Ano 5, No. 11, Abril 2010
Estimados amigos,
O Blog Monitor de Saúde é aberto a participação de convidados que comunguem com idéias que possam melhorar a cobertura, qualidade, eficiência e equidade dos sistemas de saúde. Desta vez convidamos o Dr. Olimpio Bitar para fazer uma exposição de sua experiência como um dos principais assessores da mais complexa Secretaria de Saúde do Brasil - A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
O Professor e Doutor Olimpio Bittar tem dado aulas nas área de gestão e políticas de saúde ha muito tempo. Sendo médico especialista em administração de serviços e políticas de saúde, tem trabalhado intensamente nos últimos anos como assessor para assuntos relacionados a hospitais de ensino da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Convido nossos amigos leitores a conhecer as idéias sintéticas e objetivas que emergem destes muitos anos de experiência. Com vocês, as palavras de Olimpio Bittar.
Produzir saúde: tarefa difícil
Olímpio J. Nogueira V. Bittar
A discussão atual no setor público de saúde contrapondo a insuficiência do financiamento versus a ineficiência da gestão como pólos irreconciliáveis é provável resquício da confusão ideológica, feita no passado, em que a utilização de técnicas de gestão em busca da eficiência era entendida como a exploração do trabalho pelo capital.
Entretanto, não é possível discutir saúde pública sem transcender dialeticamente esta polarização, pois a produção de saúde precisa tanto de financiamento suficiente como de eficiência de gestão, se quiser superar as dificuldades presentes no Brasil.
Conceitos como “complicado”, “complexo”, “alto custo” e “alto risco” traduzem as dificuldades em produzir saúde. Baseado na Tabela Unificada do Sistema Único de Saúde (SUS) é possível produzir 4.233 procedimentos, em ambulatório ou internação, sem considerar processos de infra-estrutura. Idealmente estes procedimentos exigem métodos adequados de medição da qualidade, produtividade e custos de produção.
Sérios problemas derivam da rapidez do avanço tecnológico: a anamnese inúmeras vezes não devidamente utilizada, priorizando-se os exames complementares de custo elevado; o livre mercado, especialmente dos insumos e bens técnicos de saúde, pressionando fortemente para o uso desnecessário de alta e custosa tecnologia; a atenção básica negligenciada, impedindo avanços de prevenção, promoção e recuperação da saúde.
A preferência dos pacientes pela utilização de hospitais de ensino ou grandes hospitais, certos da resolubilidade destas unidades, em detrimento das Unidades Básicas de Saúde, deve ser revertida favorecendo a redução de gastos para o sistema e principalmente a qualidade de saúde e de vida dos pacientes.
Sem atentar para as transições demográficas, epidemiológicas e tecnológicas, o mercado de saúde anda na contramão. Não é prerrogativa do estatal (equivocadamente usado como sinônimo de público) ou do privado a existência de unidades ociosas, onde inexiste a economia de escala. A falta de formação de redes com protocolos de referência e contra-referência acarretam problemas não só de dispersão de recursos como de má qualidade do atendimento. Somente a boa regulação no estatal e no privado prevenirá o absenteísmo às consultas e a formação de filas, entre outros problemas.
A quantidade exagerada de escolas médicas (181), algumas de qualidade duvidosa, a baixa remuneração dos profissionais, a escassez de algumas categorias profissionais, o número de vagas de residência reduzido em relação ao número de formandos, a tendência de boa parte dos médicos em se profissionalizarem como plantonistas - múltiplos empregos geram freqüentemente baixo comprometimento, custos e desperdícios ao sistema – são problemas adicionais.
A valorização dos tratamentos ambulatoriais e a assistência domiciliar em detrimento à internação devem ser incentivadas ainda durante a graduação e especialização, como ocorrem em outros sistemas. Indicações de procedimentos desnecessários, atos sem o devido cuidado, são causas de iatrogenia, com custos para o sistema, como acontece nas internações de pacientes terminais, com medidas milagrosas e custosas.
A pesquisa e o desenvolvimento tecnológico intensos, agressivos e, habitualmente, caros, desconsiderando informações demográficas, geográficas e epidemiológicas influem na oferta, na demanda, na resolubilidade, nas perspectivas de longo prazo, na utilização e concentração de equipamentos. É fundamental a avaliação criteriosa com base científica, observando efetividade, eficácia e eficiência, e sua aplicação humanitária, entre outros atributos, e nem sempre o sistema está preparado para isto, incorrendo em custos não previstos. Negociações entre profissionais, gestores e industriais nem sempre são fáceis.
A coexistência dos setores estatal e privado, a existência harmoniosa do interesse público (social, coletivo) e do interesse particular (individualizado) é uma experiência importante num país onde a racionalização de recursos para aplicação em saúde é uma das maneiras de prestar assistência a uma população próxima dos duzentos milhões de habitantes. A configuração e a institucionalização de dois subsistemas, um estatal e outro particular, não deveriam ser isolados mutuamente. Mas a sua completitude e sua sinergia deveriam uma razão de procura por atender mais, sem filas, com qualidade, utilizando-se das experiências peculiares de cada um.
É necessária uma revolução nas formas de gestão e isto só será conseguido com profissionalização, que por sua vez necessita de formação. O sistema formador de administradores de saúde deveria esmerar-se na busca de integração entre gestores, prestadores de serviços e formadores de profissionais, conhecendo a real condição do sistema, ensinando administração para uns e o sistema de saúde para outros.
A regulação no estatal e no privado previne o absenteísmo nas consultas e a formação de filas, entre outros problemas. Consegui-la, só utilizando-se de informações e informatização, centros de atendimento adequados, levando a racionalização do sistema. O absenteísmo também ocorre por problemas financeiros dos indivíduos, mas deve-se ter uma maneira de minimizá-lo, como a consulta única, ou seja, diagnóstico definido no dia da consulta inicial e a unidade de referência agendada para atendê-lo.
O pagamento de procedimentos deve ser alicerçado no conhecimento de custos, bem como os orçamentos baseados nestes, e remuneração condizente com os custos e necessidades de investimento. Municípios sem médicos e sem leitos ensejam medidas que dêem atenção aos cidadãos, sem serem heróicas, isto é, capacitação de profissionais para triagem, transporte de emergência e de rotina para locais onde a assistência é de bom nível, enfim, políticas públicas que realmente atinjam o cidadão, na fragilidade existente no seu local de moradia.
Políticas educacionais, econômicas, ambientais, nutricionais e de segurança devem ser direcionadas para melhoria da qualidade de vida das comunidades, lembrando também da responsabilidade individual em relação ao tabagismo, alcoolismo, dietas inadequadas, sedentarismo, sexo sem proteção, direção perigosa, automedicação e o tratamento descontinuado de doenças crônicas.
Decisões baseadas em pesquisas operacionais, em cenários preditivos, em planos diretores para o médio e para o longo prazo, têm maior chance de bom sucesso, onde os quatro conceitos iniciais estão presentes.
Correspondencias e comentarios podem ser enviados diretamente a este blog ou enviadas para o Dr. Olimpio Bittar (bittar@saude.sp.gov.br)
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