Ano 8, No. 54, Março 2014
André Medici
André Medici
Uma das grandes deficiências do programa de
campanha do atual governo na área de saúde foi ausência de uma articulação
explícita entre saúde, abastecimento d`água e saneamento básico, tema que é
inclusive uma das áreas de regulação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), vinculada ao Ministério da Saúde, e da Agencia Nacional de Águas
(ANA). Os mananciais hídricos são uma das maiores riquezas do Brasil. Poucos
países do mundo tem tanta fartura deste recurso natural, mas paradoxalmente,
esta benesse não é administrada satisfatoriamente pelo Governo. A Revista Época
de 21 de Março de 2014 (Edição 825), traz uma matéria intitulada O Brasil Pede Agua[i],
que mostra o paradoxo de um país que tem chuvas abundantes e os maiores rios em
volume d´água do mundo, mas vive sob o espectro da falta de água e energia, por
má gestão dos recursos naturais e ineficiência administrativa. Não conta nem com 3% da população mundial,
mas tem entre 12% a 18%% dos recursos hídricos do planeta, os quais deveriam
ser suficientes para gerar energia e transporte de cabotagem barato (fluvial),
além de bem estar para a população brasileira nas questões relacionadas ao
abastecimento de água e saneamento básico.
Em outubro de 2013 se realizou a Conferência
Mundial de Água em Budapeste. A Dra. Margaret Chan, Presidente da Organização
Mundial da Saúde (OMS), expressou nessa reunião que a gestão adequada e
integrada dos recursos hídricos não é somente um pre-requisito para o
desenvolvimento humano e a preservação ambiental. Mas do que isso, o acesso à
agua tratada e segura, ao saneamento básico e à higiene são fatores
fundamentais para a saúde, bem estar e erradicação da pobreza. Cerca de 800
milhões de pessoas (11% da população mundial), ainda não tem acesso regular a
água e 2,5 bilhões ainda não tem acesso ao saneamento básico, apesar da meta
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) relacionada à redução pela
metade do acesso à agua tratada e saneamento básico (Objetivo No. 7, Meta No.
10, Indicador No. 30) já ter sido alcançada em 2013[ii].
A OMS estima que 10% da carga de doença mundial
está associada à falta de acesso à agua de boa qualidade, à falta de saneamento
básico e aos danos ambientais dos mananciais e recursos hídricos[iii].
E que pelo menos 4,2 milhões de mortes anuais de crianças com menos de um ano de
idade poderiam ser evitáveis se todos tivessem acesso à agua e saneamento (1,3
milhões por diarréia, 0,9 milhões por desnutrição e 2,0 milhões por gastro-interites).
Isto sem contar as mortes derivadas da contaminação por agentes tóxicos e por
enfermidades como a esquistossomose e a leptoespirose, onde o risco aumenta com
as inundações, tão frequentes nas cidades brasileiras nos últimos anos (como a
que recém ocorre no Rio Madeira, ameaçando cidades da Região Norte,
especialmente de Rondônia), além da proliferação de mosquitos que transmitem
doenças como o dengue e a febre amarela.
Apesar de todos estes aspectos o Programa de
Saúde do atual governo não apresentou nenhuma meta de como realizar as
interações necessárias entre políticas de abastecimento de água, de saneamento
e de saúde pública. A única menção, no ponto número um do Programa[iv],
se refere a questão da fluoretação da água. A presente postagem analisará como evoluiram
os dados de abastecimento d’água nos últimos anos e suas implicações para a
saúde e o desenvolvimento brasileiro.
Evolução da Cobertura
de Água Adequada
Embora o Brasil, desde a época do Plano
Nacional de Água e Saneamento (PLANASA) venha defendendo a
universalização do acesso à agua potável para toda a população, a Lei
11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico,
reforça a idéia da universalização como um de seus princípios. Neste contexto,
a regulação ganhou peso como possível instrumento de incentivo e coerção ao cumprimento
das regras definidas em várias frentes legais e regulamentares. Mas mesmo
assim, ainda que haja um aumento na cobertura, pouco se pode dizer sobre a
qualidade do abastecimento de água para a população brasileira.
