segunda-feira, junho 01, 2020

Covid-19: Atualizando as Projeções Econômicas decorrentes da Pandemia


Ano 14, Número 107, Junho de 2020
André Cezar Medici

Introdução

Em 31 de Maio de 2020, após quase cinco meses do início da pandemia em Wuhan (China), o número global de casos registrados de Covid-19 já alcançava 6,2 milhões de pessoas, cifra ainda inferior a 0,1% da população mundial, mas que adicionava muito às estatisticas de mortalidade em curto espaço de tempo. Desde então, cerca de 373 mil pessoas perderam suas vidas segundo dados reportados oficialmente pelos países, mas os números reais de casos e mortes devem ser muito maiores do que os reportados, dada a dificuldade de testar a população assintomática ou registrar os que não aparecem nas unidades de saúde ao ter sintomas leves. Ao mesmo tempo, as mortes associadas ao crescimento significativo das infecções respiratórias em todos os países não tem sido testadas para o Covid-19, e com isso, não podem ser registradas como mortes associadas à pandemia[i].

O mais relevante é que em muitas partes do mundo – Asia, Europa e América do Norte – o número de casos diários e de mortes pelo Covid-10 está se reduzindo nas últimas semanas, levando países a buscar uma saída (planejada, com segurança ou não) do distanciamento social amplo ou do lock-down implementado pelos governos nacionais, regionais e locais, com o objetivo de facilitar o retorno à atividade econômica e a retomada do crescimento. Com isso, as projeções econômicas de como crescerá a economia começam a ser refeitas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou em fins de Abril de 2020 algumas projeções de como deverá se comportar a economia mundial neste e no próximo ano, que podem ser vistas na tabela 1, ao final desta postagem.

Com o progressivo deslocamento do eixo pandêmico, da China para a Europa (com ênfase na Itália e depois Espanha), posteriormente para os Estados Unidos e agora para a América Latina (com ênfase no Brasil), os impactos econômicos da crise pandêmica se alastram pelo mundo com efeitos diferenciados em curto espaço de tempo, tornando difícil prever, com uma boa margem de confiabilidade, como se comportará a economia mundial nas distintas regiões e países. Assim projeções econômicas como as do FMI e de outras instituições terão que ser refeitas praticamente a cada mês, para acompanhar os resultados e o comportamento dos efeitos econômicos da pandemia em tempo real.

Como pode ser visto no gráfico 1, a economia mundial já vinha se desacelerando entre 2018 e 2019 mas as estimativas mostram uma contração de -3,0% do PIB em 2020, com um subsequente retorno ao crescimento de 5,8% em 2021. Deve-se considerar que tais projeções se associam a um cenário-base otimista, onde não haveria um prolongamento da primeira onda da pandemia e não haveriam ondas pandêmicas subsequentes nos anos posteriores, dada a possível descoberta de uma vacina eficaz e acessível a todos, além de tratamentos igualmente eficazes para evitar os tenebrosos casos de internação por insuficiência respiratória e outras mazelas trazidas pelo Covid-19.

Segundo as projeções do FMI, o PIB das economias avançadas, com uma redução estimada em -6,1% se reduzirão mais do que a média da economia mundial em 2020, mas também se recuperariam em 2021 com um crescimento de 5,5%. As economias emergentes, as quais já vinham apresentando maior rítmo de crescimento em 2018 e 2019 teriam uma contração de apenas -1% do PIB em 2020, seguidas de um crescimento de quase 7% em 2021 e as economias de baixa renda reduziriam seu crescimento (ainda positivo) em 2020 para 0,4%, com um crescimento de quase 6% em 2021, sendo aparentemente menos afetadas pelos efeitos da pandemia.


A crise pandêmica e seus efeitos nas economias avançadas em 2020 e 2021

As estimativas de crescimento mostram que as economias avançadas são aquelas que serão mais fortemente impactadas pela pandemia em 2020 e crescerão menos em 2021, mas deve-se levar em conta que estas economias apresentam um crescimento demográfico sensivelmente menor do que as economias emergentes e, especialmente, do que as de baixa renda, o que faz com que o impacto negativo do crescimento populacional sobre o PIB per-capita dessas economias seja menor do que o que ocorrerá nas demais economias.

A pandemia tem levado boa parte dos governos nas economias avançadas a imporem lockdowns para intensificar o distanciamento social, mitigar a disseminação do vírus e salvar vidas. Para compensar perdas econômicas, os governos expandiram drasticamente os gastos públicos protegendo seus cidadãos e empresas das perdas econômicas em larga escala decorrentes da pandemia. Economias maduras, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão (ver gráfico 2), apresentam melhores condições para se endividar e gastar durante a crise, dado que existe a confiança de que seus bancos centrais poderão financiar crescentes exigências de empréstimos em larga escala e o estímulo à demanda permitirá que os negócios possam se reestabelecer. Como decorrência, os Estados Unidos deverão ter, segundo as projeções, um decréscimo no PIB menor do que a média das economias avançadas em 2020 (-5,9%) seguido de uma uma retomada igualmente mais tímida em 2021 (4,7%). Países como Japão, Reino Unido e Canadá teriam decréscimos em suas economias de -5,2%, -6,5% e -6,2% em 2020, respectivamente, com uma retomada do crescimento entre 3% e 4% no ano posterior.

Estados Unidos: Com cerca de 1,8 milhões de casos oficialmente registrados e quase 105 mil mortes em 31 de maio de 2020, os Estados Unidos é o número 1 no ranking da pandemia de Covid-19, e muito deste comportamento é atribuido a demora do governo norte-americano em tomar medidas necessárias para impedir o avanço, em tempo hábil, do grau de contaminação da população através de uma comunicação adequada sobre o risco pandêmico, testes da carga viral na população e medidas de distanciamento social de forma a achatar o crescimento da curva pandêmica. Estas medidas foram posteriormente tomadas por governos estaduais, com o apoio do governo federal, mas com graus e intensidades diferenciadas.  Com isso, o número de casos diários da doença vem se reduzindo desde 24 de abril quando alcançaram a incrível cifra de 34,2 mil por dia. Desde a segunda quinzena de maio, todos os estados norte-americanos passaram a reabrir progressivamente suas economias com estratégias diferenciadas e regras de conduta para o funcionamento dos negócios e circulação da população, de forma a permitir a retomada das atividades econômicas com o rigor necessário do distanciamento social seletivo.

