Ano 14, No. 103, Abril de 2020
André Cezar Medici
O Contexto da Gripe Espanhola
Pouco mais de 100 anos se passaram desde
a gripe espanhola – a maior pandemia do século XX – cujos efeitos na
mortalidade podem ser observados em 3 ondas: a primeira (mais fraca), em março
de 1918, quando a guerra ainda estava em curso; a segunda, em novembro de 1918,
seguindo o fim da guerra e as comemorações do armistício, que teve grandes
proporções, sendo ampliada pelas consequências das más condições de vida das
populações européias após os anos de privação trazidos pela guerra; e a
terceira, na primeira metade de 1919, intensificada com o retorno das tropas
militares para seus países no pós-guerra[1]. O gráfico abaixo mostra o
comportamento destas 3 ondas na Inglaterra entre 1918 e 1919.
Os números não
são precisos, mas se estima que a pandemia tenha contagiado um terço da
população mundial entre 1918 e 1919 (algo em torno de 500 milhões de pessoas), sendo
considerada pelo menos quatro vezes mais letal do que a própria Primeira Guerra
Mundial, cujas estimativas de mortos alcançam entre 4,4 e 5,5 milhões de
militares, e entre 3,7 e 4,0 milhões de civis. A inexistência de bons
registros epidemiológicos fazem com que as estimativas de casos sejam difíceis
de mapear, tanto no que se refere aos dados de morbidade como mortalidade.
Estimativas originais de 1920 calcularam o número de
mortes em torno de 21,5 milhões[2],
mas revisões posteriores estimam que a pandemia foi responsável por levar à
morte entre 24,7 e 39,3 milhões de pessoas[3].
Estimativas mais alarmistas calculam que o número de mortes poderia ter chegado
até a 50 ou 100 milhões de pessoas. Mas o fato é que boa parte destas mortes ocorreram
em territórios que não participaram diretamente da guerra, como a Índia, cujo
número de mortes é estimado em 13,8 milhões nas províncias coloniais inglesas
do país[4]. Por este motivo, muitos consideraram a Índia como o epicentro da gripe
espanhola.
Impactos
Econômicos e Sociais da Gripe Espanhola
É importante levar em conta que a gripe espanhola teve impacto negativo nos níveis de atividade econômica, emprego e
renda nos países europeus e nos Estados Unidos no curto prazo, mas há que
considerar que a economia européia tinha sido vilipendiada pela guerra quando a
pandemia se inicia, o que faz com que os efeitos econômcos das duas crises – a provocada
pela guerra e a gripe espanhola – se confundam entre 1918 e 1919. Embora os dados
econômicos da época sejam escassos, alguns estimam que o impacto negativo da
gripe espanhola no PIB mundial foi de 6%, e no consumo agregado, este impacto
chegou a 8%[5].
Cerca de doze países sofreram desastres macroeconômicos baseados na queda do
PIB e oito sofreram desastres similares baseados na queda do consumo. Isto tornaria
a gripe espanhola o quarto evento com maior impacto econômico negativo desde 1870.
Os tres primeiros foram a 2ª. guerra mundial, a grande depressão dos anos 1930
e a 1ª. guerra mundial.
Manchetes dos jornais da época comentavam que a gripe
espanhola teve um impacto adverso no mercado de trabalho, dado que sua taxa de mortalidade era maior entre as pessoas em idade ativa (15 a 49 anos de
idade), levando muitos trabalhadores que estavam no auge de suas vidas laborais à
morte precoce. Isto certamente foi uma barreira para a recuperação à curto
prazo dos níveis de pobreza na Europa que já eram altos em decorrência da guerra.
Mesmo os países que ficaram neutros na guerra, como a Suécia por exemplo, relatam um aumento no número de domicílios em condições de pobreza, dado que cada morte causada pela pandemia entre
chefes de família levava três pessoas adicionais para situações de pobreza. Efeitos
negativos, no caso da Suécia, tambem foram conhecidos nos ganhos de capital, mas
não ocorreram em rendimentos em geral. A escassez de mão de obra propiciada
pela pandemia levou a um subsequente aumento dos salários e dos rendimentos nos
pequenos negócios[6].
No caso dos Estados Unidos, o gráfico abaixo mostra o
impacto da gripe espanhola no nivel de renda per-capita ajustado pela inflação.
