto (salários, insumos, medicamentos, manutenção) e deixam de vislumbrar prioridades epidemiológicas e o uso de processos preventivos na ponta de rede, que acarrentariam em reduções de gastos com alto custo na outra ponta a médio prazo.

Por outro lado, a lógica do financiamento centrada em estabelecimentos de saúde, ao invés de patologias, leva ao marasmo administrativo. A cada ano os orçamentos se repetem ou se reajustam com base no comportamento historico dos gastos. Os incentivos ao financiamento, ou estão associados à minimização do tempo dedicado a cada cuidado ou a maximização do valor dos procedimentos reembolsados nos estabelecimentos, trazendo distorções no uso eficiênte dos recursos e nos resultados assistenciais.

d) Balanceamento inadequado no uso de recursos humanos

A ausência de integração das redes de saúde focaliza o tema de recursos humanos nas unidades de saúde e não sua adequada distribuição na rede. Ao invés de utilizar as prioridades epidemiológicas e o fluxo dos serviços para definir as quantidades e a composição (skill mix) dos recursos humanos, se acaba priorizando se em cada unidade os quantitativos de médicos, enfermeiros e outros profissionais de acordo com a dimensão da planta de pessoal definida para a unidade de saúde.

O mesmo se aplica aos esforços de capacitação de pessoal. Pouco se discute sobre a necessidade futura de capacitação em relação aos recursos existentes na rede de saúde. O uso da telemedicina, capacitação à distância e outros recursos de treinamento não são utilizados, ou quando o são, não obedecem a um planejamento baseado em necessidades assistenciais de uma rede integrada.

A falta de coordenação em rede também amplia a possibilidade de multi-emprego, fazendo com que se minimize a possibilidade resolutiva de cada espaço da rede e se maximize a lotação de pessoal em cada estabelecimento de saúde, sem um controle adequado do uso do tempo de trabalho, duplicando esforços e reduzindo a eficácia no uso de recursos humanos.

e) Falta de coordenação do fluxo de serviços e inadequação dos sistemas logísticos:

A inexistência de redes não permite o uso adequado dos recursos e a distribuição do fluxo de pacientes segundo as necessidades regionais. As internações, por exemplo, deixam de ser atendidas por uma escala de urgência e passam a ser definidas segundo as prioridades subjetivas do corpo médico ou da gerência de cada unidade. Não é raro, nestas circunstâncias, que a ordem das filas seja subvertida por tráfico de influências, corrupção e compromissos institucionais. A mercantilização substitui a ética médica e a descoordenação gera falta de transparência e impunidade. Como resultado, muitos casos não tem tratamento adequado. Aumenta a morbidade e a mortalidade evitável, os profissionais de saúde se desvalorizam e se degradam e os pacientes perdem a confiança no sistema de saúde.

A criação de redes permitiria uma melhor utilização dos sistemas de saúde pública, consultórios, leitos, instalações, laboratórios e recursos de terapia intensiva. Facilitaria a adequada distribuição dos pacientes entre as instalações existentes, de acordo com a severidade dos casos, através de prontuários, agendamento telefônico (call-centers), sistemas de triagem e centrais de regulação de leitos. Valorizaria a promoção e a prevenção, assim como o acompanhamento dos casos após as fases agudas. Aproximariam o paciente de seu médico clínico e valorizariam as regiões de saúde e suas unidades de atenção básica.

O mesmo se aplicaria a distribuição de insumos, os quais podem ser comprados e armazenados centralmente, utilizando sistemas logísticos eficientes e processos de licitação, distribuição e gestão dos prazos de validade adequados. Da mesma forma, a formação de redes de saúde otimizaria uso de facilidades para exames de laboratório, imagem e terapias especiais segundo as necessidades dos pacientes e a disponibilidade das mesmas na rede.

Por todos esses motivos, os efeitos negativos da economia da oferta em saúde podem ser minimizados (ou até eliminados) pelo uso de redes de saúde que permitam:

(a) organizar a demanda, a medio e longo prazo, a partir de uma organização que permita atender as prioridades epidemiológicas da população de uma região de saúde, com serviços integrados;

(b) organizar a demanda imediata, a partir de informação ordenada sobre as necessidades dos pacientes, sobre sua situação de saúde e sobre os recursos disponíveis na rede para atender essas necessidades e;

(c) programar e planejar a estrutura de funcionamento, as necessidades de pessoal, os recursos de tecnologia de informação, os recursos humanos, as instalações e equipamentos e a provisão insumos de acordo com as demandas definidas em a e b.

3. Fragmentação, Integração, Hierarquização e Regionalização em Saúde

a) A Dimensão Institucional e os Conceitos de Fragmentação e Integração

Existem duas dimensões que devem ser consideradas quanto aos temas associados a fragmentação x integração dos sistemas de saúde. A primeira, de natureza institucional, diz respeito a dicotomia entre sistemas estruturados ou desestruturados, ou ainda, sistemas unificados x sistemas fragmentados. Londoño e Frenk (1997) (5) , nos anos noventa, partiram do ponto de vista que, independentemente de serem únicos ou fragmentados, o importante é que haja uma estrutura que garanta a coordenação das funções e ações desempenhadas pelos sistemas de saúde, como forma de aumentar a acesso, equidade, qualidade e eficiência na gestão. Para estes autores, sistemas de saúde plurais ou fragmentados podem ser integrados ou estruturados a partir de instrumentos jurídico-institucionais que garantam uma adequada regulação e coordenação das funções destes distintos sistemas.

