Ano 15, No. 113, Janeiro de 2021
André Cezar Medici
Introdução
Erradicar doenças transmissíveis tem um grande
efeito positivo, não apenas em salvar vidas e garantir a sobrevivência, o
potencial de saúde e a qualidade de vida da humanidade, mas também em aumentar
a produtividade e fortalecer as economias, contribuindo para o crescimento
econômico e o bem estar. Mas o progresso no combate a doenças transmissíveis é
sempre desigual, dado que os países mais pobres não alcançam os recursos
necessários para combater vetores, imunizar sua população e disseminar medidas
de proteção coletiva entre as comunidades mais carentes.
Assim, investimentos para a erradicação de
doenças transmissíveis nos países mais pobres têm sido parcialmente financiados
através das iniciativas globais de organismos multilaterais ou fundações
privadas, hoje tão criticadas pelos governos xenófobos de plantão, os quais
instigam, através de seu populismo antiglobalizante, a negação de sua
importância, mesmo em pandemias como aquelas que estamos vivendo como a trazida
pelo Covid-19.
Em 2010, a Fundação Bill & Melinda Gates
– uma das maiores instituições não lucrativas que destinam fundos para o
benefício da saúde global – lançou uma iniciativa chamada A Década das
Vacinas, na qual comprometeu fundos de US$ 10 bilhões em dez anos para subsidiar
o acesso às vacinas infantis nos países mais pobres do mundo. Uma análise
custo-efetividade desta iniciativa, publicada na revista Heath Affairs
em 2011[i],
demonstrou que os efeitos de longo prazo com a introdução e aumento das taxas
de vacinação contra pneumonia pneumocócica em 72 países pobres, nos próximos 10
anos, salvaria 6,4 milhões de vidas, evitaria 426 milhões de casos de doença e
economizaria US$ 6,2 bilhões em custos de tratamento e US$ 145 bilhões em perdas
de produtividade.
Vejamos o caso das vacinas contra o Covid-19,
por exemplo. Os investimentos necessários para desenvolve-las em tão curto
espaço de tempo tem custos associados a pesquisa, testagem, validação,
estocagem e comercialização. Os países mais pobres, em geral aqueles que mais
necessitam de proteção contra os efeitos deletérios da pandemia, não participam
de todas as etapas (na maioria dos casos em nenhuma delas) do ciclo de produção
e distribuição de vacinas, e em geral tem que adquiri-las externamente e
desembolsar recursos proporcionalmente vultuosos para obtê-las, comparados aos
seus orçamentos públicos ou fundos disponíveis pelas suas famílias e
instituições.
Estimativas apresentadas no Fórum Econômico de
Davos (Suíça), que se realizou na semana de 25 a 29 de janeiro de 2021, evidenciam
que ao evitar desastres econômicos e ajudar a acabar com a pandemia, a
vacinação contra a Covid-19 iniciada em fins de 2020 nas 10 maiores economias
do planeta poderá gerar benefícios equivalentes a US$ 466 bilhões até 2025.
Mas quais seriam os benefícios estimados para
os países renda média e baixa? Deixá-los
sem acesso a vacinas em meio à pandemia causará danos econômicos significativos
não somente para estes países, mas para a população de todas as economias, dado
que eles passarão a ser locais privilegiados para a geração de novas variantes
dos vírus conhecidos, colocando o mundo inteiro em risco, o que poderá custar a
humanidade décadas de progresso econômico.
Desde que a pandemia se instalou, em março de
2020, iniciativas filantrópicas internacionais tem trabalhado intensamente, em
colaboração com organismos globais, para direcionar suas ações para o apoio à
capacitação dos países em gerenciar e solucionar a crise pandêmica e se
preparar para evitar futuros desastres, a partir da institucionalização de boas
práticas vivenciadas nos últimos meses.
O Acelerador de Ferramentas de Acesso ao
Covid-19
Em abril de 2020, como resposta a emergência
sanitária, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma iniciativa de grande
importância na busca de soluções globais para acelerar o fim da pandemia do Covid-19.