Verifica-se que o nível de renda que vinha crescendo em 1917 se estagnou em 1918,
seguido de uma queda em 1919 que foi o ano onde o impacto econômico da segunda
onda da pandemia ocorreu com maior intensidade. A estagnação econômica continuou
em 1920, provavelmente por efeitos da pandemia associados ao mercado de
trabalho. Mas mesmo assim há claras razões para pensar que a gripe espanhola teve
menos impacto econômico do que uma grande pandemia teria agora. Se por um lado a reorganização da indústria trazida pela guerra gerava mais trabalho para
todos, apesar de certas indústrias sofrerem grandes perdas, por outro, a elevada
mortalidade de trabalhadores ocasionada pela gripe levou ao aumento dos salários para aqueles
que sobreviveram.
Apesar dos efeitos a curto prazo, a gripe espanhola teve poucos impactos
econômicos negativos a longo prazo. A partir de 1921 se inicia um período de
prosperidade na economia norte-americana.
Outro ponto a destacar é que, surpreendentemente, o mercado de ações foi
pouco afetado pelo surto de gripe espanhola, como demonstra o gráfico acima,
refletindo a movimentação do índice Down Jones entre 1918 e 1919. Obviamente, a
guerra já havia reduzido o comércio exterior e rompido cadeias produtivas
globais por um longo período de tempo. A gripe espanhola se iniciou em 1918 e o
fim da guerra teve um impacto positivo no mercado de capitais, minimizando os
efeitos negativos da gripe que se iniciava ao final do conflito. A segunda e
pior onda de gripe ocorreu no final da guerra, quando a paz foi finalmente
alcançada após quatro anos de destruição devastadora.
A euforia com o fim da guerra eclipsou eventuais preocupações com a
gripe espanhola entre os governos, a sociedade e os mercados. Quando a onda
final da gripe espanhola desapareceu em fevereiro de 1919, o índice Dow Jones teve
um aumento de 50%, que durou até novembro de 1919. Se esse aumento ocorreu por
causa do fim da guerra, do fim da gripe ou das duas coisas é impossível saber,
mas certamente havia algum nível de confiança que pode alavancar a recuperação
econômica.
O Covid-19 e a Economia Mundial em fase de
Incerteza
Todos sabem que a economia responde aos níveis de incerteza associados ao
comportamento dos mercados e agentes econômicos. Se existe algum nível de previsibilidade,
os investidores vão colocar recursos e apostar nos mercados, fazendo com que
uma onda de expectativas positivas possa conduzir ao crescimento do produto[7].
Mas se existem fatores que elevam o nível de incerteza, os atores econômicos
revem suas decisões e reduzem seus níveis de investimento levando os mercados à crise e aumentando a preferência por ativos líquidos.
Pandemias tem sido, ao longo da história, fatores que aumentam o nível
de incerteza dos mercados e portanto, podem levar a decisões que inibem os
investimentos e induzem à recessão. Mas a mensuração de como as pandemias
afetam o grau de incerteza econômica é difícil de avaliar e medir. Recentemente,
economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), em associação com a Universidade
de Stanford, criaram em 2018 um índice específico para medir o grau de
incerteza associado a endemias[8],
denominado Índice Mundial de Incerteza Pandêmica (WPUI em inglês).
O WPUI é medido de uma forma indireta em 143 países, sendo construído a
partir da contagem do número de vezes que palavras relacionadas a incerteza são mencionadas nas
proximidades de palavras relacionadas a pandemias nos relatórios de países pesquisados pela Economist Intelligence Unit (EIU)[9].
Especificamente, o índice é o percentual da palavra "incerto", e suas
variantes, que aparecem próximas aos termos associados à pandemia nos relatórios de
países pesquisados pela EIU, multiplicados por 1.000. Um número maior significa maior
incerteza relacionada a pandemias e vice-versa.
O Fundo Monetário Internacional, em sua página web de 4 de abril de
2020, publicou a avaliação do WPUI entre o primeiro trimestre de 1996 e o
primeiro trimestre de 2020, para uma sequência de pandemias ocorridas durante este
período e o resultado pode ser visto no gráfico que se segue:
Fica claro o elevado grau de incerteza gerado pelo Coronavirus em 2020,
comparado ao de outras pandemias anteriores da década passada. Este choque de
incerteza gerado pelo Covid-19 tem criado pânico nos mercados de capitais,
desencadeando uma forte resposta do sistema financeiro e dos Bancos Centrais,
indicando que se os problemas de liquidez persistirem e os problemas da
economia real levarem a baixas contábeis, escassês de investimentos e baixa
formação de capital fixo, crises no sistema financeiro poderão surgir,
associadas a uma queda prolongada nos níveis de emprego e produtividade.