Uma visão complementar a esta dimensão é abordada por Mendes (2001) (6), ao considerar que a segmentação da atenção à saúde leva à segregação de diferentes clientelas em nichos institucionais singulares. Segundo o autor, a segmentação pode até estar acompanhada por uma integração vertical onde cada segmento - público ou privado - exercita coordenadamente as funções de financiamento, regulação e prestação de serviços para suas clientelas particulares. No entanto, partindo da premissa de que a saúde é um direito fundamental de cidadania, os sistemas segmentados não são capazes de evitar uma segregação horizontal das clientelas, onde o acesso, equidade e qualidade passam a ser diferenciados em cada sistema, gerando profundas injustiças sociais.

Vários autores tem explicitado a natureza segmentada do sistema de saúde brasileiro. Medici (2002) (7) afirmava que o sistema de saúde brasileiro é pluralista e fragmentado. Nele se destacam três grandes segmentos com modalidades próprias de financiamento e prestação de serviços: aquela organizada pelo setor público – o SUS, o sistema voluntário de planos de saúde financiados pelas empresas e famílias, conhecido como sistema de saúde suplementar e aquele financiado diretamente pelo orçamento das famílias.

A fragmentação reside no fato de que estes três segmentos não integram suas estratégias assistenciais nem estabelecem fluxos compensatórios de financiamento das transferências de saúde do SUS para indivíduos ou famílias que utilizam concomitantemente mais de uma destas modalidades. Em geral, isto acarreta: (a) em recursos públicos subsidiando atividades privadas (clientes de planos de saúde utilizando serviços do SUS que deveriam estar sendo custeados pelos planos) ou ações de saúde sendo duplamente financiadas (estabelecimentos faturando simultaneamente do SUS e dos planos privados para receber pela prestação de um mesmo serviço), o que cria problemas tanto na equidade como na eficiência do sistema.

b) A Dimensão Espacial e os conceitos de Regionalização e Hierarquização

A segunda dimensão, de natureza espacial, diz respeito aos processos de integração e coordenação de funções em redes regionais de saúde. Estas podem integrar diferentes segmentos públicos ou privados, representando a totalidade da oferta de saúde de uma dada Região, ou apenas se referir à um segmento específico, como é o caso do SUS.

Alguns condicionantes devem ser pensados na estruturação de redes de saúde. Qual seria sua dimensão ótima? Que funções elas deveriam integrar? Como as condições sociais, demográficas e epidemiológicas definem as funções das redes? Deveriam elas incluir todas as modalidades de serviços, ou determinados níveis de complexidade deveriam estar além dos limites geográficos das redes? Até que ponto a geografia e o acesso (hidrografia, relevo, densidade populacional, transportabilidade, comunicações) devem definir o desenho, as funções e as instituições que compõe uma dada rede de saúde?

O que vamos explorar na segunda parte deste artigo é esta segunda dimensão, buscando discutir o caráter interno da organização das redes de saúde, em seus aspectos de hierarquização e regionalização, e explorando alternativas para o caso brasileiro.

A idéia de rede regional de saúde não é nova. A articulação regional e hierarquização das ações entre estabelecimentos de saúde com distintos níveis complexidade, como forma de aumentar a eficiência e a resolubilidade dos serviços, já foi pensada em muitas ocasiões ao longo da história recente. Donabedian, por exemplo, afirmava que o adequado exercicio do planejamento das ações de saúde só é possível se, independentemente de seus diferentes papéis na produção de serviços, os objetivos que norteiam a ação dos estabelecimentos de saúde são congruentes.

A congruência entres os objetivos permite organizar o fluxo e a hierarquia das ações entre distintos estabelecimentos de saúde, a qual viabiliza o exercício do planejamento e programação regional dos serviços. Eckestein, citado por Donabedian, falando da estrutura do sistema de saúde inglês na década de 50, alguns anos após a implementação do Plano Beveredige, afirmava que o objetivo do sistema de saúde britânico era proporcionar gratuitamente a todos os cidadãos os serviços que lhes eram necessários, Uma vez consensuado este objetivo, se buscava o financiamento adequado e racional para organizar e entregar os serviços, a estruturação e o fluxo dos mesmos nos distintos pontos da rede regional e a eliminação dos disperdícios e duplicações de funções.

A idéia de rede de saúde se vem estruturando em contra-posição aos malefícios da fragmentação dos serviços decorrentes da economia da oferta. A conferência internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata (URSS) em 1978 é conhecida por destacar o papel da atenção básica na melhoria das condições de saúde dos povos. Mas na verdade, ela foi muito mais do que isso, dado que enfatizou a importância da articulação dos serviços de saúde em redes regionalizadas e hierarquizadas de saúde. De acordo com o artigo VII, item 6 desta conferência, os serviços de atenção primária “devem ser apoiados por sistemas de referência integrados, funcionais e mutuamente amparados, levando à progressiva melhoria dos cuidados gerais de saúde para todos e dando prioridade aos que têm mais necessidade” .

Sobre a base das discussões de Alma Ata (8), a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) desenvolveu, ao final dos anos 1980, a idéia de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) a qual se baseia em soluções que mesclam a regionalização (territorialização) com a capacidade resolutiva de acordo com a hierarquia da rede de saúde em diferentes níveis de complexidade. Um SILOS consiste em um conjunto inter-relacionado de recursos internos e externos ao setor saúde, que são responsáveis pela saúde de uma população, em uma região geográfica específica, cujos limites podem ser uma ou mais unidades administrativas como distritos, municípios ou regiões.