Fonte: International Monetary Fund, World Economic Outlook: The Great Lockdown, April 2020

O governo norte-americano gastará mais de US$6 trilhões em estímulos fiscais a empresas e indivíduos com a crise pandêmica, incluindo os US$4 trilhões do Federal Reserve (Banco Central norte-americano) destinados a aumentar a liquidez da economia. Com isso se espera recuperar progressivamente o mercado de capitais que teve quedas récordes entre março e abril deste ano, mas já se recupera desde fins de abril de 2020. Foi a maior resposta aos efeitos econômicos da crise do Covid-19 em qualquer parte do mundo (cerca de 11% do PIB). Somente na área de saúde, o apoio do governo federal aos governos estaduais foi estimado em US$2,3 trilhões. No entanto, isto aumentará o défict público que, inicialmente estimado em 75% do PIB, foi reestimado para 105% do PIB norte-americano ao final de 2020.

A crise pandêmica, já tem tido um forte impacto nos níveis de desemprego e provavelmente continuará a ter no próximo ano. Em maio de 2020, o número total de pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos nas seis semanas anteriores havia alcançado 36 milhões de pessoas, representando quase 23% da força de trabalho no país.

Estima-se que as taxas de desemprego nos Estados Unidos (ver gráfico 3), mesmo com uma possível recuperação no segundo semestre de 2020, poderão crescer de 3,7%  a 10,9% entre 2019 e 2020, decrescendo para 9,1% em 2021, o que mostra que a crise pandêmica terá um grande impacto em elevar os níveis de desemprego que haviam se reduzido fortemente desde 2010 (9,6%) até 2019 (3,7%). Taxas de desemprego dessa magnitude poderão levar a uma redução dos afiliados a planos de saúde empresariais e individuais e a um aumento dos que dependem dos planos públicos de saúde voltados a pobreza, como o MEDICAID, além da redução da cobertura da população que, mesmo não estando abaixo da linha de pobreza, seria incapaz de adquirir um plano de saúde por estar desempregada ou ter uma substancial redução em seus níveis de renda. Isto provavelmente seria mitigado se não houvessem sido eliminadas as coberturas obrigatórias de planos de saúde regulamentadas durante o governo de Barak Obama, instituidas pelo Affordable Care Act (ACA).

Fonte: International Monetary Fund, World Economic Outlook: The Great Lockdown, April 2020

Japão:  Neste país, onde a pandemia teve até 31 de maio de 2020 somente 16,8 mil casos com 900 mortes (uma das melhores performances entre as economias avançadas), o governo tem investido pesadamente em medidas de distanciamento social e em programas compensatórios para empresas e indivíduos afetados economicamente pela pandemia. Além disso, grandes investimentos foram realizados em testes, equipamentos e hospitais de campanha, para gerar uma ótima resposta à pandemia em termos de salvar vidas (a taxa de letalidade do Covid-19 no Japão foi de apenas 5,1%, comparada com 5,9% nos Estados Unidos e 6,3% no Brasil, até o momento)[ii]. A resposta fiscal à crise pandêmica do Japão custará cerca de 20% do PIB, mas permitirá a economia japonesa retomar o crescimento em 2021 a uma taxa de 3%, considerada elevada para um país de demografia envelhecida e crescimento populacional negativo. No Japão, a crise pandêmica não terá um forte impacto nos níveis de desemprego os quais, ainda que cresçam de 2,4% para 3,0% entre 2019 e 2020, poderão alcançar niveis menores que os de 2019 em 2021, com taxas consideradas friccionais.  

No Reino Unido, o número de casos confirmados do Covid-19 chegou a quase 273 mil em 31 de maio e o número de mortes alcançou quase 38,4 mil na mesma data. Embora o Reino Unido tenha sido considerado por muitos um lider global na resposta a riscos de saúde, ficou demonstrado, na atual crise, que o país não teve um bom desempenho na resposta pandêmica e na gestão de seu sistema de saúde, apresentando uma das maiores taxa de letalidade por Covid-19 – cerca de 14%. Se pode inferir que a situação em que se encontra o Reino Unido foi a decorrência de três fatores: (a) uma resposta tardia às medidas de distanciamento social, acumulando riscos de rápido crescimento do número de casos nas primeiras semanas da pandemia[iii]; (b) a saída do  país da comunidade européia (Brexit), que gerou dificuldades para o governo mobilizar a compra de insumos (testes, equipamentos de proteção pessoal) e ventiladores mecânicos no mercado comum europeu, em tempo hábil para enfrentar a pandemia, e; (c) a lenta resposta do sistema de saúde inglês ao tratamento dos casos graves. O National Health Service (NHS), sendo um sistema público financiado diretamente por impostos, não se utiliza de reservas de contribuições para enfrentar necessidades inesperadas de saúde em momentos de crise, o que não ocorre em sistemas de saúde baseados em seguros sociais públicos ou privados (como a Alemanha e Holanda), os quais tem mais autonomia para realizar investimentos com suas reservas ou endividar-se em momentos de crise. Ainda se deve mencionar que, como um sistema público, a burocracia do NHS move-se lentamente para mobilizar e lograr recursos extra-orçamentários e realizar investimentos rápidos para a resposta pandêmica[iv]. Mas, com a redução do número de casos em fins de Maio de 2020 o governo já inicia a reabertura de suas atividades econômicas suspendendo as medidas de lockdown para o mês de junho.

No plano das medidas de suporte econômico, o governo inglês reduziu a taxa de juros aos níveis mais baixos da história. O Banco Central lançou 200 bilhões de libras exterlinas em títulos para aumentar a liquidez da economia e o governo reduziu impostos em 30 bilhões de libras para aumentar a capacidade de consumo das familias e a sobrevivência dos pequenos negócios. Além de facilitar empréstimos sem juros para pequenos negócios durante 12 meses, o governo está pagando salários para mais de 6 milhões de trabalhadores  por um período inicial de 3 meses, que poderá ser prolongado.