A incerteza associada a pandemia do Corona Virus criou uma forte oscilação
nos mercados de capitais nos últimos dois meses (fevereiro-março de 2020). A variação média do
Índice Dow-Jones da Bolsa de New York acumulou uma queda de 29% entre 12 de
fevereiro e 3 de abril de 2020 (ver gráfico acima). Ao que parece, há muita
sensibilidade entre o aumento de casos do Covid-19 e a queda do Dow-Jones,
ainda que medidas anunciadas pelo governo Trump, como o pacote de estímulo a
economia de US$ 2 trilhões em 2020, possam ter tido efeitos positivos nos
últimos dias de março nas flutuações do índice. A pandemia provocada pelo
Covid-19 é a maior pandemia do século XXI até o momento e seus efeitos
econômicos já são e poderão ser ainda mais devastadores nos próximos meses ou mesmo
anos.
Um Falso Dilema
Enquanto os casos da pandemia do Covid-19 continuam aumentando exponencialmente ao redor do
mundo, muitos governos, seguindo os resultados revelados pela experiência da
Província de Hubei na China com a rápida redução do número de casos novos, e dada a
inexistência de testes, vacinas e equipamentos de proteção pessoal para os
trabalhadores de saúde na maioria dos países, passaram a adotar o distanciamento social como forma de reduzir o
contágio e consequentemente a pressão sobre os serviços de saúde, com vistas a
evitar picos de pandemia que possam ir além da capacidade de resposta dos
sistemas de saúde. No entanto, muitos acusam que tais medidas cortam o fluxo de
produção e circulação de mercadorias, podendo provocar uma recessão global de
grandes proporções com efeitos piores sobre a população do que a própria
pandemia.
O distanciamento social como estratégia para reduzir a pandemia do
Covid-19 foi contextado inicialmente por muitos governos, como a prefeitura de
Milão, na Itália e o próprio Presidente Donald Trump nos Estados Unidos. No
entanto, o observação histórica da própria experiência norte-americana durante a pandemia da gripe espanhola mostrou que cidades que de forma antecipada organizaram medidas de distanciamento
social tiveram muito melhores rezultados, não só na
redução do número de mortes, mas também na recuperação econômica pós-pandêmica, quando comparadas com aquelas que não adotaram tais medidas[10].
Portanto, os impactos da estratégia de distanciamento social, ao
contrário do que pensaram inicialmente muitos governos com a perspectiva de
preservar suas economias, poderá ser mais positiva na recuperação econômica de
longo prazo (além de trazer menos mortes associadas) do que as estratégias de
não realizar o isolamento social.
Um isolamento social seletivo (ou vertical,
como está sendo denominado no Brasil) so faria sentido se fosse possível identificar
em massa o número de positivos através de testes e rastrear a rede de contactos
dos positivos para que estes dois conjuntos se submetessem a quarentenas e, dessa
forma, quebrassem a correia de transmissão. Alguns países como a Suécia, Coréia do
Sul e Israel, utilizaram estas estratégias mas são países que contam com níveis
de tecnologia, controle social, sistemas de informação e organização dos
serviços de saúde mais avançados. Além do mais, começaram a realizar os testes
com muita antecedência permitindo um mapeamento dos casos positivos ainda no
inicio da fase de crescimento da pandemia. Mesmo assim, no momento em que escrevia este artigo, a Suécia já estava revendo sua política em prol do isolamento social por não ter conseguido, com a estratégia anterior, o achatamento da curva epidemiológica no ritmo desejado.
Muitos países como a Itália, Espanha e os Estados Unidos tiveram falhas em
não iniciar o distanciamento social no momento certo ou em não realizar testes
para mapear os casos com antecipação, gerando situações de estresse em seus sistemas
de saúde e tendo uma demanda para o tratamento de casos agudos de Covid-19 acima
da capacidade de atendimento de seus sistemas de saúde. Ainda que tenham
partido posteriormente para o isolamento social compulsório, estes países tem
dificuldades de realizá-lo de forma plena como ocorreu no caso da Provincia de
Hubei (especialmente na cidade de Wuhan) na China que conseguiu reverter a
curva pandêmica após um severo lockdown
de toda a população regional.
Impactos da Pandemia de Covid-19 no PIB Global
Tendo em vista os impactos positivos do isolamento social, não só na
redução do número de contaminações e mortes pelo Covid-19, mas também na recuperação
da crise econômica que a pandemia irá provocar, a Empresa Consultora Mckinsey[11],
utilizando cenários construídos pela Oxford Economics, fez algumas estimativas
de como poderá se comportar o PIB em 2020 na economia global, na economia
norte-americana, na China e na zona do euro, considerando dois cenários.