Em muitos países a regionalização ou divisão administrativa de um território (município, estado, etc.), para fins de organizar um sistema de saúde é anterior ao conceito de SILOS. Mas nem sempre estas unidades funcionavam sob um mesmo plano de ação regional, havendo portanto, poucos avanços nos aspectos de coordenação, eficiência e resolubilidade. O conceito de SILOS inova na perspectiva de melhor fundamentar os processos de hierarquização ou integração vertical das unidades sob uma mesma territorialidade e na gestão dos recursos para que esta integração alcance os melhores resultados.

Na próxima parte deste artigo discutiremos a historia do processo de Regionalização da Saúde no Brasil

Notas


(1) Texto baseado em apresentação realizada no dia 14 de novembro de 2008 no Seminário sobre Saúde, Previdência e Assistência Social, realizado na Fundação Getúlio Vargas.

(2) A denominação fisiocracia nasceu por uma analogia aos trabalhos de um dos pais dessa escola – o médico François Quesnay. Este autor, ao analisar a afluente economia francesa do século XIX, a descreveu como um sistema semelhante ao aparelho circulatório humano, onde os bens, serviços e mercadorias irrigavam (como a corrente sanguínea) os distintos setores da produção.

(3) Arrow, K.J. (1963), “Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care”, American Economic Review 53(5): 941-73, dec-1963.

(4) Donabedian, (1988), A., “Los Espacios de la Salud: Aspectos Fundamentales de la Organización de la Atención Médica”, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1er. Edición en Español, 1988.

(5) Londoño, J.L & Frenk, J. (1997), “Structured Pluralism: Toward an Innovative Model for Health System Reform in Latin America”, Health Policy 41 (1): 1-36.

(6) Mendes, E.V. (2001)“Os Grandes Dilemas do SUS”, Casa da Qualidade Editora, Salvador (Bahia), Brasil.2001.

(7) Medici, A.C. (2002), “O Desafio da Descentralização: Financiamento Público da Saúde no Brasil”. Ed. Banco Interamericano da Saúde, Washington (DC),2002

(8) A Declaração de Alta Ata pode ser acessada na página: http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf

segunda-feira, maio 17, 2010

Registros Eletrônicos de Saúde: Uma Ferramenta a Favor da Universalização e da Transparência

Ano 5, No. 13, Maio 2010 


André Medici




Introdução



Sistemas de saúde tendem naturalmente a ser fragmentados. Essa fragmentação tem sido responsável, em grande medida pelos altos custos de transação e ineficiências nesses sistemas. A fragmentação também resulta do jogo de interesses dos agentes do setor que a utilizam como forma de esconder informação e garantir privilégios financeiros decorrentes da falta de transparência ou da corrupção.

A maneira mas natural de tentar reduzir esta fragmentação seria ter bons sistemas de registros e organização de informações, mas isto era praticamente impossível antes do surgimento de registros eletrônicos em saúde. Formas rudimentares de informatização de serviços de saúde começam a aparecer no final anos sessenta, mas com muitas dificuldades dado que se orientavam basicamente a organizar e cruzar informações existentes sem o devido foco nos pacientes ou usuários. Essa realidade começa a mudar a partir dos anos oitenta, com o surgimento de novas tecnologias gerenciais em saúde como os grupos relacionados de diagnóstico (DRGs), a digitalização de fichas clínicas e o cruzamento destas informações com dados cadastrais de usuários dos sistemas de saúde.

Os registros eletrônicos em saúde (RES) associados a usuários, em suas diversas formas (cartões magnéticos, cartões inteligentes com chip, códigos de barra, etc.), tem sido utilizados crescentemente nos últimos 25 anos como forma de aumentar a cobertura e agilizar o fluxo de pacientes dentro dos sistemas de saúde podendo evitar duplicações de cobertura e fraudes associadas ao pagamento de serviços não prestados e materiais e medicamentos não utilizados pelos pacientes. Eles constituem mais propriamente uma ferramenta que aumenta o acesso, a transparência e o controle dos recursos nos serviços de saúde do que um instrumento para melhorar a qualidade direta da prestação dos serviços(i).

A utilidade dos RES, portanto, se associa não só à sua contribuição para a universalização da saúde, ao incrementar o acesso e o reduzir o tempo de resposta dos serviços às necessidades dos pacientes, mas também à sua essencialidade como meio de aumentar a transparência e a eficiência no setor. Na medida em que os RES permitem um melhor conhecimento das condições de saúde dos pacientes e dos recursos utilizados na prestação de serviços, contribuem dessa forma para um melhor monitoramento e avaliação e para o combate a fraudes e corrupção no setor.

Ainda que sejam caros, e muitas vezes as estratégias utilizadas em sua implementação corram o risco de não serem bem sucedidas, os RES e outros sistemas de tecnologia de informação em saúde, propiciam economias de recursos à médio e longo prazo ao aumentar a eficiência dos serviços, a padronização de procedimentos e o controle e avaliação na aplicação de guias clínicas, e por gerar melhores mecanismos de controle que minimizam fraudes em áreas estratégicas de compras de serviços de saúde, insumos básicos, uso de equipamentos e medicamentos. Permitem, também dessa forma controlar adequadamente o uso das instalações de saúde, especialmente nos níveis de atenção primária e secundária, e reduzir os erros na administração de medicamentos (ii).

Em algumas áreas, como nos serviços de emergência, os sistemas de tecnologia da informação melhoram dramaticamente o tempo de resposta e salvam mais vidas, com um custo incremental operativo pequeno comparado aos benefícios sociais gerados (iii).