Os dados mais recentes da Pesquisa Nacional de
Saneamento Básico (PNSB) do IBGE,
mostram que, entre 2000 e 2008, o número de domicílios abastecidos
por rede geral de água no país aumentou de 63,9% para 78,6%, aumento esse estreitamente
relacionado ao crescimento da urbanização, dado que o abastecimento de água
através de rede geral é um processo estritamente urbano.
O aumento do número de domicílios com
abastecimento d’água por rede geral nos anos mais recentes (2000 e 2008) há
beneficiado regiões como o Nordeste, que tinha (e continua tendo) uma
porcentagem menor de domicílios ligados a rede geral de água do que em
outras regiões como o Sudeste, Sul e Centro-Oeste, como demonstra a tabela 1.
Aparentemente a Região Norte tem sido a menos beneficiada por ligações à rede
geral de abastecimento d’água, já que, em que pese o pequeno crescimento do
número de domicilios beneficiados, é a única Região onde mais da metade dos domicílios
não tem acesso à rede geral de abastecimento d’água.
Tabela 1
Taxa de Cobertura dos Domicílios Abastecidos
por Rede Geral de Água
por Grandes Regiões: 2000-2008
Brasil e Regiões
|
Taxa de Cobertura de Rede Geral de
Água (%)
|
||
2000
|
2008
|
Taxa de Crescimento Anual (%)
|
|
Norte
|
44,3
|
45,3
|
0,3
|
Nordeste
|
52,9
|
68,3
|
3,2
|
Sudeste
|
70,5
|
87,5
|
2,7
|
Sul
|
69,1
|
84,2
|
2,5
|
Centro-Oeste
|
66,3
|
82,0
|
2,7
|
Brasil
|
63,9
|
78,6
|
2,6
|
De acordo com os dados do IBGE, tomando-se a
totalidade do país, o déficit na prestação do serviço de abastecimento de água
em 2008 ainda era bastante elevado. Aproximadamente
12 milhões de residências no País não tinham acesso à rede geral de abastecimento. O problema era mais crítico
na Região Norte, onde cerca de 54,7% dos domicílios encontravam-se nessa situação.
Seguiam-se as Regiões Nordeste (31,7%), Centro-Oeste (18,0%), Sul (15,8%) e
Sudeste (12,5%). Em 16 das 27 Unidades da Federação, a proporção de domicílios sem
oferta do serviço foi igual ou superior ao da média Brasil (21,4%), sendo os Estados
de Rondônia (73,4%), Acre (64,2%), Pará (63,6%) e Amapá (59,4%) os que mais
sofriam com esse tipo de problema. Como não ocorreram grandes melhorias desde 2008, a situação é calamitosa em estados como Rondônia, em função da recente cheia do Rio Madeira e afluentes, comprometendo ainda mais o funcionamento e a qualidade dos precários sistemas de abastecimento d’água
existentes nas cidades afetadas.
No que se refere às áreas urbanas, desde finais
dos anos oitenta, o Brasil já havia alcançado niveis elevados de ligações à
rede geral de abastecimento d’água. Cerca de 88% da população urbana brasileira
dispunha de rede geral em 1992. Esperava-se, com isso, que o país estaria próximo de atingir a totalidade da cobertura de água nas cidades antes da virada do milênio. Mas os investimentos durante a primeira metade dos noventa foram difíceis dado que a prioridade era debelar o flagelo da inflação. Sendo assim, as esperanças passaram a estar focalizadas na primeira década do milênio. Mas os investimentos em água não foram suficientes para universalizar o acesso. O país
alcançou em 2012 uma cobertura de abastecimento de água nas áreas urbanas de apenas
93%.