Esta iniciativa recebeu o nome de “Acelerador de Ferramentas de Acesso para o
COVID-19”[ii],
ficando conhecido de forma simplificada como ACT Accelerator, como uma parceria entre
várias instituições globais[iii].
O objetivo básico do ACT é acelerar o
desenvolvimento equitativo e o acesso a diagnósticos, terapias e vacinas para o
Covid-19, assim como melhores resultados na gestão pandêmica, através da
capacitação dos sistemas de saúde em 92 países de renda média e baixa. A
implantação global do ACT poderá reduzir a gravidade da pandemia, permitindo
que os países saiam mais rapidamente da crise e reiniciem os processos de recuperação
de suas economias e do comércio global, colocando a economia mundial de volta
na rota do crescimento sustentável. O ACT prevê investimentos da ordem de US$38
bilhões, entre 2020 e 2021, distribuídos em 4 pilares de investimento: (i) Capacidade
de Diagnóstico (US$6 bilhões), (ii) Terapia e Capacidade de Tratamento (US$7
bilhões), (iii) Vacinas (US$16 bilhões) e (iv) Sistemas de Saúde (US$9
bilhões). Os formuladores do ACT estimam que estes investimentos evitariam perdas
no produto global de US$9 trilhões entre 2021 e 2025.
As necessidades de investimento foram
calculadas com base em diagnósticos que foram sintetizados, pela WHO, no
gráfico abaixo:
Verificou-se que, em 2020, as condições de acesso às ferramentas para o enfrentamento do Covid-19 nos países de alta renda se encontravam mais adequadas quanto aos requisitos de prevenção (equipamentos de proteção pessoal-EPP), proteção (disponibilidade de vacinas) e diagnóstico (PCR e testes rápidos), embora ainda deficientes no que se refere ao tratamento. Nos países de renda média e baixa a situação se encontrava crítica em prevenção, tratamento e testes, e deficiente no que se refere ao acesso a vacinas, dado que alguns, com o apoio da ajuda internacional, já tinham a garantia de algum suporte para a provisão e distribuição.
Esse diagnóstico orientou as prioridades de
investimento de US$38,1 bilhões do orçamento do ACT, para serem gastos entre
setembro de 2020 e dezembro de 2021, mas até setembro de 2020 somente USS2,6
bilhões estavam comprometidos com recursos de doações. Em novembro de 2020,
existia uma brecha de financiamento da ordem de US$28,5 bilhões para o ACT, distribuída
de acordo com os 4 pilares do programa, como pode ser visto na tabela abaixo. Destes
recursos, US$4,6 bilhões deveriam ser obtidos até março de 2021 para o
financiamento urgente em áreas críticas de cada um dos pilares para aliviar os
países na fase mais aguda da pandemia.
