sexta-feira, outubro 19, 2012

Ampliando a participação social na regulação da Saúde Suplementar


Ano 7, No. 44, Outubro 2012




O Blog Monitor de Saúde tem por objetivo levar ao leitor um debate amplo e democrático sobre ideias de como melhorar o setor saúde no Brasil. Pouco a pouco a sociedade civil brasileira vai se apoderando de instrumentos que permitem reduzir a enorme assimetria de informação que existe entre os cidadãos e aqueles que detém o controle da oferta pública ou privada de serviços de saúde. Uma das tarefas essenciais daqueles que podem ajudar a reduzir essa assimetria de informação é utilizar o espaço da internet para difundir informações que permitam empoderar os cidadãos para tomar decisões conscientes e informadas sobre suas escolhas, comportamentos e atitudes na área de saúde.
 
Muitas destas tarefas tem sido encampadas por jovens internautas que, com formação jornalística, começam a tentar esboçar suas críticas e idéias de como construir uma sociedade melhor na área de saúde. Nesta edição, trazemos a opinião e Guilherme da Luz, leitor deste blog, que também é editor do site “Planos de Saúde” (www.planodesaude.net) e que dá sua opinião sobre a crise dos planos privados de saúde e sua relação com o salário dos médicos. O site ainda se encontra em seu inicio, mas promete crescer e avançar gerando transparência e opinião independente sobre este relevante tema para a sociedade brasileira.

Guilherme da Luz é redator e tradutor, nascido em Florianópolis, e formado em Comunicação Social pela Universidade do Sul de Santa Catarina. É editor de conteúdo do site Planodesaude.net e também do guia de finanças Emprestimo.org e do site Seguro.auto. Com vocês a opinião de Guilherme da Luz. O site planodesaude.net procura dar a quem o procura uma comparação de preços e de qualidade de planos de saúde independente daquela divulgada ou pela ANS ou por outros sites associados a um ou outro plano. Neste sentido, é uma boa fonte de consulta para leitores e consumidores que desejem estar informados sobre esse tema.

 

Crise na saúde no Brasil vai além do setor público (*)

 
Guilherme da Luz 

A crise no setor de atendimento prestado pelos planos de saúde leva à discussão sobre a melhoria do atendimento à saúde no Brasil como um todo. Como consequência dos protestos de grande número de consumidores insatisfeitos com as filas, demora na marcação de consultas e realização de exames e cirurgias, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar - tomou a decisão de suspender novas contratações de usuários para 301 Planos de Saúde administrados por 38 operadoras, incluindo instituições de grande porte.

Ao mesmo tempo em que o consumidor tem direito de exigir qualidade, principalmente quando paga preços elevados, os médicos também exigem ser remunerados à altura de sua qualificação. Médicos de diversas especialidades pensam em fazer protestos contra a política de remuneração dos planos de saúde, devido aos valores que consideram abusivos e humilhantes.

O número de médicos cadastrados atualmente pelos planos de saúde parece ser insuficiente para atender a demanda. Mesmo assim, alguns médicos tem deixado de trabalhar para convênios em virtude dos valores pagos pelas operadoras. Como o número e a demanda dos usuários está crescendo, o que estamos assistindo é um gargalo no atendimento médico que já limita a atividade das operadores podendo levar a uma situação dramática se o número de profissionais contratados não se expandir proporcionalmente à demanda.

A equação qualidade x quantidade é antiga e faz parte de todos os processos de melhoria nos mercados de saúde. Resta saber como será resolvida a questão, pois o sistema público de saúde raramente oferece opções para quem busca atendimento personalizado e sem filas. Os salários oferecidos aos médicos, tanto no sistema público como nos planos privados, ficam abaixo das expectativas. Para um grande número anual de recém-formados em medicina, este é um desafio na hora em que buscam uma colocação no mercado de trabalho.

Quando ouvimos falar sobre a insatisfação dos profissionais de medicina com os seus honorários nos perguntamos por que o médico ganha mal nos planos de saúde. Segundo publicação recente da Associação Paulista de Medicina, vemos atualmente uma inversão da tendência observada ao longo da história. Como resultado de um longo processo de prática da medicina como profissão liberal, os médicos costumavam ganhar muito bem em seus consultórios. Entretanto, nas últimas décadas, o crescimento dos empregos públicos e dos planos de saúde criaram uma nova dinâmica marcada predominantemente pelo assalariamento, onde a despeito dos empregos públicos que detém, os médicos são contratados pelas operadoras de planos de saúde com honorários normatizados por uma tabelas que tem sido crescentemente questionadas pela classe.
 
As cooperativas médicas, criadas pioneiramente em Santos nos anos sessenta e depois consolidadas na Unimed, em 1967, são uma opção diferente da praticada pelos planos, dado que ainda mantém um maior espaço para a prática liberal dos médicos em seus consultorios que podem conciliar clientes particulares com o atendimento dos pacientes de convênios, que antigamente não configuravam o grosso dos rendimentos, representando uma ajuda às contas do consultório.

Mas muitos alegam que, mesmo no caso das UNIMEDs, a expansão dos convênios tem provocado uma maior contratação de médicos, reduzindo sua remuneração por ato e transferindo maiores excedentes para a administração das cooperativas, ainda que parte dos recursos excedentes não consumidos como custos seja redistribuido aos cooperados nas assembléias das UNIMEDs ao fim de cada exercício fiscal. Mas a verdade é que, o aumento da concorrência tem levado a aumentos de custos (inclusive com publicidade), redução relativa dos preços dos planos – em parte controlados pela ANS – e consequentemente remunerações aos médicos que ficam aquém das expectativas.

Para ajudar a normatizar esse mercado de mão de obra médica especializada no âmbito dos planos de saúde, a Associação Médica Brasileira (AMB) em 1990 as tabelas de remuneração para serviços médicos (a famosa tabela da AMB), substituidas nos anos mais recentes pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que já está em sua 5a. edição e que, alem de rankear os procedimentos por complexidade, estima seus valores. As discussões em torno dos reajustes destas tabelas tem sido sempre acaloradas e seguem polêmicas até hoje. Por exemplo, o Conselho Federal de Medicina considera a CBHPM um instrumento ético de negociação onde se negociam valores, como os de consultas médicas - hoje fixadas em R$60, mas que pretendem ser aumentadas para R$80. A ANS e o CADE consideram a CBHPM como uma medida saudável para as negociações relativas a hierarquização, mas como mecanismo de fixação de valores é considerada negativa por estes dois órgãos na medida em que engessa os processos de livre negociação.

Num contexto onde os preços dos planos são controlados, os pacientes assistem, portanto, a um conflito entre gestores de operadoras e médicos. Muitas são as sugestões para esse impasse, entre elas a fixação de valores para os atendimentos, que deveriam ser negociados diretamente entre os usuários e os planos de saúde, o que transferiria o embate entre Governo e Operadoras para Usuários e Operadoras. De todos os modos, o pano de fundo para esta discussão se encontra nos limites do Governo e do Mercado para o reajuste dos planos e na necessidade de se estabelecer processos mais negociados de reajuste dos custos de produção (onde se encontra a remuneração dos médicos).

Os Estados Unidos - detentor do maior sistema de saúde baseado na gestão de planos por operadoras - adotam a posição de que os preços dos planos podem ser livremente reajustados pelas operadoras, mas devem ser justificados e inspecionados. Valores reajustados que vão além das tendências de crescimento dos custos e revelam lucros abusivos, são cortados pelos governos estaduais - os reguladores dos planos - e devem se refletir em reduções correspondentes nos preços em anos posteriores. No entanto, no caso do Brasil, o fato de não existir uma política transparente de acompanhamento dos custos do planos de saúde impede que o Governo (e a própria ANS) possa atuar como árbitro nessa discussão e dar mais liberdade e margem de negociação entre operadoras e usuários nos processos de reajuste. A existência de uma rigorosa pratica de fiscalização ex-post de reajustes abusivos é uma saudável política de regulação do mercado privado de planos. Em contra-partida, o controle ex-ante dos preços gera o risco de criar danos profundos e ameaçar, no limite, o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, prejudicando  tanto os usuários como os fornecedores (incluindo os médicos).