O gráfico 1 mostra a evolução das taxas de
cobertura de abastecimento d’água entre 1992 e 2012 pelas PNADS do IBGE,
exceptuando-se alguns anos como os de 2000 e 2010, onde se realizaram os Censos
Demográficos, que tiveram resultados diferentes das tendências fornecidas pela série
das PNADS, e o ano de 1994 onde excepcionalmente a PNAD não se realizou.
Uma visualização do gráfico mostra que durante
os anos 1995-1999, a cobertura de abastecimento d’água nas áreas urbanas
avançou mais rapidamente do que nos anos 2001-2009, embora aparentemente esta
tendência esteja voltando a se acelerar nos anos 2011 e 2012. Os dados da PNAD
2013, ainda não divulgados, poderão mostrar se esta tendência se mantem. Mas o
que conta é que em vinte anos, a cobertura de água nas áreas urbanas só
avançou 7%, demonstrando falta de prioridade nos investimentos e na gestão das redes de abastecimento de água.
No Brasil, o município é a instância
responsável pela gestão dos sistemas de água e saneamento básico. Ele pode
administrar diretamente seu sistema de saneamento ou, mediante concessão,
delega-lo para que empresas públicas, privadas ou comunidades se encarreguem de
sua administração. Os dados da PNSB do IBGE, mostram que as principais
entidades que administram os sistemas de abastecimento d’água nos municípios
brasileiros são Sociedades de Economia Mista (47% dos Municípios), em sua
maioria pertencentes à administração estadual, seguindo-se os Municípios que
administram diretamente seus sistemas de água (31%). Muito poucos (cerca de
250) delegam a administração para empresas privadas.
Embora somente 33 dos 5,5 mil municípios existentes
no Brasil em 2008 não tivessem rede geral de abastecimento d’água, existiam em
2008 cerca de 793 municípios que complementavam suas redes deficientes com
outras formas de abastecimento, o qual se dá, na maior parte dos casos, sem a
participação da Prefeitura. No caso da Região Nordeste, mais de 30% dos
Municípios usavam formas alternativas para o abastecimento d’água, dada as
deficiências dos sistemas públicos regulares.
Regulação e Qualidade
da Água no Brasil
Somente 1,8 mil (33%) dos 5,5 mil municípios
brasileiros dispunham de algum tipo de regulação ou instrumento legal para
fiscalizar a distribuição da água captada em 2008. Ainda que quase metade dos
municípios (48%) capte a água em poço profundo, cerca de 42% fazem a capitação
superficial de águas, a qual está sujeita ter sua qualidade comprometida por
fatores como o lançamento de esgoto sanitário, despejos de resíduos industrial
e doméstico, atividades mineradoras, resíduos de agrotóxicos, etc. Associado a
isso, cerca de dois terços dos municípios não tem legislação associada a
proteção de mananciais, fazendo com que este risco seja ainda maior para a saúde
da população. No caso da captação em poços profundos, boa parte dos municípios
usa formas de proteção dos locais de captação (cercas, processos de vigilância, etc.) que evitam
os fatores que poderiam ameaçar a qualidade da água captada.
Cerca de 7% dos municípios que têm sistemas de
distribuição de água, segundo a PNSB 2008, não dispõe de nenhum sistema de tratamento
d’água, o que somados aos 6% que tratam somente parte de sua água, levam a un
total de 13% de municípios em risco de contaminação pela falta de tratamento da água captada. A percentagem de municípios que distribuem água sem tratamento é maior na
Região Norte (21% dos municípios), onde estados como o Pará e o Amazonas detem
cerca de 40% de seus municípios com redes de distribuição sem nenhuma forma de
tratamento. Mas a grande maioria dos municípios nestas condições tinha populações inferiores
a 50 mil habitantes e densidade demográfica menor que 80 habitantes por
quilômetro quadrado, o que dilui o problema.