Os países desenvolvidos tem realizado altos investimentos na implementação de RES. Uma análise de seis países da OECD (iv) revela que os investimentos anuais percapita em RES em 2005 foram elevados, especialmente em países com sistemas públicos universais como UK (US$192,79), Canadá (US$31,85); Alemanha (US$21,20) e Noruega (US$11,43). Este grande volume de investimentos se justifica pelas funções que os RES podem desenvolver, como ilustra o diagrama abaixo proposto pelo NHS inglês (v) .




Como se pode notar, os RES servem a múltiplos propósitos: desde acesso aos registros pelos usuários, o que reduz a assimetria de informação, até atividades assistenciais, como apoio 24 horas a assistência nas ações de agendamento eletrônico dos serviços e no próprio atendimento rotineiro aos pacientes, onde os profissionais de saúde (especificamente aqueles que tratam do paciente) passam a ter acesso a informações clínicas (histórico do paciente, exames, anamneses, etc.) que melhoram a qualidade das decisões médicas adotadas. Por outro lado, os RES também permitem a produção de agregados de dados desidentificados (anônimos) que permitem melhorar aspectos associados a ações coletivas como o aprimoramento dos programas de saúde, o aumento da eficiência na gestão e controle social sobre os serviços e o avanço de pesquisas epidemiológicas que permitem organizar as prioridades no atendimento dos serviços.

Embora países desenvolvidos com sistemas universalizados tenham aumentado estes investimentos em RES, tais investimentos ainda são muito pequenos em países que tem seus sistemas de saúde mais voltados para o mercado de planos privados como os Estados Unidos (US$0,43). Este fato talvez possa justificar porque o sistema norte-americano segue sendo um dos mais custosos e com menor acessibilidade dentre conjunto dos países desenvolvidos. No entanto, experiências pioneiras como a da Kaizer Permanente da California, mostram que os investimentos em RES podem gerar grandes benefícios mesmo em países baseados em sistemas de mercado de seguros de saúde como os Estados Unidos.

Um breve acompanhamento da imprensa mundial também mostra que nos países onde existe maior resistência ao uso de RES ou de sistemas de controle baseados em tecnologia de informação, existe uma tendência a ocorrer um ambiente de descontrole favorável à corrupção, à falta de regulação no uso de tecnologia médica custosa e desnecessária e ao desestímulo no uso de protocolos e guias clínicas (vi) .

O objetivo deste artigo é comentar sobre os esforços na implantação de uma estrutura eficiente de RES no Brasil, entre 1999 e 2002 – o Cartão SUS - e de como esta estrutura poderia ter alavancado a universalização do SUS nos anos mais recentes, caso não tivesse sido descontinuada a partir de 2003. Mas mesmo assim, ainda existem possibilidades de reverter o processo e recuperar o tempo perdido nos próximos anos. É o que passaremos a ver.

A Experiência Brasileira do Cartão SUS

O médico sanitarista Sylvain Levy, hoje aposentado, é uma das pessoas que durante muito tempo trabalhou incansavelmente com sistemas de informação no Ministério da Saúde do Brasil. Em 1986, quando fui Diretor Adjunto de População do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coordenamos conjuntamente alguns esforços para a integração das bases de dados produzidas entre o IBGE (AMS - Pesquisa de Assistência Médico Sanitária) e o Ministério da Saúde (CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde).

Recentemente, o site Domingueira de Gilson Carvalho publicou um excelente artigo de Sylvain (vii) sobre a origem e os problemas enfrentados na implantação do Cartão SUS. O artigo constata varias coisas importantes:

a) Primeiramente, que a idéia do Cartão já estava prevista na Norma Operacional Básica (NOB) de 1996, o que mostrava a intenção do governo em atacar o problema de coordenação do sistema à semelhança do que fizeram alguns países europeus e o Canadá;

b) O então Ministro da Saúde, José Serra, inicia em 1998 a diretriz de cumprir a NOB-96 e avançar na implementação do cartão. Entre 1998 e 2002 se completa o desenho preliminar das informações e formas de operação do Cartão e são realizados estudos piloto para sua implementação em 44 municípios com um total de 13 milhões de usuários;

c) Entre 2003 e 2006 o processo ficou estancado. A partir do primeiro semestre de 2003 a experiência foi desativada pelo governo, com a transferência de dois coordenadores que exerciam papel chave no projeto para outros ministérios e a decisão de interromper o processo para que fosse utilizado software livre ao invés de sistemas proprietários que, por ironia, já haviam sido pagos pelo Governo;

d) Ao final de 2006, o então Ministro da Saúde José Saraiva Felipe resolve ressucitar o projeto, retomando a relação entre estados e municípios, com o apoio do Governo Federal, para a continuidade do projeto do Cartão SUS de forma descentralizada.

e) No entanto, dois fatores tem feito com que este processo tenha avançado lentamente: o primeiro, é a falta de investimentos em informatização dos serviços de saúde na ponta de linha para que o processo se torne efetivo. O segundo é a inexistência de câmaras de compensação financeira pelos serviços prestados entre as distintas esferas de governo (federal, estadual e municipal) o que desincentiva a implantação do cartão como forma de compensar aos serviços municipais ou estaduais de saúde por pacientes que venham de outros municípios, de outros estados, ou até do setor privado, caso estes tenham planos de saúde.

Com o intuito de tentar explicar o processo e avançar em propostas para que o cartão SUS retorne e se torne um efetivo fator de universalização e transparência dos serviços no setor, faremos alguns comentários sobre o ocorrido em cada uma destas fases.

