Ano 10, No.78, Outubro 2016
André Medici
André Medici
Kaizô Beltrão
Introdução
Este artigo é a revisão de parte de um documento mais amplo escrito no ano de 2013 (Aspectos Demográficos e Socioeconômicos do Câncer no Brasil), que pode ser obtido no seguinte link:
A idéia deste artigo foi buscar evidências a partir dos dados das pesquisas domiciliares (1) de como a prevalência de câncer se comporta de acordo com o nível de renda das famílias, os grupos de idade e as características étnicas e raciais da população brasileira.
A prevalência de câncer, ao refletir os casos acumulados
existentes, é maior do que a indicência, dado que a última mede o número de novos casos
detectados no ano Os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADS) de 1998, 2003 e 2008 foram utilizados nesta análise.
Estes dados revelam, para o ano de 2008, uma taxa de prevalência de
câncer sensivelmente maior do que a incidência registrada nas Projeções do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para 2012. De
acordo com a PNAD, a prevalência chegaria a 453,3 por 100 mil para homens e
567,8 por 100 mil para as mulheres. Mas os dados mostram uma diferença de 81% e
118% acima das estimativas de incidência do INCA, para homens e
mulheres, em 2012, respectivamente.
A diferença entre estimativas e projeções de incidência do INCA, baseadas em registros administrativos, e os casos de prevalência levantados pelas PNADs pode ser explicada pelo fato de que: (a) a prevalência representa o estoque de casos existentes no ano da medição e a incidência o número de novos casos ocorridos no mesmo ano; (b) as estimativas do INCA se baseiam em dados do DATASUS e dos Registros de Mortalidade, que não são capazes de captar a totalidade dos casos, especialmente daqueles relacionados a pessoas que consultaram médicos mais não se registraram no SUS ou nos planos de saúde (para efeitos de morbidade), ou que ao morrerem, não tiveram registrado em sua declaração de óbito o cancer como causa de morte.
Já no caso das PNADS, a
informação poderá estar sujeita a flutuações amostrais
ou erros alheios a amostragem, dado que pesquisas por amostragem tem coeficientes de variação que aumentam de forma proporcional à redução do tamanho da amostra. Por este motivo, os dados aqui apresentados representam medias nacionais, dado que a amostra da PNAD não resistiria a análise dos dados a níveis mais desagregados, como Estados ou Municípios, onde o tamanho da amostra poderia fazer com que as estimativas não fossem estatisticamente confiáveis.
Prevalência de Câncer por Idade
Entre os dados investigados através da informação de morbidade referida da PNAD, foram analisadas três variáveis: a) a distribuição etária das estimativas de câncer; b) a prevalência de câncer por quintil de renda e c) a prevalência de câncer por cor-raça. A primeira questão importante a destacar é a evolução das taxas de prevalência de câncer no Brasil, de acordo com as PNADS, entre 1998 e 2008, como pode ser visto no Gráfico No. 1.
Entre 1998 e 2008, as taxas masculinas passaram de 224 para 456 por 100 mil habitantes, enquanto as
femininas, de 268 para 568, no mesmo período. Estes dados poderiam indicar que um acelerado processo de transição demográfica e epidemiológica no Brasil
influenciou o rápido crescimento na prevalência desta doença. Mas, como os
dados de morbidade referida se relacionam à percepção e informação do
indivíduo, esta rápida evolução também pode estar associada a um maior acesso dos
indivíduos a diagósticos, serviços de saúde ou a melhor informação sobre o seu
estado de saúde.
No que diz respeito a evolução do cancer por idade, os dados da PNAD 2008, de acordo com o Gráfico 2, revelam que as taxas de prevalência de câncer são crescentes para ambos os sexos, na medida em que avança a idade. No entanto, estas taxas, para ambos os sexos, avançam de forma similar até a idade de 25 anos. Entre os 25 e os 60 anos de idade, as taxas femininas de prevalência de câncer são bem superiores as masculinas, provavelmente em função da prevalência de câncer cervico-uterino e posteriormente de câncer de mama, os quais costumam ser mais frequentes entre mulheres, em geral ao final da menopausa mas antes do ingresso na terceira idade.