Necessidades preliminares de financiamento do
Acelerador de Ferramentas de Acesso para o Covid-19 (ACT), de Novembro de 2020
até o final do Programa em Dezembro de 2021 (em US$ milhões)
Atividades |
Valor
(US$ M) |
% |
Pilar
de Capacidade de Diagnóstico |
5.625 |
19,6 |
Desenvolvimento, disponibilidade
e acessibilidade para testes, incluindo o seu processamento digital. |
346 |
1,2 |
Fortalecimento da capacidade
laboratorial e treinamento de técnicos de laboratório |
396 |
1,4 |
Pesquisas operacionais para
modelos rápidos inovadores de realização de testes e inovação em políticas |
122 |
0,4 |
Financiamento de 500 milhões de
testes realizados em 12 meses nos países de renda média e baixa |
4.461 |
16,6 |
Pilar
de Terapias e Capacidade de Tratamento |
6.150 |
21,7 |
Pesquisa e desenvolvimento em
novos antivirais, anticorpos monoclonais e novas terapias |
820 |
2,9 |
Licitações e aquisição de anticorpos
monoclonais e outros medicamentos |
1.420 |
5,0 |
Ampliação da capacidade de
produção de anticorpos monoclonais e outros medicamentos |
200 |
0,7 |
Estruturação dos mercados de produção
de anticorpos monoclonais e outros medicamentos |
310 |
1,1 |
Licitações para a contratação de
estudos de avaliação clínica dos impactos de novas terapias. |
3.400 |
17,9 |
Pilar
de Vacinas (COVAX) |
7.825 |
27,6 |
Suporte e financiamento a ensaios
clínicos para acelerar o desenvolvimento e licenciamento de vacinas |
820 |
2,9 |
Facilitar a solidariedade global
para a fase 3 de ensaios clínicos |
289 |
1,0 |
Apoio e supervisão às redes e
necessidades de regulação |
8 |
0,0 |
Investimento e reserva antecipada
de doses dos produtores para os 92 países de renda média e baixa |
5.233 |
18,4 |
Assegurar a equidade e justiça
global, ética e orientações políticas na distribuição das vacinas |
2 |
0,0 |
Preparação dos países e
distribuição equitativa das vacinas nos países de baixa renda |
1.434 |
5,1 |
Provisão de assistência técnica
global, regional e ao nível dos países, identificar e contratar especialistas |
39 |
0,2 |
Pilar de
Sistemas de Saúde |
9.098 |
32,0 |
Inovação, capacitação e gestão
dos sistemas para a crise pandêmica |
50 |
0,0 |
Inovação, capacitação e gestão na
provisão de oxigênio (02) |
50 |
0,0 |
Prevenção e controle de infecções
nas unidades de saúde |
102 |
0,0 |
Organização das cadeias de
suprimentos |
198 |
0,1 |
Custos de coordenação global |
189 |
0,1 |
Apoio às respostas da comunidade |
100 |
0,0 |
Apoio ao tratamento clínico |
211 |
0,1 |
Licitações para a aquisição de
equipamentos de proteção pessoal |
6.598 |
23,3 |
Licitação para a aquisição de
oxigênio (O2) |
1.600 |
8,4 |
ESTIMATIVA DOS CUSTOS TOTAIS |
28.698 |
100,0 |
Fonte: OMS (2020a).
O Pilar de Testes
As atividades implementadas pelo ACT em 2020
foram essenciais para apoiar o desenvolvimento de testes rápidos para o
Covid-19 em todo o mundo, o que significa um grande progresso em relação aos
antigos processos na geração de testes relacionados a outras doenças
transmissíveis. Para fazer uma comparação, os testes necessários para a
identificação de infectados pelo HIV-AIDS demoraram mais de 5 anos para serem
desenvolvidos, estabilizados e disseminados, enquanto que os relacionados ao
Covid-19 demoraram apenas meses. Especificamente, os testes rápidos antigênicos
de qualidade que não necessitam de laboratórios para serem processados, foram
desenvolvidos em apenas 8 meses com o apoio do ACT. Em março de 2021 estarão
sendo produzidos, e cerca de 200 milhões destes já estão reservados para serem
aplicados nos países de renda média e baixa, podendo alcançar até 500 milhões
de testes neste mesmo ano, a serem distribuídos, com grande impacto para
trabalhadores de saúde e populações vulneráveis nestes países. Os US$ 5,3
bilhões adicionais destinados deverão apoiar a capacidade de testagem para o
Covid-19 nos países mais necessitados, ajudando-os no planejamento do controle
pandêmico e, consequentemente, na criação de um estado de confiança para a reconstrução de suas economias. Os recursos incluem subsídios
para os países que não tem fundos para licitar e comprar estes testes,
auxiliando-os também na logística e preparação de sua capacidade de testagem.
