Ano 10, No. 79, Outubro 2016
André Cezar Medici
Introdução
Todos sabem que nos últimos anos o governo brasileiro
conduziu uma política macroeconômica sem limites para o crescimento do gasto e
controle do endividamento público. As autoridades econômicas
promoveram um crescimento desmesurado da relação entre a dívida pública e o
Produto Interno Bruto (PIB). Entre 2013 e 2016 essa relação passou de 50% para
quase 70%[i].
Tal fato (entre outros) gerou, a partir de 2014, uma profunda recessão –
irreversível no curto prazo – levando o país a amargurar, entre 2014 e 2016,
uma redução da renda percapita nacional de quase 10% e taxas de desemprego e
subemprego inéditas na história das estatísticas nacionais.
Uma vez afastada do poder a gestão que levou o
país a este caos, o Governo de Michel Temer, ao assumir a Presidência da República, tem o
desafio de reverter a trajetória da dívida pública para que o Estado reequilibre
as contas fiscais, reduza a dívida interna a proporções administráveis, retome
a trajetória de crescimento econômico, estimule os investimentos necessários em
infra-estrutura não realizados desde 2003 e lance as bases de longo prazo para
uma real estratégia de desenvolvimento com eqüidade.
Como primeiro passo para enfrentar este desafio,
a política econômica do novo governo
busca estabelecer um compromisso de longo prazo dos distintos órgãos
governamentais com o controle do gasto público: (i) eliminando despesas
desnecessárias; (ii) realizando reformas que deveriam ter sido feitas ha pelo
menos duas décadas, como a da Previdência Social, para assegurar sua
sustentabilidade à longo prazo, e (iii) valorizando políticas públicas que
foram relegadas a um plano inferior, como saúde e educação, dado que foram conduzidas
de forma ineficiente, especialmente nos últimos cinco anos.
Para cumprir parte desta agenda, o Executivo
encaminhou ao Congresso, a proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que institui no âmbito de todos os Poderes da
União e órgãos federais com autonomia administrativa e financeira que integram os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, o Novo Regime Fiscal, que vigorará
por vinte anos.
O objetivo da PEC 241, segundo a exposição de
motivos do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, é mudar os “rumos nas contas públicas, para que o País
consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na
sustentabilidade dos gastos e da dívida pública. É importante destacar que,
dado o quadro agudo de desequilíbrio fiscal, esse instrumento é essencial para
recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e
empregos”.
A PEC 241 altera as disposições transitórias da
Constituição de 1988, introduzindo cinco novos artigos (101 a 105) com medidas
destinadas a: (i) estabelecer limites para as despesas individualizadas de cada
um dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e dos órgãos
autônomos, como autarquias, fundações e empresas estatais; (ii) definir um
mecanismo para calcular os limites das despesas, considerando, como base de
cálculo para o orçamento de 2017, a despesa primária destes órgãos em 2016,
corrigida pelo IPCA[ii]
do IBGE e, para os anos seguintes, o
valor de 2017 corrigido anualmente pelo IPCA; (iii) estabelecer exclusões aos
limites estabelecidos de gastos e sanções para os orgãos que não cumprirem estes limites; (iv) introduzir maior
flexibilidade na definição dos gastos que já tinham mecanismos legais de reajuste
e crescimento no orçamento, a partir de outra emendas constitucionais, como nos caso da
saúde e educação e; (v) criar mecanismos para a proteção à curto prazo de
alguns destes gastos, antecipando, no caso da saúde, para 2017, recursos
adicionais provenientes da alíquota de 15% da Receita de Contribuição Líquida
(RCL) que somente estaria em vigor em 2020, modificando com isso a PEC 86 de
2015 e garantindo ao setor saúde no Orçamento Fiscal de 2017 recursos adicionais
estimados em US$10 bilhões.
Com base nesta discussão, o blog monitor de
saúde fará um conjunto de postagens dedicadas a avaliar os possíveis efeitos da
PEC 241 no comprometimento dos gastos públicos com saúde no país, buscando
discutir que outros aspectos poderiam ser complementares a este processo.