Mas o problema da qualidade da água pode ser
ainda mais grave. De acordo com a reportagem já mencionada da Revista Época,
uma pesquisa realizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) em 2013 encontrou água de
qualidade ruim ou péssima em 44% dos pontos de coleta em cidades
brasileiras.
A maioria dos municípios que tratam sua água
utilizam processos de tratamento convencional, como os de floculação,
decantação, filtração e cloração para desinfecção, podendo ser acrescentados
correção de acidez (para um PH de 7,5) e fluoretação. Processos não
convencionais são mais simples, podendo incluir a filtração direta e a dessanilização,
quando necessário.
Em 2008, cerca de quase um quarto dos
municípios brasileiros com rede de destribuição (24%) sofreram racionamento de
água, de acordo com a PNSB, sendo as maiores incidências no Nordeste (40%) e no
Norte (25%). De acordo com o IBGE, os Estados de Pernambulo, Ceará e Rio Grande
do Norte foram aqueles onde é maior o número de municípos que sofreram
racionamento (77%, 49% e 47%, respectivamente), estando os principais motivos
associados à seca ou estiagem que leva à insuficiência de água no manancial. Em
muitos casos também aparecem as deficiências no sistema de produção e
distribuição de água, levando ao fechamento de dutos para evitar perdas no
sistema.
Gerenciando
Adequadamente os Recursos Hídricos
Em que pese o enorme potencial hídrico brasileiro e chuvas fartas e abundantes na maioria das regiões do país, entre 1998 e 2012 a porcentagem de energia
gerada por hidrelétricas no Brasil se reduziu de 88% para 73% e a gerada por termelétricas passou de
12% para 27%. A poluição gerada pelas termelétricas alcançou emissões
equivalentes às provocadas pelo desmatamento do ponto de vista de sua contribuição para as
mudanças climáticas[v].
Além do preço ambiental, o investimento em termelétricas nos últimos dois anos
(de R$47 bilhões) foi feito para salvar as distribuidoras de energia. E o Brasil,
que ostentava uma economia baseada em energia limpa, vem sujando sua imagem ambiental a cada dia.
Os recursos hídricos poderiam ser preservados e
utilizados adequadamente no Brasil. Para tal, os projetos de grandes
hidrelétricas deveriam ser revistos e os mananciais que enchem os lagos dos reservatorios
atualmente existentes, deveriam ser preservados, tratados e cercados por cobertura vegetal
adequada, para evitar o assoreamento, que traz maior evaporação e reduz o
potencial de geração de energia nos períodos de estiagem. Se deveria buscar
novos projetos que dispensem a construção de grandes barragens e reservatórios
e preservem os recursos hídricos. As mudanças climáticas levaram o nível dos
reservatórios das hidrelétricas brasileiras a baixar a proporções inusitadas, e
2014 deverá ser um dos anos onde o problema da água poderá ser mais dramático, tanto
para a geração de energia como para o abastecimento da população.
Políticas para
Auxiliar os Municípios a Resolver os Problemas da Água
Apesar da Lei 11.445 de 2007 tornar obrigatoria
a elaboração de planos municipais de saneamento básico, abastecimento d’água e
gestão de recusos hídricos, apenas 30% das 5.570 prefeituras brasileiras
concluiram em 2013 estes planos, segundo estimativa do Ministério das Cidades e
da Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR). Boa parte dos
problemas consiste na falta de asistência técnica e de recursos para que os Municípios elaborem e implementem estes planos.
Os planos deveriam contemplar o planejamento de longo
prazo para investimentos em obras de abastecimento de água potável, coleta e
tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e
manejo das águas pluviais urbanas. Também deveriam conter diagnósticos e metas
de curto, médio e longo prazos para a universalização do saneamento, programas
e ações necessários para atingir os objetivos, identificando as fontes de
financiamento e mecanismos para a avaliação da eficiência e eficácia das ações
programadas.
