Introdução
A América Latina e o Brasil em particular passam por um forte momento de transição epidemiológica, onde a redução do peso
das doenças transmissíveis, da desnutrição e das causas maternas e perinatais,
que sobressaíam no perfil de morbi-mortalidade, passam a dar lugar ao
crescimento das enfermidades crônico-degenerativas como principais motores da
carga de doença. Se por um lado esse movimento se origina a partir de sociedades mais ricas, por outro reflete um crescimento de fatores de risco que
poderiam ser evitados ou mitigados, através de promoção, prevenção e
identificação precoce de problemas de saúde. As políticas públicas tem um papel essencial nestes
aspectos promocionais, onde o exercício físico e uma dieta saudável e
equilibrada podem evitar o surgimento da obesidade, da hipertensão e retardar
ou controlar o surgimento da diabetes tipo 2, os quais são os principais
fatores que levam a mortalidade precoce e a danos perenes na saúde da população
dos adultos.
Os países desenvolvidos tem levado muito a sério
esses compromissos com a redução destes fatores de risco, principalmente no que
se refere a evitar a obesidade, através de um programa de exercícios físicos e
de dieta saudável. O programa de exercícios físicos da Primeira Dama
norte-americana (Michele Obama) parece estar tendo grandes impactos na redução
dos níveis de obesidade da população. A obesidade infantil se
reduziu em 13,3% entre 2005 e 2011. Entre os estudantes em geral, os níveis de
obesidade no mesmo período, pararam de crescer, ficando ao redor dos 13% da
população estudantil entre 2005 e 2011, o que também representa um bom sinal. A
porcentagem de estudantes que passaram a comer vegetais pelo menos 3 dias por
semana aumentou de 12,9% para 15,3% e que passaram a ingerir frutas ou sucos de
frutas pelo menos duas vezes por semana aumentou igualmente 30,1% para 34%.
Maus hábitos alimentares, como tomar refrigerantes todo o dia, reduziram-se de
34% para 28% entre 2007 e 2011[i].
A campanha parece ter tido tanta prioridade na
agenda pública do Governo norte-americano, que o próprio Presidente Barack Obama,
conjuntamente com o Vice-Presidente Joe Biden, lançaram um pequeno vídeo no
final da semana passada (let´s move), onde aparecem juntos interrompendo suas
atividades diárias para fazer uma corrida em volta da Casa Branca[ii].
Mas mesmo assim, as tendências ainda não
parecem ter sido revertidas no seio da população adulta. Dados recentes[iii]
mostram que mais de dois terços (68,5%) da população adulta norte-americana
está acima do peso ou é obesa. A obesidade é maior entre mulheres negras (50%),
mas também é alta entre homens negros (37%) e mulheres brancas (32%).
Já faz algum tempo que o governo brasileiro
está consciente de que o tema do combate à obesidade e a alimentação saudável
da população devem ser prioridades nas políticas de saúde. Por este
motivo, o compromisso de campanha do atual governo para as eleições à
presidente de 2010 foi buscar medidas concretas para aumentar o consumo de
alimentos saudáveis na população brasileira durante o governo 2011-2014[iv].
O objetivo desta postagem é avaliar se entre
2009 e 2012 esta prioridade da campanha governamental teve resultados
positivos, seja na melhoria dos hábitos alimentares de adultos e jovens no
Brasil, seja nos riscos de sobre-peso e obesidade da população brasileira. Para
tal serão novamente utilizados os dados das pesquisas patrocinadas pelo
Ministério da Saúde: a PeNSE e o VIGITEL. A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar
(PeNSE) do IBGE, iniciada em 2009, foi primeira iniciativa nacional voltada a
pesquisar adolescentes sobre fatores de risco e proteção à saúde e constitui um
importante instrumento para subsidiar com informações os gestores, dando
sustentabilidade ao Sistema Nacional de Monitoramento da Saúde do Escolar e
apoiando as políticas públicas de proteção a saúde dos adolescentes. É uma
pesquisa por amostragem, realizada em escolas da rede pública e privada e seus
alunos da 9ª. série do ensino fundamental realizada em todas as capitais
estaduais.
A Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e
Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) realizada
diretamente pelo Ministério da Saúde, considera a população adulta (maior de 18
anos) e também se realiza em todas as capitais estaduais[v].
Vale ressaltar, no entanto, como já fizemos
anteriormente, que os dados da Pesquisa VIGITEL são coletados por telefone
entre domicilios que tem telefone fixo em casa, os quais correspondem a somente
40,1% dos domicílios do país, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicilios do IBGE (PNAD) de 2011. A PeNSE e a pesquisa VIGITEL não
estratificam a população de suas amostras por nível de renda. Mas no caso da
pesquisa VIGITEL, pode haver o risco de sobre-representação
da população dos segmentos de classe média e média alta que são aqueles que têm
telefone fixo em casa.
Os estudos com informações sobre adultos têm
mostrado que a prática da atividade física no lazer é mais frequente entre
pessoas de maior renda, ou maior escolaridade. Portanto, a PeNSE estaria
refletindo melhor a realidade dos grupos mais pobres da população do que a
pesquisa VIGITEL.
Por fim, a população pesquisada pela VIGITEL
acessa outros tipos de informação sobre fatores de risco, via televisão e
internet, e portanto não necessariamente aumenta sua educação e consciência
pelos fatores de risco através das ações desempenhadas pelo Ministério da
Saúde.
Hábitos Alimentares Saudáveis no Brasil
Os dados da PeNSE 2009 e 2012 mostram o
comportamento dos jovens da 9ª. série escolar em relação a hábitos alimentares
saudáveis. Entre os hábitos alimentares considerados saudáveis, tomou-se o consumo de
feijão e frutas frescas e como hábitos não saudáveis, o consumo de guloseimas e
refrigerantes. A tabela 1 mostra os resultados associados a estes dados.
Os
dados mostram uma redução no uso de hábitos saudáveis entre jovens escolares,
mas também uma redução entre hábitos alimentares não saudáveis, entre 2009 e
2012. Como os esforços de promoção estariam mais associados ao aumento dos
hábitos saudáveis, aparentemente não ocorreram grandes esforços nesse sentido
entre 2009 e 2012.
Porcentagem de Jovens Frequentando a
9ª. série do Ensino Fundamental nas Capitais Estaduais Brasileiras que
Consumiram Alimentos Saudáveis e Não Saudáveis em pelo menos 5 dias por semana:
2009-2012
Características
|
2009
|
2012
|
Percentagem
de Variação
|
Habitos Alimentares Saudáveis
| |||
Feijão
|
62,9
|
60,0
|
-4,6
|
Frutas Frescas
|
31,5
|
29,8
|
-5,4
|
Hábitos Alimentares Não Saudáveis
| |||
Guloseimas
|
50,9
|
42,6
|
-16,3
|
Refrigerantes
|
37,2
|
35,4
|
-4,8
|
Considerando a população adulta (maiores de 18
anos) pesquisada na VIGITEL, se pode dizer que os resultados parecem ser um
pouco melhores. Entre 2009 e 2012, aumentou a frequência de hábitos
alimentares saudáveis, como o consumo de hortaliças e feijão, ao lado de uma
redução dos hábitos alimentares não saudáveis, como o consumo de carnes com
gordura e refrigerantes. (tabela 2).
