terça-feira, outubro 12, 2010

Rankings Hospitalares como Indutores da Qualidade ao Paciente

Ano 5, No. 24, Outubro 2010


André Medici




Por que divulgar rankings hospitalares?

Nos últimos anos várias iniciativas voltadas para elaborar rankings sobre qualidade dos hospitais começaram a ser implementadas, em sua maioria por entidades independentes, com o objetivo de informar o consumidor e auxiliá-lo a tomar melhores decisões em como investir em sua própria saúde. Em se tratando de hospitais, a avaliação de qualidade não é trivial. Ela deve tomar em conta vários aspectos e muitas vezes é difícil chegar a consensos sobre quais são os critérios mais relevantes.

Diferentemente dos esforços de avaliação para a acreditação, os quais buscam apenas conhecer se um dado conjunto de pre-requisitos para o funcionamento adequado dos hospitais está sendo cumprido, os rankings tem por objetivo classificar os hospitais por sua excelência associada a uma série de atributos consensuados por especialistas. Este esforço, no presente momento, tem sido realizado por revistas como a U.S News, nos Estados Unidos e, mas recentemente pela Revista América Economia, sediada no Chile.

A presente edição deste blog, em continuidade a anterior, analisa a elaboração de avaliações independentes sobre a qualidade dos hospitais. Alguns aspectos são importantes para serem considerados neste aspecto: (a) Quem organiza e porquê; (b) Quais os critérios para a escolha; (c) Qual é a metodologia utilizada para a elaboração dos rankings; (e) Quem se beneficia com os rankings.

O objetivo da produção e divulgação dos rankings de hospitais é oferecer aos usuários de serviços de saúde e à sociedade civil, informações técnicas balizadas para orientar a escolha dos indivíduos e famílias que necessitam de assistência hospitalar e tratamento para distintos problemas de saúde. Anteriormente a existência desses rankings, a escolha de um hospital, além de representar um risco, era cheia de subjetividades. No passado, mas em muitos casos até hoje, a escolha de um hospital se baseava em recomendações do médico da família, parentes, amigos ou mesmo propagandas difundidas pela imprensa, escrita, televisionada ou falada. A existência de rankings representa um grande avanço na sistematização de informações sobre qualidade clínica e resolutividade hospitalar que muitas vêzes não estão disponíveis num mercado, como o de saúde, baseado em informação distorcida e assimétrica.

A participação no processo de avaliação de hospitais para efeitos de estabelecer rankings tem que ser voluntária, seja através da aceitação a convites previamente enviados, seja através de cartas de manifestação de interesse aos organizadores dos rankings pelos hospitais, como condição de entrada e aceitação ao processo de avaliação conduzido pela instituição avaliadora, de acordo com as metodologias estabelecidas. Os rankings devem utilizar várias dimensões que permitam balizar o processo de avaliação da qualidade hospitalar. Entre estas dimensões poderiamos considerar temas como a infra-estrutura necessária para o cuidado do paciente, a organização da entrega dos serviços, os resultados assistenciais conseguidos pelo hospital, e a segurança dos pacientes quando se encontram utilizando os serviços hospitalares. Em linhas gerais, estas dimensões são as mesmas utilizadas nos processos de acreditação que descrevemos na edição anterior deste blog para o tema de acreditação, só que na acreditação não está em jogo a comparação entre hospitais, mas somente o alcance ou não de um mínimo necessário para ser considerado apto a prestar serviços acreditados de qualidade.

A dimensão infra-estrutura necessária para o cuidado ao paciente se refere à intensidade do uso de pessoal não-médico qualificado, como enfermeiras e outros profissionais auxiliares de nivel superior, ao uso de tecnologias apropriadas ao cuidado do paciente, deixando de lado aquelas que são caras e inúteis, e ao reconhecimento externo de agências acreditadoras de grande prestígio nacional, seja em áreas especializadas, seja em aspectos gerais. Esta dimensão tem que ser ponderada pelo uso de variáveis associadas a quantidade da produção clínica, dado que somente hospitais com certo volume de serviços podem ter a experiência necessária para inovar e manter a busca pela excelência e pela qualidade.