A primeira destas
postagens, tem o
objetivo de discutir a magnitude do gasto público em saúde no Brasil, comparando-o
com a média dos países da América Latina e do Caribe e com outros países da
região com desenvolvimento similar. Muitos tem defendido que a comparação
válida para o Brasil, em relação ao quanto se deve gastar com saúde, deveria
ser feita com países desenvolvidos (como a França, Alemanha ou Reino Unido) que
tem sistemas universais de saúde. No entanto, estes países tem renda
percapita mais de quatro vezes superior a brasileira, o que torna a comparação
totalmente carente de sentido. Qualquer comparação deveria ser feita com nossos
vizinhos latino-americanos que tem condições socio-econômicas e renda similares.
O Gasto Público
Per-capita
Existe praticamente um consenso de que o gasto público
com saúde no Brasil é baixo. Por este motivo há um compromisso político
histórico, expresso na Constituição de 1988, para que este gasto aumente e seja
compatível com os princípios emarcados na carta magna. Mas independentemente
disso, tem faltado uma discussão sobre qual
seria o nivel de gasto necessário. Muitos países latino-americanos que também
incorporaram o tema da cobertura universal de saúde como direito, passam pela
mesma discussão e tem se esforçado para cumprir compromissos em aumentar o gasto
público com saúde.
Para dar um sentido mais quantitivo a esta
discussão, buscamos alguns indicadores de como tem evoluido o gasto público em
saúde no Brasil, comparado com a média latino-americana e com países de nivel
de desenvolvimento similar ao Brasil, utilizando um critério que permite
comparar, em termos reais, o gastos em saúde de distintos países – a
paridade do poder de compra (PPC)[iii].
Se utilizou para isso a base de dados de indicadores do Banco Mundial (World
Development Indicators) que permite estimar, por um critério conceitualmente
homogêneo, a magnitude dos gastos públicos em saúde[iv].
Os dados recentes mostram que o gasto público
em saúde no Brasil é maior do que a média dos países latino-americanos, mas
menor do que a de muitos países da Região com nivel de desenvolvimento similar.
Em 2014, o gasto público per capita em saúde no Brasil era estimado em US$606,36,
comparado com uma média de US$569,12 para os países da América Latina e Caribe
no mesmo ano[v]. Mas
comparando-se este gasto com o de seis países de maior desenvolvimento da
Região (Argentina, Chile, Costa Rica, Colômbia, México e Uruguai) o gasto
público per capita em saúde no Brasil em 2014 somente era maior do que no
México (US$ 581,19) sendo inferior ao dos demais países. O maior gasto público
per capita em saúde, entre estes países, no ano de 2014 era o do Uruguay, seguido da Costa Rica, do
Chile e da Colômbia.
Mas quais esforços o governo brasileiro, entre
2004 e 2014, realizou para impulsionar o crescimento do gasto público percapita
em saúde tendo em vista alcançar os compromissos constitucionais? Os dados, numa análise
comparativa com outros países, revelam que houve pouco esforço. Em que pese sua
retórica de compromisso com as políticas sociais e de saúde, além do
crescimento econômico favorável do país até antes da crise de 2008 (empurrada
pela valorização dos preços das comodities),
o governo liderado pelo PT demonstrou muito pouco apoio ao crescimento do gasto
em saúde, comparado com nossos vizinhos latino-americanos. Como pode ser visto
na tabela 1, depois da Argentina e do Uruguai, o Brasil foi o país que
apresentou o menor crescimento do gasto público per capita em saúde no período
2004-2014. Nosso crescimento foi de apenas 76%, comparado com a média de 91,4%
nos países da América Latina e do Caribe.