Tabela 2
Porcentagem da População Maior de 18
anos nas Capitais Estaduais Brasileiras que Consumiram Alimentos Saudáveis e
Não Saudáveis em pelo menos 5 dias por semana:
2009-2012
Alimentos
|
2009
|
2012
|
Variação Percentual
|
Habitos Alimentares Saudáveis
| |||
Frutas e Hortaliças
|
30,4
|
34,0
|
11,8
|
Feijão
|
65,8
|
67,5
|
2,6
|
Hábitos Alimentares Não Saudáveis
| |||
Carne com Gordura
|
33,0
|
31,6
|
-4,2
|
Refrigerantes
|
27,9
|
26,0
|
-6,8
|
Os dados da pesquisa VIGITEL, como já visto, apresentam restrições que poderiam levar a pesquisa a concentrar-se nos grupos e
faixas etárias de maior renda e status sócio-econômico. Mas mesmo assim, da comparação entre as duas pesquisas (PeNSE e
VIGITEL) se pode dizer que o consumo de produtos saudáveis entre jovens parece
ser menor do que o da população adulta, ocorrendo o inverso com os hábitos de
consumo de produtos não saudáveis, o que leva a crer que poderá estar ocorrendo
uma tendência de que as atuais coortes de população de escolares se transformem
em populações adultas menos saudáveis, e com maior tendência à obesidade no
futuro. Uma análise das tendências recentes de sobre-peso e obesidade entre
populações adultas poderia indicar este fenômeno.
Tendências ao Sobre-Peso e à Obesidade na
População Brasileira[vi].
Entre 2009 e 2012, a população com sobre-peso
com mais de 18 anos de idade, residente nas capitais estaduais brasileiras
aumentou de 47% para 51% e a população obesa, aumentou de 14% para 17%, de
acordo com os dados do VIGITEL. Ou seja, mais da metade da população brasileira
tem sobre peso e quase um quinto já é obesa.
Estes dados ainda não são tão dramáticos como
os relativos à população norte-americana, onde as percentagens de sobre-peso e
obesidade em 2012 alcançavam 68% e 35% respectivamente (Ogden et alli, 2014).
Mas devem representar um forte sinal de alerta. Principalmente porque os
formuladores de políticas de saúde no Brasil já vem identificando há muito
tempo essa tendência ao aumento da obesidade nas áreas urbanas brasileiras e o
discurso da promoção e da prevenção parece não estar correspondendo à prática.
A tendencia ao aumento da obesidade se verifica
em todos os grupos de idade da população adulta, entre homens e mulheres e em
diferentes níveis de instrução, como pode ser observado na tabela 3.
Tabela 3
Porcentagem da População Maior de 18
anos nas Capitais Estaduais Brasileiras Considerada Obesa: 2009-2012
Características
|
2009
|
2012
|
Variação Percentual
|
Grupos de idade
| |||
18-24 anos
|
6.9
|
7.5
|
8.7
|
25-34 anos
|
12.7
|
15.1
|
18.9
|
35-44 anos
|
15.6
|
19.7
|
26.3
|
45-54 anos
|
17.4
|
22.6
|
29.9
|
55-64 anos
|
20.7
|
23.4
|
13.0
|
65 anos e mais
|
16.9
|
19.0
|
12.4
|
Anos de estudo
| |||
0-8 anos
|
16.1
|
21.7
|
39.7
|
9-11 anos
|
11.6
|
15.2
|
31.0
|
12 anos e mais
|
11.6
|
14.4
|
24.1
|
Sexo
| |||
Homens
|
13.7
|
16.5
|
20.4
|
Mulheres
|
14.0
|
18.2
|
30.0
|
Total
|
Verifica-se que os maiores aumentos nas taxas
de obesidade entre 2009 e 2012 ocorreram nos grupos de idade de 45-54 anos
(30%), entre as pessoas com menos de 8 anos de instrução (40%) e entre as
mulheres (30%) comparadas com os homens (20%). As diferenças na proporção de
obesos entre as capitais brasileiras são bastante elevadas. Considerando os
dados do VIGITEL para 2012, podemos ver, nos gráficos 1 e 2 abaixo algumas
destas diferenças.
