sexta-feira, agosto 20, 2010

O Plano Obama de Saúde - Uma Atualização

Ano 5, No. 20, Agosto 2010




Hoje participei de um Talk-show, via video-conferencia, no 15o. Congresso da ABRAMGE, 6o Congresso do SINOG, que se realizou no Hotel Intercontinental, em São Conrado, na cidade do Rio de Janeiro.

O tema do Talk Show que participei, coordenado por José Cechin, presidente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, foi a experiência internacional na área de reforma de planos de saúde. Fui convidado a apresentar a experiência norte-americana da Reforma Obama, seguido de Antonio Jorge Gualter Kropf, da Amil Assistência Médica Internacional, que apresentou a experiência européia, e do Dr. Paul Liu, Presidente da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, que apresentou a experiência chinesa.

Um mês antes da apresentação, fui convidado pela ABRAMGE para dar uma entrevista sobre o tema da Reforma de Saúde dos Estados Unidos, a qual foi anexada ao material distribuido durante o Congresso. A entrevista resume alguns pontos importantes da Reforma, a qual foi aprovada pelo Congresso Norte-Americano em março e sancionada como Lei pelo Presidente Obama em 23 de março de 2010. A reforma terá um longo período de implementação e, apesar de controvertida em alguns aspectos, prevê ter grandes impactos na expansão de cobertura e na redução da tendência ao crescimento dos custos do setor de saúde no Brasil.

Abaixo seguem trechos da entrevista.



ABRAMGE: O que muda com a nova legislação de reforma na saúde dos EUA?

AM - A reforma introduzida pelo Presidente Obama não muda a natureza do sistema de saúde, o qual continua existindo em torno da assistência prestada as pessoas sobre a base de planos de saúde prestados por Health Mantainance Organizations (HMOs). No entanto, existem 5 aspectos que mudam com esta nova legislação: (a) a extensão de cobertura passa a ser para todos; (b) a organização do cuidado passa a estar centrada em torno do paciente; (c) São criados novos incentivos financeiros para reduzir custos; (d) Novos mecanismos permitirão uma atenção médica eficiente e de qualidade; (e) Aumenta o conteudo de regulação pública e a integração entre os sistemas públicos e privados.

ABRAMGE - Quais as principais mudanças que essa reforma na saúde americana trás ao atendimento médico/hospitalar?

AM - Existem muitas mudanças, mas creio que uma das mais importantes está associada ao aumento das rotinas de prevenção. A proposta neste caso consiste em criar estímulos para aumentar as medidas de cuidados de prevenção e comportamento saudável dos pacientes e estimular os serviços de atenção básica. No primeiro caso, o Governo Federal propõe o desenvolvimento de uma estratégia nacional de promoção e prevenção em saúde, investindo e dando recursos de doação para o apoio a programas preventivos junto às comunidades, assim como incentivos financeiros aos indivíduos e planos de saúde para o cumprimento de estratégias de promoção e prevenção.

Alguns elementos da proposta são: (a) eliminar o co-financiamento do usuário para as ações de promoção e prevenção comprovadamente necessárias em programas públicos como o Medicare , (b) estimular a mesma prática em planos privados de saúde e (c) criar rotinas incentivadas de visitas anuais para prevenção e avaliação de risco de saúde.

No caso dos serviços de atenção básica, a proposta é aumentar o valor da remuneração dos médicos de atenção primária no Medicare em proporções superiores que as remunerações recebidas pelos especialistas. Dado que grandes volumes de serviços curativos a pacientes crônicos idosos representam gastos crescentes no Medicare, essa proposta estimularia maior promoção e prevenção de modo a reduzir o gasto no programa público mais caro de saúde norte-americano. Algumas das emendas propostas pelo Senado são a criação de bonus aos médicos de atenção primária em até 10% sobre os valores faturados durante os cinco primeiros anos da reforma, ao lado de cortes nos pagamentos aos demais serviços médicos especializados em 0,5%.

Outro elemento importante é relacionado à natureza da cobertura dos planos de saúde. Todos os planos (incluindo o Medicare e o Medicaid) deverão ter um conjunto mínimo de benefícios que serão reembolsados por valores entre 70% e 95% dos seus custos atuariais estimados. Os planos deverão ser diferenciados por grupos de idade (três a quatro grupos, incluindo uma apólice especial para jóvens adultos) e deverão ter portabilidade, de modo a permitir opções de troca de operadoras de planos pelos pacientes sem perdas de direitos de cobertura. Este tema tem gerado alguns problemas incluindo o medo dos beneficiários do Medicare e do Medicaid em ter cortes em prestações de alguns serviços tidos como essenciais.