A conceitualização do Cartão SUS no Brasil

A documentação existente mostra que desde os anos sessenta já existia a intenção governamental de criar um sistema estatístico para identificar usuários de saúde e ver como os brasileiros atendiam suas necessidades de saúde. O tema aparece desde o Governo Janio Quadros e é amplamente discutido na III Conferência Nacional de Saúde de Dezembro de 1963, sob o Governo João Goulart, onde se propõe que o IBGE e o Ministério da Saúde se coordenem sobre a criação de um sistema desta natureza.

No entanto, em que pesem as discussões sobre esses temas, não havia tecnologia suficiente para a implantação deste processo e qualquer sistema estatístico a ser criado naquela época não propiciaria os elementos de acesso e gestão clínica que poderiam ser estabelecidos com a concepção do Cartão SUS que surge ao final dos anos noventa. A proposta do Cartão em 1998 vem a atender as necessidades da NOB 1996 que procurava resolver os problemas de saúde no Brasil nas perspectivas de gestão, assistencial, epidemiológica e sanitária.

O início da implementação do Cartão

A implementação de processos de tecnologia da informação em saúde não é fácil. Sistemas de Informação necessitam ser meticulosamente planejados para compatibilizar rotinas, fluxos e processos de obtenção, tratamento e uso dos dados, com a finalidade última que as políticas de saúde se propõe a alcançar. Dadas essas dificuldades, é frequente que a implementação de sistemas de informação de saúde ultrapassem os prazos previstos, sofram perdas de recursos e muitas vezes venham a ter que voltar atrás em algumas decisões (viii).

Os primeiros passos na implementação do Cartão SUS esbarraram em processos licitatórios e organizacionas que foram progressivamente sendo resolvidos. Em 1999 foi feita a primeira licitação para o desenho e implantação do sistema em experiências piloto. A licitação previa a contratação de uma solução de informática global, dividida em três lotes, incluindo o desenvolvimento e instalação de terminais específicos (os terminais de atendimento SUS – TAS), aquisição da infra-estrutura de informática e de comunicação, desenvolvimento de aplicativos, emissão dos cartões, capacitação de recursos humanos, manutenção e assistência técnica, dentre outros. A escolha das experiências piloto privilegiou desde pequenas cidades que ofertavam somente serviços de atenção básica, até grandes centros urbanos, com serviços de alta complexidade (ix) .

O processo de cadastramento proposto pelo Cartão se baseava no cadastro do PIS-PASEP que é reconhecido como um dos que menos permite fraudes. Nesse sentido, para aqueles que não tinham PIS-PASEP (todos os que não trabalhavam ou estavam fora do mercado formal de trabalho), os números do Cartão SUS seriam gerados pelos serviços de saúde e validados pela Caixa Econômica Federal (CEF), sendo posteriormente incorporados a uma base de dados que seria compartilhada entre a CEF e o DATASUS.

O cartão identificaria cada indivíduo vinculando-o a um gestor específico e a um conjunto de serviços de saúde tal qual estipulado pela NOB-96. De acordo com a documentação pessoal de Sylvain Levy, o cartão envolvia várias áreas tais como atenção à saúde, planejamento e programação, regionalização da assistência à saúde, vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, controle, avaliação e auditoria. O projeto piloto se destinou basicamente às áreas de identificação e registro do usuário no momento em que se encontrava sendo atendido, localização do prontuário do usuário, registro dos profissionais e estabelecimentos de saúde, agendamento local e remoto de consultas e exames laboratoriais, notificação compulsória dos agravos à saúde, dispensação de medicamentos, registro da execução de exames laboratoriais, prodedimentos coletivos e atualização dos dados cadastrais.

Além do mais, o cartão gerava uma série de possibilidades para a organização do sistema, atendendo a distintas necessidades dos usuários (história clínica, imediata identificação, vinculação à uma unidade de saúde, agendamento automático e aglilização no atendimento, ampliação do acesso a medicamentos), dos profissionais de saúde (facilidade no uso de protocolos, meios para avaliação dos trabalhos de equipe e para a melhoria dos serviços prestados, simplificação de rotinas e processos de trabalho, aumento da velocidade na provisão de insumos) e gestores do sistema (integração de distintas bases de informação, organização dos processos de referência e contra-referência, avaliação e monitoramento da rede prestadora, otimização dos processos de aquisição e dispensação de medicamentos, mecanismos de compensação financeira entre

O Projeto REFORSUS, financiado pelo Banco Mundial e pelo BID, foi utilizado como fonte dos recursos para financiar a proposta, sendo a UNESCO a entidade gestora dos recursos. A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde(SBIS) daria o suporte técnico e conceitual para a idealização do cartão e forneceria consultoria especializada. A gestão do processo ficou a cargo da Secretaria de Investimentos em Saúde, com o apoio dos quadros técnicos da área de informática do Ministério da Saúde.

O processo teve algumas complicações associadas à pressa para sua implementação; à natureza dos contratos com as empresas consultoras e aos equipamentos distribuidos entre as Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais. Mas mesmo assim, se pode dizer que ao final de 2002 já se contava com 13 milhões de pessoas registradas no Cartão SUS em 44 municípios que foram escolhidos como piloto. No que se refere a equipamentos, foram instalados mais de 10 mil TAS para operar o cartão, além de 27 equipamentos servidores estaduais, 44 municipais e dois federais que agregavam os dados recebidos pelos TAS. Foram treinadas mais de 8 mil pessoas nas secretarias de saúde estaduais e municipais para a operação do Cartão SUS.