O Pilar de Terapias e Capacidade de Tratamento
Este pilar se destina, prioritariamente a
viabilizar a produção de anticorpos monoclonais para o tratamento da Covid-19,
aumentar a produção e uso de dexametasona, ainda que mantendo a
flexibilidade para incluir novos tratamentos que se mostrarem efetivos para os
casos moderados e graves de Covid-19 ao longo de 2021. Ao longo de 2020, os
investimentos iniciais nesse pilar foram exitosos na identificação da dexametasona
como primeiro medicamento com resposta positiva no tratamento grave do Covid-19
(com uma redução estimada de 21% na mortalidade de casos graves, segundo estudo
publicado no JAMA em 2020[iv]).
Os investimentos de 2020 também ajudaram a identificar os anticorpos
monoclonais como profilaxia no tratamento precoce de pacientes não hospitalizados,
onde os resultados preliminares demonstraram uma redução de até 80% nas
necessidades de hospitalização. Em 2021 (e provavelmente 2022) a meta seria dar
acesso a 2,2 milhões de pacientes nos países de média e baixa renda que
necessitam deste tipo de tratamentos. Os investimentos de US$6,2 bilhões vão
apoiar pesquisas em antivirais, anticorpos monoclonais e novas terapias, bem
como ampliar a produção e as vias de comercialização já existente destas
terapias para aumentar a capacidade de licitação dos países de renda média e
baixa na sua aquisição, fomentando também os processos de avaliação clínica
para que se obtenha maior precisão nos resultados alcançados por estas
terapias.
O Pilar de Vacinas (COVAX)
Até novembro de 2020, 94 países de renda alta e
média-alta haviam assinado o compromisso de financiamento da iniciativa de
GAVI, CEPI e WHO para a produção de vacinas para o Covid-19, chamada de COVAX,
o qual é o pilar de vacinas financiadas pelo ACT. O COVAX se destina a acelerar
o desenvolvimento e fabricação das vacinas para o Covid-19 e garantir sua
distribuição justa e equitativa ao nível global e no interior de cada país, com
a meta de alcançar 2 bilhões de doses de vacina distribuídas até o final de
2021. As necessidades de financiamento estimadas em US$8,5 bilhões neste pilar
serão utilizadas em áreas críticas para o desenvolvimento do COVAX, tais como:
(i) investimentos na transferência de tecnologias e ampliação da capacidade de
produção ao nível global; (ii) garantia de que as doses serão distribuídas,
priorizando os países mais pobres, através de pré-acordos de compra (advance purchase agreements), sendo este
o maior componente de gasto, e; (iii) assistência técnica e para que os países
mais pobres estejam logisticamente preparados para a disposição, estocagem e
distribuição equitativa das vacinas adquiridas através dos instrumentos do
COVAX. Na medida em que cada farmacêutica, individualmente, não terá a
capacidade de produzir esta quantidade de doses, será necessário financiar o
maior número possível de alternativas desde que os ensaios clínicos de fase 3
estejam concluídos, indicando resultados satisfatórios sobre a eficácia das
vacinas. Assim, parte destes recursos poderá ser dedicada a conclusão destes
ensaios clínicos.
Pilar dos sistemas de saúde
A maioria dos países de renda média e baixa não
conta com sistemas de saúde funcionalmente capacitados para gerenciar, no curto
prazo, o esforço necessário para reduzir os riscos pandêmicos associados ao
Covid-19. Com base nestas evidências, boa parte dos US$9,1 bilhões de recursos
deste pilar busca identificar as debilidades dos sistemas de saúde destes
países e realizar esforços para fortalece-las através da provisão de
equipamentos de proteção pessoal (EPP) e provisão de insumos como oxigênio para
proteger os profissionais de saúde e garantir que os sistemas de sustentação da
vida nos hospitais estejam garantidos para o sucesso das estratégias de
tratamento. Mas para que estes sistemas se sustentem, não apenas os insumos
mencionados serão necessários, mas também estratégias de capacitação de
profissionais de saúde na gestão destes insumos, no gerenciamento da segurança
aos pacientes nas unidades de saúde para a utilização adequada das
funcionalidades existentes para tais finalidades.