----------------------------------

(*) O autor agradece os comentarios de Lenir Canamura e Antonio Roberto Batista, alguns dos quais foram incorporados na revisão deste artigo.

domingo, setembro 02, 2012

A Saúde entre Bons e Maus Governos


Ano 7, No. 43, Setembro 2012


André Cezar Medici

 Em épocas de eleições, aqueles mais conscientes procuram sempre olhar para tráz, avaliar o que foi feito e escolhar o candidato que tenha um melhor perfil de realizações em torno de suas preferências. Muitas vezes conta mais a experiência. Mas se não há uma experiência avaliada como sólida pelas nossas expectativas, as vezes vale a pena apostar no novo e correr o risco. Promessas eleitorais são sempre promessas. Muitos dizem o que vão fazer, mas não dizem como. E entre o como e as reais possibilidades pode haver uma enorme diferença. Se não investigamos tudo isso, compramos gato por lebre.

O setor saúde é preponderantemente financiado pelo setor público. Em 2008, se estima que este setor, no âmbito mundial, gastava anualmente a enorme cifra de US$ 6,1 trilhões de dólares, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde. Desse total, 35% correspondia a gastos financiados pelo Estado, através de impostos diretos e 25% provinham de contribuições sociais cobradas de forma compulsória sobre a folha de salários. Portanto 60% do gasto em saúde tinha origem em fundos públicos.

Num setor onde o maior financiador é o Estado, a busca de soluções deve estar associada a como esta entidade organiza ou financia a provisão dos serviços e gasta esses recursos. E isto nem sempre é fácil. Primeiro, porque o Estado deveria ser governando por princípios éticos de governabilidade, mas quem governa nem sempre se atém aos princípios do Estado. Por ser gerenciado por pessoas, um governo pode, muitas vêzes misturar interesses pessoais dos grupos governantes ou dos funcionários do Estado com interesses sociais da população, em alguns casos sacrificando os últimos em prol dos primeiros.

Os bons governos procuram atender às necessidades de suas populações e seus governantes e funcionários são dedicados servos do interesse público, buscando conhecer as fontes de insatisfação e o que falta para gerar oportunidades reais e felicidade para seus governados, não apenas no presente, mas mirando o futuro.

Os maus governos são aqueles que usam o Estado em benefício próprio dos governantes e quando atendem os interesses da população, atendem aqueles mais fáceis e baratos. Propagandeam o aqui e agora, e não levam adiante o penoso trabalho de construção da cidadania e da equidade. Dão o peixe, mas não ensinam a pescar. Dão o circo, mas não geram oportunidades para que a população encontre seus próprios meios de crescimento e felicidade. Usam a população não para atendê-la como fim, mas como meio de perpetuar o poder e as riquezas nas mãos dos governantes e de seus patrocinadores. Não admitem a alternância no poder e frequentemente dão golpes brancos e mudam as regras para permanecer o máximo de tempo possível no governo se beneficiando privadamente da máquina pública. Discursam sobre a base da demagogia e de ideologias etéreas e distribuem migalhas que não fazem nem crescer a consciência e nem gerar as oportunidades para as presentes e futuras gerações. Se dizem povo ainda que hajam de forma diametralmente oposta às necessidades populares. São os maiores responsáveis pela perpetuação das desigualdades reais, que não se resolvem com a distribuição momentanea de benesses, mas sim com a redução real das inequidades de conhecimento, de destrezas, de habilidades e de pleno gozo dos direitos civis, políticos e sociais.

Bons governos procuram dar o máximo de retorno social aos impostos que arrecadam de seus cidadãos e dimensionam o Estado na medida justa para organizar a sociedade para tal fim. Organizam o Estado de forma transparente e tentam manter a independência entre os três poderes do governo, as funções e o dia a dia dos afazeres de cada um deles. Assim garantem uma fiscalização recíproca, mas ao mesmo tempo uma colaboração honesta na busca do interesse coletivo.

Maus governos são aqueles que, muitas vêzes, procuram usar a máquina pública para comprar reciprocamente os três poderes. Quem detém a máquina de arrecadação e execução orçamentária (o Executivo) pode tentar comprar o Legislativo e o Judiciário e utilizar seu poder e influência para aniquilar os esforços de denúncia da sociedade civil sobre isso, tentando controlar direta ou indiretamente a imprensa, e utilizando a polícia, e muitas vezes a milícia, para fazer barbaridades.

Maus governos aumentam o tamanho do Estado injustificadamente criando um séquito de apaniguados, que ingressam sem regras claras e definidas no poder público e corroboram com os seus interesses escusos. Usurpam da sociedade civil funções produtivas que não devem ser exercidas pelo Estado e não usam o poder do Estado para regular e administrar adequadamente o setor privado e a sociedade civil. Criam funções públicas ineficientes e, como não querem mudá-las a serviço do povo, acabam sendo propositalmente cúmplices de sua própria ineficiência.

Em contrapartida recebem apoio de quem poderia denuncia-los, julga-los ou puni-los e, dessa forma, conquistam  impunidade. Mascaram de todas as formas o que fazem de errado, escondem ou eliminam provas e ainda tem a audácia de dizer que o fazem em prol do interesse comum.  Seus governantes, mesmo quando julgados, frequentemente escapam, com suas riquezas incomensuráveis, adquiridas ou do herário público, ou de propinas ou comissões depositadas em paraísos fiscais, garantindo a prosperidade e a impunidade sua e de seus descendentes. E muitos ainda voltam com a cara limpa, ocupando novos cargos no Executivo ou no Legislativo e aproveitando-se novamente da inocência e da curta memória dos que votam. Em casos extremos, maus governos destroem os segmentos da população que se levantam sobre ele clamando por justiça e democracia.  Em outros casos, apagam aqueles que fazem denuncias sobre o mau uso dos recursos e, mesmo quando descobertos e denunciados, os processos acabam se perdendo em longas investigações até o esquecimento.

Podemos dizer que, em saúde, bons governos são aqueles que atendem as necessidades dos pacientes, enquanto que os maus governos atendem os interesses das corporações de saúde.

Que bons governos procuram criar mecanismos efetivos de comunicação e passam informação transparente para os cidadãos, enquanto que os maus governos repousam na falta de informação e comunicação como meio para dar acesso a benefícios e privilégios assistenciais a quem lhes interessa e deixar quem não interessa no ostracismo.

Que bons governos não se preocupam se os serviços de saúde são de propriedade e gestão pública ou privada, mas se interessam que – qualquer que seja a forma de organização e propriedade dos serviços – os resultados em benefício da população sejam alcançados da melhor forma possível e fazem de tudo para fiscalizar e garantir que a lei seja ousadamente cumprida.

Que bons gobernos não se limitam pelo tamanho de seus orçamentos quando as necessidades de saúde de suas populações são prioritárias e inadiáveis, buscando recursos adicionais ou redimensionando as categorias orçamentárias para tal fim.

Que bons governos não toleram a corrupção em saúde e punem severamente a todos, sejam governantes, legisladores, juízes ou funcionários, que são implicados em atos desta natureza na compra ou entrega de bens e serviços de saúde para a população, tirando-os do cenário institucional e político e levando-os para a cadeia.