A dimensão organização para a entrega dos serviços, avalia, através da opinião de profissionais em instituições reconhecidas no mercado, a qualidade do diagnóstico, do tratamento, da prevenção e dos cuidados para melhor informar e educar o paciente quanto à seu estado de saúde e quanto às perspectivas para seu tratamento, colocando-o em condição de assumir parte da responsabilidade em manter a sua saúde após sair do hospital. A reputação de um hospital estará em jogo sempre quando esta organização é insufiente para garantir estes aspectos.

A dimensão resultados alcançados pelo hospital deve ser medida através de indicadores finalísticos de saúde, tais como taxas de mortalidade dos pacientes do hospital, ajustadas pelo seu risco de entrada, taxas de reinternação após a primeira alta, e assim por diante. As taxas de mortalidade devem ser medidas com base em indicadores de padronização da análise, como os grupos relacionados de diagnóstico (DRGs) que aglomeram causas ou diagnósticos de internação associados a escolha de tratamentos esperados padronizados. No entanto, nem todos os hospitais utilizam os sistemas de DRGs, especialmente em países em desenvolvimento, o que dificulta ter uma medida padronizada para resultados hospitalares em regiões como a América Latina.

Por fim, a dimensão de segurança dos pacientes esta associada a capacidade que tem o hospital em prevenir riscos decorrentes de falhas na estrutura e no processo. A Organização Mundial da Saúde, conjuntamente com a Joint Commission International desenvolveram temas associados a segurança do paciente, o que é um tema que trataremos em detalhe em edições futuras deste blog.

Nos Estados Unidos, a iniciativa mais conhecida para a classificação de hospitais em rankings é a realizada pela U.S News & World Report´s. Ela se intitula Melhores Hospitais. O ranking dos melhores hospitais norte-americanos começou a ser divulgado anualmente desde 1990 pela referida revista. Entre 1993 e 2004, o ranking passou a ser realizado com base em pesquisas contratadas pelo National Opinion Research Center da Universidade de Chicago. A partir de 2005 a metodologia para cálulo do ranking passou a ser desenvolvida pela Research Triangle Institute - RTI International, uma das maiores empresas de pesquisa social norte-americanas, criada em 1959 e situada no Estado da Carolina do Norte.

Além da US News, outras instituições buscam estabelecer metodologias para classificar hospitais de excelência. Uma metodologia mas recente tem sido a publicada pela Health Grades (1). Dada a existência de variações de qualidade entre os prestadores no sistema de saúde dos EUA, todos os anos Health Grades estuda o impacto dessa variação nos serviços hospitalares da população beneficiária do MEDICARE, para variáveis associadas a morbidade e mortalidade. Esta metodologia, que já constroi rankings anuais desde 2003, se baseia em informações de hospitais que prestam serviços para o sistemas de MEDICARE para um universo de 41 milhões de pessoas. Os dados se baseiam em informes sobre 46 procedimentos e diagnósticos, produzindo comparações estatísticas relacionadas.

A idéia de fazer um ranking separado para o MEDICARE é defendida pelo fato de que a população beneficiária deste programa, por apresentar riscos diferentes aos da média da população norte-americana, necessita ser avaliada de acordo com critérios especiais. A pontuação de cada hospital, medida por estrelas, irá depender do desempenho de cada hospital, sendo atribuido: (a) cinco estrelas, se o desempenho atual foi melhor que o esperado e se a diferença de desempenho foi estatisticamente relevante; (b) tres estrelas, se a diferença de desempenho não foi estatisticamente diferente do que era esperado e (c) uma estrela, se a diferença foi abaixo do que era esperado. Em geral, 70% a 80% dos hospitais em cada procedimento ou diagnóstico tem sido classificado como 3 estrelas, ou seja, na média. O restante tende a se distribuir igualmente (entre 10% e 15%) entre uma (abaixo da média) e cinco estrelas (acima da média), de acordo a uma curva de Gauss.

O relatório da Health Grades para 2010 mostrou que o desempenho dos hospitais quanto à mortalidade hospitalar ajustada por risco melhorou 11% entre 2006 e 2008. Entre 17 procedimentos e diagnósticos estudados, existe 72% menos chance de morrer em um hospital considerado 5 estrelas do que em um hospital considerado uma estrela. A chance de morrer em um hospital de 5 estremas é também 51% mais baixa do que a da média dos hospitais norte-americanos que prestam serviços para o MEDICARE. Os hospitais cinco estrelas salvaram, nestes 17 procedimentos e diagnósticos, 224,5 mil vidas de pessoas associadas ao MEDICARE entre 2006 e 2008, sendo que 57% destas vidas foram salvas em quatro diagnósticos: sepsis, peneumonia, complicações cardíacas e problemas respiratórios.