Como financiar a brecha de recursos para o ACT?
De acordo com um informe produzido pela OMS em
dezembro de 2020[v],
80% da brecha de recursos do ACT para 2021 serão destinados a licitações nas
quatro áreas do programa (US$22,6 bilhões) abrangendo bens e serviços como
vacinas, equipamentos de proteção pessoal, testes, oxigênio, medicamentos, como
anticorpos monoclonais, e outros. Dos recursos destinados a licitações, cerca
de US$4,1 bilhões deverão ser gastos no primeiro trimestre de 2021. Mas existem
grandes dúvidas sobre como esses recursos serão financiados, dada a dimensão da
brecha de recursos para o financiamento do ACT.
É certo de que parte desses recursos seria
financiada com os tradicionais fundos de assistência oficial ao desenvolvimento
(oficial development assistance ou ODA)[vi],
mas dada a atual crise econômica provocada pela pandemia, os recursos ODA
disponíveis não terão tanta elasticidade para expandir e financiar os
requerimentos dos fundos para ACT, sem que deixem de financiar outras
atividades com as quais estes fundos já estão comprometidos. Durante a presente
década, os recursos ODA para a saúde não tem crescido substancialmente. De
acordo com o grupo de trabalho de financiamento do ACT, seria necessário que se
colocasse pelo menos US$20,0 bilhões em 2021 para o financiamento das
atividades do ACT, mas essa possibilidade é um tanto remota, dado que o que
parece seguro até o momento é contar com US$3,0 bilhões de recursos ODA para
essas atividades, o que representa, em média, o montante que os fundos ODA tem
dedicado anualmente para atividades novas em saúde nas últimas duas décadas.
Eventualmente seria possível contar com recursos
excepcionais de ODA, tomando em consideração que as atividades públicas dos
governos soberanos dos países ricos, ao longo de 2021, ainda serão financiadas com
estímulos fiscais para mitigar as necessidades de manter a demanda e combater a
pandemia. Adicionar a estes estímulos fiscais alguma forma de rateio para o
financiamento excepcional de recursos ODA para as atividades do ACT poderia ser
uma possibilidade, mas haveria a necessidade de calcular quanto seria possível
levantar através desses mecanismos no curto prazo.
Uma hipótese adicional seria contar com
recursos de doações do setor privado, envolvendo não somente recursos de
grandes corporações internacionais, mas também de instituições de filantropia.
Nesse particular, as estimativas do grupo de financiamento do ACT chegam a
valores próximos a US$1,5 bilhões.
Também se poderia contar, eventualmente, com
recursos levantados através de títulos de dívida social, conhecidos na
literatura recente como social impact bonds (SIB)[vii].
O uso de SIB, segundo o grupo de financiamento da ACT, dadas as circunstâncias
da pandemia e a solidariedade de corporações e organizações
financeiras internacionais em acelerar o fim da pandemia, poderia gerar recursos para o
financiamento do ACT da ordem de US$3 bilhões em 2021, mas o desenho do
mecanismo financeiro e a sua comercialização e sensibilização no mercado
internacional poderia tomar algum tempo, o que dificultaria ter esses recursos
para o financiamento de atividades mais imediatas.
Uma outra opção levantada pelo grupo de
financiamento do ACT seria a de utilizar uma abordagem programática multifásica
(MPA)[viii]
com instituições como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial ou outros bancos de desenvolvimento, para a estruturação dos investimentos do ACT em distintas fases, com recursos delimitados para cobrir as necessidades de financiamento
para o ACT nas primeiras fases em 2021. O Banco Mundial tem utilizado muito
este tipo de financiamento para projetos de longo prazo nos países em desenvolvimento,
dado que ela permite preparar as fases subsequentes como operações separadas, incentivando
a incorporação das lições aprendidas nas fases anteriores às novas fases e garantindo
que as operações permitam maior capacidade de resposta às mudanças circunstanciais.