Tabela 1 – Gastos Públicos Per
Capita em Saúde
na América Latina e em Sete Países
da Região: 2004-2014 (Em US$ PPC de 2011)
ANOS
|
ALC
|
BRASIL
|
ARGENTINA
|
CHILE
|
COLOMBIA
|
C. RICA
|
MEXICO
|
URUGUAI
|
2004
|
297,29
|
343,80
|
404,49
|
310,06
|
315,62
|
504,89
|
309,50
|
759,55
|
2005
|
331,27
|
373,29
|
477,05
|
323,54
|
355,94
|
526,27
|
324,91
|
816,71
|
2006
|
358,03
|
402,63
|
535,61
|
391,81
|
406,21
|
575,59
|
347,77
|
897,35
|
2007
|
396,72
|
428,50
|
627,27
|
445,38
|
440,87
|
680,23
|
375,98
|
619,90
|
2008
|
425,81
|
474,57
|
725,70
|
482,33
|
470,20
|
751,76
|
409,43
|
778,80
|
2009
|
480,15
|
502,73
|
887,93
|
562,18
|
528,11
|
830,31
|
448,64
|
823,41
|
2010
|
484,68
|
534,55
|
817,15
|
601,87
|
531,17
|
879,19
|
472,81
|
899,67
|
2011
|
507,32
|
542,33
|
780,59
|
676,90
|
576,74
|
934,80
|
504,93
|
987,88
|
2012
|
513,57
|
557,00
|
667,39
|
738,60
|
635,96
|
968,00
|
535,22
|
1115,65
|
2013
|
547,71
|
601,68
|
643,62
|
801,81
|
663,70
|
992,39
|
553,25
|
1212,18
|
2014
|
569,12
|
606,36
|
630,03
|
865,93
|
722,38
|
1010,05
|
581,19
|
1276,03
|
Cresc.
%
2004-14
|
91,4%
|
76,4%
|
55,8%
|
179,3%
|
128,9%
|
100,0%
|
87.9%
|
68.0%
|
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators Database. Pagina
web acessado em 16-10-2016.
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators Database. Pagina web acessado em 16-10-2016.
Entre os países considerados, aqueles aonde o
gasto público percapita em saúde mais cresceu foram Chile, Colombia e Costa Rica, os quais
também estavam comprometidos com o alcance da cobertura universal de saúde. Mas diferentemente do
Brasil, nestes países a população não foi anestesiada pelo canto de sereia do
populismo e o setor público teve menos exposição aos temas de corrupção no
manejo do orçamento e dos investimentos estatais (comparados com o que
aconteceu em países como a Argentina e o Brasil) dando margem e suporte
político para um crescimento mais elevado do gasto público em saúde.
O gráfico acima mostra claramente que o gasto
público per capita em saúde no Brasil, ao longo, do período 2004 e 2014 cresceu
lentamente mais de forma contínua, passando de US$ 343 para US$ 606, em termos
reais. Mas ficou embaralhado, em termos de sua magnitude, com o da média
regional dos países da América Latina e Caribe (ALC) e com o do México. Países que tinham gastos
públicos per capita com saúde similares ao do Brasil em 2004, como o Chile e a
Colombia, se distanciaram ao final do período (2014) apresentando valores mais
altos.
No Chile, o crescimento do gasto público com saúde se
associa a implantação do Plano AUGE (Atenção Universal com Garantias
Explícitas), que propiciou o acesso universal a uma lista de procedimentos de
maior custo e complexidade não acessíveis em todas as partes do país. No caso da Colombia, as manifestações sociais
contra os diferenciais existentes entre as coberturas do regime contributivo e do regime
subsidiado, expressas no enorme crescimento das tutelas de saúde (reclamações
de cidadãos solicitando cobertura de saúde nas cortes menores e na Corte
Constitucional do país), levaram a um maior comprometimento do gasto público em
reduzir a brecha de cobertura de saúde, aumentando, o acesso dos mais pobres.
A Argentina, por sua vez, mesmo partindo em
2004 de um patamar um pouco mais alto que o do Brasil,
teve um crescimento do gasto público percapita em saúde bastante elevado até
2009, chegando neste ano a deter o maior valor deste indicador entr os países do
grupo. Mas o país foi atropelado pela crise econômica internacional e pela política
macroeconômica populista de Cristina Kirshner nos anos posteriores. Como
resultado, entre 2009 e 2014, o gasto público per capita em saúde no país
regrediu 29% em termos reais. Em 2014, o gasto argentino se situava em
patamares similares ao do Brasil, México e à média da ALC.
