Ano 9, N0. 65, Maio 2015
André Medici
André Medici
Introdução
No mês passado a reporter Carol Gonçalves publicou na Revista Hospitais Brasil, (No. 72, Abril de 2015, páginas 20 a 22) uma máteria com a opinião de especialistas sobre o artigo 142 da Lei 13.097, de 19 de Janeiro de 2015, que introduz mudanças na Lei Orgânica do Setor Saúde (Lei 8080, de 1990) sobre a participação do capital estrangeiro no setor. A matéria pode ser encontrada no link http://www.revistahospitaisbrasil.com.br/revista-digital/edicao-72-revista-hospitais-brasil/. Estamos publicando nesta edição do Monitor de Saúde a íntegra de minha entrevista que apoiou Carol Gonçalves na elaboração desta matéria.
CG: De forma
prática, o que essa lei vai mudar? Isso vale para instituições públicas e
privadas?
AM: O que altera com essa Lei é o artigo 142 da Lei Orgânica de
Saúde (Lei 8080 de setembro de 1990) passando a permitir a participação direta
ou indireta de empresas externas e de capital extrangeiro na assistência a saúde,
o que anteriormente era vedado. A mudança na lei passa a permitir expressamente
a participação e controle de empresas internacionais ou de capital estrangeiro
em algumas atividades da assistência à saúde.
A Lei 13.097 passa a permitir, nesse sentido, doações de organismos internacionais, financiamentos e empréstimos externos para pessoas jurídicas não nacionais que desejem instalar hospitais lucrativos ou filantrópicos, gerais ou especializados no país, incluindo serviços ambulatoriais e serviços em áreas como planejamento familiar.
Tal processo se extende ao desenvolvimento de pesquisas na área de saúde e genética humana, a laboratórios de análises clínicas, anatomia patológica e diagnóstico por imagem, ao fornecimento de medicamentos e produtos para a saúde e outras áreas ainda por especificar. Do meu ponto de vista, a Lei representa um avanço em uma dispositivo legal que nos últimos 27 anos tem obstaculizado a melhoria da assistência médica e o desenvolvimento científico e tecnológico da saúde no Brasil.
Na Lei 8080 era vedada a participação do capital estrangeiro em saúde, ainda que o artigo 199 da Constituição, em seu parágrafo terceiro, definia casos que poderiam ser permitidos, como o de doações de organismos internacionais e financiamiento de empréstimos externos. Um parecer da Procuradoria Geral da República de 2008, chegou a considerar que entre os casos previstos pela Constituição de 1988 estaria a assistencia a saúde em áreas complexas que exigissem equipamentos modernos e conhecimentos superirores, complementando serviços que estariam sendo prestados pelo Estado de forma insuficiente.
CG: Quais países têm interesse em investir
em saúde no Brasil? Em quais setores, principalmente?
AM: Vários países e empresas internacionais já tem
investido no setor nos últimos anos. Uma das áreas de interesse é a de Operadoras de Planos de
Saúde. Como exemplo, temos a aquisição da AMIL pela United Health Care,
aprovada pela ANS em 2012. Potencialmente muitos outros países poderiam estar
interessados no mercado de planos de saúde, especialmente pelo aumento recente
da formalização do mercado de trabalho na economia brasileira e pelo crescimento da classe média.
Resta saber, no entanto, se a crise atual da economia brasileira, que não se
sabe quanto tempo vai durar, poderá limitar este interesse internacional no mercado de saúde brasileiro à curto prazo.
Outro setor de interesse é o de Hospitais, nos quais o capital estrangeiro poderia ingressar através da compra direta de ativos, de ações na bolsa, de participações público-privadas (PPPs), ou ainda, através da transformação de grandes hospitais nacionais em sociedades anônimas, o que permitiria capitalizar e aumentar a capacidade de investimento destes hospitais. Uma das PPPs exitosas realizadas no Estado da Bahia foi a do Hospital do Suburbio, em 2010, onde participaram os capitais externos de empresas como a Dalkia, uma empresa francesa, e a PROMEDICA, como participante nacional do consórcio.
Em 2012 se estimava que o valor das organizações extrangeiras listadas como empresas de diagnóstico, planos de saúde e laboratórios farmacêuticos no Brasil estaria ao redor de R$ 62 bilhões. Acredita-se que atualmente este valor seja bem maior. Na área farmaceutica, por exemplo, uma boa parte do setor já é constitutida por capital estrangeiro e empresas como a Roche, por exemplo, tem planos concretos de aumentar sua participação no mercado nacional.
CG: Que tipo de empresas demonstram
interesse em investir no Brasil?
AM: Uma pesquisa realizada pela AMCHAM Brasil em 2013, a partir de uma missáo comercial e logística que levou grandes empresas brasileiras para os Estados Unidos, indicava que 7% dos interesses em expansão comercial de empresas norte-americanas no Brasil se situava nas áreas de saúde, fármacos e biotecnologia. No entanto, muitos empresários externos acham que o Brasil ainda tem muitas barreiras burocráticas e comerciais para atrair capitais de investimento. Temas triviais como registro na junta comercial, tirar CNPJ, conseguir licenças de operação, podem ser complicados, especialmente para médios capitais externos. O índice de facilidade de fazer negócios do Banco Mundial, colocava o Brasil na 120ª posição de um ranking de 144 países em 2014.