No primeiro cenário, mais positivo e com isolamento social, China e
outros países do leste asiático continurão sua recuperação e controle do virus
até o fim do segundo semestre de 2020. Europa e Estados Unidos também
controlarão a pandemia mediante dois a três meses de isolamento social. O
crescimento de novos casos alcançará seu climax entre os meses de abril e junho,
quando começam a declinar através de uma forte resposta dos sistemas de saúde e
favorecidos pelos efeitos de uma eventual sazonalidade do virus. Os resultados
no PIB podem ser verificados no gráfico abaixo.
Fonte: elaboração do
autor a partir de dados estimados pela Mckinsey (ver nota número 11) , utualizados em
3 de abril de 2020
Neste cenário, as medidas de contenção adotadas no segundo trimestre de
2020 propiciarão uma retomada do crescimento no segundo semestre mais intensa,
a partir de um contexto epidemiológico de controle da transmissão do virus. Em
todos os casos, o decréscimo do PIB global, após alcançar -5,3% no primeiro
semestre de 2020, poderá se reduzir para -1,8% na totalidade do ano de 2020,
com impactos diferenciados em cada Região, isto é, com a China sofrendo um decrescimo anual em seu PIB de apenas -0,5% e a Zona do Euro e os Estados
Unidos sofrendo mais, com decréscimos anuais no produto de 10% e 8%,
respectivamente. A economia poderá se recuperar totalmente entre fins de 2020 e
o segundo trimestre de 2021
No segundo cenário – mais negativo por não ter o isolamento social – a contaminação
global pelo virus avançará sem um declínio sazonal e os sistemas de saúde em
muitos países ficarão sobre-carregados e incapacitados de atender a demanda
crescente por atenção aguda aos casos de Covid-19, com agravo aos grupos mais
pobres e com impactos humanos e econômicos de larga escala. Os resultados nas
projeções do PIB para 2020 podem ser observados no gráfico abaixo.
Fonte: elaboração do
autor a partir de dados estimados pela Mckinsey (ver nota número 11) , utualizados em
3 de abril de 2020
Com a China experimentando um afrouxamento precoce de
medidas de isolamento social, poderá existir a chance de uma segunda onda do
Covid-19 ainda no primeiro semestre que poderá prorrogar-se no segundo semestre.
Com uma recuperação econômica mais lenta e incapaz de manter sua capacidade de
exportação nos níveis anteriores ao da pandemia pela redução do comércio global,
a economia chinesa poderá sofrer uma contração sem precedentes, levando a um decréscimo
maior no PIB de 2020 do que o estimado no cenário anterior (-2,3% comparado com
0,5%).
Maiores perdas são estimadas na Europa e nos Estados
Unidos, onde, além de mais vidas humanas perdidas, o PIB poderá se contrair
10,6% e 8,7% em 2020, respectivamente, em função da falência de muitas empresas
e da perda de numerosos empregos. O PIB mundial neste cenário cairía 5,3% em 2020
e a recuperação das economias poderá ser muito mais lenta, extendendo-se entre o quarto trimestre de 2022 e o quarto trimestre de
2024.
Como evitar perdas
ainda maiores durante a recessão?
Existe atualmente um grande consenso técnico de que no
atual estágio de crescimento da pandemia e falta de medidas para sua contenção,
como vacinas, o isolamento social é a melhor solução de curto prazo para evitar
o crescimento vertiginoso da curva pandêmica. Mas o isolamento social não deve
ser visto como uma fase indefinida de marasmo e paralização. Ao contrário, ele
deve ser visto como um momento de alta concentração de esforços tanto no lado
da saúde pública e dos sistemas de saúde, como também na geração de medidas econômicas que minorem as perdas de setores essenciais da economia, das populações
vulneráveis, empregos e, ao mesmo tempo preparem o terreno para manter estável
o sistema financeiro e a retomada do crescimento. Em outras palavras, é
necessário muito trabalho e um grande esforço de planejamento e políticas
públicas durante o período de isolamento social.
Pelo lado da saúde pública, medidas de monitoramento e
contenção, como a realização de testes (incluindo os rápidos) para todos os que necessitem, a
começar pelos profissionais de saúde e os casos graves que chegam aos
hospitais, mas também extendidas à população com sintomas leves e mesmo
assintomáticos, são essenciais para conhecer e isolar aqueles que necessitam maior
suporte e com isso, retardar a propagação do vírus e reduzir a pico de necessidades de utilização dos sistemas de saúde.