Rankings Hospitalares na América Latina

No caso do ranking da América Latina, a experiência foi organizada pela Revista América Economia, no ano de 2009, com vinte instituições participantes, e se repetiu em 2010, com 35 instituições hospitalares. Foi baseada em um concurso, voluntário de hositais latino-americanos aberto para qualquer hospital ou clínica de alta complexidade que preste serviços em uma ampla gama de especialidades médicas na Região, a partir dos seguintes critérios de entrada: a) tenha sido referenciado pelos Ministérios da Saúde nos países em que se localizam (2) e; b) constem nas listas de hospitais acreditados por instituições nacionais e internacionais (como a JCI)em cada um dos países considerados.

Podem participar hospitais de distintas naturezas jurídicas (públicos, privados, filantrópicos, universitários). A revista, em geral, pré-convida hospitais para participar, mas somente aqueles que respondem positivamente e enviam as respostas, preenchendo os questionários iniciais, são avaliados com o propósito de serem incluídos no ranking. Assim, em 2009, partindo de um conjunto de quase duzentos hospitais, foram selecionados 33 hospitais e clínicas, os quais receberam um questionário com informações que deveriam ser apresentadas com base na situação registrada em 2008. Deste exercício foram selecionados cerca de 20 hospitais para a lista de 2009, sob a qual se estabeleceu o ranking.

Para balizar as informações de qualidade destes hospitais, foram consultados cerca de 700 médicos especialistas em 180 hospitais destes países. A metodologia que orientou a elaboração dos questionários aos hospitais e aos médicos foi baseada em seis dimensões com seus respectivos pesos(3), a saber: segurança do paciente (20%), qualidade dos recursos humanos (20%), gestão do conhecimento (20%), capacidade técnica (20%), eficiência (10%) e prestígio institucional (20%).

Cada uma destas dimensões envolvia um conjunto de variáveis. O tema da segurança do paciente envolve questões como a existência de comitês de ética nos hospitais, se os hospitais estam acreditados por algum sistema nacional ou internacional, o uso sistemático de guias clínicas e protocolos, as práticas vigentes de registro de dados e os sistemas de informação sobre o paciente, os sistemas de turnos e jornadas de trabalho existentes no hospital para dar conta das urgências, os sistemas de controle de infecção hospitalar, as taxas de infecção nosocomial registradas no hospital, e a existência de sitios webs onde fossem informados, de forma transparente, dados sobre eventos clínicos adversos, dados financeiros e informações sobre custos e preços praticados pelos referidos hospitais.

No que se refere ao tema de qualidade dos recursos humanos se considerou o grau de formação médica, incluindo as especialidades adquiridas através de cursos especiais e de pós-graduação, a proporção de médicos com dedicação exclusiva ou trabalhando mais de 6 horas por dia na instituição, a porcentagem de enfermeiras graduadas no corpo de funcionários com dedicação exclusiva e trabalhando mais de seis horas por dia e outros.

No que tange ao tema de gestão do conhecimento, se considerou a natureza e qualidade dos processos de ensino, pesquisa e publicações em revistas especializadas indexadas gerados no interior do hospital, a afiliação do hospital a outras instituiçõs científicas que possam compartilhar conhecimento com o hospital e a qualidade do sistema de difusão de conhecimento, tanto para o corpo clínico (intranet, websites, volume de informações disponíveis na biblioteca do hospital, etc.)

Quanto a dimensão de capacidade técnica, foram consideradas variáveis para medir o porte e a complexidade do hospital, tais como o número de leitos ativos de cada hospital, o número de altas em relação às entradas, a taxa de permanência, o número de especialidades médicas oferecidas, a quantidade de salas de cirurgias e a proporção de altas cirúrgicas em relação às entradas, o total de exames realizados, os serviços de apoio clínico existentes (diálise, nutrição, psicologia, oncologia, transplantes, farmácia, laboratórios existentes), as relações quantitativas como número de médicos por leito ou de enfermeiros por leito, etc.

