Ano 10, No. 77, Junho 2016
André Medici
André Medici
Breve Histórico
Desde os anos 1990´s o Disease Control Priorities
Program – DCPP - (Programa de Controle das Doenças Prioritárias) é uma
das principais iniciativas globais para mapear e propor soluções para os
grandes problemas que afetam a saúde nos países em desenvolvimento. O DCPP é um
esforço contínuo para avaliar as prioridades de controle de doenças e produzir
análises baseadas em evidências para a adequada gestão das políticas de saúde
nos países que ainda tem grandes desafios associados a mortalidade e morbidade
precoce por doenças evitáveis ou controláveis, as quais afetam sua trajetória
de desenvolvimento econômico e social.
Uma vez em cada década, o DCPP publica o estado
da arte destas avaliações, fornecendo material técnicamente atualizado e
análises econômicas que podem ajudar países em desenvolvimento a melhorar seus sistemas
de saúde e a saúde das suas populações.
No início dos anos 1990 o Banco Mundial iniciou
seus esforços para informar as prioridades no controle de doenças específicas e
gerar estimativas de custo-efetividade comparativa para intervenções que
abordam um grande conjunto de condições de saúde relevantes para os países em
desenvolvimento. A primeira publicação deste esforço surgiu em 1993, quando foi
publicada a primeira edição do DCPP, conhecido como DCP1[i],
em parceria entre o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
reunindo centenas de profissionais e especialistas em saúde, tais como médicos,
economistas, epidemiólogos e outros perfils acadêmicos associados.
O DCP1 examinou 25 condições de saúde
prioritárias nos países em desenvolvimento e avaliou a sua importância para a
saúde pública e as relações custo-efetividade associadas às intervenções de
promoção, prevenção e tratamento oportuno destas doenças. Conjuntamente com o
Informe do Banco Mundial de 1993[ii]
– o primeiro relacionado ao tema de saúde – O DCP1 teve um grande impacto ao
incentivar debates nacionais e internacionais sobre os investimentos no setor saúde
e ao mesmo tempo divulgar o esforço intensivo de muitas instituições acadêmicas
e organismos internacionais na estimativa da carga de doença e na relação
custo-efetividade de intervenções oportunas na área de saúde. Ambas as
publicações se tornaram obras de referência usadas por autoridades
governamentais, políticos, agências de desenvolvimento internacionais e
instituições acadêmicas.
Entre os anos noventa e a primeira década do
presente século, os processos de transição demográfica e epidemiológica
trouxeram grandes mudanças no perfil de saúde dos países em desenvolvimento. Ao
mesmo tempo, aumentou dramaticamente o conhecimento adquirido sobre as
intervenções e estratégias eficazes para combater as principais doenças
transmissíveis e crônicas, bem como sobre o papel das famílias, das comunidades
e dos sistemas de saúde na melhoria das condições de vida das populações.
Assim, em 2002, DCPP solicitou à cerca de 600
especialistas globais a atualização do DCP1, com vistas a expandir a pesquisa e
sobre carga de doença e intervenções custo-efetivas para uma ampla gama de
enfermidades e condições que afetam a saúde das populações nos países em
desenvolvimento. Entre estes especialistas se destacam cientistas, epidemiólogos,
economistas da saúde, acadêmicos, analistas de instituições internacionais e
profissionais de saúde pública de mais de 100 países. O DCPP reuniu cerca de
três dezenas de consultas técnicas para estimular o debate interdisciplinar
entre os autores sobre fontes de dados, metodologias, desafios e prioridades –
uma delas realizada na Fundação Osvaldo Cruz – Rio de Janeiro – sobre o tema
das doenças transmissíveis[iii].
Em abril de 2006, foi lançada a segunda edição
do DCPP (DCP2)[iv],
com um corpo ampliado de editores, mais de 600 autores e 73 capítulos
distribuidos em 1400 páginas[v].