Costa Rica manteve bem acima do Brasil e da média da ALC sua trajetória de
crescimento do gasto público per capita em saúde, entre 2004 e 2014, buscando mais eficiência através de reformas que
aumentaram o peso da atenção primária e dos programas de promoção e prevenção.
Seu gasto publico com saúde manteve-se quase sempre na segunda melhor posição do grupo.
Por fim, o gasto per capita em saúde no Uruguai
foi influenciado pela crise econômica do início da década passada (considerando
seus impactos na redução das afiliações do antigo sistema de instituições de
assistência médica coletiva - IAMCs) e pela decisão do Governo em iniciar uma
reforma de saúde (realizada entre 2005 e 2009) que levasse o país à cobertura
universal. Com isso, embora o gasto público per capita em saúde tenha se
reduzido em 2007 (ano em que Costa Rica passou a liderar o grupo com o maior
crescimento deste indicador), o mesmo se recupera logo em seguida, sobre a base
de um setor público reformado. Com isso, o gasto público percapita em saúde no Uruguai
cresceu 106% entre 2007 e 2014, voltando a liderar o grupo dos países
considerados. Vale a pena ressaltar que o Uruguai tem a mais alta proporção de
adultos maiores de 65 anos entre os países latino-americanos, o que corrobora
para que apresente um elevado gasto per-capita em saúde.
O gasto público em
saúde como Porcentagem do PIB
Uma outra forma de observar o esforço de
crescimento do gasto público em saúde é toma-lo como proporção do PIB. Neste
caso, duas dimensões devem ser observadas: a) a magnitude do gasto público em saúde
como proporção do PIB em 2014 e b) o esforço de crescimento da relação gasto
público em saúde/PIB entre 2004 e 2014. O gráfico abaixo pode dar elementos
para essa discussão, na comparação do Brasil com a média dos países
latino-americanos e com países com desenvolvimento similar ao brasileiro.
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators
Database. Pagina web acessado em 16-10-2016.
Com relação a magnitude do gasto público com saúde como proporção
do PIB em 2014, se observa que o Brasil, com 3,8%
do PIB, tinha uma situação similar a média dos países da ALC que alcançou 3,7% do
PIB no mesmo ano. Neste sentido, o Brasil se encontrava num conjunto de países
onde o gasto público com saúde como proporção do PIB era equivalente à média regional,
onde se inclui o Chile (3,8%) e o México (3,2%).
Exemplos de países com gasto público em saúde
com proporções maiores do que a média regional em 2014 são Costa Rica (6,8%),
Uruguay (6,1%) e Colômbia (5,4%) - os dois primeiros com populações mais
envelhecidas do que a brasileira. Um exemplo de país onde o gasto público em
saúde como proporção do PIB é inferior à media regional é o da Argentina (2,6%)
cuja proporção se deteriorou, de acordo com os dados consultados, desde 2009.
No que se refere ao esforço de crescimento do
gasto público em saúde, se pode dizer que, em seu conjunto, a totalidade dos países
latino americanos se empenhou mais do que o Brasil. O crescimento dos gastos em
saúde como proporção do PIB, entre 2004 e 2014, na média da ALC, foi de 21%
comparado com 15% no caso do Brasil. Mas entre os países com maior
desenvolvimento regional, há que considerar que o Uruguai e a Argentina
tiveram reduções na participação do gasto público em saúde como porcentagem do PIB de
16% e 25%, respectivamente.
Paralelamente, todos os demais países do grupo – Costa
Rica, México, Colombia e Chile – tiveram uma melhor performance que o Brasil na
ampliação dos gastos públicos em saúde como proporção do PIB, com taxas de crescimento
de 20%, 21%, 33% e 46%, respectivamente.
De todos os modos, a relação entre gasto
público com saúde como proporção do PIB e seu crescimento, ainda que possa dar
uma noção da magnitude e do esforço, não é definitiva para analisar a situação
de cobertura e qualidade da atenção de saúde de um dado país. Gastos em saúde devem
ser avaliados tendo como pano de fundo a cobertura das necessidades de saúde e
de um determinado nível de qualidade associado a esta cobertura. Na medida em
que essas duas condições (cobertura e qualidade) são cumpridas, não haveria
necessidade de proporções mais elevadas.