Em países sem redes de proteção social, as intervenções
em saúde devem ser direcionadas para alcançar setores informais e aqueles que vivem
em extrema pobreza. O teste de amplos segmentos da população, começando pelos segmentos de maior risco e os sintomáticos, é necessário para documentar o
progresso e programar quando é seguro retomar a atividade econômica nas regiões
afetadas pela pandemia, e com isso ter portas de saída mais rápidas do isolamento
social.
Em um momento como o atual, é necessário fazer as
contas rapidamente, saber quanto se necessita e não poupar recursos públicos
para financiar o que for necessário para cobrir as necessidades urgentes de
saúde pública e de infra-estrutura hospitalar, incluindo testes, recursos humanos
qualificados, material de proteção pessoal, equipamentos (como ventiladores
mecânicos) e insumos para o combate a pandemia. Também são necessárias
inovações nas formas de atendimento, como o uso da tele-medicina, recrutamento
de pessoal extraordinário, construção de hospitais de campanha e coordenação de uma resposta
industrial rápida para a produção destes equipamentos, insumos e capacidades
humanas.
O esforço de informar as populações sobre a gravidade
da crise e mudar comportamentos individuais também é imprescindível, não só por
parte do governo, mas também da imprensa e setores responsáveis da sociedade, evitando e coibindo as fake-news que acabam
desinformando e gerando pânico.
Pelo lado da economia, os governos devem fornecer um
apoio considerável às pessoas e empresas afetadas. Subsídios salariais para
trabalhadores de empresas que terão que desacelerar ou fechar sua produção
temporariamente podem ajudar a evitar falências em cascata e demissões em massa
que teriam efeitos duradouros para recuperação futura e impacto negativo na
demanda agregada. Ao mesmo tempo, transferências em dinheiro para famílias de
baixa renda e trabalhadores do setor informal podem apoiar o consumo e
preservar o atendimento às necessidades mínimas essenciais.
Estímulos fiscais podem ajudar a suportar a demanda
agregada. Opções como cortes seletivos de impostos ou adiamento dos prazos de
recolhimento podem ajudar empresas e famílias a não aumentar de forma
insuportável seus níveis de endividamento e manter o consumo, mas isso terá
que ser ponderado pela duração estimada da pandemia e pelo espaço fiscal adicional
que o governo conseguir ampliar por mecanismos de crédito e moeda. É necessário
evitar interrupções nas cadeias de suprimento essenciais e, quando possível,
dar suporte a investimentos ou medidas que possam apoiar a manutenção de
atividades em tempo de crise.
Os Bancos Centrais, por sua vez, poderão contribuir para aumentar a
liquidez da economia e para melhorar o funcionamento dos mercados de crédito, através de operações de
mercado aberto, empréstimos a prazo expandidos e outras medidas. A
flexibilização monetária apoiará a demanda e a confiança, reduzindo os custos
de empréstimos para as famílias e empresas. Além dos cortes nas taxas de juros,
onde houver espaço, estímulos podem ser fornecidos por meio de orientações
futuras sobre o caminho esperado da política monetária e expansão das compras
de ativos nos setores essenciais mais atingidos.
Muitos países, inclusive os Estados Unidos, com seus
US$ 2 trilhões de estímulo fiscal, e o Brasil, com as medidas que estão para
ser implementadas na próxima semana, tem adotado diferentes modalidades de
pacotes de estímulo. No caso dos países desenvolvidos, a resposta fiscal tem
sido oportuna, mas até o momento permanece menor do que o que foi realizado
durante a crise financeira de 2008, podendo não ser suficiente para
restabelecer os níveis de confiança necessários para a recuperação econômica pós-pandêmica.
Nos países de baixa renda, apesar da existência de (limitadas)
políticas domésticas que podem ser implementadas, os efeitos da crise vão
depender da reação da economia global, dado que muitos destes países são (ou
serão) duramente afetados por choques na demanda externa, termos de troca e falta
de investimentos, num momento em que os capitais internacionais procuram algum
porto seguro. A capacidade dos países de menor desenvolvimento em suavizar os
efeitos da crise é bastante limitada em decorrência de dívidas (internas e
externas) elevadas e recursos monetários ou financeiros limitados. O FMI e os
Bancos Multilaterais de crédito deverão, sem vias de dúvida, ter um papel
essencial no aumento de financiamento concessional para a resposta ao Covid-19
e para o retorno ao crescimento.