O
DCP2 inclui a expansão dos temas tratados no DCP1, além de informações
atualizadas sobre a carga global de doenças provocadas pelo tabaco, álcool,
transtornos psiquiátricos e lesões, que são responsáveis por uma proporção
crescente de mortes que se expandiram nos países em desenvolvimento nos
contextos de transição demográfica, transição epidemiolgógica e suas
transformações sociais, como urganização e crescimento do nível de renda. O DCP2
destaca intervenções custo-efetivas com base em uma análise cuidadosa dos
sistemas de saúde, dos custos de carga da doença e das estratégias de
tratamento e prevenção de uma ampla gama de doenças e condições.
Conjuntamente com o DCP2, alguns livros de
apoio foram lançados para divulgar aos tomadores de decisão, em linguagem
simples e sintética nos sete idiomas mais falados no mundo, as principais
mensagens do DCP2 e um guia de referência para os formuladores de políticas.
Junto com o DCP2 também foi lançado em 2006 um volume metodológico sobre a Carga
Global de Doenças e os Fatores de Risco (GBD), que fornece uma
avaliação das condições de saúde da humanidade no alvorecer do século 21. São
descritos neste volume a metodologia de GBD adicionada de uma base de dados
atualizada sobre a carga global de doenças, bem como as metodologias
subjacentes para os cálculos de custo-efetiviade, além das conclusões
apresentadas no DCP2[vi].
Até então o impacto do DCPP tem revolucionado
os métodos de análise da epidemiologia e da apresentação de dados para a tomada
de decisões em todas as partes do mundo, mas especialmente nos países em
desenvolvimento. Associado a isso, desde 2006, a produção de conhecimento na
saúde tem crescido exponencialmente. Além do mais, a web passou a ser a
principal forma de disseminação de conhecimento e, ainda que publicações em
papel continuam a ser importantes, passa a ser consensual reduzir sua
circulação, não somente para economizar árvores mas também porque publicações
eletrônicas permitem democratizar o acesso à informação e a eficiência em sua
utilização.
Desde 2009, o DCPP passou a ser impulsionado
pela Disease Control Prioridades
Network (DCPN), financiada pela Fundação Bill & Melinda Gates
(FBMG). Trata-se de um projeto de sete anos administrado pelo Departamento de
Saúde Global (DGS) da Universidade do Estado de Washington (UW) e do Instituto
de Metrologia e Avaliação em Saúde (IHME), também financiado
majoritariamente pela FBMG e criado em Seatle, no final da década passada. O IHME[vii]
atualmente lidera e coordena dois componentes-chave na disseminação do
conhecimento mundial na área de saúde: a promoção e disseminação das bases de
dados de GBD e o apoio e uso da avaliação económica para a definição de
prioridades, tanto a nível global e nacional.
Por todos estes motivos, a UW-DGH passou a
coordenar e administrar a produção e publicação da 3ª Edição do Programa de
Controle das Doenças Prioritárias (DCP3). Com base nas publicações anteriores,
a terceira edição irá brindar as mais recentes evidências sobre custo e efetividade dos programas para
as principais causas da CGD nos países em desenvolvimento, fornecendo avaliação
económica sistemática de escolhas políticas que afetam o acesso, a absorção e a
qualidade das intervenções, bem como avaliando as plataformas para entrega a
entrega dos serviços de saúde para os países de baixa e média renda.
Além do mais, o DCP3 introduz novos métodos de
análise custo-efetividade, extendida para incorporar os aspectos de equidade e
de proteção financeira das políticas de saúde e seus impactos macroeconômicos
associados a extenção de cobertura das intervenções de eficácia comprovada para
prevenir e tratar doenças infecciosas e crônicas, incluindo as ligadas à saúde
ambiental, trauma e doenças mentais .
Os editores do DCP3 são Dean Jamison, Hellen
Gelband, Sue Horton, Prabhat Jha, Ramanan Laxminarayan e Rachel Nugent.
Diferentemente do ocorrido no DCP1 E DCP2, as publicações (livros, artigos,
capítulos) do DCP3 estão sendo produzidas e, quando terminadas, disponibilizadas
eletronicamente, desde de meados de 2013. Edições em papel dos volumes estarão
disponíveis a partir de 2016[viii].