Na zona do euro a situação parece igualmente complicada. Países como Itália e Espanha, que tiveram, depois do Reino Unido, o maior número de casos, além de elevadas taxas de letalidade por Covid-19 na Europa, terão que se endividar pesadamente para compensar a perda de receita fiscal com o colapso da atividade econômica. Não podem imprimir seu próprio dinheiro por fazer parte da zona do euro. O Banco Central Europeu tentou aliviar a situação, comprometendo-se a realizar compras maciças de títulos dos governos dos estados membros para injetar liquidez nos mercados. Essas medidas ajudaram, mas não resolveram o problema de como financiar despesas adicionais sem criar riscos associados a novos créditos.  Assim,  se estima que os países na Zona do Euro terão um decréscimo do PIB de -7,5% em 2020 e uma retomada em 2021 de 4,7%. A pior situação de decréscimo da economia em 2020 poderá ocorrer na Itália (-9,1%) e na Espanha (-8,0%), com retornos ao crescimento em 2021 que serão insuficientes para compensar as perdas do ano anterior. Alemanha e França terão reduções menores do PIB em 2020 (-7,0% e -7,2%) associadas a maiores recuperações em 2021.

Os impactos do desemprego trazido pela crise econômica decorrente da pandemia serão elevados na UE, passando de 7.6% para 10.4% entre 2019 e 2020 e retornando a um menor patamar (8.9%) em 2021. Mas há que se destacar que na Alemanha, onde a crise pandêmica foi melhor administrada desde o início, as taxas de desemprego trazidas pela crise se manterão em patamares muito baixos - inferiores a 4% em 2020 e 2021 (ver gráfico 4). Na França e na Espanha as taxas de desemprego aumentarão entre 2019 e 2020 e permanecerão elevadas em 2021, em patamares de dois dígitos, sendo que na Espanha quase um quinto da população ativa estará desempregada ao final de 2020 e deverá permanecer em patamares próximos em 2021. Na Itália, onde o desemprego atualmente já se encontra em dois dígitos, dado o fraco crescimento nos últimos anos, a economia simplesmente retomará em 2021 os níveis de desemprego alcançados em 2019.

Fonte: International Monetary Fund, World Economic Outlook: The Great Lockdown, April 2020

Embora o presidente francês Emmanuel Macron tenha solicitado à comunidade européia comprometer empréstimos de até um trilhão de euros para a recuperação da crise pós-pandêmica nos próximos dois anos, a chanceler alemã Angela Merkel concordou com um compromisso de 500 bilhões de euros, o que já foi um avanço em relação a posições anteriores da Alemanha e outros países do norte da Europa, que relutavam em apoiar um federalismo fiscal europeu, tal qual ocorre entre os 50 estados norte-americanos, pelo medo de transferir recursos de países ricos e fiscalmente mais responsáveis a países do sul, perpetuamente endividados e mais pobres. Com o aval da Alemanha, a União Européia (UE) foi autorizada a emitir títulos a serem financiados ao longo do tempo por contribuições dos estados membros ao orçamento da UE. O Banco Central Europeu, em fins de maio de 2020, propôs que esse apoio será de 750 bilhões de euros. O dinheiro será concedido - não emprestado -  permitindo aos estados membros experimentar estímulos fiscais sem o aumento de suas dívidas nacionais. É uma medida assimétrica, na medida em que os países mais ricos do bloco terão maiores custos, mas os efeitos sinérgicos positivos podem ser alcançados por um reaquecimento conjunto das economias nacionais e de investimentos cruzados dos capitais que circulam por estes países, gerando, emprego e renda em todos eles.

A maioria dos países da UE já passa por uma fase de retomada da economia, com uma forte redução diária do número de casos, mas muitos aplicam, ainda que de forma diferenciada, medidas de distanciamento social seletivo após períodos de lock-down ou distanciamento social amplo. Muitos governos da UE admitem que tais medidas poderiam ser revertidas se os números de novos casos diários volte a crescer. Assim, Itália e Espanha já planejam o retorno das atividades de turismo no próximo verão, com a perspectiva de acelerar o aquecimento de suas economias no segundo semestre, mas com as medidas de proteção e controle social aprendidas durante a pandemia.

A Crise Pandêmica e seus Efeitos nos BRICS[v]

Os BRICS são considerados os gigantes entre os países emergentes. Embora em sua origem, tenham sido referenciados como um conjunto de países homogêneos em termos dos resultados de suas estratégias de desenvolvimento, dado que todos cresciam a taxas similares na metade da década passada, este movimento parece ser sido rompido, dado que China e Índia – ambos com mais de 1 bilhão de habitantes - tem tido uma performance econômica muito superior a dos outros três membros -Brasil, Rússia e África do Sul – nos últimos anos.

O gráfico 5 mostra as taxas de crescimento do PIB para os cinco países que compõe o grupo. Observa-se que nos dois anos pré-pandêmicos (2018-2019), o crescimento do PIB do grupo China e Índia (CI) foi muito superior ao do grupo Brasil, Rússia e África do Sul (BRS). Esta performance não somente se relaciona a estratégias diferenciadas de crescimento, mas também aos níveis de eficiência dos espaços público e privado. No caso dos CI, observou-se altos níveis de investimento em tecnologia, ganhos elevados de produtividade e vantagens competitivas na exportação de produtos industriais, com grande flexibilidade econômica, incentivos públicos ao empreendedorismo, baixos custos laborais e facilidades para a criação de start-ups e novos negócios. Enquanto isso, os BRS perderam-se em governos relativamente desfuncionais, com elevadas cargas tributárias[vi], baixa produtividade de suas economias, altos custos de produção e altos níveis de conflitividade laboral.


