sexta-feira, junho 10, 2016

Dimensões Econômicas das Doenças Crônicas: Desafios para a América Latina


Ano 10, No. 77, Junho 2016


André Medici

Breve Histórico

Desde os anos 1990´s o Disease Control Priorities Program – DCPP - (Programa de Controle das Doenças Prioritárias) é uma das principais iniciativas globais para mapear e propor soluções para os grandes problemas que afetam a saúde nos países em desenvolvimento. O DCPP é um esforço contínuo para avaliar as prioridades de controle de doenças e produzir análises baseadas em evidências para a adequada gestão das políticas de saúde nos países que ainda tem grandes desafios associados a mortalidade e morbidade precoce por doenças evitáveis ou controláveis, as quais afetam sua trajetória de desenvolvimento econômico e social.

Uma vez em cada década, o DCPP publica o estado da arte destas avaliações, fornecendo material técnicamente atualizado e análises econômicas que podem ajudar países em desenvolvimento a melhorar seus sistemas de saúde e a saúde das suas populações.

No início dos anos 1990 o Banco Mundial iniciou seus esforços para informar as prioridades no controle de doenças específicas e gerar estimativas de custo-efetividade comparativa para intervenções que abordam um grande conjunto de condições de saúde relevantes para os países em desenvolvimento. A primeira publicação deste esforço surgiu em 1993, quando foi publicada a primeira edição do DCPP, conhecido como DCP1[i], em parceria entre o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde (OMS), reunindo centenas de profissionais e especialistas em saúde, tais como médicos, economistas, epidemiólogos e outros perfils acadêmicos associados.

O DCP1 examinou 25 condições de saúde prioritárias nos países em desenvolvimento e avaliou a sua importância para a saúde pública e as relações custo-efetividade associadas às intervenções de promoção, prevenção e tratamento oportuno destas doenças. Conjuntamente com o Informe do Banco Mundial de 1993[ii] – o primeiro relacionado ao tema de saúde – O DCP1 teve um grande impacto ao incentivar debates nacionais e internacionais sobre os investimentos no setor saúde e ao mesmo tempo divulgar o esforço intensivo de muitas instituições acadêmicas e organismos internacionais na estimativa da carga de doença e na relação custo-efetividade de intervenções oportunas na área de saúde. Ambas as publicações se tornaram obras de referência usadas por autoridades governamentais, ​​políticos, agências de desenvolvimento internacionais e instituições acadêmicas.

Entre os anos noventa e a primeira década do presente século, os processos de transição demográfica e epidemiológica trouxeram grandes mudanças no perfil de saúde dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, aumentou dramaticamente o conhecimento adquirido sobre as intervenções e estratégias eficazes para combater as principais doenças transmissíveis e crônicas, bem como sobre o papel das famílias, das comunidades e dos sistemas de saúde na melhoria das condições de vida das populações.

Assim, em 2002, DCPP solicitou à cerca de 600 especialistas globais a atualização do DCP1, com vistas a expandir a pesquisa e sobre carga de doença e intervenções custo-efetivas para uma ampla gama de enfermidades e condições que afetam a saúde das populações nos países em desenvolvimento. Entre estes especialistas se destacam cientistas, epidemiólogos, economistas da saúde, acadêmicos, analistas de instituições internacionais e profissionais de saúde pública de mais de 100 países. O DCPP reuniu cerca de três dezenas de consultas técnicas para estimular o debate interdisciplinar entre os autores sobre fontes de dados, metodologias, desafios e prioridades – uma delas realizada na Fundação Osvaldo Cruz – Rio de Janeiro – sobre o tema das doenças transmissíveis[iii].