Entre as atividades do DCP3, em conjunto com o
DHG-UW, se está trabalhando com parceiros globais, regionais e nacionais na
África Subsaariana, América Latina, China e Oriente Médio para realizar a
avaliação econômica da prevenção e tratamento das condições mais prementes e
doenças que contribuem para a carga global de doenças através oficinas de
formação e pesquisa colaborativa. Junto com estes parceiros se prentende fornecer
a mais abrangente e atualizada informação econômica para orientar a formulação
de políticas regionais e nacionais ao nivel global, juntamente com as melhores
ferramentas econômicas e capacitação nas regiões mais distantes, com vistas a
orientar o estabelecimento de prioridades em saúde baseadas em evidências clínicas e
econômicas.
Dimensões Econômicas das Doenças Crônicas na
América Latina e Caribe (ALC)
Entre os volumes que compreendem o DCP3 está o
de Dimensões
Econômicas das Doenças Crônicas na ALC[ix],
o qual acaba de ser publicado em Junho de 2016 pela DCPN em parceria com a
Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). A publicação que tem como editores
Branka Legetic, André Medici, Maurício Hernandez-Ávila, George Alleyne e Anselm
Hennis, conta com 170 páginas, 12 capítulos e 45 autores, procura dar uma visão
geral sobre o crescimento da epidemia de doenças crônicas que representa quase
tres quartos da carga de doença da Região das Américas (incluindo Estados
Unidos e Canadá), com seus quase um bilhão de habitantes. A publicação pode ser
acessada gratuitamente no link abaixo, mas está disponível somente em inglês.
O livro explora a relação entre o impacto das
doenças crônicas no desenvolvimento e o crescimento económico nos países da
Região e a complexa interação entre as doenças não transmissíveis, gastos e
investimentos em saúde, bem como aspectos relacionados à equidade, utilizando informações
disponíveis com base em fontes estatísticas e revisão de literatura. Dado que
as doenças crônicas não só impactam a mortalidade precoce das populações
latino-americanas e caribenhas, como também consomem cada vez maiores
proporções de orçamentos de saúde, passa a ser prioridade dos governos buscar
formas mais custo-efetivas para seu diagnóstico, prevenção e tratamento.
Assim, a primeira seção do livro quantifica a
magnitude das doenças crônicas na Região e o potencial impacto da prevenção na
melhoria da qualidade de vida e redução das pressões financeiras do setor
saúde. O retorno sobre investimentos em prevenção resultará em muitos milhões
de mortes prematuras evitadas e bilhões de dólares de poupança para as
economias nacionais. Para exemplificar, a redução da mortalidade por doença
isquêmica do coração e acidente vascular cerebral em 10 por cento reduziria
perdas económicas estimadas em US$ 25 bilhões por ano, o que é três vezes maior
do que o investimento necessário para alcançar estes benefícios.
A segunda seção do livro descreve as dimensões
e os impactos sociais e econômicos das doenças crônicas, destacando que elas não
são simplesmente um subproduto dos resultados da dupla transição – demográfica
e epidemiológica - mas também são uma das principais causas de incapacidade e
mortalidade precoce nos países da região, além de respresentar uma quantidade
considerável dos gastos das famílias mais pobres. Nesse contexto, essas doenças
continuam a ser uma ameaça para o crescimento econômico e potencial
desenvolvimento de muitos países da Região, podendo aumentar a desigualdade entre individuos, comunidades e
regiões.
A terceira seção do livro examina o impacto
macroeconômico das doenças crônicas, sua relação com a equidade e os custos
associados a sua prevenção e tratamento na Região. Temas como a promoção da
saúde, associados a políticas para a redução da prevalência de doenças crônicas
e seus fatores de risco são discutidos no capítulo 6. Apesar dos avanços na
cobertura de saúde, a maior parte dos sistemas de saúde da América Latina não
está preparada para enfrentar os desafios de doenças crônicas. O capítulo 7
mostra que a incidência destas doenças nos últimos anos levam os pobres a
sofrerem a maior parte das restrições e perdas econômicas associadas. Usando os
dados disponíveis na literatura existente, se examina quatro aspectos do
impacto da doenças crônicas sobre a equidade em países latino-americanos: nos
fatores de risco, na morbidade, no acesso e utilização dos serviços de saúde e
nos gastos das famílias. O capítulo 8 examina a literatura sobre custo-efetividade
no tratamento de doenças cardiovasculares, metabólicas, nas doenças
respiratórias e nas ações de prevenção dos principais fatores de risco das
doenças crônicas, incluindo a dieta pouco saudável, inatividade física e no consumo
de tabaco e álcool em excesso na América Latina.