Poderíamos tecer muitas outras categorias éticas para dizer como agem bons e maus governos, tanto em geral como em setores específicos como o da saúde e você leitor também poderá refletir e acrescentar suas considerações. Mas o mais importante a dizer é que  nas eleições municipais que se aproximam, sugerimos, para aqueles que acham que a saúde é um bom motivo para a definição do seu voto, procurar saber mais se o seu candidato (no caso de reeleição) ou partido tem um bom histórico de compromisso e implementação de boas políticas e resultados de saúde. Procure investigar, ver quem está por tráz e quem virá como secretário de saúde de seu candidato. Avalie, no caso de reeleição, se as promessas na área de saúde foram cumpridas. E procure também avaliar se as novas promessas que estão sendo feitas no setor são factíveis de serem cumpridas. Verifique como as políticas de saúde propostas pelo candidato se harmonizam com outras políticas que poderiam levar ao crescimento, à cidadania, à melhoria da educação e participação social e a uma maior equidade.

Analise o histórico de casos de corrupção em saúde de cada candidato e de seu partido, ainda que muitas vezes esta informação não esteja disponível, pois não existe uma base de dados nacional que possa informar ao eleitor se o candidato tem ou não ficha limpa. Procure analisar as informações que interessam acompanhar  no seu município e como elas evoluiram nos últimos anos. E se você por acaso acha que o dado não está de acordo com o que você conhece, questione a base de dados escrevendo para os órgãos governamentais responsáveis pela sua produção.

Atualmente, existem vários sites que podem permitir acompanhar indicadores de saúde municipais. A melhor fonte ainda é o DATASUS. Muitos destes dados não estão atualizados e vão somente até 2010 ou 2011, cobrindo um período que vem desde 2006. Mas eles permitem a você ter uma idéia do que avançou em saúde em seu município nos últimos anos e as deficiências de saúde que existem pela frente (1). Analise, não os valores absolutos dos indicadores da administração de cada governo, mas sim como estes indicadores evoluiram entre o início e o final do governo do atual recandidato ou do partido no qual você pretende votar. Assim, você poderá medir não o progresso acumulado, mas o esfôrço realizado pela administração passada e julgar se vale a pena mantê-la no poder ou tentar uma nova opção. Em muitos casos, estou seguro, vocês vão notar que vale a pena manter o que está, em outros, será claro que vale a pena mudar.

Procure também os websites de informações de suas secretarias de saúde estaduais e em alguns casos municipais. Cotege as informações existentes e busque as similaridades e diferenças. Alguns tribunais de contas estaduais também tem dados em seus websites que podem ajudar a entender as auditorias existentes e os pareceres contrários e causas relacionadas à aprovação das contas dos prefeitos, incluindo os temas que estão no setor saúde. Outros sites também apresentam informação interessante. Divulgue o que encontrar – de positivo ou negativo – entre seus amigos, parentes e procure conscientizar os outros a respeito do que você sabe. Assim estaremos contribuindo para que o voto – o maior direito que um cidadão pode ter numa sociedade democrática – seja baseado em evidências e não mais em propagandas, falsidades e promessas não realizáveis.

Notas

sábado, agosto 04, 2012

Os desafios do Pluralismo: Problemas e Soluções para os Sistemas de Saúde no Brasil




Ano 7, No. 42, Agosto 2012


André Cezar Medici

Introdução

Há quinze anos atrás (1997), dois ex-Ministros da Saúde latino-americanos, escreveram um texto que se tornou clássico na literatura de sistemas de saúde. O termo Pluralismo Estruturado, cunhado para definir o que ocorre com a maioria dos sistemas de saúde latino-americanos, foi lançado neste texto (1) escrito por Julio Frenk (2), ex-Ministro da Saúde do México, e Juan Luiz Londoño (3), ex-Ministro da Saúde da Colômbia. 

Este termo, aparentemente simples e despretencioso, diz muitas coisas sobre a realidade dos sistemas de saúde, não só da América Latina, mas de outras partes do planeta. Em primeiro lugar, que os sistemas de saúde não são únicos (single health systems, como se diz na lingua inglesa), mas sim plurais. Isso quer dizer que (com raras e nem sempre honrosas exceções) convivem vários sistemas de saúde no contexto de cada nação (muitas vezes mais de um sistema público convivendo com mais de um sistema privado).

Em segundo lugar, que a convivência de vários sistemas de saúde nem sempre é ruim, mas pode gerar uma série de problemas quando não há uma adequada regulação, tais como: descoordenação e duplicação de esforços; altos custos de transação e gerenciamento; subsídios aos mais ricos, que acabam pagando menos do que deveriam para manter sua saúde; custos elevados para os mais pobres, que acabam pagando mais do que deveriam em função de sua renda e falta de cobertura e qualidade na atenção à saúde para aqueles que mais precisam e não tem como pagar.

Em terceiro lugar, que a existência de sistemas pluralistas descoordenados pode ser resolvida. Não apenas pela criação de sistemas únicos de saúde – normalmente o caminho mais difícil para construí-los numa sociedade democrática, pois é necessário negociar com muitos atores políticos e econômicos, constituídos em anéis burocráticos solidos, muitas vêzes com interesses conflitantes, antagônicos ou mesmo inconciliáveis, fazendo com que a emenda acabe sendo pior do que o sonêto. - mas principalmente através de uma estruturação do pluralismo, através da aplicação de incentivos, penalidades, regulações e princípios de escolha pública (public choice), que reduzam ou eliminem a descoordenação, a duplicação de esforços, os custos de transação e que aumentem a eficiência alocativa e equidade no uso dos recursos públicos destinados à saúde.

Os dois autores, quando Ministros da Saúde de seus respectivos países, implementaram grandes reformas com o mesmo espírito do proposto em seu artigo. Em 1992, Juan Luiz Londoño criou na Colômbia um sistema de asseguramento que ampliou a cobertura da população, tornando obrigatória sua afiliação a empresas de seguro de saúde (EPSs). Subsídios aos mais pobres garantiam que estes fossem afiliados a EPSs e tivessem acesso a planos de saúde que atendessem suas necessidades. Mas passados vinte anos, a reforma continua incompleta e não se conseguiu eliminar alguns dos problemas de cobertura, de qualidade e de equidade que persistem no sistema de saúde colombiano. Hoje esse sistema está em crise por falhas nos mecanismos de regulação, escândalos de corrupção, insatisfação da população, reclamações judiciais e ataques da imprensa e o governo busca fazer o possível e o impossível para resolver estes problemas.

Julio Frenk, por sua vez, criou em 2003 um sistema de asseguramento da saúde não contributivo para os mais pobres – o Seguro Popular – que conseguiu, com a participação dos governos subnacionais, aumentar amplamente a cobertura de saúde entre as populações mexicanas mais necessitadas, dado que as soluções até então existentes, baseadas em transferências condicionadas de renda, através de recursos da seguridade social (desde o IMES Solidaridad, no início dos anos 90, até o Programa Oportunidades, ainda vigente nos dias de hoje) tiveram tido tímido impacto na cobertura de saúde destas populações. Com a criação do Seguro Popular, se estruturou um melhor matching entre oferta e demanda por saúde, o que não consegue ser feito pelos programas de transferência condicionada de renda, com seu enfoque centrado na demanda. Mas mesmo assim, o sistema de saúde mexicano está longe de ser um modelo de saúde plural estruturado e muito ainda há por fazer para que o setor público, a seguridade social e os sistemas privados funcionem orquestradamente.   

Em síntese, as experiências da Colômbia e México mostram bons resultados, mais ainda há muito por fazer. As liçoes aprendidas destas experiências mostram que soluções integradoras e incentivos ao asseguramento público funcionam para expandir cobertura entre os mais pobres. Mas por outro, é necessário a eterna vigilância nos processos de comunicação social, transparência, informação, revisão e refinamento dos incentivos, garantia e cumprimento de direitos adquiridos e compromissos com resultados, para que o processo avance a niveis aceitos pela população.

Em novembro de 2011, fiz uma apresentação no IEPE/Casa das Garças (Rio de Janeiro) sobre os desafios do pluralismo em saúde, mostrando que em vários países, inclusive no Brasil, existe a necessidade de integrar os sistemas de saúde existentes, para alcançar a universalização da cobertura de saúde, com equidade, qualidade e eficiência e para aumentar a satisfação dos usuários. Vou tentar reproduzir o que discutimos nesta postagem.