China: Sendo a segunda maior e economia mundial, a China foi a primeira nação a ser afetada pelo Covid-19 e, apesar de críticas internacionais a respeito de falta de transparência sobre a origem da contaminação perlo virus e de dúvidas quanto a veracidade no número de casos reportados, há um consenso de que o país, ainda que não estivesse preparado para enfrentar a pandemia em Wuhan, conseguiu retomar o controle da situação e dar respostas positivas no combate ao virus nas primeiras semanas, administrando adequadamente, através de um intenso lockdown en Wuhan e outras cidades, a saída da crise pandêmica. Os primeiros casos de Covid-19 em Wuhan ocorreram em fins de dezembro de 2019 e as primeiras mortes já em janeiro de 2020. Mas em 31 de maio de 2020, a China registrava 83 mil casos de Covid 19 e um número de mortes de apenas 4,6 mil. O número de casos novos neste dia (todos importados) foi de apenas 4 e nenhuma morte foi registrada.

Dado que a China foi o epicentro da crise pandêmica desde janeiro até março, o PIB da China no primeiro trimestre de 2020 caiu 7% em relação ao mesmo periodo do ano anterior, sendo a primeira contração econômica do país em cerca de 40 anos.  Mas diferentemente do que ocorreu na crise financeira de 2008, quando a China gastou mais de US$500 bilhões para manter a estabilidade de sua economia, a saída econômica da atual crise tem sido mais modesta. O banco central chinês reduziu as reservas compulsórias e as taxas de juros, permitindo aos bancos comerciais emprestar mais de US$ 80 bilhões a empresas em dificuldades. O governo acredita na capacidade de resiliência das empresas nacionais e medidas colaterais de estímulos de grandes proporções como as que ocorreram nos Estados Unidos e Europa parecem não estar previstas. As projeções do FMI revelam um crescimento de apenas 1.2% do PIB chinês em 2020, seguido de uma retomada do crescimento com uma elevada taxa compensatória em 2021 de 9,2%. Neste cenário otimista, as estimativas mostram que as taxas de desemprego na China (ver gráfico 6) poderão crescer de 3,6% em 2019 para 4,3% em 2020, retornando em 2021 para patamares menores (3,8%).
Fonte: International Monetary Fund, World Economic Outlook: The Great Lockdown, April 2020

Índia: O caso da Índia parece ser mais emblemático, dado que o país ingressou tardiamente na crise pandêmica e tem problemas na confiabilidade no número de casos e de mortes registrados. Em 31 de maio de 2020, o número de casos de Covid-19 na India alcançou 191,6 mil e o número de novos casos diários está em ascenção, alcançando 10,4 mil. O número de mortes, que ainda é relativamente baixo, chegou, na mesma data, a 5,4 mil, mas as mortes diárias também estão em ascenção.

O governo extendeu até fins de maio de 2020 o maior lockdown global, afetando 1,3 bilhões de pessoas, mas as condições necessárias para sua implementação são precárias. As principais cidades afetadas são Mumbai (centro financeiro) e a capital Nova Delhi, além dos estados de Tamil Nadu e Gujarat. Mas em todas estas áreas se mantém a determinação de fechamento de escolas, templos religiosos, shopping centers, cinemas e academias de ginástica, estando proibidos vôos internacionais e domésticos. Em muitas das principais áreas afetadas, os hospitais já se encontram limitados em sua capacidade de prover leitos de UTI e ventiladores mecânicos para atender os novos casos. Em 12 de maio, uma semana após o lockdown, o primeiro-ministro Modi anunciou 20 trilhões de rúpias (US $ 266 bilhões) em medidas fiscais e monetárias para apoiar a economia a sobreviver durante o período de lockdown.

Mas as condições necessárias para a implementação do grande lockdown na Índia são precárias, dada a enorme informalidade laboral e a insuficiência de recursos públicos para ampliar as medidas de proteção da atividade econômica e dos empregos. Com isso, muitas regiões começaram a flexilizar o lockdown, autorizando a abertura de atividades econômicas. Em Nova Delhi, o governo já havia suspendido as restrições para o transporte de passageiros a fim de liberar o fluxo de pessoas que se dirigem para o trabalho. Assim, estando ainda na fase ascendente do ciclo pandêmico e tendo limitações laborais e fiscais para manter a efetividade do lockdown, nada impediria que os casos de Covid-19 na Índia continuem crescendo em rítmo acelerado, e que o país possa vir a ser o futuro epicentro da pandemia como ocorreu no caso da Gripe Espanhola em 1918-19, relatado em postagem anterior deste blog[vii].

Respeitadas as condições utilizadas na construção das projeções do FMI, o crescimento do PIB da Índia em 2020 seria de quase 2%, o que representaria uma redução em relação a 2019 onde alcançou 4,2% (menos do que a média histórica dos últimos anos). Mas em 2021 retomaria o patamar de 7,4%. Resta saber se um prolongamento da pandemia em 2020 ou uma eventual segunda onda da mesma em 2021 não poriam por terra estas projeções otimistas.

O Brasil se tornou, em fins de maio de 2020, o novo epicentro da pandemia do Covid-19. Em 31 de maio de 2020, o país detinha o segundo maior número global de casos (514,9 mil) mas era o primeiro em número diário de novos casos (33,2 mil no dia 30 de maio), comparado aos Estados Unidos que detém a primeira posição no número total, mas aonde o número de novos casos registrados neste dia foi substanciamente menor (21,9 mil). Considerando que a curva brasileira ainda está em ascenção, tendo seu pico estimado para fins de junho ou início de julho, é muito provável que o número total de casos no Brasil possa ultrapassar o registrado nos Estados Unidos ao longo da trajetória da pandemia.

Vários problemas estão associados ao forte crescimento da curva pandêmica no Brasil, a começar pelo descaso do governo em realizar medidas de emergência para conter a pandemia ao seu início, a falta de testes para a verificar as características da população contaminada e tomar medidas de distanciamento social seletivo quando necessário e o forte atraso no estabelecimento de medidas de distanciamento social amplo ou lockdown nas primeiras semanas da pandemia. O desentendimento entre a posição do presidente e outras autoridades públicas levou à saída de dois ministros da saúde no meio da crise pandêmica por tentarem comunicar adequadamente a população sobre as medidas de distanciamento social necessárias e proporem estratégias para a saída planejada da crise pandêmica. Por determinação judicial, os estados e municípios assumiram a liderança na condução de suas estratégias de distanciamento social, o que melhorou o nível de controle da contaminação, mas criou uma miríade de situações no país (algumas adequadas outras não), num momento em que as taxas de expansão da pandemia já cresciam exponencialmente.