Em abril de 2006, foi lançada a segunda edição do DCPP (DCP2)[iv], com um corpo ampliado de editores, mais de 600 autores e 73 capítulos distribuidos em 1400 páginas[v].   O DCP2 inclui a expansão dos temas tratados no DCP1, além de informações atualizadas sobre a carga global de doenças provocadas pelo tabaco, álcool, transtornos psiquiátricos e lesões, que são responsáveis ​​por uma proporção crescente de mortes que se expandiram nos países em desenvolvimento nos contextos de transição demográfica, transição epidemiolgógica e suas transformações sociais, como urganização e crescimento do nível de renda. O DCP2 destaca intervenções custo-efetivas com base em uma análise cuidadosa dos sistemas de saúde, dos custos de carga da doença e das estratégias de tratamento e prevenção de uma ampla gama de doenças e condições.

Conjuntamente com o DCP2, alguns livros de apoio foram lançados para divulgar aos tomadores de decisão, em linguagem simples e sintética nos sete idiomas mais falados no mundo, as principais mensagens do DCP2 e um guia de referência para os formuladores de políticas. Junto com o DCP2 também foi lançado em 2006 um volume metodológico sobre a Carga Global de Doenças e os Fatores de Risco (GBD), que fornece uma avaliação das condições de saúde da humanidade no alvorecer do século 21. São descritos neste volume a metodologia de GBD adicionada de uma base de dados atualizada sobre a carga global de doenças, bem como as metodologias subjacentes para os cálculos de custo-efetiviade, além das conclusões apresentadas no DCP2[vi].

Até então o impacto do DCPP tem revolucionado os métodos de análise da epidemiologia e da apresentação de dados para a tomada de decisões em todas as partes do mundo, mas especialmente nos países em desenvolvimento. Associado a isso, desde 2006, a produção de conhecimento na saúde tem crescido exponencialmente. Além do mais, a web passou a ser a principal forma de disseminação de conhecimento e, ainda que publicações em papel continuam a ser importantes, passa a ser consensual reduzir sua circulação, não somente para economizar árvores mas também porque publicações eletrônicas permitem democratizar o acesso à informação e a eficiência em sua utilização.

Desde 2009, o DCPP passou a ser impulsionado pela  Disease Control Prioridades Network (DCPN), financiada pela Fundação Bill & Melinda Gates (FBMG). Trata-se de um projeto de sete anos administrado pelo Departamento de Saúde Global (DGS) da Universidade do Estado de Washington (UW) e do Instituto de Metrologia e Avaliação em Saúde (IHME), também financiado majoritariamente pela FBMG e criado em Seatle, no final da década passada. O IHME[vii] atualmente lidera e coordena dois componentes-chave na disseminação do conhecimento mundial na área de saúde: a promoção e disseminação das bases de dados de GBD e o apoio e uso da avaliação económica para a definição de prioridades, tanto a nível global e nacional.

Por todos estes motivos, a UW-DGH passou a coordenar e administrar a produção e publicação da 3ª Edição do Programa de Controle das Doenças Prioritárias (DCP3). Com base nas publicações anteriores, a terceira edição irá brindar as mais recentes evidências  sobre custo e efetividade dos programas para as principais causas da CGD nos países em desenvolvimento, fornecendo avaliação económica sistemática de escolhas políticas que afetam o acesso, a absorção e a qualidade das intervenções, bem como avaliando as plataformas para entrega a entrega dos serviços de saúde para os países de baixa e média renda.

Além do mais, o DCP3 introduz novos métodos de análise custo-efetividade, extendida para incorporar os aspectos de equidade e de proteção financeira das políticas de saúde e seus impactos macroeconômicos associados a extenção de cobertura das intervenções de eficácia comprovada para prevenir e tratar doenças infecciosas e crônicas, incluindo as ligadas à saúde ambiental, trauma e doenças mentais .

Os editores do DCP3 são Dean Jamison, Hellen Gelband, Sue Horton, Prabhat Jha, Ramanan Laxminarayan e Rachel Nugent. Diferentemente do ocorrido no DCP1 E DCP2, as publicações (livros, artigos, capítulos) do DCP3 estão sendo produzidas e, quando terminadas, disponibilizadas eletronicamente, desde de meados de 2013. Edições em papel dos volumes estarão disponíveis a partir de 2016[viii].