CG: Que essas empresas recebem em contrapartida? O Brasil atrai essas empresas? Por que?
AM: Como eu havia mencionado, os principais fatores de atração de empresas estrangeiras no setor saúde no Brasil eram a existência de um mercado em expansão, principalmente na saúde suplementar, mas também no SUS, através de PPPs ou outras formas de investimento remunerado. Com a crise que se iniciou no ano passado, e que provavelmente arrastará o país a uma performance econômica sofrível em 2015 e 2016, com efeitos eventuais na contração da demanda por serviços de saúde suplementar e com restrições nos orçamentos públicos, é possível que a atração de estas empresas fique comprometida. Pelo menos no curto prazo.
CG: Por que o governo abriu a participação estrangeira neste momento e quais as consequencias positivas?
AM: Para poder contar com mais possibilidades de investimento e de escolha de modalidades de contratação dos serviços de saúde no Brasil. Se me perguntam se a medida é positiva eu diria que sim. Muitos perguntam: mas porque agora? Eu diria que antes tarde do que nunca. O tema da negação da participação de capitais externos no investimento de saúde no Brasil era anacrônico e não se coadunava com o crescimento de uma economia mundial cada vez mais globalizada.
Para o governo, parece ser útil poder contar com capitais externos nos mercados público e privado em saúde, ainda que para efeitos de contratação de serviços do SUS, a regra do Ministério da Saúde tem sido a de manter, em primeiro lugar, a contratação dos públicos, depois dos filantrópicos e somente depois dos privados lucrativos. Mas o capital estrangeiro poderá entrar tanto na modalidade filantrópica como na de privado lucrativo.
CG: Quais as consequências negativas dessa lei?
AM: Segundo alguns advogados que trabalham na interpretação e elaboração da legislação da saúde no Brasil, como Lenir Santos do IDISA, a abertura do setor ao capital estrangeiro, nos termos propostos pela Lei 13097 seria inconstitucional. Mas uma vez provado ou não este aspecto de caráter jurídico, que poderá custar esforços adicionais na interpretação da Lei e medidas posteriores de adaptação, eventualmente, da própia Constituição, não existe nenhuma razão de fundo para ser contra. Será necessário manter a reserva de mercado do setor saúde para as empresas e médicos nacionais? Se é assim, a primeira grande quebra a esta legislação, feita pelo atual governo, foi o Programa Mais Médicos do Ministério da Saúde, que permitiu contratar esforços privados para trazer médicos cubanos para trabalhar no Brasil, por exemplo.
Portanto, eu particularmente não vejo consequencias negativas. No entanto, é necessário avançar nos mecanismos que vão regular esta participação do capital estrangeiro e gerar os incentivos necessários para que os maiores beneficiários sejam a população brasileira e a organização do setor saúde, e não os capitais especulativos que sempre podem estar associados a qualquer setor, especialmente àqueles onde existem fortes assimetrias de informação, como é o caso da saúde.
CG: Quais os resultados em longo prazo?
AM: Os resultados a longo prazo dependem de diversas circunstâncias. Em primeiro lugar, da configuração que o setor saúde no Brasil terá no futuro. As atuais circunstâncias, onde existe uma fragmentação entre o SUS e a saúde suplementar, gera ineficiências na organização e cobertura e falta de qualidade na entrega de serviços para os usuários. O descontentamento da população, principalmente com o SUS, mas também com a saúde suplementar, só tem aumentado desde 2003. As pesquisas IBOPE-CNI estão aí para provar.
Haveria necessidade de coordenar os processos que permitirão articular melhor o SUS e a saúde suplementar e, desta forma, reduzir as brechas de equidade e de qualidade, aperfeiçoando os processos de remuneração dos serviços, evitando disperdícios e promovendo uma melhor utilização dos espaços e instituições do setor saúde no Brasil. Nesse contexto de uma maior integração do SUS com a saúde suplementar, um processo de aumento da participação de capitais externos no setor, poderia ter como consequencia uma maior e diversificada oferta de opções para gerar uma saúde de qualidade para a população brasileira.
Uma outra circunstância é a recessão econômica em que o país mergulha e a percepção de crise de governabilidade que os fatos recentes, revelados pela Operação Lava-Jato e pela "Contabilidade Criativa das Contas Públicas", tem passado para o exterior sobre a realidade ética, política e institucional brasileira. Pior que a crise econômica, que com otimismo e com as medidas necessárias de ajuste e recuperação poderá demorar uns dois anos para ser resolvida, é a crise de confiança no governo e nas instituições brasileiras, cujo prazo para solução é indefinido. Nesse contexto é possível que a Lei não tenha muito impacto a curto prazo na atração de capitais externos para a saúde.
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