O Pluralismo da saúde no Brasil

O Brasil tem um único sistema de saúde? Não, não tem. Se poderia até dizer que a gestão da saúde no setor púbico se estrutura sob um sistema único, porque a Constituição de 1988 unificou os diversos subsistemas públicos até então existentes: o público federal, o dos Estados e dos Municípios, com o da seguridade social (INAMPS). Não se somou a este esforço os sistemas de asseguramento dos funcionários públicos e das empresas estatais, os quais continuam tendo um sistema próprio, ainda que custeado parcialmente pelos cofres públicos.

Mas a realidade é que o Brasil tem dois sistemas de saúde:  o público, denominado Sistema Único de Saúde (SUS), gerenciado de forma tri-partite pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, e o privado, conhecido como Sistema de Saúde Suplementar (SSS) administrado por operadoras de planos de saúde, como são a medicina de grupo, as companias de seguro, as cooperativas médicas (UNIMED) e os planos auto-administrados por empresas.

Até 1998 estes dois sistemas viviam, sob o ponto de vista da regulação, em universos paralelos. O SUS marchava livremente com suas estratégias de extender cobertura aos mais pobres. Criava mecanismos de atenção básica, como os programas de agentes comunitários de saúde e saúde da família, transferia recursos aos Estados e Municípios mais pobres para que estes pudessem custear suas ações de saúde. Mas continuava mantendo, dentro de sua filosofia de atenção integral, os procedimentos e exames de alto custo que beneficiavam as classes médias e mais abastadas, que procuravam nos hospitais de melhor qualidade do SUS os serviços que não eram costumeiramente oferecidos pelos planos de saúde, porquê aumentariam demasiadamente o valor dos prêmios.  

As operadoras de planos de saúde também marchavam livremente com suas estratégias de expansão. Buscavam concentrar suas estratégicas assistenciais em serviços de baixa e média complexidade com uma qualidade superior a oferecida pelo SUS. Com isso, ganhavam o mercado das familias de classe média e dos trabalhadores formais das empresas que não desejavam enfrentar as filas ou ter que penar nos serviços do SUS para receber procedimentos cotidianos de média e de baixa complexidade.

Entre 1998 e 2002, duas medidas do Governo buscaram avançar na estruturação desse pluralismo fragmentado que divorciava o SUS da Saúde Suplementar. Em 1998 foi promulgada a Lei 9656 que Regulamenta a Saúde Suplementar e dois anos depois foi criada uma Agência Pública (A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS), com a função de implementar, fazer cumprir e aperfeiçoar esta regulação.

Como resultado, se tem avançado muito no processo de defesa do consumidor contra eventuais abusos das Operadoras de Planos de Saúde, definindo coberturas mínimas, controlando os reajustes no valor dos planos de saúde, regulando a qualidade, avaliando as Operadoras e até mesmo publicando suas posições em rankings de qualidade para orientar o consumidor e as empresas sobre quais operadoras escolher quando pensarem em mudar de plano de saúde.

Mas, em que pesem estes esforços, a ANS pouco tem avançado na integração do SUS com o SSS. O pouco que tem sido feito até o momento se concentra na tentativa de criar mecanismos de ressarcimento do custo das internações que o SUS realiza para os que tem planos de saúde privados.

A Questão do Ressarcimento ao SUS pelas Operadoras de Planos de Saúde

A Lei 9656 de 1998 definiu, em seu artigo 32, que “serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos que tratam o inciso 1 e o parágrafo 1o.  do artigo 1 desta Lei (leia-se planos de saúde) todos os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados aos seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.

Com esta determinação, o Ministério da Saúde e posteriormente a ANS, começam a tomar providências para estruturar o processo de ressarcimento. Primeiramente, tornando obrigatório que as Operadoras enviem a lista atualizada de  indivíduos com seus dados identificadores (incluindo documentos básicos) que tem planos de saúde. Posteriormente, distribuindo esta lista em via informatizada a todos os hospitais e estabelecimentos do SUS.

Desta forma, se poderia identificar, a posteriore, as AIHs emitidas para os portadores de planos de saúde que se beneficiaram de uma internação através do SUS. Uma vez identificada a  AIH, o valor do ressarcimento seria calculado através de uma tabela especial de preços de serviços (TUNEP) criada para este fim. A ANS se encarrega, com auxílio do DATASUS, de identificar e analisar cada caso e de fazer a cobrança correspondente. O processo interno utilizado pela ANS para efetuar esta cobrança pode ser visto na figura 1.

Figura 1 –A Atual Mecância do Ressarcimento ao SUS dos Serviços Consumidos por Usuários de Planos de Saúde


Fonte: DIDES/ANS

Segundo a ANS, o objetivo do ressarcimento é promover preventivamente a tutela de beneficiários de planos, desestimulando, por parte das operadoras, o descumprimento de contratos celebrados. Assim, se os serviços prestados pelo SUS fazem parte dos contratos entre operadoras e seus assegurados, estas terão que ressarcir ao SUS toda vez que um usuário utilize a rede pública para obter estes serviços. O usuário não precisa nem saber que sua operadora está sendo acionada por este motivo.

Um segundo objetivo do ressarcimento é evitar o enriquecimento das operadoras em detrimento da coletividade e impedir o subsídio, ainda que indireto, a atividades lucrativas (como os planos de saúde gerenciados pelas operadoras), com recursos públicos.

No entanto, cobrar das operadoras nem sempre é um processo fácil. Estas podem recorrer a justiça com base no argumento de que o SUS é universal e os usuários de planos de saúde teriam direitos a utiliza-lo, mesmo que consumam serviços similares aos previstos em seus contratos. A tabela 1 (abaixo) mostra o volume das internações identificadas nos processos de ressarcimento do SUS segundo o tipo de especialidade médica entre 1999 e 2005.

Tabela 1 – Principais tipos de internação Identificadas nos Processos de Ressarcimento do SUS pelas operadoras entre 1999-2005



Mas a ANS tem pouca capacidade de identificar as necessidades de ressarcimento e a morosidade na análise dos casos é elevada. Até o presente momento tem sido analisado o ressarcimento apenas para internações, mas nada tem sido feito para ressarcir os exames, medicamentos terapias e procedimentos ambulatoriais prestados pelo SUS aos usuários de planos de saúde. A própria ANS aceita, pelo menos, a metade dos pedidos de impugnação de cobrança do ressarcimento apresentados pelas operadoras, antes que estas recorram à justiça para não pagar.

Dos 914,2 mil casos de internações indentificadas pela ANS no período 1999-2005 passíveis de ressarcimento ao SUS pelas operadoras, cerca de 358,8 mil foram cobrados e somente 78,4 mil foram pagos. Isto representa menos de 10% dos casos identificados e um quarto dos casos cobrados. Os principais motivos para impugnação do pagamento são a existência de carências que obrigam ao usuário não poder utilizar o plano (22%), contratos que não cobrem internação (12%), procedimentos não cobertos pelos contratos (12%) e atendimentos pelo SUS fora da abrangência geográfica dos contratos (12%).

A situação ficou ainda pior a partir de 2006, quando o Ministério da Saúde descentralizou o processamento das AIHs para estados e municípios, dificultando o batimento dos arquivos para o ressarcimento entre os dados da ANS e eo DATASUS. Com isso, o processo de análise, cobrança e ressarcimento se tornou ainda mais moroso. Entre 2006 e 2010, a soma dos valores que a ANS notificou para o ressarcimento de AIHs pagas pelo SUS para beneficiários das Operadoras, equivalia a R$1.024.5 milhões. Mas deste total, somente R$352,9 milhões foram cobrados e apenas R$39,3 milhões foram pagos, o que equivale a 3,8% do valor notificado e 11,1% do valor cobrado.