Entre as atividades do DCP3, em conjunto com o DHG-UW, se está trabalhando com parceiros globais, regionais e nacionais na África Subsaariana, América Latina, China e Oriente Médio para realizar a avaliação econômica da prevenção e tratamento das condições mais prementes e doenças que contribuem para a carga global de doenças através oficinas de formação e pesquisa colaborativa. Junto com estes parceiros se prentende fornecer a mais abrangente e atualizada informação econômica para orientar a formulação de políticas regionais e nacionais ao nivel global, juntamente com as melhores ferramentas econômicas e capacitação nas regiões mais distantes, com vistas a orientar o estabelecimento de prioridades  em saúde baseadas em evidências clínicas e econômicas.

 

Dimensões Econômicas das Doenças Crônicas na América Latina e Caribe (ALC)

Entre os volumes que compreendem o DCP3 está o de Dimensões Econômicas das Doenças Crônicas na ALC[ix], o qual acaba de ser publicado em Junho de 2016 pela DCPN em parceria com a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). A publicação que tem como editores Branka Legetic, André Medici, Maurício Hernandez-Ávila, George Alleyne e Anselm Hennis, conta com 170 páginas, 12 capítulos e 45 autores, procura dar uma visão geral sobre o crescimento da epidemia de doenças crônicas que representa quase tres quartos da carga de doença da Região das Américas (incluindo Estados Unidos e Canadá), com seus quase um bilhão de habitantes. A publicação pode ser acessada gratuitamente no link abaixo, mas está disponível somente em inglês.


O livro explora a relação entre o impacto das doenças crônicas no desenvolvimento e o crescimento económico nos países da Região e a complexa interação entre as doenças não transmissíveis, gastos e investimentos em saúde, bem como aspectos relacionados à equidade, utilizando informações disponíveis com base em fontes estatísticas e revisão de literatura. Dado que as doenças crônicas não só impactam a mortalidade precoce das populações latino-americanas e caribenhas, como também consomem cada vez maiores proporções de orçamentos de saúde, passa a ser prioridade dos governos buscar formas mais custo-efetivas para seu diagnóstico, prevenção e tratamento.

Assim, a primeira seção do livro quantifica a magnitude das doenças crônicas na Região e o potencial impacto da prevenção na melhoria da qualidade de vida e redução das pressões financeiras do setor saúde. O retorno sobre investimentos em prevenção resultará em muitos milhões de mortes prematuras evitadas e bilhões de dólares de poupança para as economias nacionais. Para exemplificar, a redução da mortalidade por doença isquêmica do coração e acidente vascular cerebral em 10 por cento reduziria perdas económicas estimadas em US$ 25 bilhões por ano, o que é três vezes maior do que o investimento necessário para alcançar estes benefícios.

A segunda seção do livro descreve as dimensões e os impactos sociais e econômicos das doenças crônicas, destacando que elas não são simplesmente um subproduto dos resultados da dupla transição – demográfica e epidemiológica - mas também são uma das principais causas de incapacidade e mortalidade precoce nos países da região, além de respresentar uma quantidade considerável dos gastos das famílias mais pobres. Nesse contexto, essas doenças continuam a ser uma ameaça para o crescimento econômico e potencial desenvolvimento de muitos países da Região, podendo aumentar a  desigualdade entre individuos, comunidades e regiões.

A terceira seção do livro examina o impacto macroeconômico das doenças crônicas, sua relação com a equidade e os custos associados a sua prevenção e tratamento na Região. Temas como a promoção da saúde, associados a políticas para a redução da prevalência de doenças crônicas e seus fatores de risco são discutidos no capítulo 6. Apesar dos avanços na cobertura de saúde, a maior parte dos sistemas de saúde da América Latina não está preparada para enfrentar os desafios de doenças crônicas. O capítulo 7 mostra que a incidência destas doenças nos últimos anos levam os pobres a sofrerem a maior parte das restrições e perdas econômicas associadas. Usando os dados disponíveis na literatura existente, se examina quatro aspectos do impacto da doenças crônicas sobre a equidade em países latino-americanos: nos fatores de risco, na morbidade, no acesso e utilização dos serviços de saúde e nos gastos das famílias. O capítulo 8 examina a literatura sobre custo-efetividade no tratamento de doenças cardiovasculares, metabólicas, nas doenças respiratórias e nas ações de prevenção dos principais fatores de risco das doenças crônicas, incluindo a dieta pouco saudável, inatividade física e no consumo de tabaco e álcool em excesso na América Latina.