O Plano previa uma inovação, que acabou sendo excluida da votação final do projeto, que era a criação de uma uma opção pública, isto é, de uma agência governamental que ofereceria planos de saúde, tendo a capacidade de captar aquelas pessoas não incluidas ou não aceitas nos planos privados de saúde, porque não podem pagar ou porque, dado seu nível de risco, seriam recusadas pelas operadoras. Esta agência não subsidiaria o preço dos planos, mas buscaria eficiência e evitaria abusos praticados pelos planos na busca por pacientes que representam lucro fácil pelas operadoras, por terem menor risco. Assim como o Medicare, esta agência não proveria diretamente serviços de saúde, mas contrataria provedores privados. Isto poderia evitar que parte dos 46 milhões de pessoas sem cobertura tivessem alguma opção para seus problemas específicos de saúde, mesmo que rechaçados por operadoras existentes no mercado privado. No entanto, com o mêdo de que tal medida representasse uma estatização do sistema de saúde norte-americano, a idéia da opção pública foi rechaçada pela maioria dos congressistas, incluindo alguns do Partido Democrata.

ABRAMGE - Como será feito o pagamento de subsídios para as empresas de saúde para o atendimento dos pacientes segundo a nova Lei? Qual o impacto financeiro disso?

AM - Para falar nos subsídios e incentivos às empresas, tem que se falar também nos incentivos e subídios aos indivíduos. Comecemos pelos subsídios aos indivídudos. Estes passarão a ter deduções de até US$750 por pessoa coberta no imposto de renda. Mas além de subsídios haveram também penalidades como multas individuais de até US$750 por pessoa que seriam aplicáveis no caso de não haver cobertura, excluindo aqueles que por falta de renda não tivessem condições de pagar por um seguro;

Quanto as empresas, somente as de pequeno porte (onte a cobertura de planos de saúde é muito baixa) receberiam subsídios. As empresas com mais de 50 empregados, terão que pagar, a partir de 2013, uma multa por trabalhador não coberto por plano de seguro de saúde. As pequenas empresas (com menos de 50 empregados) receberão incentivos (deduções) fiscais para afiliar seus trabalhadores a planos de saúde. A idéia é que empresas com mais de 25 empregados pagariam 60% do valor do prêmio por empregado e que as multas por trabalhador de tempo parcial não coberto seriam US$375 por empregado por ano. As pequenas empresas, ao invés de ter deduções fiscais receberiam subsídios públicos para afiliar seus empregados.

No que se refere aos impactos financeiros se estima que sem as reformas, os gastos totais em saúde norte-americanos (cerca de em US$2,5 trilhões em 2009) poderiam variar entre US$4,4 e US$ 5,0 trilhões em 2020 (baseado em tendências de crescimento anual de 4,4% a 6,5% ao ano), o que implicaria um incremento anual de despesas em saúde entre US$ 173 e U$227 bilhões, representando mais de 20% do PIB em 2020. Com as reformas, num cenário otimista, os gastos em saúde nos Estados Unidos a valores médios poderiam reduzir-se em US$ 81 bilhões entre 2009 e 2020 (US$7 bilhões por ano) ou aumentar apenas US$239 bilhões no mesmo período (US$ 22 bilhões por ano) . Com isto, o gasto per-capita em saúde poderia estagnar-se ou até mesmo reduzir-se, considerando-se como cenário de base uma moderada recuperação da economia norte-americana no mesmo período.

ABRAMGE - Existe alguma semelhança entre a reforma dos EUA e o atual sistema de saúde suplementar brasileiro? Quais e por quê? E há semelhanças com o SUS?

AM - Na verdade, não existem semelhanças nem com um nem com o nosso sistema de saúde suplementar nem com o SUS. O que está acontecendo nos Estados Unidos é uma tentativa de tornar a cobertura de planos de saúde mandatória para toda a população residente legalmente. No Brasil, os planos de saúde ainda são voluntários, tanto para os indivíduos como para as empresas. No que se refere ao SUS, a semelhança é ainda menor. O SUS se organiza como um sistema de tradição dos Serviços Nacionais de Saúde (National Health Services, como no NHS inglês) enquanto que a reforma dos Estados Unidos tende a levar o país a um National Health Insurance (NHI) que é mais pareceida com os casos alemão ou francês.