Por outro lado, a ANS permite que os planos não sejam completos e que procedimentos de alta e média complexidade pagos pelo SUS possam não constar dos planos de saúde. Assim, o SUS acaba funcionando como um seguro de procedimentos de alto custo e alta complexidade, mesmo para aqueles que tem planos de saúde e esta situação estaria longe de ser resolvida, dado que a inclusão destes serviços nas apólices de seguro tornaria o prêmio dos planos de saúde extremamente caro, o que afetaria a demanda pelo mercado de saúde suplementar.

Tudo isto mostra que o ressarcimento, da forma como tem sido realizado, não é a solução para disciplinar o uso dos serviços do SUS por beneficiários dos planos de saúde, pelas seguintes razões:

Porque só podem ser ressarcidos ao SUS os procedimentos cobertos pelos contratos de planos de saúde. No entanto, esses contratos não incluem todos os procedimentos que são cobertos pelo SUS, fazendo com que o sistema público seja sempre um depositário em última instância para o custeio de procedimentos de saúde não cobertos pelos planos, especialmente os de alto custo ou alta complexidade;

Porque somente uma parcela dos serviços (as internações hospitalares) são mapeadas pelo governo para fins de ressarcimento, deixando de lado exames, consultas, procedimentos ambulatoriais e medicamentos caros consumidos;

Porque a ANS não tem a velocidade e a capacidade necessária para fazer a identificação em tempo hábil para o ressarcimento;

Porque, por todos os motivos anteriormente expostos, os valores pagos pelo processo de ressarcimento são irrizórios em relação aos valores identificados, notificados e cobrados;

Além do mais, os Estados e Municípios onde ocorreu o uso (indevido) do SUS pelos beneficiários de planos de saúde não recebem os recursos ressarcidos, os quais retornam aos cofres públicos do Governo Federal através da ANS. Neste sentido, os governos locais não tem nenum incentivo ou interesse em colaborar ativamente para o processo de ressarcimento, dado que este não devolve a estas instâncias os recursos que foram gastos por elas.

É por esta razão que alguns governos estaduais, como o de São Paulo, estabelecem convênios entre suas Organizações Sociais e os planos de saúde, tentando recuperar uma parte dos recursos que, de uma forma ou de outra, já são consumidos pelos usuários de planos de saúde destes estabelecimentos de saúde, sem perspectivas de recuperação pelos processos atualmente vigentes.

O que poderia ser feito para avançar na relação entre o SUS e o SSS?

Avançar na estruturação do pluralismo em saúde no Brasil, através de uma melhor integração entre o SUS e o SSS, poderia ser feito com uma certa facilidade, se fossem gerados incentivos e mecanismos necessários.

É verdade que o SUS tem aumentado sua cobertura e melhorado sua qualidade assistencial e os governos federal, estadual e municipal não olvidam esforços para que este processo continue avançando. No entanto, as pesquisas de opinião mostram uma realidade ainda bem desfavorável ao SUS. Como já citado neste blog, a pesquisa IBOPE-CNI de outubro de 2011 mostrou que saúde é a principal preocupação dos brasileiros (52% da amostra representativa da população) e que os principais motivos associados a isto são o elevado tempo de espera, a falta de médicos e medicamentos e a qualidade precária do atendimento. Enquanto isso, uma pesquisa do IESS-DATAFOLHA (4), de março de 2011 entre usuários e não usuários do SSS, mostrava que 63% dos usuários consideravam que os serviços da saúde suplementar resolveram o problema todas as vezes em que o procuraram, 95% obtiveram das operadoras todas as autorizações necessárias para o atendimento nos últimos 12 meses e 88% dos não beneficiários (aqueles que só utilizavam o SUS) consideravam importante ou muito importante ter um plano de saúde através de uma operadora.

No entanto, como ja foi igualmente mencionado neste blog, muitos dos que tem planos de saúde também utilizam o SUS, inclusive nas estratégias de saúde básica, como os Programas de Saúde da Família, que vem crescendo em qualidade em muitos Estados e Municípios no Brasil.

Uma efetiva regulação para promover a integração entre o SUS e o SSS deve ir além da questão do ressarcimento. Deve avançar na estruturação de redes de saúde, com autonomia e governança própria, onde possam ser integrados aqueles que tem e não tem cobertura da saúde suplementar. Deve incorporar mecanismos de gestão do risco de saúde nos dois sistemas. Deve aumentar os estudos de avaliação econômica, de uso de tecnologia apropriada e de definição de prioridades assistenciais. Deve aumentar o peso dos processos de promoção e prevenção de saúde, especialmente com o envelhecimento e a epidemia de doenças crônicas que ameaça as estratégias assistenciais dos dois sistemas. Deve garantir a qualidade e a efetividade, através da acreditação dos provedores de serviços, certificação e pagamento aos profissionais de saúde por desempenho ou resultados.

Para avançar nestes desafios, o Brasil teria que pensar, afinal de contas, qual é a vocação institucional e a viabilidade econômica de seu sistema de saúde. Qual o sistema de cobertura universal que seria mais favorável para o Brasil? Um sistema do tipo inglês (onde também faltam elementos para estruturação de seu pluralismo) ou um sistema de asseguramento, como o da Holanda ou Alemanha? Poderia o sistema suplementar ser alternativo ao SUS e as pessoas escolherem se contratam planos do SUS ou das operadoras privadas? Poderia o SUS receber os prêmios de seguro daqueles que tem capacidade de pagar, ou o setor publico subsidiar os mais pobres que querem ter planos de saúde das Operadoras do SSS? Poderia ser o SUS a opção pública que serviria de exemplo para os planos privados de saúde, como propôs o Presidente Barak Obama (sem sucesso) para reformar o sistema norte-americano?

São muitas as questões e opções para discutir. Mas qualquer que seja a opção, ela necessita, como ponto de partida, que o SUS deixe de ser a primeira preocupação dentre as ações públicas no Brasil, por sua baixa qualidade e, por isso mesmo, a última opção de atenção à saúde para a população brasileira que pode pagar por seguros de saúde, como revelam as pesquisas de opinião. Para isso, ele tem que ser eficiente, resolutivo, equitativo e fiscalmente sustentável. Os desafios trazidos pelas transições demográfica e epidemiológica, pelos hábitos e aspirações das famílias e pelos riscos decorrentes destes processos, fazem com que as necessidades de saúde sejam uma espécie de metamorfose ambulante, que vaga no tempo na busca de soluções gerenciais adequadas. Como diria a música de Raul Seixas e Paulo Coelho, a melhor forma de enfrentar estes riscos é fazer com que as soluções gerenciais e de governança não se baseiem em velhas opiniões formadas sobre o que deve ser SUS e a Saúde Suplementar. Inovar, buscar racionalidade e complementariedade é mais do que necessário neste momento.

Notas

(1) Londoño, J.L. & Frenk, J.; Structured Pluralism: Towards an innovative model of health systems reform in Latin America, Health Policy 41: 1-36, 1997.

(2) Julio Jose Frenk Mora, médico, tem uma importante carreira na área de saúde. Foi o Diretor Fundador do Centro de Pesquisa em Saúde Pública do México (1984-1987), Diretor Geral do Instituto Nacional de Saúde Pública no México (1987-1992), Presidente Executivo da Fundação Mexicana para Saúde (1995-1998), Diretor Executivo da Organização Mundial da Saúde em Genebra (1998-2000) e Ministro da Saúde do México, entre 2000 e 2006). Atualmente é Decano da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard.

(3) Juan Luiz Londoño da Cuesta foi economista com doutorado na Universidade de Harvard, Ministro da Saúde da Colombia (1990-1992), quando implementou através da Lei 100 a reforma de saúde colombiana, e Ministro de Proteção Social da Colômbia entre 2002-2003. Em 2003 faleceu em função de um acidente aéreo.