O uso de empréstimos MPA do Banco Mundial, poderia adicionar US$3 bilhões aos
recursos do ACT para 2021 nas primeiras fases dos respectivos empréstimos aos diversos
países, mas há que garantir que estes empréstimos sejam preparados,
negociados e aprovados em fast-track, o que muitas vezes esbarra em
situações difíceis, tais como os tempos dos organismos internacionais para a
preparação de empréstimos e a morosidade dos congressos nacionais em aprovar
empréstimos externos.
Outras alternativas estariam na utilização de
mecanismos de crédito que garantam a liquidez no curto prazo e que tenham baixo
impacto na dívida de longo prazo dos países já altamente endividados por conta
da crise, tais como a emissão de direitos especiais de saque (SDR), uso
de empréstimos buy downs[ix],
operações de troca de dívida[x],
e outras.
Dadas as circunstâncias atuais para a obtenção
de recursos através destes mecanismos de crédito ou doações, o grupo de
financiamento da ACT considera, numa visão realista, que será mais factível em
2021 financiar as atividades do ACT através dos recursos ODA existentes (US$3
bilhões), doações do setor privado (US$1,5 bilhões), SIBs (US$ 3,0 bilhões) e
MPA do Banco Mundial (US$3,0 bilhões) o que garantiria US$10,5 bilhões, ou
ainda 37% dos US$28,1 bilhões globais de necessidades de financiamento para o
ACT do Covid-19.
O restante dos recursos não teria a
possibilidade de contar com instrumentos de financiamento com o mesmo grau de factibilidade,
mas poderiam eventualmente ser obtidos através de recursos excepcionais de ODA
(US$12 bilhões), empréstimos de outros bancos multilaterais regionais, empréstimos
buy downs envolvendo instituições filantrópicas, debt-swaps e
outros mecanismos.
Estados Unidos volta a contribuir para o financiamento
global do combate à pandemia
Em 22 de janeiro de 2021, o novo presidente
norte-americano Joe Biden anunciou o retorno dos Estados Unidos ao financiamento
da WHO, desmontando as iniciativas lideradas pelo Governo Trump em deixar de
contribuir para o financiamento de iniciativas de saúde global, onde os
recursos alocados pelo país representavam 20% do total de fundos disponíveis.
Dessa forma, o novo presidente se comprometeu a colocar recursos para o financiamento
da COVAX (Pilar de vacinas do ACT), o que é bem vindo em um momento crucial para o
cumprimento das promessas de 2 bilhões de doses de vacina a um preço reduzido, beneficiando
os países mais pobres do planeta.
Ainda não se sabe qual seria a contribuição dos
Estados Unidos e, de acordo com informações do Fórum Econômico Mundial, até a
semana passada, somente US$1,4 bilhões estavam garantidos para o financiamento
do COVAX, o que representa apenas 18% das necessidades de financiamento
estimadas para 2021. Os recursos a serem colocados pelos Estados Unidos poderiam
complementar parcialmente este gap de financiamento, mas o valor a ser alocado
depende, neste momento, da aprovação do pacote emergencial de US$1,9 trilhões
submetido pelo Presidente Joe Biden ao congresso norte-americano.
Notas ao texto
[i] Stack, M.L, Ozawa, S.,
Bishai, D.M., Mirelman, A., Tam, Y. and others (2011) Estimated Economic
Benefits During The ‘Decade of Vaccines’ Include Treatment Savings, Gains in
Labor Productivity in HEALTH AFFAIRS VOL. 30, NO. 6: special number for the
STRATEGIES FOR THE ‘DECADE OF VACCINES`.
[ii] Organização Mundial da Saúde
- OMS (2020a), ACT Accelerator: Access to Covid-19 Tools. Urgent Priorities
& Financing Requirements at 10 November 2020, Averting the deepening human
& economic crisis due to COVID-19, Ed. WHO, Geneve, November, 2020.
