Ano 8, No. 45, Março 2013
André Medici
André Medici
1. Introdução
Hugo Chávez foi um dos caudilhos mais inovadores dos últimos tempos. Conseguiu burlar as regras da democracia representativa e tentou eternizar-se no poder. Tornou permanente a possibilidade de reeleger-se e alterou, para tanto, as regras eleitorais cooptando congressistas ávidos por benesses, controlando os meios de comunicação, violando a liberdade de expressão, tirando o espaço legítimo da oposição, prendendo inimigos políticos e gastando fortunas para manter a propaganda e disseminação de sua imagem e ideologia às custas do erário público.
Apesar de todo esse esforço, a política econômica e social chavista não trouxe os frutos esperados para a metade da população do país que aprendeu a amá-lo durante o período 1998-2013. Sua morte em 5 de março de 2013, se por um lado cria um sentimento de orfandade entre essa metade que o venerava como mais um dos pais dos pobres latino-americanos, renova as esperanças da outra metade da população venezuelana, envergonhada pelo fracasso dos últimos anos e ávida para que o país volte a ganhar fôlego na corrida pelo desenvolvimento econômico e social.
Chávez foi hábil em dar carinho aos pobres venezuelanos e aumentar sua auto-estima através da valorização das raízes nacionais e do culto ao ódio entre classes, numa sociedade extremamente polarizada e fragmentada. Seu governo calou a voz e negou os direitos da maioria da classe média e das elites empresariais do país, gerando o espaço político para que seus comandados se apoderassem privadamente do Estado e do setor produtivo, através de estatizações, em nome do socialismo do século XXI. Com seu ar de basofia, usou o espaço que ganhou na mídia internacional para vociferar bravatas mal educadas contra os governos dos países desenvolvidos e torceu desesperadamente, mas em vão, para que estes respondessem à altura, como forma de alimentar seu discurso político em prol de um terceiro-mundismo tardio e sem sentido.
Melhorou um pouco a distribuição de renda do país, o analfabetismo se reduziu e a parcela de pobres diminuiu de 49% para 30% da população entre 1999 e 2011, mas outros países da Região tiveram resultados ainda melhores nestas áreas. Além do mais, melhorias na distribuição de renda nem sempre acarretam melhor qualidade de vida, especialmente quando não há crescimento econômico adequado.
O país não avançou em trazer desenvolvimento econômico e empregos de boa qualidade para a sofrida população venezuelana. Usou-se o dinheiro público e os recursos naturais do país para financiar a criação ou a sustentação de outros governos que pudessem compor com Chávez um eixo mundial de resistência bolivariana e oposição à política dos países desenvolvidos. Os bilhões de dólares gastos na ajuda aos países aliados poderiam ter sido utilizados em políticas concretas de desenvolvimento econômico e social em seu próprio país.
Por outro lado, os recursos internacionais baratos que poderiam chegar à Venezuela para realizar investimentos produtivos se desviaram para outros vizinhos latino-americanos. O capital nacional e internacional foi tratado como inimigo e os custos de transação para realizar negócios e gerar empregos se tornaram insustentáveis. A ineficiência tornou a produção mais cara e a inflação disparou, chegando a 32% em 2012. As taxas de crescimento do PIB venezuelano ficaram entre as mais baixas dos países latino-americanos nos últimos cinco anos e as perspectivas futuras são ainda nebulosas dado a falta de investimentos em áreas estratégicas e recursos humanos qualificados (1).
Com tanto petróleo e num momento tão favorável da conjuntura internacional, como a década passada, muitas oportunidades foram perdidas no país durante os três governos de Hugo Chávez. E os pobres venezuelanos, ao venerar o seu discurso populista, trocaram o direito a primogenitura por um prato de lentilhas.
Os Indicadores de Saúde
Como resultado do descaso pela saúde dos mais pobres, as condições de saúde na Venezuela se estagnaram ao longo da década passada em relação a outros países da região. Os dados abaixo, baseados nos indicadores de desenvolvimento do Banco Mundial (2), mostram como a Venezuela se comportou quando comparada com alguns países de similar nível de desenvolvimento, no que se refere a alguns indicadores de saúde que fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
O gráfico 1 mostra que a mortalidade materna na Venezuela se estagnou no período, enquanto se reduziu no Brasil, Chile, Colômbia, Peru e México. Com isso, em 2010 a Venezuela passou a amargar a maior mortalidade materna entre este grupo de países. Peru e Colômbia, que tinham taxas de mortalidade materna maiores que a Venezuela, no início do Governo Chávez, tiveram progressos significativos levando-os a uma situação melhor que a do vizinho bolivariano ao final de 2010.