No entanto, gastos de saúde podem ser
executados em condições sub-ótimas, incluindo ineficiências de gestão, na
alocação dos recursos vis-a-vis os procedimentos cobertos ou mesmo de forma
supérflua e desnecessária. Sendo assim, todos esses elementos devem ser levados
em conta quando se analisa a dimensão de um gasto em saúde e devem ser
considerados como pontos de partida antes de se dizer se um país gasta muito ou
pouco com saúde.
O gasto público como
proporção do gasto total em saúde
Outra forma adicional de analisar o gasto
público em saúde é considera-lo como parte do gasto total de saúde de um país.
Nesse particular, o Brasil, uma vez mais, se encontra em defasagem quando
comparado com outros países da Região. Em 2014 o gasto público em saúde no
Brasil representava 46% do gasto total, comparado com uma média de 51% para os
países da ALC.
Utilizando-se a comparação com os seis países
selecionados, também se verifica uma desvatagem da posição brasileira, como
pode se observar nos dois gráficos ao lado:
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators Database. Pagina web acessado em 16-10-2016.
Primeiramente, se observa que
o Brasil foi o único país entre os considerados, que entre 2004 e 2014 reduziu
a participação do gasto público em saúde sobre o gasto total em saúde, seguindo
tendência contrária ao que ocorreu nos países da América Latina e Caribe. Em
segundo lugar vale a pena destacar que em 2004, o Brasil ocupava a terceira
posição neste grupo entre os países com menor participação relativa do gasto
público no gasto total em saúde, mas em 2014 passou a ser o país com menor participação.
Mas da mesma forma que o
anterior, este argumento deve se relativizado. Muitos defendem que os gastos
públicos em saúde deveriam ser utilizados como forma de promover a eqüidade,
isto é, subsidiar total ou parcialmente aqueles que, em função de sua renda ou
dos altos custos associados a suas apólices de seguro saúde ou do valor dos
copagamentos, não teriam condições de ter seu tratamento financiado. Subsídios públicos aos que não podem pagar ocorrem no regime subsidiado da Colômbia e nos afiliados ao FONASA no Chile, ainda que ambos os sistemas são
sujeitos a imperfeiçoes.
No caso do Brasil, o que se
observa é que o gasto público em saúde é menos da metade do gasto total com saúde, mas o Governo tem, por
missão constitucional, financiar a saúde de todos – tanto dos que tem como dos
que não tem seguros privados de saúde ou condições de pagar por procedimentos,
exames, consultas e medicamentos através de seus recursos próprios. Isto acaba
criando uma situação de extrema ineqüidade, onde os que tem planos e seguros de
saúde contam com o SUS para exames e procedimentos mais complexos e os que só
tem o SUS não contam com ele para cobrir suas necessidades na extensão e qualidade
adequadas.
Portanto, sempre fica a
pergunta. Como melhor utilizar o gasto público em saúde no Brasil, num contexto
de garantia da cobertura universal, para melhorar a eqüidade do sistema e para
colocar os mais necessitados na frente das prioridades do Estado?
Gastos públicos em
saúde como parte dos gastos públicos totais
A última série de dados a analisar é a relação
entre gasto público em saúde e gasto público total Brasil, comparando-os com os seis
países que integram esta análise. E neste caso, os
dados apontam para a mesma tendência, como pode ser visualizado no gráfico
abaixo.
Fonte: Banco Mundial, World
Development Indicators Database. Pagina web acessado em 16-10-2016.
O Brasil tem a menor participação do
gasto público em saúde no gasto público total, entre o conjunto dos países
analisados, e embora tenha havido um suave crescimento dessa relação, ela
continua muito aquém da observada em outros países da Região. E isto não
acontece somente em relação a países latino-americanos, mas também no contexto
mundial, como pode ser observado no mapa elaborado pela Organização Mundial de
Saúde, que atribui diferentes cores aos países de acordo com a posição no ranking deste mesmo
indicador.