[iii] O ACT, ainda que liderado pela OMS,
é uma parceria, tanto no financiamento como na implementação, de várias
instituições globais, onde se destacam The Vaccine Alliance (GAVI), The
Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), Wellcome Trust
(instituição filantrópica global destinada a melhorar a saúde de todos ajudando
grandes ideias a se transformarem em realidade), FIND (instituição
caritativa global dedicada a prover diagnósticos para todos através de soluções
simples para as doenças que afetam os mais pobres); The Global Fund
(instituição global, inicialmente dedicada ao financiamento de ações contra a
malária, tuberculose e AIDS, hoje dedicada a doenças transmissíveis); Bill
& Melinda Gates Foundation, Banco Mundial, e UNITAID, que é uma
iniciativa global criada em 2006 para inovações na prevenção, diagnose e
tratamento das principais doenças transmissíveis em países de renda média e
baixa.
[iv] Sterne J.A.C., Murthy, S., Diaz,
J.V., Slutsky, A.S., Villar, J. et al. (2020) Association between
administration of systemic corticosteroids and mortality among critically ill
patients with COVID-19: a meta-analysis. JAMA. 2020; 324:1330-1341. Doi:
10.1001/jama.2020.17023.
[v] Organização Mundial da Saúde
- OMS (2020b), A Financing Framework for the 2021 ACT-A funding gap, 3rd
Facilitation Council, December 14, 2020.
[vi] Os recursos etiquetados como
ODA são aqueles que provêm dos tradicionais instrumentos de financiamento ao
desenvolvimento de organismos internacionais, como os das Nações Unidas e suas
agências, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Bancos Regionais de
Desenvolvimento, além dos fundos bilaterais dos países ricos, através de
instituições como a USAID, DFID e outras.
[vii] Um SIB é um contrato entre investidores
e o setor público ou autoridade governante de um determinado país, pelo qual o
governo realiza investimentos associados a resultados pactados em determinadas
áreas sociais. O tomador dos recursos é o setor público e o reembolso e o
retorno do investimento dependem da obtenção dos resultados sociais desejados.
Se os objetivos não forem alcançados, os investidores não recebem nem o retorno
nem reembolso do principal, mas o governo perde credibilidade no financiamento
de outras partes de suas dívidas. Os SIB derivam seu nome do fato de que seus
investidores são tipicamente aqueles que estão interessados não apenas no
retorno financeiro de seus investimentos, mas também em seu impacto social. Operações
como SIB tem aumentado nos últimos anos como forma dos investidores e as
empresas expandirem sua responsabilidade social. Como em geral, envolvem a
sociedade como “terceiro”, tem sido também uma forma de aumentar o envolvimento
da comunidade e sua conscientização das questões sociais. A maioria dos SIB tem
sido realizados em áreas sociais, ambientais e de governança.
[viii] Os Multiphase Programmatic
Approach (MPA) são linhas de crédito que permitem aos países estruturem contratos
longos para temas complexos, através de um conjunto de operações (ou fases)
menores associadas a um determinado programa. O resultado da quebra de um único
empréstimo em fases, leva os clientes estruturar as necessidades de
financiamento, permitindo um uso mais eficiente dos recursos financeiros, tanto
para o prestamista quanto para os clientes. Esse tipo de "abordagem
adaptativa" também fortalece o potencial de aglomeração de distintas
fontes de financiamento para apoiar os objetivos de desenvolvimento.
[ix] Buy Downs Loans são empréstimos, normalmente
utilizados no setor saúde associados a organismos internacionais, entre uma
instituição financeira, o país tomador de recursos e um doador internacional,
onde o último estaria disposto a pagar a totalidade ou parte dos empréstimos
fornecidos à instituição financeira, muitas vezes pagando apenas o valor do
principal, ou pagando o valor dos juros.
[x] Operações de troca de dívida
(debt-swap) são aquelas onde o credor compra a dívida bancária em dólar
de um país com desconto e troca essa dívida com o banco central por moeda local
que pode usar para adquirir capital local.