Os elevados níveis de gravidez na adolescência, ao longo dos três governos de Chávez (ver gráfico 2), corroboraram com a manutenção de altas taxas de mortalidade materna no país. Em 2008 a Venezuela amargava as taxas mais elevadas de fecundidade adolescentes (15 a 19 anos de idade) entre o conjunto de países analisados. A redução das taxas de fecundidade adolescente no país foi pouco significativa entre 1998 e 2008. Países como a Colômbia, com taxas mais elevadas que a Venezuela ao início do Governo Chávez, apresentavam em 2008 resultados sensivelmente melhores.
Vale mencionar que entre 1990-2 e 2004-6, a percentagem da população venezuelana que consome menos que o nível mínimo aceitável de energia alimentar aumentou de 10% para 12% (indicador ODM 1.9). Países como México e Chile já tinham proporções abaixo de 5% deste indicador em 2006 e outros como o Brasil, Peru e Colômbia, apresentaram reduções de 10% para 6%; de 28% para 13% e de 15% para 10%, respectivamente.
As taxas de vacinação na Venezuela não avançaram nos últimos anos e como resultado, os indicadores são os piores entre os países analisados. Em 2008, as taxas de vacinação de tétano neo-natal para mulheres grávidas eram de apenas 50%, comparadas com 92%, 86%, 83% e 87% no Brasil, Chile, Peru e México, respectivamente. No caso da DPT3, que vacina crianças menores de um ano contra difteria, coqueluche e tétano, as taxas eram de 83%, comparadas, com 99%, 96%, 93% e 89% nos demais países, respectivamente.
No caso da vacinação contra o sarampo, as taxas em 2008 tinham o mesmo padrão das vacinas anteriores: 83% na Venezuela, comparada com 99%, 96%, 91% e 95% no Brasil, Chile, Peru e México respectivamente. Este é um dos fatores que fez com que a Venezuela, na década passada, fosse um dos poucos países onde aumentou a incidência de sarampo entre crianças – situação considerada inaceitável para qualquer política de saúde pública.
A redução das taxas de mortalidade infantil entre 2000 e 2010 na Venezuela foi de 25% - praticamente igual a do Chile. Mas as taxas de mortalidade infantil na Venezuela são mais do dobro das chilenas que em 2008 alcançavam 8,5 por 1000 nascidos vivos. Mesmo assim, esta redução não foi nada comparável aos 39%, 47% e 35% observados no Brasil, Peru e México, respectivamente.
Além do sarampo, muitas outras doenças transmissíveis continuaram a ser problemas na Venezuela. O Gráfico 3 mostra as taxas de incidência de tuberculose em países selecionados entre 1998 e 2008.
Fica claro que, enquanto ocorreram progressos significativos no Brasil, México , Chile e Colômbia nas taxas de incidência de tuberculose, na Venezuela elas permaneceram praticamente as mesmas entre 1998 e 2008 (ao redor de 32-33 por 100 mil habitantes). E a situação só tende a piorar, dado que entre todos estes países , a Venezuela é o que apresenta a menor taxa de detecção de novos casos de tuberculose (ao redor de 64%) comparado com 91%, 79% e 100% no Brasil, Chile e México, respectivamente.
Violência e Saúde
Além da deterioração das condições de saúde pública, a política de confronto social incentivada por Chávez aumentou a violência de classes e estimulou os mais pobres a buscar um ajuste de contas velado. A militarização e o incentivo a uma cultura armamentista foi explícita, através da criação das milícias bolivarianas que seguiam os mesmos passos dos Comitês de Defesa implantados por Fidel Castro no início da Revolução Cubana.
Sob a égide do slogan O Povo em Armas, o governo treinou 120 mil civis no uso de armas pesadas, criando uma organização paralela para proteger o povo contra o Império. De acordo com a reportagem da Revista Época (1), há mais de 1000 desses batalhões armados nessas condições, sendo difícil evitar que armas pesadas caiam na mão de criminosos ou do narcotráfico.
Dados do United Nations Office for Drugs and Crime – UNODC (3), mostram um rápido aumento nas taxas de criminalidade durante o Governo Chaves – tendência essa inversa a que ocorreu em outros países com elevadas taxas de violência, como a Colômbia e o Brasil (ver gráfico 4). No entanto, informações de organizações nacionais de direitos humanos afirmam que as taxas de homicídios triplicaram ao longo do governo Chaves. Os impactos da violência na saúde dos venezuelanos tem proporções crescentes e alarmantes e será necessário ir muito além das políticas de saúde para tentar resolve-los.