A quarta seção analisa os desafios e oportunidades que os sistemas de saúde na América Latina tem para dar resposta as doenças crônicas, enfatizando as políticas que se poderiam implementar no campo da detecção precoce, controle e prevenção, destacando como enfrentar os desafios das doenças crônicas em ambientes de fortes restrições econômicas, como a crise pós 2008 enfrentada pelos países do Caribe e dando soluções para políticas sustentáveis no futuro.

A conclusão do livro, escrita pelo ex-Diretor da OPAS, Dr. George Alleyne, mostra que o impacto das doenças não transmissíveis deve ser melhor compreendido para ser enfrentado pelos governos da Região, especialmente no que tange às suas consequências negativas para as sociedades. Por este motivo, o  impacto das doenças crônicas é reconhecido nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuados pelos países em Assembléia das Nações Unidas de 2015, os quais incluem como meta a redução de um terço da mortalidade prematura por doenças não transmissíveis até 2030. O alcance desta meta vai exigir muita inovação na organização dos sistemas de saúde, além de esforços para reduzir a desigualdade e apoios de assistência técnica e financeira internacional.

Portanto, este novo volume da série do DCP3 oferece aos planejadores de saúde e tomadores de decisão informações relevantes sobre a importância da redução da carga de doenças crônicas no  desenvolvimento económico, abrindo as possibilidades para maiores investimentos na prevenção e controle destas doenças.

NOTAS






[i] Jamison, D.T, Mosley, W.H., Measham, A.R. & Bobadilla, J.L. (1993), “Disease Control Priorities in Developing Countries”, Ed. Oxford University Press and World Bank, Washington, DC, 1993.

 


[ii] Banco Mundial (1993), “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1993: Investindo em Saúde”, Ed. Banco Mundial, Washington DC, 1993.

 


[iii] O Seminário que se relaciona com esta consulta técnica se realizou na FIOCRUZ, Rio de Janeiro (RJ), entre 28 de Abril e 1º de Maio de 2003. O informe final deste seminário pode ser encontrado em Oxford Journals na página http://cid.oxfordjournals.org/content/38/6/871.full.

 


[iv] Jamison, D.T., Breman, J.G., Meashan, A.R., Alleyne, G., Claeson, M., Evans, D.B., Jha, P., Mills, A. & Musgrove, P. (2006), “Disease Control Priorities in Developing Countries – Second Edition”, Ed. The World Bank and Oxford University Press, Washington DC, 2006.

 


[v] Como economista de saúde fui convidado a colaborar no DCP2, sendo co-autor de três capítulos: Capítulo 10 (Gender Diferentials in Health), Capítulo 22 (Tropical Diseases Targeted for Elimination: Chagas Disease, Lymphatic Filariasis, Onchocerciasis and Leprosy) e Capítulo 23 (Tropical Diseases Lacking Adequate Control Measures: Dengue, Leishmaniasis and African Trypanosomiasis. 


 

[vi] Lopez, A.D., Mathers, C.D., Ezzati, M., Jamison, D.T & Murray, C.J.L. (2006), “Global Burden of Diseases and Risk Factors”, Ed. DCPP, The World Bank and Oxford University Press, 2006, Washington DC.

 


[vii] Para acessar os dados e referencias da produção do IHME consultar a página http://www.healthdata.org/gbd.

 


[viii] Consultar o site http://dcp-3.org/

 


[ix] Legetic, B. Medici, A., Hernandez-Ávila, M., Alleyne, G., Hennis, A. (2016), “Economic Dimensions of Noncommunicable Diseases in Latin America and the Caribbean”, Ed. DCP3 and PAHO, Washington (DC), June 2016.

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