Como se pode observar, o Brasil se encontra na
segunda faixa de países com menor gastos em saúde como porcentagem dos gastos
totais do Governo (entre 5% e 8%). Em 2014 somente três países na América
Latina apareciam estar nesse contexto: Brasil, Argentina e Venezuela, o que é sintomático pelas perspectivas ideológicas comuns que os governos destes países comungavam. E ao nível
mundial, somente países com renda percapita bem mais baixa, alguns na África, outros na Ásia ou na Oceania, gastavam em saúde proporções similares do gasto público total.
Considerações
Me atrevo agora a fazer algumas considerações
sobre esta primeira postagem. A primeira é que fica evidente que os governos
petistas, apesar de todas as condições favoráveis que tiveram, jogaram pelo ralo a oportunidade de implementar uma política sustentável
de financiamento público da saúde e de por os recursos públicos desse setor a
serviço dos mais necessitados, deixando de realizar uma necessária integração regulatória
entre o SUS e a Saúde Suplementar. Numa inversão total de prioridades, os
gastos do orçamento público foram, ao longo do periodo 2004-2014, desviados para ações que, sequer eram compromissos
constitucionais, quanto mais ações que poderiam levar o país a uma melhor
distribuição de seus recursos.
A política de elevação do salário mínimo
deveria ter sido elaborada num contexto de reforma da previdência social que
evitasse que a indexação de benefícios, não trouxesse um total engessamento dos
gastos públicos e um crescimento do déficit
previdenciário. A reforma das aposentadorias e pensões do funcionalismo público
deveria ser feita no início, e não no apagar das luzes dos governos petistas,
quando os caudais que pressionam a divida pública já estavam formados. Todas
essas reformas, se realizadas no momento certo, abririam o caixa do governo
para um financiamento mais abrangente das políticas de saúde e educação para os mais
pobres.
Como decorrência, os gastos públicos em saúde
no Brasil permaneceram muito baixos e, mesmo sem uma análise geral de sua eficiência
(o que é ultra necessário antes que se tome qualquer decisão), estariam muito aquém
das necessidades para implantar uma cobertura universal de saúde.
Tomando em consideração o endividamento público
desmesurado dos últimos anos e a necessidade de que o país possa sair da crise,
é necessário que se façam medidas de contenção de gastos públicos para que
esses possam ser priorizados e reorientados, e a PEC241 poderá ser um dos
caminhos para resolver esse problema. Afinal de contas, sem retomar o
crescimento não serão gerados os recursos públicos para financiar políticas de
saúde sustentáveis e equitativas.
No entanto, talvez seja necessário examinar com
mais cuidado o que fazer para não colapsar e reduzir os gastos em saúde a médio e longo
prazo comprometendo as políticas de cobertura universal de saúde. E isto deve começar a ser pensado desde agora. Estes temas serão
desenvolvidos nas próximas postagens.
NOTAS
[i] Entre 2008 e 2015 o crescimento
das despesas públicas foi de 51% em termos reais, enquanto as receitas públicas
cresceram apenas 14,5% no mesmo período.
[iii] A paridade do poder de compra
(PPC) é um método para comparar o poder de compra entre vários países expressos
numa moeda comum (geralmente o dolar). A PPC procura medir o quanto uma determinada
moeda pode comprar em termos internacionais já que bens e serviços têm
diferentes preços de um país para outro. Dessa forma, este critério anula o
fato de que os preços relativos dos bens e serviços de saúde são
diferentes entre distintos países pois relaciona o poder aquisitivo da moeda com
o custo de vida do local.
[iv] Foram considerados como
gastos públicos em saúde, aqueles financiados com recursos fiscais das tres
esferas de Governo ou por contriuições sociais arrecadadas pelo setor público.
Neste sentido não são considerados gastos públicos, por exemplo, os planos de
saúde da ANS no Brasil, os gastos das ISAPRES no Chile ou ainda das Obras
Sociais na Argentina.
[v] Os dados são do Banco Mundial
(World Develpoment Indicators) e são expressos em dolares norte-americanos PPC
constantes de 2011.
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