No momento em que o país passa a ser o epicentro mundial, vários problemas prejudicam a gestão da pandemia, destacando-se o esgotamento da capacidade de atendimento dos hospitais em alguns dos principais estados e capitais, como Rio de Janeiro, Manaus, Fortaleza e Recife. Entre os principais problemas que levam o país a não reduzir as taxas de incidência do Covid-19 destacam-se: (a) a lentidão dos processos de expansão da rede emergencial de atendimento aos casos graves da doença, através da construção de hospitais de campanha; (b) a falta de ventiladores mecânicos e equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, levando-os a um risco desproporcional e mortalidade elevada pela contaminação do Covid-19; (c) a corrupção e a prática de preços muito acima do mercado, ou o recebimento de artefatos de baixa qualidade e que não funcionam após a compra pública de equipamentos médico-hospitalres dispensados de licitação em várias das regiões do país; (d) o grande número de mortes não classificadas adequadamente ou em verificação pela falta de testes, e; (e) o baixo nível de adesão da população às estratégias de distanciamento social em função das mensagens contraditórias emitidas por vários níveis de governo e fake news transmitidas por redes sociais de corte ideológico que politizam o tema da pandemia, só para citar alguns exemplos.

Desde abril deste ano, o governo brasileiro tem se empenhado em lançar, através do Ministério da Economia, medidas destinadas a mitigar os impactos econômicos da Covid-19 nos setores produtivos, no mercado de trabalho e  entre as populações vulneráveis. Estas medidas, em maio de 2020, representavam recursos da ordem de US$ 65 bilhões (incluindo abonos para trabalhadores informais e grupos vulneráveis, estimados em 30 milhões de brasileiros). Parte dos recursos seria destinado a apoiar Estados e Municípios na construção de hospitais de campanha, na expansão de leitos de UTI e na disponibilização de ventiladores mecânicos e equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde. Esses recursos, orçados em R$18,9 bilhões, deveriam ser gastos em carater de urgência, mas segundo artigo recente de José Roberto Affonso e Elida Graziane Pinto, os fundos não estariam sendo repassados de acordo com os pedidos urgentes realizados pelas entidades federativas[viii]

Além dessas medidas se destacam outras para aliviar dívidas de empresas e indivíduos e fomentar o consumo e a liquidez da economia, cabendo destacar: (a) o adiamento do pagamento de impostos e contribuições sociais das empresas entre 3 e 6 meses; (b) o adiamento do pagamento de dívidas das empresas e pessoas físicas, incluindo as relacionadas ao financiamento de imóveis habitacionais e a suspensão dos processos de dívida ativa da União para pessoas físicas e jurídicas; (c) medidas no âmbito trabalhista destinadas a manutenção ou suspensão dos contratos de trabalho durante a crise, com empréstimos às empresas para o pagamento parcial dos salários dos trabalhadores envolvidos, estímulos ao tele-trabalho e ao uso de férias individuais e coletivas; (d) orientação a empresas para medidas de proteção e preservação da saúde dos trabalhadores durante a crise pandêmica; (e) medidas no campo de estímulo a produção, consumo e isenção de impostos para produtos relacionados a luta contra o Covid-19 durante a pandemia; (f) dispensa dos bancos sobre classificação de riscos de crédito dos clientes; (g) redução dos encaixes compulsórios nos bancos e flexibilização para as regras de recompra de títulos financeiros emitidos por bancos, redução das taxas de juros e operações de emissão de títulos públicos e outras medidas para aumentar a liquidez da economia[ix].

A economia brasileira já está em crise desde 2014 tendo tido, entre 2018 e 2019, um crescimento de apenas 1,3% e 1,1% respectivamente, o que significa na prática decréscimos no PIB percapita, dado que o crescimento da população foi superior às taxas reais de crescimento do PIB. Com a crise trazida pelo Covid-19 e os problemas descritos em seu enfrentamento pelas autoridades do país, o FMI projeta, numa perspectiva otimista, que a economia brasileira se retraia -5,3% em 2020 e que a retomada em 2021 seja de apenas 2,9% (ver gráfico 5). As taxas de desemprego, registradas em 11,9% da população econômicamente ativa em 2019, poderão alcançar 14,7% em 2020, reduzindo-se para 13,5% em 2021 (Gráfico 6). Tal fato deverá trazer impactos negativos ao sistema de saúde suplementar, o qual poderá perder beneficiários que se somarão aos 3,5 milhões que já se desligaram do sistema desde 2014, aumentando ainda mais a dependência da população ao combalido, desfinanciado e ineficiente sistema único de saúde (SUS).

A Rússia, em 31 de maio de 2020, já era o terceiro país com mais casos de Covid-19, alcançando a cifra de 414,9 mil pessoas contaminadas, mas o número de mortes pela pandemia chegava a apenas 4,7 mil, o que representava uma das mais baixas taxas de letalidade entre os países de grande crescimento pandêmico (1,2%). De acordo com as informações prestadas, o número de casos diários de Covid-19 na Rússia se encontra em descenso desde 5 de maio de 2020 (quando alcançaram 11,7 mil novos casos) chegando a 9,3 mil casos em 31 de maio do corrente ano. O baixo número de mortes e as pequenas taxas de letalidade na Rússia tem sido fortemente questionados pela imprensa internacional. Jornais como The Financial Times e The New York Times publicaram estudos de especialistas defendendo que estas taxas deveriam ser no mínimo três vezes mais elevadas[x]. Muitos  argumentam que, pelo fato da população de 65 anos e mais na Rússia ser elevada (superior a 16%) e apresentar muitas co-morbidades com doenças crônicas (cardiovasculares, diabetes, etc.), muitos pacientes idosos, ainda que venham a falecer pelo Covid-19, tem tido sua causa primária de morte registrada de acordo à co-morbidade que detinham, retirando de cena um número substancial de mortes decorrentes do Covid-19.