Tanto o FMI quanto o Banco Mundial estão se preparando
para responder, no curto e médio prazo, à crise mundial gerada pela pandemia do
Covid-19. O FMI está pronto para mobilizar sua capacidade de empréstimo de US $
1 trilhão para ajudar seus membros a combater os custos humanos, econômicos e
financeiros generalizados da pandemia, dado que muitos países, especialmente os
mais pobres, estão em risco e precisam
de apoio devido a debilidade de seus sistemas de saúde, espaço político
limitado e alta exposição aos choques comerciais e repercussões financeiras
observadas nos últimos dias. Já o Banco Mundial está preparado para emprestar
até US $ 160 bilhões nos próximos 15 meses para apoiar medidas contra a epidemia do Covid-19, de forma a responder às suas conseqüências
imediatas na saúde e promover a recuperação e o crescimento
econômico. O Banco estaria tecnicamente preparado para apoiar os países na
redução do tempo de recuperação da economia, criar condições de crescimento,
apoiar pequenas e médias empresas e ajudar a proteger os pobres e vulneráveis.
[1] Honigsbaum,
M, Living with Enza: The Forgotten Story
of Britain and the Great Flu Pandemic of 2018, Palgrave Macmillan, London,
2008.
[2] Taubenberger,
J.K & Morens, D., 1918 Influenza: The
Mother of All Pandemics, Emerging Infectious Diseases Journal, Volume 12,
Number 1, January 2006, Ed. Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
[3] According
Ourworldindata.org.
[4] Chandra,
S. & Kassens-Noor, E. The Evolution
of Pandemic Influenza: Evidence from India, 1918-1919, in BMC Infectious
Diseases, 2014; 14:510.
[5] Estes dados podem ser encontrados
em um trabalho recente do Forum Econômico Mundial publicado em 23 de março de
2020. Ver Barro, R., Ursua, J. & Weng, Joanna, Coronavirus and the lessons we can learn from the 1918-1920 great influenza’s
pandemic.
[6] Karlsson,
M., Nilsson, T. & Pishler, S., The
Impact of the 1918 Spanish Flu Epidemic on Economic Performance in Sweden: An
Investigation into the Consequences of an Extraordinary Mortality Shock, April
3, 2013. Link: http://conference.iza.org/conference_files/SUMS_2013/pichler_s6888.pdf
[7]
O conceito de incerteza foi introduzido em economia por John Maynard Keynes e
está presente em suas principais obras (A
Treatise on Probability, 1921, A Treatise of Money,1930, e The General Theory
of Employment, Interest and Money, 1936). Também pode ser encontrado na
obra de Knight, F., H., (Risk, Uncertainty and Profit, Chicago, University of
Chicago Press, 1921). Ele está
associado a como os agentes econômicos se comportam de acordo com a informação
e suas decisões de investimento de acordo com fatores que afetam o
comportamento dos mercados e da economia como um todo.
[8] Ahir,
H, N Bloom, and D Furceri (2018), “World Uncertainty Index”, Stanford mimeo.
[9] A EIU faz um relatório de
desempenho da economia trimestral para cada uma dos 149 países que fazem parte
de seu painel
[10] Os economistas Sergio
Correia, Stephan Luck e Emil Verner divulgaram um documento de trabalho (ainda
não revisado por pares) na semana passada que torna esse argumento extremamente
persuasivo. Os três analisaram a pandemia de gripe espanhola nos Estados Unidos (1918-1919)
comparando cidades que adotaram políticas de quarentena e isolamento social
mais cedo do que aquelas que adotaram mais tarde. Eles concluiram que as primeiras
cresceram economicamente de forma mais rápida ao término da epidemia do que
aquelas que adotaram estas medidas tardiamente. Ver Correia, S.,
Stephan, L. & Verner, E., “Pandemics
Depress the Economy, Public Health
Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu”, March 30, 2020,
pre-print draft.
[11]
McKinsey & Company (2020), Covid-19:
Briefing Materials – Global Health and Crises´ Responses. Update April 3, 2020. Como a modelagem destas
estimativas leva em consideração a evolução da curva epidemiológica e
indicadores econômicos conjunturais que, neste contexto, mudam semanalmente (como
o caso do número de pedidos de seguro desemprego nos Estados Unidos que já
alcançam 10 milhões ao final da semana passada) as estimativas sobre o
crescimento do PIB necessitam de constantes atualizações.
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