(4) O Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) foi criado em 2005 como instituição de pesquisa para analisar os problemas do mercado de saúde suplementar no Brasil. Um sumário dos resultados desta pesquisa IESS-DATAFOLHA pode ser encontrado na página http://www.iess.org.br/informativosiess/14.htm.

segunda-feira, julho 30, 2012

Estado, Mercado e a Indústria Farmacêutica


Ano 7, No. 41, Julho 2012


Nesta edição o blog Monitor da Saúde traz um  artigo de Mônica Baumgarten de Bolle sobre um tema de grande relevância contemporânea: a contribuição da Indústria Farmacêutica ao prolongamento da vida de bilhões de pessoas ao longo dos últimos dois séculos e a necessidade de manter uma relação estável entre a regulação e os incentivos necessários para manter sua capacidade de inovação. Este tema é particularmente importante, especialmente nos dias de hoje, onde a referida indústria passa por uma fase de grandes mudanças em sua base produtiva, dado que o padrão biotecnológico passa progressivamente a substituir ou complementar a base química da produção de fármacos. 

A indústria farmacêutica desperta sentimentos ambivalentes. Por um lado, muitos olham para ela como a solução para resgatar a vida humana das doenças infecciosas ou crônicas que comprometem a qualidade de vida e reduzem sua extenção. Por outro, muitos a olham como um fardo sobre a economia, embora menos de um quarto dos reajustes nos prêmios dos seguros de saúde, em países como os Estados Unidos por exemplo, estejam a associados aos incrementos nos preços dos medicamentos. Muitos encaram a indústria farmacêutica como um tubarão atrás de lucros injutificados, enquanto outros a vêm como um setor que, por exercer funções que beneficiam toda a sociedade, deveria ser puramente estatal. 


Mas poucos esquecem que a principal vantagem deste setor – seu potencial de inovação – reside no fato de que ele é preponderantemente dirigido pela livre iniciativa e que as patentes são uma forma de proteção de uma indústria cujo custo da inovação é elevado. Também vale assinalar, por outro lado, que os subsídios diretos e indiretos a esta indústria, através de compras públicas de seus produtos, fazem parte a uma estratégia para extender o acesso generalizado, socializando seus efeitos positivos. 

Que poderia passar com essa indústria de fronteira tecnológica, sem os incentivos de mercado ou os subsídios públicos associados às estratégias de universalização de cobertura, especialmente nos países mais pobres, com ou sem a ajuda internacional?

Estes temas são tratados de forma bastante elucidativa no artigo abaixo. Monica Baumgarten de Bolle é economista, professora da PUC-RJ, e Diretora do IEPE - Casa das Garças, no Rio de Janeiro. Com vocês, as palavras de Mônica.

Vidas Manipuladas pelo Lucro?
Monica Baumgarten de Bolle, 25/07/2012

Enaltecer o papel do capitalismo e do lucro usando a indústria farmacêutica como exemplo é uma estratégia, no mínimo, arriscada. Afinal, as grandes empresas e laboratórios que produzem medicamentos de baixa, média e alta complexidade são frequentemente retratados de forma pejorativa em filmes e documentários, expondo um lado vil, mesquinho, marcado por práticas duvidosas, em busca de lucros cada vez maiores. Quem não se lembra do filme de 2005, baseado no romance de John Le Carré, “O Jardineiro Fiel”, em que uma investigação sobre uma droga miraculosa para curar a tuberculose resistente aos antibióticos tradicionais revela a imoralidade das pesquisas conduzidas para aprová-la? E os inúmeros documentários sobre os “lucros insalubres” da indústria farmacêutica americana? Basta uma breve pesquisa no Google para encontrar milhares de curtametragens, alguns mais sensacionalistas do que outros, sobre o lado funesto da indústria de fármacos. Por mais que se tente desqualificá-los, é difícil escapar da velha máxima de que “onde há fumaça, há fogo”.

É claro que a indústria farmacêutica e sua intensa atividade de R&D (Research and Development ou Pesquisa e Desenvolvimento) têm sido extremamente benéficas  para a humanidade. As descobertas de medicamentos capazes de erradicar doenças devastadoras, como a poliomielite nos anos 60, são avanços dignos do refrão de campanha publicitária de cartão de crédito – priceless ou “sem preço”.

Mas, por que mesmo “sem preço”? E seria o valor incalculável dos benefícios de certas descobertas a justificativa incontestável para os lucros exorbitantes das empresas farmacêuticas? Seria isto um aval para que nos manipulem e bombardeiem com anúncios de drogas miraculosas que, muitas vezes, são retiradas do mercado depois dos custos de determinados milagres serem revelados? Lembrem-se da devastação da Talidomida, um anti-inflamatório poderoso, capaz de gerar deformações atrozes nos fetos de mulheres grávidas. Ou na droga Avastin, um agente monoclonal capaz de obstruir os mecanismos de proliferação de células malignas, antes usada no tratamento do câncer de mama, cujo uso para este fim foi revogado pelo Food and Drug Administration, a agência reguladora americana, devido aos danos irreversíveis provocados no organismo de certas pacientes.

Os fármacos e as pesquisas que os desenvolvem são especiais. Medicamentos são bens cujo consumo individual não pode ser isolado, isto é, são bens cujo consumo privado afeta a sociedade como um todo. Pensem nas vacinas infantis contra as doenças infectocontagiosas. Crianças vacinadas protegem não só a si próprias, como a todas as outras com quem entram em contato. Se o consumo de fármacos gera este tipo de “externalidade”, ele não pode ser completamente discriminado pelo mecanismo de preços. Ou seja, de que adianta, do ponto de vista do bem-estar social, cobrar uma quantia elevada pela aquisição de certo remédio se apenas poucas pessoas serão capazer de desfrutar de seus benefícios? Esta é a lógica econômica dos genéricos. Sobretudo nos medicamentos para o controle da Aids, área em que o governo brasileiro foi pioneiro na década de 90.

A maior acessibilidade aos remédios que previnem epidemias, a “humanização” da medicina e da pesquisa farmacológica, foram expostas de modo brilhante e inspirador pelo atual Presidente do Banco Mundial, Dr. Jim Yong Kim, em várias de suas aulas quando ainda era Presidente do prestigiado Dartmouth College. O Dr. Kim, como escrevi em um artigo recente para O Globo a Mais (“Dilma e Jim”) sabe do que fala. Afinal, coordenou programas de erradicação da tuberculose resistente e de controle da Aids no Haiti e no Peru, programas que foram posteriormente elogiados e replicados pela Organização Mundial de Saúde.

Por outro lado, sem patentes, a indústria não inova, ou inova pouco, o que é, evidentemente, prejudicial para a sociedade. Estudos clássicos de Economia Industrial mostram que dentre os segmentos industriais cuja atividade de pesquisa e desenvolvimento é mais afetada pela existência de patentes e de uma boa legislação de proteção intelectual, a indústria farmacêutica lidera qualquer ranking. Portanto, a proteção da propriedade intelectual, um sólido arcabouço institucional para regular as atividades de pesquisa dos laboratórios e empresas, protegendo a sociedade dos malefícios de um bem público mal concebido, e políticas públicas que garantam a fabricação de determinados medicamentos de forma barata e acessível aos consumidores quando isto for inequivocamente benéfico para todos, são essenciais.

A diferença entre a droga e o veneno é a dose. A toxicidade da defesa imponderada do capitalismo, também.

terça-feira, julho 24, 2012

Impactos Econômicos da Epidemia de Câncer


Ano 7, No. 40, Julho 2012


André Cezar Medici
Kaizo Iwakami Beltrão

 
Introdução

Em artigo postado neste blog em 28 de fevereiro deste ano, iniciamos com Kaizô Beltrão, uma análise de aspectos sociais, demográficos e econômicos do câncer, começando com uma avaliação da epidemiologia e distribuição do câncer, ao nível mundial, com ênfase na América Latina. Representando em 2004 cerca de 13% das mortes anuais, o câncer respondia por 15% dos anos de vida saudáveis perdidos (AVISA) nos países ricos e 6% dos AVISA nos países da América Latina e Caribe (ALC). 