Considerações Finais
Boa parte do fracasso das políticas de saúde durante o Governo Chávez, repousa no abandono de estratégias de saúde pública e no surgimento de uma política assistencialista que serviu a propósitos de natureza política. Com o advento do primeiro governo bolivariano em 1998 é promulgada uma nova Constituição que garante aos venezuelanos uma saúde baseada nos princípios de que a saúde será organizada pelo Estado, de forma gratuita para todos, propiciando uma atenção integral que procuraria atacar tanto os determinantes biológicos como sociais. A organização dos serviços seria descentralizada para os Estados e Municípios e seria assegurada a participação comunitária em sua organização, integrando as equipes de saúde com as comunidades, famílias e indivíduos.
Até parece a proposta de saúde na Constituição Brasileira de 1988 não é? Mas a realidade foi muito distante do que se passou no Brasil. A base das mudanças do sistema de saúde venezuelano deveriam ocorrer no marco do Plan Estratégico de Salud y Desarrollo Social (PES) 2000-2006. Este Plano colocou como eixo das mudanças do sistema de saúde a atenção primária, sendo voltado somente para os grupos mais vulneráveis da população. Mas entre 2000 e 2003 este plano não foi implementado e uma sequência de reclamações da população deixou claro o descontentamento em relação ao vazio das políticas de saúde no país. Assim, em fevereiro de 2003, a Prefeitura de Caracas (orientada pelo governo nacional) entrou em contacto com a Embaixada de Cuba para solicitar uma Missão Médica Cubana ao país, a qual desembarcou na cidade em abril do mesmo ano.
Deste contacto, iniciou-se o Plan Barrio Adentro, o qual em dezembro de 2003 se estendeu a todo o território nacional e, mediante decreto presidencial, se tornou uma Missão Social Permanente. Nasceu assim um sistema paralelo de saúde, não integrado do ponto de vista técnico e administrativo aos serviços do Ministério de Saúde. Com isso, se dispersaram e se debilitaram os recursos do sistema e os processos de planificação e avaliação de saúde. As bases sociais do chavismo aplaudiram, no início de 2004, Las Misiones Barrio Adentro (MBA), mas já em 2007, segundo informações do Colégio Médico da Venezuela, os níveis de satisfação dos usuários do programa caíram 27% em relação aos de 2004 (4).
Muitos afirmam que o programa MBA tinha como principal objetivo transferir petróleo em natura para Cuba, como remuneração pelos serviços de profissionais de saúde cubanos, entre eles os médicos. Nesse sentido, apesar de contar com recursos fiscais ilimitados (e não transparentes) para o seu financiamento, o sistema somente alcançou a cobertura de 17% da população venezuelana até 2008. O programa foi reconhecidamente tido como fracassado por autoridades como o Presidente do Colégio Médico Metropolitano e o Presidente da Sociedade Bolivariana de Medicina Integral. Os fracassos se referem não apenas às suas metas físicas (menos da metade dos 8,5 mil postos de atenção primária propostos ao início do programa não haviam sido construídos na data prevista até 2008). Das unidades construídas, muitas permanecem vazias e sem médicos. Em 2008 o Programa contava somente com um médico para cada 3000 habitantes, quando a meta era de 1 para 1200.
Do ponto de vista assistencial, muitos afirmam que o programa MBA não cumpriu com os propósitos de promoção e prevenção para o qual foi criado. Sua orientação acabou sendo muito mais assistencial do que baseada nos princípios de educação sanitária das comunidades e saúde pública. Faltam os insumos básicos, como vacinas e medicamentos, fazendo com que apesar do carinho recebido pela população por aqueles que visitam os domicilios, a efetividade do cuidado seja muito baixa. Além do mais, médicos cubanos estavam despreparados para atender uma população com um perfil de riscos de saúde muito mais complexo do que o existente na Ilha. O quadro misturado de doenças transmissíveis e fatores de riscos de doenças crônicas, com determinantes sociais associados a violência, é demasiado complexo, ainda mais quando se sabe que na Venezuela ainda predominam sistemas de informação epidemiológica deficientes e defasados.
NOTAS
(1) Ver Gorczeski, V e Coronato, M., A Era Perdida da Venezuela, Revista Época, São Paulo, 11 de março de 2013. Versão eletrônica do artigo pode ser encontrada em...
(2) World Bank, World Development Indicators, versão eletrônica em http://www.worldbank.org
(3) UNODC, 2011 Global Study on Homicide: Trends, Context and Data, UNODC, New York, 2012.
(4) Federación Médica de Venezuela, LXIII Reunión Ordinária de la Asembléa, Diagnóstico del Sector Salud en Venezuela: Estudio de las Enfermedades Emergentes y Reemergentes, Punto Fijo- Edo. Falcon, del 27 al 31 de Octobre del 2008.
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