Ano 7, No. 41, Julho 2012
Nesta edição o blog Monitor da Saúde traz um artigo de Mônica Baumgarten de Bolle sobre um tema de grande relevância contemporânea: a contribuição da Indústria Farmacêutica ao prolongamento da vida de bilhões de pessoas ao longo dos últimos dois séculos e a necessidade de manter uma relação estável entre a regulação e os incentivos necessários para manter sua capacidade de inovação. Este tema é particularmente importante, especialmente nos dias de hoje, onde a referida indústria passa por uma fase de grandes mudanças em sua base produtiva, dado que o padrão biotecnológico passa progressivamente a substituir ou complementar a base química da produção de fármacos.
A indústria farmacêutica desperta sentimentos
ambivalentes. Por um lado, muitos olham para ela como a solução para resgatar a
vida humana das doenças infecciosas ou crônicas que comprometem a qualidade de
vida e reduzem sua extenção. Por outro, muitos a olham como um fardo sobre a
economia, embora menos de um quarto dos reajustes nos prêmios dos seguros de saúde, em
países como os Estados Unidos por exemplo, estejam a associados aos incrementos
nos preços dos medicamentos. Muitos encaram a indústria farmacêutica como um tubarão atrás de
lucros injutificados, enquanto outros a vêm como um setor que, por exercer
funções que beneficiam toda a sociedade,
deveria ser puramente estatal.
Mas poucos esquecem que a principal vantagem
deste setor – seu potencial de inovação – reside no fato de que ele é
preponderantemente dirigido pela livre iniciativa e que as patentes são uma
forma de proteção de uma indústria cujo custo da inovação é elevado. Também
vale assinalar, por outro lado, que os subsídios diretos e indiretos a esta
indústria, através de compras públicas de seus produtos, fazem parte a uma
estratégia para extender o acesso generalizado, socializando seus efeitos
positivos.
Que poderia passar com essa indústria de fronteira tecnológica, sem
os incentivos de mercado ou os subsídios públicos associados às estratégias de
universalização de cobertura, especialmente nos países mais pobres, com ou sem a ajuda internacional?
Estes temas são tratados de forma bastante
elucidativa no artigo abaixo. Monica Baumgarten de Bolle é economista,
professora da PUC-RJ, e Diretora do IEPE - Casa das Garças, no Rio de Janeiro.
Com vocês, as palavras de Mônica.
Vidas Manipuladas pelo Lucro?
Monica Baumgarten de Bolle, 25/07/2012
Enaltecer o papel do capitalismo e do lucro usando a indústria
farmacêutica como exemplo é uma estratégia, no mínimo, arriscada. Afinal, as
grandes empresas e laboratórios que produzem medicamentos de baixa, média e
alta complexidade são frequentemente retratados de forma pejorativa em filmes e
documentários, expondo um lado vil, mesquinho, marcado por práticas duvidosas,
em busca de lucros cada vez maiores. Quem não se lembra do filme de 2005, baseado
no romance de John Le Carré, “O Jardineiro Fiel”, em que uma investigação sobre
uma droga miraculosa para curar a tuberculose resistente aos antibióticos
tradicionais revela a imoralidade das pesquisas conduzidas para aprová-la? E os
inúmeros documentários sobre os “lucros insalubres” da indústria farmacêutica
americana? Basta uma breve pesquisa no Google
para encontrar milhares de curtametragens, alguns mais sensacionalistas do que
outros, sobre o lado funesto da indústria de fármacos. Por mais que se tente
desqualificá-los, é difícil escapar da velha máxima de que “onde há fumaça, há
fogo”.
É claro que a indústria farmacêutica e sua intensa atividade de R&D
(Research and Development ou Pesquisa
e Desenvolvimento) têm sido extremamente benéficas para a humanidade. As descobertas de
medicamentos capazes de erradicar doenças devastadoras, como a poliomielite nos
anos 60, são avanços dignos do refrão de campanha publicitária de cartão de
crédito – priceless ou “sem preço”.
Mas, por que mesmo “sem preço”? E seria o valor incalculável dos
benefícios de certas descobertas a justificativa incontestável para os lucros
exorbitantes das empresas farmacêuticas? Seria isto um aval para que nos
manipulem e bombardeiem com anúncios de drogas miraculosas que, muitas vezes,
são retiradas do mercado depois dos custos de determinados milagres serem
revelados? Lembrem-se da devastação da Talidomida, um anti-inflamatório
poderoso, capaz de gerar deformações atrozes nos fetos de mulheres grávidas. Ou
na droga Avastin, um agente monoclonal capaz de obstruir os mecanismos de
proliferação de células malignas, antes usada no tratamento do câncer de mama,
cujo uso para este fim foi revogado pelo Food
and Drug Administration, a agência reguladora americana, devido aos danos
irreversíveis provocados no organismo de certas pacientes.
Os fármacos e as pesquisas que os desenvolvem são especiais.
Medicamentos são bens cujo consumo individual não pode ser isolado, isto é, são
bens cujo consumo privado afeta a sociedade como um todo. Pensem nas vacinas
infantis contra as doenças infectocontagiosas. Crianças vacinadas protegem não
só a si próprias, como a todas as outras com quem entram em contato. Se o
consumo de fármacos gera este tipo de “externalidade”, ele não pode ser completamente
discriminado pelo mecanismo de preços. Ou seja, de que adianta, do ponto de
vista do bem-estar social, cobrar uma quantia elevada pela aquisição de certo
remédio se apenas poucas pessoas serão capazer de desfrutar de seus benefícios?
Esta é a lógica econômica dos genéricos. Sobretudo nos medicamentos para o
controle da Aids, área em que o governo brasileiro foi pioneiro na década de 90.
A maior acessibilidade aos remédios que previnem epidemias, a
“humanização” da medicina e da pesquisa farmacológica, foram expostas de modo
brilhante e inspirador pelo atual Presidente do Banco Mundial, Dr. Jim Yong
Kim, em várias de suas aulas quando ainda era Presidente do prestigiado
Dartmouth College. O Dr. Kim, como escrevi em um artigo recente para O Globo a
Mais (“Dilma e Jim”) sabe do que fala. Afinal, coordenou programas de
erradicação da tuberculose resistente e de controle da Aids no Haiti e no Peru,
programas que foram posteriormente elogiados e replicados pela Organização
Mundial de Saúde.
Por outro lado, sem patentes, a indústria não inova, ou inova pouco, o
que é, evidentemente, prejudicial para a sociedade. Estudos clássicos de
Economia Industrial mostram que dentre os segmentos industriais cuja atividade
de pesquisa e desenvolvimento é mais afetada pela existência de patentes e de
uma boa legislação de proteção intelectual, a indústria farmacêutica lidera
qualquer ranking. Portanto, a
proteção da propriedade intelectual, um sólido arcabouço institucional para
regular as atividades de pesquisa dos laboratórios e empresas, protegendo a
sociedade dos malefícios de um bem público mal concebido, e políticas públicas
que garantam a fabricação de determinados medicamentos de forma barata e
acessível aos consumidores quando isto for inequivocamente benéfico para todos,
são essenciais.
A diferença entre a droga e o veneno é a dose. A toxicidade da defesa
imponderada do capitalismo, também.
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