As principais medidas tomadas pela Federação Russa para mitigar a crise econômica do Covid-19, com um custo estimado de 2,9% do PIB, incluem: (a) aumento do valor dos benefícios por licença médica e licença por doença até fins de 2020; (b) aumento do valor dos benefícios de desemprego durante tres meses a partir de abril de 2020,  (c) benefícios adicionais para famílias com filhos menores de idade quando os pais perdem emprego; (d) subsídios para pequenas e médias empresas consideradas relevantes para a economia; (e) diferimentos  e redução no pagamento de impostos e contribuições sociais para as empresas mais afetadas pela crise, incluindo as pequenas e médias, durante 6 meses; (f) aumento da remuneração de profissionais de saúde envolvidos na contenção e tratamento da crise pandêmica; (g) isenção de impostos para os trabalhadores autônomos e contribuições sociais pagas em 2019 (retroativo) e 2020; (h) diferimentos nos pagamentos de aluguel até o final do ano nos setores afetados; (i) doações orçamentárias para pequenas e médias empresas e indústrias afetadas para cobrir salários entre dois e seis meses, além de empréstimos subsidiados ou perdoáveis ​​para todas as empresas nas indústrias afetadas, e; (j) isenção de importação para produtos farmacêuticos, suprimentos e equipamentos médicos.

No plano financeiro, o banco central da Rússia reduziu a taxa de juros, autorizou bancos comerciais a reestruturarem as dividas de seus credores com garantias, iniciou a venda de reservas cambiais e elevou o limite de suas operações de swap cambial para aumentar a liquidez. Introduziu flexibilização regulatória temporária para os bancos destinados a ajudar mutuários corporativos e tratamento mais favorável para empréstimos de câmbio emitidos para determinados setores e pequenas e médias empresas. Criou um novo fundo financeiro de 500 bilhões de rublos para empréstimos, além dos 150 bilhões de rublos já alocados para conceder empréstimos a pequenas e médias empresas por necessidades urgentes de apoio e manutenção de emprego. Adicionalmente, 50 bilhões de rublos serão alocados para fins semelhantes para mutuarios que não possuam o status de pequena e média empresa. Outras medidas de apoio ao setor financeiro incluíram a garantia de disponibilidade aos serviços de instituições financeiras não bancárias e a promoção de serviços remotos ao cliente.

O crescimento do PIB na Rússia já vinha caindo entre 2018 para 2019, passando de 2,5% para 1,3%. Em 2020 é estimado um decréscimo de -5,5%, com um crescimento do PIB estimado em 3,5% em 2021. Mas numa economia altamente regulada e protecionista como a Rússia não se espera grandes variações nos níveis de emprego no país, que ao alcançarem 4,6% em 2019, passarão para 4,9% em 2020, caindo para 4,8% em 2021.

Diante da desaceleração dos casos diários a partir de 11 de maio, o governo federal russo anunciou um plano de reabertura em três etapas, mas caberá aos governadores regionais decidir quando e como proceder. Durante o primeiro estágio da reabertura, as pessoas poderão andar e se exercitar ao ar livre e pequenas lojas e estabelecimentos do setor de serviços serão reabertos. O segundo estágio permitirá a abertura de escolas, grandes lojas e empresas do setor de serviços. No terceiro estágio, parques, hotéis, restaurantes e todas as lojas serão reabertas. Os indicadores que entrariam no cálculo para eliminar restrições em regiões específicas incluem taxas de infecção, disponibilidade de leitos hospitalares e capacidade de teste. Em 26 de maio, dois terços das regiões reabriram empresas do setor de serviços. A reabertura dependerá ainda de diretrizes de segurança, incluindo distanciamento e desinfecção social. A indústria do turismo retomará parcialmente a atividade em 1º de junho, com a retomada de transporte terrestre e vôos domésticos. Empresas industriais e canteiros de obras já se encontram de volta aos negócios em quase todo o país. Moscou passará para a segunda fase de reabertura em 1º de junho, abrindo comércio para produtos não essenciais e a operação de empresas do setor de serviços com requisitos de segurança mais rígidos[xi].

A África do Sul é o último país a ser incorporado no universo dos BRICS. Em 31 de maio de 2020 registrava 32,7 mil casos de Covid-19 com uma mortalidade associada a pandemia de apenas 705 pessoas (taxa de letalidade oficial de 2,2%, considerada baixa). Os casos diários estavam em ascenção, representando 1,7 mil novos casos no dia 31 de maio de 2020. O país enfrenta muitos outros problemas de doenças transmissíveis, como o caso de HIV-AIDS, onde a taxa de incidência na população entre 15 a 49 anos era estimada em 20,4% em 2018[xii], com um número de mortes estimados em 71 mil por ano pela doença.

O governo declarou estado de emergência pandêmica em 17 de março de 2020, adotando medidas de contenção, tais como o distanciamento social, proibição de viagens de visitantes oriundos de países de risco e quarentena para os nacionais que retornam desses países, triagem nos portos de entrada, fechamento de escolas, visitas de triagem a residências e introdução de tecnologia móvel para rastrear contatos dos infectados. O lockdown foi decretado desde 26 de março e prorrogado até 30 de abril. Atividades essenciais como serviços de transporte, produção de alimentos e medicamentos e bancos continuaram abertos para negócios. Em 1º de maio iniciou-se um processo de suspensão parcial do lockdown, em alguns setores da economia.

As medidas de suporte para compensar as perdas econômicas do lockdown incluriram a ajuda a empresas e trabalhadores através do Fundo de Seguro Desemprego (Unemployment Insurance Fund) e programas especiais de financiamento industrial. Fundos adicionais foram disponibilizados para trabalhadores de baixa renda afetados pelo Covid-19 ou relacionados ao desempenho de atividades informais, através de subsídios tributários de 4 a 6 meses. Subsídios a pequenas empresas nos setores de turismo, hotelaria e agricultura foram criados, além de garantias de empréstimos destinados ao financiamento de capital de giro das empresas.