No que se refere a dimensão de eficiência, se considerou varíaveis que permitissem avaliar a qualidade a partir de um uso mais racional dos recursos, tais como eficiência clínica (taxa de ocupação, existência de centros de qualidade e desenvolvimento da medicina baseada em evidência), uso de tecnologia da informação e eficiência financeira, através de indicadores de rentabilidade, liquidez, faturamento, endividamento e rentabilidade por empregado.

Por fim, para medir a variável de reputação institucional foram realizadas entrevistas medindo como o hospital era considerado nacional e internacionalmente quanto a sua reputação e qualidade por pares, gerentes hospitalares, usuários, etc.

Entre 2009 e 2010, o número de hospitais selecionados neste ranking passou de 20 para 35. Abaixo estão listados, de acordo com a metodologia e critérios indicados, os 10 primeiros hospitais no ranking proposto pela Revista Latino América Economia.


Os dez Melhores Hospitais da América Latina
Ranking da Revista América Economia – 2009 e 2010
Fonte: Revista America Economia, 2009 e 2010.




Dado que o ranking da Revista América Economia está apenas começando (tem somente dois anos de funcionamento), em comparação ao da US News que começou em fins dos anos oitenta, é possível que, nos próximos anos, venha a aumentar o número de hospitais que queiram participar voluntariamente do esforço. Afinal de contas, é a participação voluntária dos hospitais neste processo é a melhor estratégia para que a avaliação dos hospitais possa evoluir, aumentando a informação dos consumidores, orientando melhor as escolhas de hospitais na América Latina e contribuindo para uma concorrência saudável entre hospitais de excelência que só beneficia aos cidadãos.

O exercício voltado para realizar rankings em hospitais não se esgota nas experiências acima descritas. O Laboratório de Cibermétrica do Conselho Superior de Pesquisa Científicas (CSIC), ligado ao Ministério da Educação da Espanha, desenvolve, desde 2006, um ranking associado ao uso de qualidade de tecnologia de informação em hospitais, ao nivel mundial, baseado nas páginas webs de vários hospitais. Este esforço também parece promissor dado que cada vez mais a qualidade dos processos de tecnologia de informação utilizados nos hospitais é um fator condicionante da qualidade da atenção hospitalar. Neste índice vários hospitais brasileiros foram incorporados (4).

O esforço de avaliação de hospitais é uma condição inexorável para a melhoria da qualidade da oferta hospitalar em qualquer país. Nesse sentido, seria muito bom para o Brasil começar a instituir processos similares, organizados pela sociedade civil ou por órgãos independentes do Governo. Este esforço não deve parar, dado que só através dele se poderá aumentar a transparência em estimular os hospitais brasileiros a melhorar o produto que estão oferecendo para a sociedade, dando mais valor à cada real gasto com assistência médica no Brasil, tanto no setor público como no setor privado.

Notas

(1) Health Grades Inc. (2009), Health Grades America´s 50 Best Hospitals Report., Publicado em http://www.healthgrades.com/business/img/Americas50BestHospitalsReport2009.pdf. Ver http://www.healthgrades.com/cms/ratings-and-awards/2010-Fall-Ratings-Announcement.aspx.

(2) Foram consultados os Ministérios da Saúde dos seguintes países: Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, México, Peru e Venezuela, os quais informaram, de acordo com as solicitações da Revista América Economia, sobre as organizações hospitalares que pelo seu prestígio local, qualidade e variedade das prestações médicas seriam consideradas as melhores de seus países.

(3) Informações detalhadas sobre a pesquisa, o ranking e a metodologia utilizada pela Revista podem ser encontradas em http://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/los-35-de-la-fama-conozco-el-ranking-de-los-mejores-hospitales-y-clinicas-de-lat. Vale mencionar que a metodologia foi elaborada sob a consulta de um painél de especialistas latino-americanos especializados em gestão de hospitais, composto por Gabriel Bastías (Universidade Católica do Chile), Germán Gonzáles (Universidade de Antióquia, Colombia), Rafael Gonzáles (UNAM, Mexico), Rodolfo Quirós (Universidade Católica, Argentina), Ana Maria Malik (Fundação Getúlio Vargas, Brasil), Gonzalo Vecina (FSP-USP, Brasil) Marcos Vergara (UCHILE, Chile).

(4) Ver http://hospitals.webometrics.info/