Os menores percentuais de obesidade entre os
homens, em 2012, eram observados em Salvador, Goiania, Belo Horizonte e
Distrito Federal (entre 10% e 13%) e entre as mulheres, em São, Luiz, Teresina,
Vitoria, DF, Belem, Boa Vista e Florianópolis (entre 12 e 15%).
Ja os maiores percentuais de obesidade se verificaram em
Aracajú, Cuiabá, Campo Grande, Natal e João Pessoa (entre 20% e 21%) entre os
homens e em Natal, Campo Grande e Rio Branco (entre 22% e 24%) entre as
mulheres.
Gráfico 1
Gráfico 2
Considerações Finais
Ao que tudo indica, os esforços, campanhas e
políticas do atual Governo para aumentar a adesão à prática de educação física
e exercicios regulares e ao uso de alimentação adequada, entre 2009 e 2012,
parecem não ter surtido os efeitos desejados. O Brasil continua numa tendência
a aumentar a obesidade, e com isso, os riscos para a intensificação da epidemia
de doenças crônico-degenerativas. As implicações destes fatos serão
inevitavelmente a mortalidade e a morbidade precoces, o aumento da demanda por
serviços de saúde de maiores níveis de complexidade e, consequentemente, gastos
de saúde em proporções maiores do que aqueles que poderiam advir do uso em massa
da promoção como processo para adequar a cultura da população brasileira para
uma vida mais saudável.
Além do mais, a tímida expansão do Programa de
Saúde da Família (PSF) nos últimos anos e a falta de articulação entre os
programas nacionais de promoção de vida saudável e prevenção de doenças
crônicas com as estratégias de atenção básica não tem permitido a sinergia
necessária para que estas políticas extravasem o espaço restrito das paredes
dos postos de saúde, onde estão os cartazes promocionais das campanhas para comportamentos saudáveis, e se estabeleçam de forma ativa,
através de promotores de saúde, nas escolas, nas fábricas, nas ruas, nos parques e áreas
de lazer e nas comunidades rurais.
NOTAS
[i] Estes dados podem ser obtidos
na pesquisa realizada pelo Center for Disease Control (CDC) do Governo norte
americano intitulada Youth Risk Behaviour Survey (YRBS), que vem sendo
realizada de dois em dois anos desde 1991. Os dados relacionados a 2013 ainda
não estão disponíveis.
[ii] O video, lançado na sexta-feira dia 28 de fevereiro de 2014 pode ser
encontrado no link de youtube http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Z7Z4rGQi2cQ.
Na verdade, a intenção é boa, mas parece não respeitar algumas regras da boa
prática de exercícios físicos. O ideal seria correr com roupas e calçados apropriados. Além do mais, não se deveria interromper o horário regular de trabalho para realizar
atividades físicas. Mas o vídeo passa uma mensagem interessante para os trabalhadores e
empregadores norte-americanos em investir mais em sua saúde, através da atividade fisica.
[iii] Ogden
C. L., Carroll, M. D., Kit, B.K., & Flegal K. M. (2014). Prevalence of
childhood and adult obesity in the United States, 2011-2012. Journal of the American Medical Association,
311(8), 806-814.
[iv] Consultar as três últimas postagens
deste blog.
[v] Para maiores detalhes sobre
estas pesquisas, consultar a postagem anterior, sobre o tema de atividade física
– outra prioridade do atual Governo em sua agenda de saúde, com o detalhe das
características pesquisadas através da PeNSE e do VIGITEL.
[vi] Os indices de sobre-peso e de
obesidade tem as mesmas definições metodológicas, tanto para as pesquisas do
CDC (Estados Unidos) como para as do VIGITEL (Brasil). É considerada com
sobre-peso a pessoa que tem mais de 25 quilos por metro quadrado de superfície
e obesa a que tem mais de 30 quilos por metro quadrado de superfície). Os
cálculos são feitos através de estudos de antropometria, constantes nas
pesquisas indicadas.
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