No plano da  resposta a pandemia, o governo alocou recursos a um fundo de solidariedade para ajudar a combater a propagação do vírus, com co-financiamento do setor privado,  para apoiar medidas emergenciais de abastecimento de água, melhorias do saneamento nos transportes públicos e alimentação e abrigo para os desabrigados.

As taxas de juro se reduziram de 5,25% em 19 de março para 3,75% em 21 de maio, e várias medidas foram tomadas para aumentar a liquidez da economia, destacando-se a redução de encaixes compulsórios dos bancos, a recompra de títulos públicos para dar suporte de liquidez bancária, compensar a queda dos juros e aliviar a dívida aos mutuários.

A partir o levantamento do lockdown parcial em 1º de Maio, um novo relaxamento envolvendo mais setores foi anunciado em 13 de maio para entrar em vigor em 1º de junho de 2020. A maioria das atividades econômicas será reaberta sob práticas estritas de saúde e distanciamento social, exceto as de alto risco (ou seja, restaurantes, bares, tabernas, acomodações, viagens aéreas domésticas, conferências, eventos, entretenimento, atividades esportivas e serviços pessoais). A venda de álcool será permitida de forma restrita, enquanto a venda de tabaco permanecerá proibida. O tele-trabalho no setor serviços  ainda é recomendado sempre que possível.

A crise do Covid-19 já custou saídas líquidas de capital (títulos e ações) desde o início da pandemia que totalizaram US $ 6,9 bilhões (2,5% do PIB) ao fim de maio, além de desvalorizações da moeda local em relação ao dolar norte-americano que chegaram a 18%. Como se pode ver no gráfico 5, a economia sul-africana já estava praticamente estagnada em 2018 e 2019, com um crescimento do PIB inferior a 1% nestes anos. O FMI estima que a queda do PIB em 2020 alançará quase -6% e a recuperação em 2021 poderá fazer a economia voltar a crescer 4%. Mas os níveis de desemprego do país, que já alcançavam 29% da população economicamente ativa em 2019, se elevarão para 35% em 2020. A recuperação do mercado de trabalho prevista para 2021 praticamente manterá as taxas de desemprego no mesmo patamar (em torno de 34%).
***
A tabela 1 anexa a este texto mostra os impactos projetados da crise do Covid-19 em outras regiões ou agregações regionais na desaceleração do PIB em 2020, como a América Latina (-5,2%) e a África Sub-Sahariana (-4,6%). Destaca-se ainda o grupo dos Asia-5 (Indonésia, Tailândia, Vietnam, Filipinas e Malásia) cuja economia sofrerá leves impactos em 2020 (maiormente pela crise no comércio externo), seguidos de uma forte recuperação em 2021.

E se a pandemia se prolongar?

As projeções de crescimento do PIB apresentadas até o momento se baseiam num cenário que poderia denominar-se “céu de brigadeiro”, representado por uma única onda pandêmica que seria curta e não teria réplicas ou tréplicas. Neste cenário, o qual chamaremos de cenário-base, a chegada de uma vacina no início de 2021 e sua disseminação mundial, associada a medicamentos mais efetivos que poderiam evitar os casos graves da enfermidade, permitiriam uma retomada segura do crescimento da economia mundial em 2021.

Mas e se isso não ocorrer? O estudo do FMI discute alguns cenários que estariam associados a uma crise pandêmica mais prolongada em 2020, decorrente da não adoção de medidas adequadas de distanciamento social, e de uma nova onda pandêmica em 2021, por não haver sido criada e disseminada uma vacina ou desenvolvidos medicamentos e protocolos de tratamentos efetivos. Nesta perspectiva, a retomada da atividade econômica, por mais cautelosa que seja, não evitaria um retorno da pandemia, contaminando aqueles que não foram previamente contaminados ou que não desenvolveram imunidade ao longo da primeira onda pandêmica.

O gráfico 7 mostra uma situação hipótetica sobre o cenário-base de crescimento do PIB global em 2020 (-3,0%) em função da pandemia em três situações. 

(i) No primeiro cenário (linha azul), a pandemia se prolonga ao longo de 2020. Neste caso, além do decréscimo de -3% do PIB em 2020, a economia global continuará com crescimentos negativos do PIB entre 2022 e 2024, estimados entre -2% e -1%. 

(ii) No segundo cenário, a economia terá um novo outbreak em 2021 fazendo com que a queda do PIB em 2021 seja de -5% e a queda do PIB no período 2022 e 2024 se situaria entre -3% e -2%. 

(iii) O terceiro cenário (linha laranja) representaria os cenários 1 e 2 combinados. Neste caso, além da queda de 3% em 2020, o decréscimo do PIB em 2021 alcançaria -7% e as taxas de crescimento do PIB global permaneceriam negativas (de -5% a -4%) entre 2022 e 2024.


Ainda que hipotética, esta ilustração alerta para que, sem uma contenção pandêmica via distanciamento social em 2020 e uma solução via vacina e tratamentos efetivos em 2021, a economia mundial poderá passar por um longo período de crise decorrente de um prolongamento da onda pandêmica em 2020 e do surgimento de novas ondas em 2021. Portanto, no retorno das quarentenas e lockdowns  pós-pandemia, o novo normal será o distanciamento social seletivo e para tal toda a informação, medidas de segurança pandêmica e salvaguardas devem estar em curso para evitar prolongar a fase pandêmica e mitigar o surgimento de novas ondas. Mas se espera que, com otimismo, as soluções representadas por um maior conhecimento sobre o comportamento do virus e seriedade nas medidas de contenção estejam sendo implementadas a contento.