Além do mais, duas portarias abriam a possibilidade de que a experiência piloto fosse replicada em outros Estados e Municípios: (a) A Portaria GM 017, de 13 de fevereiro de 2001, que expandia a possibilidade para que qualquer estado ou município pudesse registrar sua população e emitir o Cartão SUS e; (b) A portaria GM 039, de 14 de Abril de 2001, que regulamentou a operacionalização e remuneração do cadastramento de usuários do SUS aos Estados e Municípios, atribuindo o pagamento para cada cadastro realizado e validado pela CEF.

Dadas estas características, o terreno estava pavimentado para que a experiência do Cartão SUS pudesse ser implementada e rapidamente expandida para todo o território nacional. Entre 1998 e 2002 foram gastos recursos equivalentes a R$150 milhões, o que não é muito quando se considera a dimensão e complexidade da tarefa envolvida.

A Paralização do Cartão SUS (2003-2006)

A partir de 2003 o Governo se desinteressa, em dar continuidade e expandir as experiências piloto para a implementação do Cartão SUS. A equipe de técnicos e consultores que estava a cargo do projeto foi desmobilizada, tendo seus principais coordenadores enviados para outros Ministérios.

Mais grave, no entanto, foi a descontinuidade do apoio aos Estados e Municípios na implantação dos softwares desenvolvidos e pagos pelo Governo às empresas consultoras, sob a alegação de que se passaria a utilizar uma política de software livre e de que os softwares anteriormente desenvolvidos e implantados teriam que ser convertudis para novos sistemas em base LINUX. Ainda que seja louvável o uso de uma política de software livre, esta não tinha cabimento no caso do Cartão SUS, dado que o Ministério já havia pago pelos direitos de propriedade dos respectivos softwares às empresas consultoras que os desenvolveram, sendo portanto o proprietário dos códigos fonte dos programas e podendo, portanto, fornece-los gratuitamente aos Estados e Municípios, como aliás já vinha fazendo.

Ao longo destes anos, muitos dos TAS existentes, não recebendo apoio ou estímulo do governo federal, e dada a falta de atualização tecnológica, foram desativados pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, desmontando a proposta original do Cartão SUS (x) . Segundo Sylvain Levy, somente o Município de Aracajú, capital de Sergipe, manteve os conceitos originais do Cartão SUS e pode ser utilizado como exemplo do que se poderia alcançar.

A verdade é que ainda que implicitamente a proposta do Cartão SUS continuasse em vigor, as decisões tomadas a partir de 2003 geraram o abandono dos parceiros estaduais e municipais à ideia e a desconfiança dos mesmos em dar continuidade ao processo. Mas mesmo tendo sido desativada a proposta original, durante este período se manteve a possibilidade de que as Secretarias Estaduais e Municipais seguissem cadastrando sua população com a sistemática de validação estabelecida pelo Cartão SUS, gerando uma base cadastral que em 2006 já chegava a 133 millhões de registros, dos quais somente 23 milhões estavam validados pela CEF.

A lenta e progressiva retomada do Cartão SUS

A partir de fins de 2006, com a posse do Ministro José Saraiva Felipe, o Ministério da Saúde retoma progressivamente a implementação do Cartão SUS. Entre as medidas tomadas para tal fim se destacam: (a) a disponibilização para os Estados e Municípios de um aplicativo CAD-SUS, em base web, permitindo-lhes a consulta on line à base de dados da população cadastrada; (b) a geração de interoperalidade entre o Cartão SUS e o SISREG, utilizado como base para a montagem de centrais de regulação nos Estados e Municípios, permitindo que cada esfera de governo possa dimensionar a população a ser considerada em seus sistemas de regulação e contribuindo para evitar duplicações; (c) Atualmente o Ministério considera a possibilidade de iniciar um RES como piloto nos Hospitais do Rio de Janeiro, utilizando e ampliando a base cadastral existente no Cartão SUS.

Se estima que em 2009 existiam 171 milhões de registros de pessoas no Cartão SUS, dos quais 93 milhões podem ser considerados definitivos porque ja foram revisados pela CEF. Alguns outros municípios estabeleceram por iniciativa própria dar continuidade ao registro de sua população no Cartão SUS, como é o caso de Curitiba (PR), São Paulo (SP), Vitória (ES), Caldas Novas (GO) e Porto Alegre (RS), ainda que com finalidades distintas e com com soluções informáticas diferentes da originalmente proposta. A paralização do processo entre 2003 e 2006 não foi suficiente para reverter uma cultura e uma expectativa que já havia sido criada entre gestores, funcionários e usuários, quando ao uso deste instrumento.

A quem interessava que o Cartão SUS não funcionasse?

Em certa medida, o desinteresse na implantação do Cartão SUS por parte do Governo entre 2003 e 2006, esteve em sintonia com os interesses de boa parte dos atores do sistema de saúde no Brasil em evitar o aumento do controle social sobre a prestação de serviços de saúde. Do ponto de vista dos sindicatos profissionais e dos prestadores de serviços, a existência do Cartão SUS estabeleceria novos patamares de controle social, através de serviços como a marcação automática de consultas e cirurgias e a possibilidade de que os usuários tivessem evidência clara para reclamar por agendamentos não cumpridos ou serviços não realizados.