Já a partir dos 60 anos, a prevalência de câncer entre os homens passa a ser muito
maior do que entre as mulheres, dada a alta participação de câncer de prostata, específico para os homens,
e de pulmão, traquéia e brônquios e outros que incidem mais pesadamente entre o sexo masculino.
Prevalência de Câncer por Nivel de Renda
Outro indicador importante do câncer no Brasil é sua prevalência por nível de renda. Os gráficos 3 e 4 mostram a evolução da prevalência de câncer por quintil de renda nas PNADs 1998, 2003 e 2008. Verifica-se que esta prevalência tem aumentado ao longo dos anos, em todos os quintis de renda, tanto para homens como para mulheres.
Uma outra análise a ser realizada é a comparação das taxas padronizadas de
prevalência de câncer por idade, segundo o sexo e quintil de renda, considerando
a evolução do período 1998-2008, conforme pode ser visto no gráfico 5.
Os dados demonstram que em 1998, havia uma maior prevalência de câncer
feminino no primeiro quintil em relação aos quintis 2, 3 e 4, provavelmente
pela maior exposição das mulheres de menor renda ao câncer cérvico-uterino,
pela baixa frequência de processos de detecção precoce através de exames de citologia e pela falta
de tratamento de infecções cervicais. No entanto, a partir de 1998, o Ministério
da Saúde passou a fazer uma campanha agressiva para a realização de exames
papa-nicoulau através do SUS, o que pode ter ajudado a reverter esta tendência.
Entre 1998 de 2008, o crescimento da prevalência de câncer feminino passou a crescer
continuamente de acordo com os quintis de renda, refletindo a tendência natural ao
envelhecimento, dado que a esperança de vida é diretamente proporcional ao nível
de renda.
No que se refere ao câncer masculino, se pode dizer que em 1998, sua prevalência era maior no quintil 4 e se reduzia no quintil de renda mais elevada, tendência que se reverte em 2008, quando o aumento da prevalência passa a ser contínua de acordo ao nível de renda, provavelmente por estar associada também a uma maior expectativa de vida por nível de renda.
Os gráficos 6 e 7 mostram as curvas de Lorenz da prevalência de câncer padronizada por idade para os dois sexos para os anos 2003 e 2008.
Observa-se que em 1998, a prevalência de câncer aparenta ser mais concentrada do que em 2008, tanto para homens como para mulheres, dado que entre estes dois anos, a Curva de Lorenz se
deslocou na direção da reta de equidade plena que corta em 45% os dois eixos do Gráfico representative desta curva. Dado que entre estes dois anos também ocorreu uma melhora na
distribuição de renda, pode-se dizer que a maiores oportunidades trazidas por
uma renda melhor distribuida tiveram como contra-partida maiores riscos de
prevalência do câncer na população de menor renda, que ao viver mais e morrer menos por doenças transmissíveis ou causas maternas e peri-natais, poderia estar mais exposta aos fatores de risco associados ao câncer.
Mas, por outro lado, ao longo do tempo, com a melhoria da atenção básica, passa a ocorrer também uma maior probabilidade de diagnosticar precocemente o câncer em populações de mais baixa renda, contribuindo para reduzir o hiato de desconhecimento da doença entre os mais ricos e os mais pobres. Em outras palavras, mesmo com a padronização por idade, a evidência nas pesquisas domiciliares de que pobres declaram que tem menos câncer do que os mais ricos pode estar associada a falta de informação dos mais pobres sobre se tem ou não a doença, o que tende a se reduzir quando melhora a distribuição de renda e principalmente o acesso ao diagnóstico precoce através da atenção básica. Os dados sobre a realização de exames de diagnóstico de câncer por nível de renda poderiam contribuir para explicar melhor este tema. Mas o fato é que, na medida em que melhora o nivel de renda das pessoas e sua distribuição, o câncer deixa de apresentar-se nas estatísticas domiciliares como uma doença de ricos para ser prevalente de forma mais homogênea em toda a população.