Mas quanto custam estes anos de vida perdidos para a sociedade mundial? É muito difícil saber, dado que as informações existentes são precárias e existem muitos aspectos a considerar. Podemos dizer que os custos associados ao câncer tem efeitos: a) na economia; b) nos sistemas de saúde e c) na vida das famílias e nos indivíduos.

Esquema Conceitual para Avaliar os Impáctos Econômicos do Câncer

Os efeitos da epidemia de câncer na economia se expressam:

 Na redução da oferta de trabalho, dado que, embora a doença tenha maior incidência entre a população de terceira idade, muitos a adquirem quando ainda fazem parte da população economicamente ativa. Dessa forma, o câncer tira da atividade econômica temporariamente (quando existe uma plena recuperação) ou definitivamente (quando leva à morte ou a incapacidade permanente) uma quantidade expressiva de homens e mulheres à cada ano.

·         Na redução da produtividade do trabalho, dado que, mesmo retornando à atividade econômica, muitos dos que contraem a doença reduzem sua produtividade em função de interrupções para o tratamento ou de sequelas que não permitem recuperar plenamente sua anterior capacidade laboral

·         No aumento dos custos para o empregador, dado que a incidência crescente de câncer leva ao aumento da sinistralidade da população economicamente ativa elevando o preço médio dos prêmios dos seguros de saúde pagos pelas empresas, assim como ao pagamento dos dias parados de seus empregados necessários ao tratamento da enfermidade;

·         Na redução das taxas de retorno do capital humano, dado que os eventuais  investimentos realizados em treinamento e capacitação de trabalhadores que vem a ser portadores de câncer, se perde ao não se materializar plenamente na realização de um trabalho mais qualificado ou com maior valor agregado;

·        Na redução da arrecadação tributária, dado que na medida em que portadores de câncer deixam de trabalhar ou reduzem sua carga de trabalho pelos efeitos da doença, se reduz a magnitude do produto tributável das empresas, o mesmo acontecendo na arrecadação de imposto de renda da pessoa física, quando os trabalhadores passam a receber ou a deduzir do imposto a pagar as despesas médicas em função da doença;

·         No aumento dos gastos públicos agregados com saúde, dado que boa parte do tratamento de câncer se realiza através dos sistemas públicos de saúde, que são financiados com recursos fiscais.  

     No aumento dos gastos públicos agregados com benefícios previdenciáriops, dado que, em países como o Brasil, por exemplo, o período da licença saúde após os 15 dias cobertos pelo empregador, bem como as aposentadorias por invalidez são financiados pelos sistemas previdenciários, com similaridades nos sistemas de pensão de outros países.

Além dos efeitos econômicos, vale a pena mencionar os efeitos da doença no sistema de saúde, entre os quais vale a pena destacar:
·        
      O aumento do consumo de serviços de saúde, dado que o câncer é altamente intensivo no uso de força de trabalho de saúde, no consumo de exames de diagnóstico, de medicamentos, de tratamentos prolongados e intervenções cirúrgicas, sem contar o aumento dos gastos com prevenção da doença que passam a ser feitos como forma de evitar maior morbidade ou mortalidade para aqueles cânceres que são preveníveis;  

     Os  altos custos de tratamento por caso, os quais elevam os gastos públicos, os custos médios por paciente e o valor dos prêmios dos seguros privados e acabam por limitar o espaço para o tratamento de outras doenças também frequentes nos serviços de saúde públicos ou privados;

           A baixa efetividade dos tratamentos, dado que na maioria dos casos de câncer os efeitos na redução da mortalidade tem sido marginais e os resultados são mais paliativos do que efetivos na recuperação dos pacientes. Mesmo nos casos onde se prolonga a vida do paciente, em sua maioria é difícil evitar as recidivas e a mortalidade;

·        Exige adaptações nos serviços de saúde, como uso de salas especiais para tratamento de quimio ou radioterapia, equipamentos mais sofisticados de diagnóstico, etc., que elevam os investimentos dos serviços de saúde com efeitos não proporcionais na melhoria de sua efetividade.
Por fim, vale mencionar os efeitos do câncer na vida cotidiana das famílias e dos indivíduos onde se destaca basicamente:

A redução do bem-estar individual e familiar, dado que, além do sofrimento pessoal ou familiar, todos passam a ter que adaptar suas vidas as rotinas de tratamento dos pacientes;

O aumento da incapacidade física, levando o portador da doença a uma maior dependência do auxílio de familiares para o desempenho de suas rotinas, muitas vêzes até as mais básicas e simples;

O empobrecimento individual ou familiar, provocado pela perda de renda dos portadores (quando economicamente ativos) e dos familiares, que tem que limitar suas atividades de traballho para auxiliar os parentes enfermos, além do alto custo dos medicamentos, transporte e tratamentos paliativos, muitas vêzes não cobertos pelos serviços públicos ou pelos planos de seguro de saúde. Tais circunstâncias podem levar as famílias à perda de patrimônio, que tem que ser liquefeito para pagar os gastos, ou ao endividamento.

A redução de oportunidades do indivíduo ou da familia, dado que o tempo dedicado pela família ao tratamento, passa a tirar o tempo para a educação, lazer, cultura, busca de oportunidades melhores de trabalho e outras atividades que poderiam aumentar o capital intelectual e social das famílias

Em outras palavras, para avaliar os efeitos econômicos globais do câncer (e também de outras doenças) na sociedade, teriamos que considerar como ele afeta a atividade laboral da população economicamente ativa, como ele aumenta os custos de oportunidade dos gastos públicos, das empresas e das famílias, como ele afeta o futuro das famílias que sofrem o efeito da doença (especialmente das crianças ou jóvens em idade escolar), e suas condições de sobrevivência (perdas patrimoniais, endividamento, etc.), além dos custos dos AVISA perdidos pela morte ou tratamento.

Portanto, poderíamos classificar todos estes custos em 3 categorias básicas:

Custos Diretosassociados aqueles incorridos pelas empresas, indivíduos, famílias ou empresas em processos de prevenção, diagnóstico e tratamento, incluindo o transporte de pacientes, hospitalização e ambulatório, reabilitação, promoção para a comunidade, exames e medicamentos;

 Custos Indiretos, como perdas de capital humano pela mortalidade e pela morbidade prematuras e seus efeitos no produto agregado e sua distribuição entre governo (receitas fiscais), empresas (lucros ou dividendos) e familias (rendas derivadas do trabalho); 

Custos Intangíveis, os quais se expressariam nas dimensões não econômicas da doença associadas a dor, ansiedade e sofrimento, as quais seriam difíceis de atribuir uma expressão monetária.

 
Algumas estimativas dos custos indiretos associados ao câncer, ao nivel global

Infelizmente, não existem estudos globais que possam mapear todas as dimensões associadas ao custo do câncer anteriormente mencionadas, mas existem, no entanto, algumas possibilidades de estimar as perdas econômicas como parte dos custos indiretos do câncer. A American Cancer Society e Livestrong publicaram em 2011 um estudo sobre as perdas econômicas globais associadas ao câncer (1). Este estudo, baseado nas projeções de carga de doença da OMS para 2008, não incluiu os custos diretos, mas somente os custos indiretos. Para tal, foi utilizado o custo associado a 17 tipos de câncer por AVISA perdido, de acordo com o nível de desenvolvimento que o Banco Mundial caracteriza as Regiões (países de alta renda, países de renda média alta, países de renda média baixa e países de baixa renda). 

O Estudo também permitiu comparar as perdas econômicas associados ao câncer com otros 14 tipos de doenças, permitindo um ranking das doenças que representam as maiores perdas econômicas em termos de custos indiretos. De acordo aos resultados, estima-se que o câncer, representa perdas econômicas de quase 900 bilhões de dólares anuais, sendo a doença que acarreta maiores custos indiretos ao nível mundial em 2008 (ver gráfico 1). Seguem-se em ordem de perdas econômicas, as doenças cardíacas, os acidentes cérebro-vasculares e a diabetes.
 