No Brasil, onde o absenteísmo nos sistemas públicos de saúde costuma ser elevado e o pagamento por procedimentos não realizados ainda é uma prática freqüente, a implementação do Cartão SUS imporia medidas favoráveis ao cumprimento da jornada de trabalho dos profissionais e maior controle sobre a entrega de serviços dos estabelecimentos públicos e privados ao SUS, aumentando indiretamente os meios para a fiscalização dos gestores públicos e da população sobre os profissionais e prestadores de serviços.

No que diz respeito aos fornecedores de equipamentos, insumos e medicamentos, os sistemas associados ao Cartão, na medida em que introduziriam maiores controles sociais e de gestão sobre as compras de insumos e utilização de serviços, também reduziriam a possibilidade de fraudes. E todos sabem que, como demonstra a imprensa, que o nível de fraudes e desvios de fundos públicos em saúde foi bastante elevado no período 2003-2006 (xi) .

Como avançar na Implementação do Cartão SUS?

Em que pesem todos os problemas enfrentados pelo país, deliberadamente ou não, para implementar RES no Brasil, se deve ter em conta todas as vantagens que poderiam estar associadas a implementação do Cartão SUS caso a experiência não tivesse sido descontinuada em 2003. Para avançar na implementação efetiva do Cartão SUS, seria necessário adapta-lo a algumas novas circunstâncias. Abaixo estão propostos alguns dos passos para estas novas circunstâncias.

a) Por um cartão SUS federativo: A idéia de um sistema centralizado ao nivel federal continua a ser importante, mas deveria ser adaptada de forma a não desmontar as experiências anteriormente implementadas ao nível regional e local. Num país federativo, seria natural que os Estados e Municípios que já desenvolveram sistemas de saúde baseados no Cartão SUS, possam mantê-los. No entanto, os sistemas existentes deveriam ser capazes de realizar trocas de informações, com base em conceitos unificados, permitindo organizar uma base de dados única sob o mesmo conceito, compatível com as necessidades de gestão, assistenciais, epidemiológicas e sanitárias.

b) A implantação do Sistema nas Regiões mais Remotas: Caberia ao Ministério da Saúde: (I) incentivar os Estados e Municípios que já desenvolveram seus próprios sistemas a co-financiar as mudanças necessárias para a implantação de um cartão único do SUS, com um conjunto de informações comuns que permitam operar sobre a base de diferentes sistemas e mantenham a comparabilidade e troca de informações entre distintos níveis de governo. (II) Criar uma metodologia simples, rápida e barata de implantar o Cartão SUS nas regiões mais pobres e desprovidas de serviços ou de sistemas desta natureza estabelecendo os mecanismos de financiamento e os incentivos técnicos e de capacitação e retenção de pessoal para que estes sistemas funcionem. Com isso, Estados e Municípios que já avançaram na operatividade de seus sistemas poderiam mantê-los e adapta-los às novas características do Cartão SUS, ao mesmo tempo em que aquelas regiões desprovidas de serviços começariam a se beneficiar com a implantação desses sistemas;

c) Cartão SUS que tenha como referência redes de saúde – Redes de atenção à saúde são arranjos organizativos de unidades funcionais e/ou pontos de atenção de diferentes densidades tecnológicas, que, integrados por meio de sistemas logísticos, de apoio diagnóstico e terapêutico e de gestão, buscam garantir a totalidade do cuidado. A porta de entrada e base para a organização do sistema é a estrutura de atenção primária da saúde. Sendo, por exemplo, territorios que propiciam a integração, referência e contra-referência em todos os níveis de atenção, as redes de saúde, uma vez constituídas, seriam o espaço de referência para a emissão do Cartão SUS para uma dada população que poderia variar entre 200 e 500 mil habitantes. Dessa forma, cada rede de saúde poderia configurar desde um espaço dado num grande município metropolitano até a integração de vários pequenos municípios.

d) Cartão SUS como base para os mecanismos de compensação financeira entre redes de saúde – Cada rede de saúde deve ser o espaço para o atendimento de uma dada população. Isto não significa que as redes de saúde vão negar o atendimento de pessoas que, por circunstâncias diversas, não vivem ou pertecencem geograficamente a esta rede. Para que isso ocorra sem constrangimentos, o Cartão SUS pode ser utilizado como mecanismo para acionar compensações financeiras e transferências de recursos entre distintas redes de saúde. Pode também atuar como mecanismo para compensar as transferências de recursos daqueles que detém planos de saúde quando atendidos nos estabelecimentos que pertencem a uma dada rede de saúde. Assim o Cartão SUS permitiria uma maior justiça na distribuição dos ônus e dos incentivos financeiros para que as redes funcionem como espaços de excelência na organização dos serviços de saúde no Brasil.

e) Cartão SUS e Centrais de Regulação – O Cartão SUS poderá ser visto como o principal elo de ligação entre os direitos de proteção à saúde do indivíduo e familias, as redes de saúde e as centrais de regulação. Para tal, basta que a gestão das bases de dados de cada rede de saúde esteja na Central de Regulação que corresponde a esta rede e que as distintas unidades da rede funcionem como elemento para a constante atualização eletrônica dos cadastros do Cartão SUS, quando apropriado. Neste novo desenho do Sistema, as centrais de Regulação serão organizadas por redes de saúde e integradas ao nível dos Departamentos de Regulação de Saúde, a ser criados nos Estados. Municípios por demais pequenos para comportar uma central de Regulação deverão integrar o Consórcio Inter-municipal que formará as redes de saúde e a Central de Regulação da Rede que administra este Consórcio. Já os municípios que abrangem uma ou mais redes integradas de saúde contarão também com Departamentos de Regulação em suas Secretarias Municipais de Saúde que coordenarão o suporte às distintas redes existentes no Município e eventuais agendamentos de especialidades de cada rede.