Diferenças Étnico-Raciais Associadas ao Cancer
As diferenças étnico-raciais nas PNADS são pesquisadas através da
declaração de côr dos indivíduos. Neste sentido, pelo menos quatro grupos de
cor são pesquisados segundo esta declaração: brancos, pretos, pardos e
amarelos. Os dados de incidência de câncer de acôrdo com estas características podem
ser vistos no gráfico 8.
Os dados relevam que a prevalência de câncer é maior
para as mulheres do que para os homens em todos os agrupamentos por côr. As prevalências entre brancos e amarelos são próximas e muito maiores
(quase o dobro) das prevalências entre pardos e negros. Como
brancos e amarelos, em função de seu nivel de renda, tem uma cobertura de
assistência médica maior que negros e pardos, é possível que estes últimos não
tenham as mesmas chances que os brancos
e amarelos de contar com um diagnóstico precoce quando são portadores de câncer.
Portanto, estes dados
podem estar relevando, além das diferenças entre a estrutura etária e os níveis de renda
dos distintos grupos populacionais segundo a cor (1), diferenças quanto ao acesso aos serviços e o auto-conhecimento do seus respectivos estados de saúde. Passaremos a analisar, portanto, como evolui a prevalência de câncer
segundo a côr e idade. Os gráficos 9 e 10 mostram essa evolução do câncer por idade para brancos,
pretos e pardos (2).
No caso dos homens, verifica-se que a prevalência de câncer é maior para os
brancos em todos os grupos etários, demonstrando que o câncer, neste caso se
associa mais com a idade.
No caso das mulheres, o comportamento é um pouco diferente dado que,
entre as idades de 5 a 35 anos, a prevalência de câncer entre as mulheres que
se declaram pretas é maior do que entre as mulheres brancas e pardas, indicando
que alguns tipos de cancer, associados à pobreza e que aparecem em idades mais jovens, como o câncer cérvico uterino, são mais prevalentes entre as mulheres
negras.
Análise Combinada da Incidência de Câncer por Renda e Idade
Vejamos agora como se configura a prevalência do câncer no Brasil, segundo os quintis de renda e a idade para homens e mulheres.
Comecemos pela análise das taxas masculinas. Pode-se dizer que não
existe muita variação na prevalência nas idades mais jovens, embora se possa
notar uma preponderância da prevalência no quintil 2, entre as idades de 5-9
anos e 25-34 anos. Mas é entre as idades de 60-65 anos que a prevalência de câncer do
quintil mais pobre atinge seu ponto mais elevado. Dada a falta de tratamento, a esperança de vida da população neste quintil de renda é mais baixa e a
incidência começa a declinar a partir desta idade, devido à redução desproporcionalmente maior do tamanho da população neste quintil de renda, na medida em que avança a idade. Por ter uma sobrevivência maior, as taxas de prevalência passam a ser mais elevadas no quintil mais rico a partir dos 70
anos de idade.
No caso das taxas femininas de câncer por idade e quintil de renda, os dados são mais difíceis de
interpretar, mas também se observa a hegemonia da prevalência dos quintis mais ricos (4º e 5º) nas idades
acima de 60 anos, com alguns picos de variação nos demais quintis em idades,
como é o caso do primeiro quintil.
Os dados da amostra da PNAD 2008 podem não
ser muito sensíveis para alguns dos níveis de desagregação utilizados, como o
cruzamento de prevalencias de câncer para idades e quintis de renda, mas de
alguma forma, uma análise agregada permite mostrar a tendência geral de que as
taxas de prevalência de câncer tendem a ser maiores para os grupos de renda mais
elevada porque estes sobrevivem ao câncer e a outras doenças em idades mais avançadas do que os mais pobres, mas também porque os mais pobres tem menos informação e acesso ao diagnostico para responder positivamente quando perguntados se são portadores de câncer.
[1] Segundo a PNAD 2008, a renda
média entre os negros era de R$383,40 e R$583,30, enquanto que a dos brancos
era de R$742,10 e R$1181,10 para homens e mulheres, respectivamente. Portanto a
renda dos brancos era quase o dobro da dos negros
[2] Os dados relacionados as pessoas que se declaram como
amarelos não foram incorporados em função da baixa representatividade das
estimativas para este grupo de raça-cor por idade.
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