Notas




Tabela 1 – Taxas de Crescimento do PIB em 2019 e Estimativas para 2020 e 2021 de acordo com o Fundo Monetário Internacional – Países e Regiões

Regiões e Países
2018
2019
Estimativa 2020
Estimativa 2021
Economia Mundial
3,6
2,9
-3,0
5,8
Economias Avançadas
2,2
1,7
-6,1
5,5
·        Estados Unidos
2,9
2,3
-5,9
4,7
·        Zona do Euro
1,9
1,2
-7,5
4,7
Alemanha
1,5
0,6
-7,0
5,2
França
1,7
1,3
-7,2
4,5
Italia
0,8
0,3
-9,1
4,8
Espanha
2,4
2,0
-8,0
4,3
·        Japão
0,3
0,7
-5,2
3,0
·        Reino Unido
1,3
1,4
-6,5
4,0
·        Canadá
2,0
1,6
-6,2
4,2
Economias Emergentes
4,5
3,7
-1,0
6,6
Economias de Baixa Renda
5,1
5,1
0,4
5,6
BRICS
·        Brasil
1,3
1.1
-5,3
2,9
·        Russia
2,5
1.3
-5,5
3,5
·        India
6,1
4.2
1,9
7,4
·        China
6,7
6,1
1,2
9,2
·        África do Sul
0,8
0,2
-5,8
4,0
Outras Regiões ou Agregações Regionais
Ásia-5(*)
5,3
4,8
-0,6
7,8
América Latina e Caribe
1,1
0,1
-5,2
3,4
Oriente Médio e Ásia Central
1,8
1,2
-2,8
4,0
África Sub-sahariana
3,3
3,1
-4,6
4,1
Fonte: International Monetary Fund, World Economic Outlook: The Great Lockdown, April 2020. Países asiáticos emergentes com alto crescimento (Indonésia, Tailândia, Vietnam, Filipinas e Malásia).

[i]   Segundo um estudo publicado em 16 de Abril de 2020 pelo semanário inglês The Economist, o número total de mortes por Covid-19 em 2020, representou uma fração do número adicional total de mortes entre 2020 e 2019 no mesmo período de tempo, indicando a possível existência de mortes adicionais por Covid-19 que não foram registradas como Covid-19 pela inexistência de testes anteriores aos registros de mortalidade. Em países como a Bélgica, o percentual de mortes por Covid-19 representou a quase totalidade do excesso de mortes de 2019-2020, mas isso não ocorreu outros países, onde os percentuais de Covid-19 no excesso de morte foram de 78% na Espanha, 72% no Reino Unido, 51% na Holanda, 48% na Itália, e ainda mais baixo em cidades como Istambul (44%) e Jacarta (14%). Nos países em desenvolvimento, onde a falta de testes é gigantesca e os registros de mortalidade de muito baixa qualidade, os percentuais de mortes por Covid-19 podem alcançar valores ainda muito menores do que o excesso na variação de mortes registradas entre 2019 e 2020.

[ii]  As taxas de letalidade para o Covid-19 se referem apenas aos casos e mortes registradas oficialmente pelos países. Considerando que todos os países (especialmente os de menor desenvolvimento) apresentam baixos níveis de registro do número de casos (em função da disponibilidade de testes aleatórios que não permitem estimar o número de assintomáticos e pessoas com sintomas leves da enfermidade) e de mortes (em função da falta de confiabilidade dos registros que não contabilizam mortes por insuficiencia respiratória não testadas como não sendo Covid e de mortes em casa sem causa definida), é provavel que as taxas reais de letalidade sejam muito diferentes (provavelmente bem menores) das apresentadas oficialmente.

[iii] O primeiro ministro Boris Jonhson só começou a levar a sério o risco pandêmico quando foi contaminado pelo Covid-19, ficando hospitalizado em estado grave por algumas semanas.

[iv] Alguns autores tem afirmado que os sistemas de saúde que se baseam em recursos públicos (e não modelos de seguridade social financiados por contribuições de empresas, governo e trabalhadores) tem sido os que piores respostas tem dado a crise pandêmica no seio de economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Isto se deve ao fato de que estes sistemas não tem fundos de reserva que podem ser mobilizados para eventuais riscos, como ocorre em sistemas de seguridade social.

[v] O termo BRIC foi criado, segundo alguns, em 2001, pelo economista Jim O’Neill dirigente da empresa de administração financeira e de ativos Goldman Sachs, em sua publicação Building Better Economic BRIC. Ele se refere a economias que na época tinham crescimento similar e representavam uma parcela cada vez mais significativa do PIB (Brasil, Russia, India e China). Em 2010 a África do Sul passou a ingressar neste grupo, compondo o nome final BRICS, que representavam um PIB (em US$ com paridade do poder de compra) de US$40,6 trilhões ou 32% do PIB global.

[vi] Em 2016, segundo dados do FMI, as cargas tributárias de países como Brasil e África do Sul chegavam a 33,7% e 30,7% do PIB. As taxas da Rússia eram menores (17,8%) e as da Índia alcançavam 15,7%. No caso da China, existe pouca transparência e muita dificuldade para calcular a magnitude da carga tributária em função das receitas fiscais implícitas na venda ao mercado de bens e serviços produzidos pelo Estado, mas alguns autores assumem que sem considerar estas receitas implícitas arrecadas pelo governo, a carga tributária seria equivalentes a 10% do PIB no início da década passada.  https://www.marketwatch.com/story/the-mystery-of-chinas-tax-burden-2012-04-24

[vii] Ver “Efeitos das Pandemias na Economia: Da Gripe Espanhola ao Covid 19”, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2020/04/efeitos-das-pandemias-na-economia-da.html

[viii]  Ver Affonso, JR e Pinto, EG, Execução Orçamentária: Pouca Saúde, in Jornal Le Monde Diplomatique, edição em Protuguês, 20 de maio de 2020. Link - https://www.joserobertoafonso.com.br/pouca-saude-afonso-pinto/

[ix] Sobre as medidas tomadas pelo Ministério da Economia no ambito da Covid-19 ver o link https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/covid-19

[x] De acordo com matéria publicada no “The Economist” em 19 de Maio de 2020, intitulada “Anatomy of lies Russia’s covid-19 outbreak could be far worse than the Kremlin admits”. Link www.economist.com/europe/2020/05/21/russias-covid-19-outbreak-is-far-worse-than-the-kremlin-admits

[xi] Ver IMF, “ Policy Responses to Covid-19” – Link  https://www.imf.org/en/Topics/imf-and-covid19/Policy-Responses-to-COVID-19

[xii] De acordo com os dados de Index-Mundi.

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