Gráfico 1 – As 15 doenças que representam as maiores perdas econômicas (Em US$ Bilhões), ao nivel mundial, de acordo com as projeções da OMS por carga de doença - 2008

 
As perdas econômicas (custos indiretos) associadas ao câncer representavam em média 1,5% do PIB mundial em 2008, mas poderiam alcançar 1,7% em países como os Estados Unidos e até 3% em países como a Hungria.

A metodologia para calcular as perdas econômicas por AVISA, associa-se ao valor econômico atribuido à vida de um indivíduo, de acordo com o seu produto per-capita médio anualmente gerado. Nesse sentido, ainda que existam muitos casos de câncer em países de menor nivel de desenvolvimento, as perdas econômicas são menores dado que a produtividade econômica dos trabalhadores (produto per-capita gerado) é menor nestes países do que nos de alta renda.

De acordo com os resultados do estudo, os três tipos de câncer que levaram a maiores perdas econômicas em 2008 são os cânceres de pulmão (US$ 188 bilhões), do cólon-reto (US$ 99 bilhões) e de mama (US$ 88 bilhões). Estes três tipos de câncer representam 34% dos AVISA perdidos e 42% das perdas econômicas associdas aos 17 tipos de câncer investigados, ao nivel mundial. A tabela 1 mostra os custos econômicos estimados destes tres tipos de câncer, destacando os países de renda alta e de renda média alta (onde se inclui o Brasil).

 
Tabela 1: Perdas econômicas (custos indiretos) dos três tipos de câncer com maior volume de perdas econômicas de acordo com  o nivel de renda dos países (2008), em US$ bilhões.


Verifica-se que, entre os países de alta renda, os perdas econômicas associadas a estes três tipos de câncer são bem maiores do que entre os países de renda média alta, de renda média baixa e de renda baixa, o que se explica basicamente pelos diferencias de produtividade e de renda do trabalho entre estes países e também pela incidência de câncer que é bem mais elevada entre os países de alta renda (2).

A tabela também mostra que, no caso dos países de renda média  alta, não existem diferenças tão significativas entre as perdas econômicas entre os três tipos de câncer e que, com o aumento da incidência de fatores de risco associados a obesidade, os cânceres cólon-retal e de mama passaram a aumentar sua incidência entre estes países.

Já no caso dos países de renda média baixa e de renda baixa, as perdas associadas ao câncer de pulmão e bronquios são significamente maiores do que dos outros dois tipos de câncer, dada a maior mortalidade deste tipo de câncer entre pessoas economicamente ativas, por um lado; e a menor mortalidade de câncer de reto e colon que se associa a pessoas com maior nivel de renda. Também se destaca um menor nivel, não de frequência, mas de perdas econômicas câncer se mama.

Tendências mundiais

Em 2008, a GLOBOCAN estimava a existência de 12,7 milhões de pessoas portadoras de câncer no mundo, dos quais 35% se concentravam na Ásia do Leste (onde se inclui a China e Japão), 18% na Europa Ocidental, 13% na América do Norte, 11% na Asia Central e do Sul (onde se inclui a India) e 8% nos países do Leste Europeu. Os demais 22% dos casos se distribuiam entre a África, os Países da América Latina e Caribe (excetuando-se México) e a Oceania. 

De acordo com os dados disponíveis, a incidência de câncer tenderá a aumentar, especialmente nos países em desenvolvimento. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), indicam que o número de casos de câncer passará de 12,7 milhões em 2008 para 22,2 milhões em 2030, dos quais cerca de quatro quintos ocorrerão em países em desenvolvimento, comparados a já elevada cifra de 2008 onde os países em desenvolvimento respondem por 70% dos novos casos. O número de mortes pela doença deverá passar de 7.6 milhões em 2008 para 13,1 milhões, de acordo com estimativas para 2030.

Nos países desenvolvidos, embora não se tenham estudos para todos, pode se dizer que as taxas de incidência para alguns tipos de câncer estão se reduzindo. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, estudos da American Cancer Society (3) mostram que as taxas masculinas de câncer de pulmão e brônquios que chegaram a quase 90 por 100 mil ao redor de 1990, estão próximas de 60 por 100 mil em 2008. Tendências similares, a mais longo prazo, se verificam nos cânceres de estômago, próstata e cólon-retal. Estas tendências se associam à redução dos fatores de risco, tais como o tabaco no caso do câncer de pulmão. Alguns tipos de câncer, no entanto, ainda que tenham taxas de incidência menores, tem apresentado tendência a estabilidade ou ao aumento, como é o caso dos cânceres de pâncreas, figado e da leucemia. 

Tendências recentes, de acordo com o mesmo estudo, mostram reduções recentes na incidência feminina de câncer de estomago, colon-retal e mama entre as mulheres norte-americanas, mas um aumento, seguido de estabilidade, do câncer de pulmão e brônquios, dado que o aumento da frequência de mulheres fumantes começou mais tarde que entre os homens e os efeitos da campanha anti-tabaco ainda não se faziam sentir fortemente no grupo feminino até 2008. Assim, o câncer de pulmão, ainda que tenha uma tendência a longo prazo à redução, é a forma mais frequente desta doença entre a população norte-americana em ambos os sexos.

No entanto, nos países em desenvolvimento, as taxas de incidência de câncer estão aumentando e em poucos anos ultrapassarão aquelas que hoje prevalecem nos países de alta renda. O Brasil, por exemplo, em 2008 já estava entre os países com taxas mais altas do mundo em  câncer de estômago e exôfago entre os homens. O Quadro 1 mostra, na comparação de diversos países ao nivel mundial, qual é a situação do Brasil nos níveis relativos de estimativa de alguns tipos de câncer em 2008. Verifica-se que no Brasil os níveis relativos de incidência masculinos são maiores que os femininos nos cânceres que incidem para ambos os sexos.

 Quadro 1 – Niveis de Incidência Relativa de Alguns Tipos de Câncer no Brasil comparados com os Demais Países do Mundo: 2008
 
Segundo a OMS, cerca de 30% das mortes por câncer poderiam ser evitadas se fossem controlados cinco fatorea de risco:  a) obesidade, b) baixo grau de consumo de frutas e vegetais, c) falta de atividade física regular, d) uso do tabaco e e) uso do alcool em larga escala. Somente ao tabaco se pode atribuir 22% das mortes globais por câncer e 71% das mortes associadas ao câncer de brônquios e pulmão. O câncer causado por infecções virais, como as HBV-HPV entre as mulheres respondem por 20% das mortes por câncer em países de renda baixa e de renda média baixa.  Mas eliminar estes fatores de risco não parece ser fácil na maioria dos países em desenvolvimento.


Por todos estes motivos, a velocidade de aumento dos gastos com câncer, ao nivel mundial e regional, irá depender de vários fatores, cabendo destacar: a) o processo de transição demográfica, especialmente nos países em desenvolvimento, que acarretará em maior número de pessoas adultas e idosas sujeitas a incidência desta enfermidade; b) a capacidade de aumentar os processos de detecção precoce e prevenção, a qual até hoje somente tem avançado para alguns tipos de câncer e c) os custos médios associados ao tratamento e prevenção, em função de medicamentos e da natureza das intervenções clínicas ou cirúrgicas disponíveis.

Notas


2                             2. Entre os outros conjuntos de países, somente aqueles da Europa do Leste e Ásia Central, considerados como de renda média alta, tinham em 2008 uma incidência estimada de câncer similar aos dos países de alta renda (em torno de 18,5 AVISA perdidos por  1000 habitantes). Na América Latina, a incidência estimada era de 10,7 AVISA perdidos por 1000 habitantes). 

3                       3. American Cancer Society (2012), Surveillance Research.