Algumas alternativas poderiam estar na
utilização de recursos técnicos e financeiros de instituições federais que
atuam na área de água, como é o caso da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e
da Agência Nacional de Águas (ANA). No âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) foram investidos em 2012 cerca de R$68 bilhões para a elaboração
destes planos em 152 cidades. A verba do PAC para os programas de saneamento
seria investir até 2015 cerca de R$96 bilhões, dos quais R$ 25 bilhões já teriam sido
desembolsados, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério das
Cidades.
A FUNASA, por sua vez, teria investido desde 2012 R$ 126
milhões para a elaboração dos planos em 650 cidades. Como órgão integrante do Ministério da Saúde,
a por meio do Departamento de Engenharia de Saúde Pública (Densp), ela financia a
implantação, ampliação e/ou melhorias em sistemas de abastecimento de água nos
municípios com população de até 50.000 habitantes. Estas ações tem como objetivo
fomentar a implantação de sistemas de abastecimento de água e saneamento básico
para o controle de doenças e outros agravos, com a finalidade de contribuir
para a redução da morbimortalidade – provocada por doenças de veiculação
hídrica – e para o aumento da expectativa de vida e da produtividade da
população.
Através da FUNASA se financia a execução de
serviços de captação de água bruta em mananciais superficiais, captação
subterrânea, adutora, estação elevatória de água, estação de tratamento de
água, reservatórios, rede de distribuição, ligações domiciliares etc. Os
projetos de abastecimento de água deverão seguir as orientações contidas no
manual “Apresentação de Projetos de Sistemas de Abastecimento de Água “,
disponível na página da FUNASA na Internet.
No caso de haver uma concessionária pública de
serviços de abastecimento de água contratada pelo Município, a FUNASA exige da
entidade concessionária o aval ao empreendimento proposto, mediante documento,
e ainda termo de compromisso para operar e manter as obras e os serviços
implantados. Os projetos devem incluir programas que visem à sustentabilidade
dos sistemas implantados e contemplem os aspectos administrativos,
tecnológicos, financeiros e de participação da comunidade. Os proponentes
deverão promover ações de educação em saúde e de mobilização social durante as
fases de planejamento, implantação e operação das obras e serviços de
engenharia como uma estratégia integrada para alcançar os indicadores de
impacto correspondentes, de modo a estimular o controle social e a participação
da comunidade beneficiada. No entanto, a FUNASA não financia o serviço se o
operador ou concessionário for privado.
A ANA tem um papel fundamental na gestão de
recursos hídricos. Ela estimula e apóia iniciativas voltadas à criação e
fortalecimento de entes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (SINGREH) e a implantação e operacionalização da gestão integrada de
recursos hídricos. O apoio à implementação da gestão de recursos hídricos nos Estados
é feito por meio da celebração de convênios de cooperação entre a Agência e os
órgãos gestores estaduais. Ela estimula e apoia as iniciativas voltadas para a
instalação e o funcionamento de comitês de bacia e agências de águas e para a
implantação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos. De acordo com o site da
ANA, os comitês de bacias hidrográficas
são a base do SINGREH e funcionam como um “parlamento das águas”. Isso porque
debatem a gestão da água de uma ou várias bacias, sendo composto por
representantes do Poder Público, dos usuários das águas e das organizações da sociedade
com ações na área de recursos hídricos[vi].