A quarta seção analisa os desafios e
oportunidades que os sistemas de saúde na América Latina tem para dar resposta
as doenças crônicas, enfatizando as políticas que se poderiam implementar no
campo da detecção precoce, controle e prevenção, destacando como enfrentar os
desafios das doenças crônicas em ambientes de fortes restrições econômicas,
como a crise pós 2008 enfrentada pelos países do Caribe e dando soluções para
políticas sustentáveis no futuro.
A conclusão do livro, escrita pelo ex-Diretor
da OPAS, Dr. George Alleyne, mostra que o impacto das doenças não transmissíveis
deve ser melhor compreendido para ser enfrentado pelos governos da Região,
especialmente no que tange às suas consequências negativas para as sociedades.
Por este motivo, o impacto das doenças
crônicas é reconhecido nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
pactuados pelos países em Assembléia das Nações Unidas de 2015, os quais
incluem como meta a redução de um terço da mortalidade prematura por doenças
não transmissíveis até 2030. O alcance desta meta vai exigir muita inovação na
organização dos sistemas de saúde, além de esforços para reduzir a desigualdade
e apoios de assistência técnica e financeira internacional.
Portanto, este novo volume da série do DCP3
oferece aos planejadores de saúde e tomadores de decisão informações relevantes
sobre a importância da redução da carga de doenças crônicas no desenvolvimento económico, abrindo as possibilidades
para maiores investimentos na prevenção e controle destas doenças.
NOTAS
[i]
Jamison, D.T, Mosley, W.H., Measham, A.R. & Bobadilla, J.L. (1993), “Disease Control Priorities in Developing
Countries”, Ed. Oxford University Press and World Bank, Washington, DC,
1993.
[ii] Banco Mundial (1993), “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial
1993: Investindo em Saúde”, Ed. Banco Mundial, Washington DC, 1993.
[iii] O Seminário que se relaciona com
esta consulta técnica se realizou na FIOCRUZ, Rio de Janeiro (RJ), entre 28 de
Abril e 1º de Maio de 2003. O informe final deste seminário pode ser encontrado
em Oxford Journals na página http://cid.oxfordjournals.org/content/38/6/871.full.
[iv]
Jamison, D.T., Breman, J.G., Meashan, A.R., Alleyne, G., Claeson, M., Evans,
D.B., Jha, P., Mills, A. & Musgrove, P. (2006), “Disease Control Priorities in Developing Countries – Second Edition”,
Ed. The World Bank and Oxford University Press, Washington DC, 2006.
[v]
Como economista de saúde fui convidado a colaborar no DCP2, sendo co-autor de
três capítulos: Capítulo 10 (Gender Diferentials in Health), Capítulo 22
(Tropical Diseases Targeted for Elimination: Chagas Disease, Lymphatic
Filariasis, Onchocerciasis and Leprosy) e Capítulo 23 (Tropical Diseases
Lacking Adequate Control Measures: Dengue, Leishmaniasis and African
Trypanosomiasis.
[vi]
Lopez, A.D., Mathers, C.D., Ezzati, M., Jamison, D.T & Murray, C.J.L.
(2006), “Global Burden of Diseases and
Risk Factors”, Ed. DCPP, The World Bank and Oxford University Press, 2006,
Washington DC.
[vii] Para acessar os dados e referencias
da produção do IHME consultar a página http://www.healthdata.org/gbd.
[ix]
Legetic, B. Medici, A., Hernandez-Ávila, M., Alleyne, G., Hennis, A. (2016), “Economic Dimensions of Noncommunicable
Diseases in Latin America and the Caribbean”, Ed. DCP3 and PAHO, Washington
(DC), June 2016.
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