NOTAS E REFERENCIAS

(i) Linder, J.A. et al. Electronic Health Record Use and the Quality of Ambulatory Care in the United States, in Arch. Intern Med. 2007; 167(13): 1400-1405. Este artigo, baseado em analyses do National Ambulatory Medical Care Survey dos Estados Unidos de 2007 a 2004, examinou a relação entre o uso de RES e 17 indicadores de qualidade ambulatorial, concluindo que em 14 dos 17 indicadores não existem variações significativas na qualidade dos serviços associadas ao uso de RES pelos centros ambulatoriais. Em dois indicadores, o uso de RES propicia melhor qualidade e em um, pior qualidade.

(ii) Chaudhry, B. et al., Systematic Review: Impact of Health Information Technology on Quality, Efficiency, and Costs of Medical Care, in Annals of Internal Medicine, 2006; 144(10):E12-E22. Embora este paper reconheça os avanços propiciados pelo uso de tecnologia da informação em saúde, eles dizem que as avaliações existentes se limitam a poucas instituições e não há evidencias conclusivas sobre os impactos positivos na redução de custos.

(iii) Athey, S., & Stern, S., The Impact of Information Technology on Emergency Care Outcomes, in Rand Journal of Economics, 2002; 33(3):399-432. (http://www.jstor.org/stable/3087465, accessed on 02/19/2010)

(iv) Anderson, J.F. et al., Health Care Spending and Use of Information Technology in OECD Countries, in Health Affairs, 2006, 25(3):819-831. Este estudo mostra que ainda que não existam evidências robustas de que os sistemas de tecnologia da informação reduzam custos, eles mostram que os Estados Unidos está ingressando no uso desses sistemas com um atraso de quase 12 anos em relação a outros países da OECD.

(v) Extraído de Bandarra, E., Estratégias para a Informática em Saúde no Brasil, Apresentação feita no Seminario Prontuário Eletrônico do Paciente, no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sirio Libanês entre 7 e 9 de outubro de 2007.

(vi) De acordo com material publicado no Examiner em julho de 2009, as fraudes nos principais programas públicos dos Estados Unidos (Medicare e Medicaid) podem alcançar valores equivalentes a 10% do total dos recursos alocados nestes programas. Fraudes comuns como médicos que cobram por plantões superiores a 24 horas por dia, empresas médicas que cobram por serviços fantasma prestados, farmácias que cobram por prescrições feitas a pacientes que já morreram, companias de home-care cobrando por serviços prestados a pacientes que se encontravam nos hospitais, e outros, são claramente problemas que se associam ao baixo uso de sistemas informatizados de controle que poderiam ser resolvidos caso os Estados Unidos utilizasse mais intensamente os RES nos programas públicos. Ver http://www.examiner.com/x-2684-Law-Enforcement-Examiner~y2009m7d23-Billions-in-MedicareMedicaid-lost-to-fraud-abuse

(vii) Levy, S., Cartão Nacional de Saúde – 15 Anos de História, in Domingueira, publicação eletrônica distribuida por email pelo Sanitarista Gilson Carvalho, número 514, 2 de maio de 2010. Tenho o texto completo de Sylvain e poderia disponibiliza-lo a quem me solicitar por email.

(viii) Empresas como Kaiser a Permanente, que prestam atenção médica da qualidade a uma parte considerável da população da California, perderam mais de US$2 bilhões nos investimentos iniciais de seus primeiros RES, mas depois acertaram o rumo e hoje tem um dos melhores sistemas do mundo, que associados ao seu modelo assistencial, podem gerar economias de até 30% em relação aos custos de outros planos de saúde nos Estados Unidos associados aos 8,6 milhões de beneficiários desta empresa. Sobre os sistemas RES atualmente utilizados por Kaiser Permanente ver http://xnet.kp.org/newscenter/aboutkp/healthconnect/index.html.

(ix) Ver sobre este ponto Cunha, R. E., Cartão Nacional de Saúde: Os Desafios da Concepção e Implantação de um Sistema Nacional de Captura de Informações de Atendimento em Saúde, in Ciencia e Saúde Coletiva, 7(4) 869-878. http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n4/14610.pdf (Acessado em 16/05/2010)

(x) Segundo Reportagem publicada na Revista Época de 02/05/2010, intitulada O cartão que virou cartolina, a capital de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, foi uma das cidades escolhidas para o projeto piloto. A prefeitura da cidade desenvolvia, desde o início dos anos noventa, um cadastro único dos usuários do SUS, e o governo federal resolveu aproveitar a experiência. Em setembro de 2002, Campo Grande recebeu do Ministério da Saúde uma remessa de 500 mil cartões magnéticos e 200 terminais de atendimento. Passados oito anos, os terminais estão estocados numa sala da Secretaria de Saúde da prefeitura. Não se sabe quantos usuários da cidade ainda mantêm os cartões. Os documentos ainda existentes, embora eletrônicos, têm a mesma função de um cartão de papel, pois não há equipamentos que façam a leitura.

(xi) De acordo com a Agência Estado em reportagem de 05/11/2007, intitulada Fraudes na Saúde Pública chegam a R$613 milhões, um levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) apontava que entre Janeiro de 2003 e Julho de 2007, o volume de recursos aplicados irregularmente no SUS alcançou a cifra de R$ 613 milhões e que, dentre todos os setores da administração pública, a saúde apresentou o maior volume de fraudes.