ABRAMGE - Quantas pessoas serão incluídas e quantas ainda ficarão excluídos com a reforma americana?

AM - O desafio da Reforma é extender (de forma mandatória) a cobertura para todos os cidadãos do país, o que significa incluir os 46 milhões de norte-americanos que não tem um seguro de saúde. No entanto, ficariam excluídos os imigrantes ilegais os quais se estima que possam ser até 10% da população do país. Provavelmente o Censo Demográfico de 2010 deverá dar uma melhor estimativa deste conjunto de indivíduos.

ABRAMGE - Como ficarão distribuídos os demais atendimentos de saúde americanos - medicare e medicaid - com a reforma da saúde nos EUA? Haverá algum ponto comum entre eles?

AM - Se estima que não haverão grandes impactos na distribuição dos americanos entre o Medicare e o Medicaid. Estes continuarão a dar atenção às suas respectivas clientelas: pessoas de mais de 65 anos e famílias abaixo da linha de pobreza. No entanto, tanto o Medicare como o Medicaid passarão a se submeter a uma maior racionalidade em termos de medidas administrativas e estratégias para aumentar sua eficiência, tais como ajustes no conjunto de serviços a ser entregues, nos sistemas de pagamento destes serviços e nos controles e regulações dos planos sob a coordenação destas instituições.

As inovações no sistema de pagamento aparecem através de propostas de clínicas de familia (medical homes), organizações de prestadores mais transparentes (accountable care organizations) e hospitais de contra-referencia e atenção pós-agudos (bundled hospital and post acute care).

Estas inovações permitem testar formas mais baratas e integradas de pagamento a provedores que, uma vez que se provem funcionais, seriam aplicadas em massa em sistemas públicos como o medicare e medicaid. Para aumentar os incentivos a estas experiências, o governo poderia estabelecer fundos especiais (grants) para seu financiamento.

Melhorias na produtividade poderiam surgir alinhando incentivos financeiros aos procedimentos mais custo-efetivos, atualizando permanentemente protocolos médicos e sistemas de pagamento prospectivo de acordo com estes princípios e compondo a cesta de procedimentos recomendados por estes critérios;

Análises Comparativas de Efetividade seriam possibilitadas através da criação de Centros de Pesquisa que permitissem avaliar os resultados clínicos de diferentes tipos de intervenções em saúde, permitindo a seleção daqueles que comprovadamente demonstrassem melhores resultados por custo incorrido.

Melhorias na Qualidade dos Serviços seriam alcançadas através da criação do Centro para Melhoria da Qualidade (Center for Quality Improvement) de forma a identificar, desenvolver, avaliar, disseminar e implementar as melhores práticas clínicas, estudar e definir as prioridades nacionais em saúde para melhorar o desempenho das instituições de saúde e definir indicadores e medidas de qualidade em saúde. Para tal, também se discutem fundos públicos para apoiar experiências inovadoras para melhorar a eficiência dos serviços. A proposta ainda contempla o estabelecimento de uma estratégia nacional, regulada pelo Estado, para o desenvolvimento da qualidade em saúde.

Os programas públicos como o Medicare e Medicaid utilizam, desde os nos anos oitenta, planos privados de saúde, em alguns contextos, para executar os serviços, seja através da contratação por risco (capitação) seja através da compra direta (fee for service). No entanto, o Plano Obama vai um pouco mais além desse processo, quando estabelece regulações nos mercados de saúde, define novos estandares de serviços, obriga planos de saúde e provedores de serviços a divulgar resultados e performance.

ABRAMGE - O que o senhor destacaria de mais importante da sua palestra?

AM - Além dos pontos que falamos anteriormente, que serão discutidos em maior detalhe, a apresentação ilustrará com dados os impactos da reforma. Falará também sobre a economia política da mesma, isto é, como os distintos segmentos da indústria de planos de saúde, das empresas e dos usuários tem reagido a estas propostas e refinará uma análise dos custos de sua implantação e dos resultados esperados na melhoria das condições de saúde dos americanos, que reconhecidamente estão aquém do que o gasto setorial correspondente.

A Programação Completa do 15o. Congresso pode ser vista na página :http://www.abramge.com.br/15congresso.htm

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