Entre suas atividades, a ANA realizou em 2012
pesquisas em cerca de 5,6 mil municípios brasileiros em relação aos aspectos de
abastecimento d’água. Desta análise, concluiu que somente 45% dos municípios
brasileiros tem sistemas de abastecimento d’água adequados e que os demais
necessitam de investimentos a curto prazo para que seus sistemas de
abastecimento deixem de colocar em risco a saúde das populações. A tabela
abaixo mostra a distribuição dos municípios em relação às necessidades de
investimento em abastecimento d’água, segundo a ANA
Tabela 2
Municípios segundo a Adequação de
Seus Sistemas de Abastecimento d’Água e Investimentos Necessários por Região
Região
|
Número de
Municípios
|
Com Sistemas de
Abastecimento d’Água Adequados
|
Com Sistemas de
Abastecimento d’Água que necessitam Investimentos
|
Valor dos
Investimentos Estimados nos Sistemas de Abastecimento d’Àgua por Região em
2015 (R$ milhões)
|
Norte
|
449
|
156
|
293
|
1953,9
|
Nordeste
|
1794
|
466
|
1328
|
9132,5
|
Sudeste
|
1668
|
932
|
736
|
7416,2
|
Sul
|
1188
|
692
|
496
|
2021,2
|
C. Oeste
|
466
|
260
|
206
|
1709,6
|
Brasil
|
5565
|
2506
|
3059
|
22233,4
|
Fonte: Agencia Nacional de Águas
De acordo com a tabela 2, se pode verificar que a maior parcela dos investimentos (R$ 16,5 bilhões ou 74% do montante) seria destinada
a 2.076 municípios inseridos nas Regiões Sudeste e Nordeste, em função do maior
número de aglomerados urbanos e da existência da Região Semiárida, que demandam
grandes esforços para a garantia do abastecimento de água.
Comentários Finais
Existem vários outros problemas associados ao
tema do abastecimento d’água que foram levantados na reportagem da Revista
Época já mencionada e que deveriam ser relembrados. Em primeiro lugar, o
desperdício associado ao sistema: cerca de 39% da água retirada dos mananciais
é perdida ou é roubada. Como 52% da população (38% da população urbana) não é
servida de esgoto, 44% da água nos pontos de coleta urbanos e 7% em áreas
rurais foram considerados impróprios para consumo. O consumo médio de água por
habitante no Brasil para uso doméstico é de 159 litros, sendo maior que o da
Alemanha (128 litros). O recomendável ao nível mundial pela ONU seria de 110
litros. No entanto, como quase 40% da água é perdida ou roubada, este consumo real que chega aos domicílios não chegaria aos 77 litros por habitante, o que está abaixo do consumo recomendável pela ONU. Não se trata, portanto, de produzir mais água, mas sim de tornar o sistema mais eficiente, eliminando roubos e perdas e gerando acesso de água tratada de qualidade a todos, principalmente aos que até hoje ainda não dispõe de sistemas de abastecimento.
Portanto, ao lado das perdas, roubos e disperdício, também repousa a
escassez e a má distribuição. Os problemas da água ainda se soman aos problemas
da falta de esgotamento sanitário, não trabalhados nesse texto, os quais ainda são
muito mais drásticos no contexto brasileiro do que em muitos dos países vizinhos. Cerca de 68% do esgoto produzido
no Brasil é devolvido aos mananciais (incluindo o mar) sem tratamento.
Se o Brasil tivesse universalizado o acesso à água e esgoto, teríamos
uma redução de 22% de internações e 15% menos mortes
por infecções gastro-intestinais. Isso sem
considerar as perdas em vidas e produtividade relacionadas a outras doenças de veiculação hídrica e à contaminação dos mananciais.
Não existe boa saúde sem um sistema adequado de abastecimento e escoamento de águas. A maior riqueza de uma nação repousa na qualidade de seus mananciais. Sem eles não há vida. E se são mal tratados, há menos vida para todos.
NOTAS DO TEXTO
[i] Reportagem de Marcos Coronato
e Aline Imércio, com a colaboração de Felipe Germano.
[ii] Discurso de Margaret Chan,
Presidente da OMS, na Budapest Water Summit. Pode ser acessado na página http://www.who.int/dg/speeches/2013/water_sanitation_opening/en/
[iii]
Ver Pruss-Ustun et al., Safe Water, Better Health: Costs, Benefits and
Sustainability of Interventions to Protect and Promote Health, Ed. WHO, 2008. Este texto pode ser
baixado no seguinte link: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596435_eng.pdf
[v] Ver reportage de Alexandre
Mansur na Revista Época, edição 825 de 21 de Março de 2014.
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