Ano 10, No. 76, Abril 2016
Em fevereiro deste ano, dei uma entrevista para a jornalista Ana Jussara Leite, da Revista da Feira Hospitalar, sobre a saúde pública e privada em 2015, ao nivel nacional e internacional, e algumas propostas tópicas para reformas necessárias no Brasil.. Os pontos principais foram publicados na material organizada pela jornalista nas páginas 36 e 39 da revista, que pode ser visualizada em http://www.hospitalar.com/index.php?option=com_sppagebuilder&view=page&id=122&lang=pt. Publico para vocês a íntegra da entrevista. Este ano a feira hospitalar vai abordar, entre outros temas de sua area de eventos, o da economia da saúde.
AJL - Qual o retrato que o Sr. faria do setor
de saúde pública e privada nos principais países do mundo, no ano de 2015?
Quais os fatores que mais impactaram o setor neste e nos últimos anos? Como a
crise financeira dos principais países, a crescente questão migratória na
Europa e o ressurgimento de epidemias (ebola, zika vírus, etc) influenciaram o
atendimento e a qualidade da saúde prestada às populações? Onde houve avanços e
retrocessos?
AM – No ano
de 2015 predominaram os mesmos fatores que tem levado o gasto de saúde, ao
nivel mundial, a continuar crescendo. Envelhecimento da população, inovações na
geração de medicamentos e tecnologia médica e aumento da cobertura de saúde nos
países em desenvolvimento, são fatores continuam pressionando o crescimento dos
gastos em saúde. Em alguns países em desenvolvimento, os gastos começaram a se
reduzir pela deterioração da gestão pública, da economia e da governabilidade.
A fumaça dos BRICS vem se dissipando ao
meio dos escândalos de corrupção, ineficiência, queda dos preços das matérias
primas, conflitos desnecessários e a persistência do populismo.
Em 2013
(último ano com informação global da OMS sobre o tema) os gastos em saúde
alcançaram 8,6% do PIB mundial, em termos de paridade do poder de compra (PPC).
Destes, a maioria (57,6%) correspondia ao gasto público o qual cresce como
proporção do gasto total em saúde na medida em que avança o processo de
desenvolvimento. Na Região das Américas – puxado pelos Estados Unidos e pelo
Canadá – o gasto em saúde alcançava 13,6% do PIB e nos países Europeus 8,9% no
ano de 2013. Mas a discrepância na participação do gasto público entre estas
duas regiões é muito grande: 49,4% nas Américas comparado com 72,5% na Europa.
Países como os Estados Unidos, por exemplo, gastam 17,1% do PIB e 47,1% do
gasto em saúde é público. No Brasil, o gasto público em 2013 alcançou 9,7% do
PIB e cerca de 48% do gasto foi público. Mas é possível que essa proporção tenha
caido recentemente em função da crise fiscal e dos cortes do gasto público.
A crise
financeira já está sendo superada na maioria dos países desenvolvidos e o gasto
de saúde parece voltar a crescer em alguns países entre 2012 e 2013. De 53
países europeus listados pela OMS, somente 13 tiveram redução absoluta no gasto
percapita em saúde. Entre eles, alguns mais fortemente afetados pela crise,
como Espanha, Itália e Portugal, mas essa situação parece ter se revertido em
2014 e 2015. Obviamente que a questão migratória na Europa e nos Estados Unidos
tem sido um grande fator de pressão no aumento dos gastos públicos em saúde e
na deterioração da qualidade das políticas assistenciais e esse tema poderá ser
importante na redefinição de estratégias de prestação de serviços de saúde nos
próximos anos. No entanto, estudos recentes realizados na Inglaterra em outubro
de 2015, mostram que a migração não tem tido impacto no aumento dos tempos de
espera e nas filas associadas aos serviços de saúde até o momento.
Outro risco
tem sido o crescimento das epidemias descontroladas, especialmente em regiões
em desenvolvimento – como o ébola na África e mais recentemente o Zika e as
perspectivas para a microcefalia no Brasil, ameaçando também a integridade
epidemiológica dos países desenvolvidos, alguns dos quais estão totalmente
preparados para enfrentar epidemias, caso estas ocorram. Casos de Zika, por
exemplo, ainda que importados da América Latina, tem sido registrados em países
como os Estados Unidos e algumas nações européias.
AJL - Comparando a situação do Brasil com as
demais economias mundiais, o que mais preocupa? (se puder fornecer estatísticas
sobre os principais indicadores de saúde, seria ótimo!)
AM - No
caso brasileiro, a crise tem tido impacto tanto nos gastos públicos de saúde
como nos planos de saúde. Desde 2014 tem sido verificados cortes nos gastos
públicos do Governo Federal em Saúde. Segundo estimativas que tenho realizado,
os gastos federais em saúde se reduziram em 9% entre 2014 e 2015 e as perspectivas
para 2016 indicam que mais cortes sejam realizados. Em alguns Estados que
perderam receitas com a crise, como é o caso do Rio de Janeiro, os cortes tem
sido maiores, trazendo impactos como os ocorridos em dezembro de 2015, como o
fechamento de hospitais e UPAs e deixando a população desassistida.
Países como
Brasil e Venezuela, na América Latina, e Rússia, no contexto europeu,
representam graves situações de deterioração das condições de saúde, onde o
tema do financiamento pode ser parte do problema, mas também se destaca a
ineficiência na gestão pública. O que mais preocupa, portanto, não é o fato de
faltar recursos mas a ausência de um plano para evitar que a situação fique
ainda pior. Com a epidemia de Zika, por exemplo, todas as atenções se voltam
para os problemas de combate ao Aedis Aegypit, mas o problema da deterioração
das condições assitenciais nos estabelecimentos públicos tem sido totalmente
abandonado.
A crise
também tem tido impacto no setor de saúde suplementar. O mercado brasileiro de
planos de saúde médico-hospitalares registrou, no terceiro trimestre de 2015 em
relação ao trimestre anterior, uma queda de 0,5% dos usuários, o que
representou a saída de 236,2 mil beneficiários. Com o aumento do desemprego e a
falta de uma solução para a grave crise econômica e de governabilidade do país,
essa situação tende a se deteriorar ainda mais em 2016.
No entanto,
diferentemente do que parece estar ocorrendo no setor público, o setor de saúde
suplementar vem ampliando a oferta de serviços, especialmente hospitalares. Por
exemplo, de acordo com os dados apresentados pelo IESS, os planos de saúde
ofereciam em setembro de 2015, 2,6 leitos para cada grupo de mil beneficiários,
índice que atende o padrão recomendado pelo Ministério da Saúde, (2,5 leitos para
cada mil beneficiários), comparado com o SUS que oferece apenas 1,5 leito para
cada grupo de mil brasileiros, situação que tende a se deteriorar com o
fechamento de leitos públicos e a insuficiência de recursos para investimentos
no setor prevista para os próximos dois anos.
AJL - Quais
são os caminhos e alternativas para que o setor possa, em 2016, manter os
níveis de atendimento de saúde e conseguir avanços de qualidade e de cobertura
percebidos pela população?
AM - Ainda
que questões emergenciais, como as epidemias de dengue e Zika sejam importantes
para evitar um mal estar ainda maior no setor, é necessário não perder o foco
em manter o atendimento da população nos setores de saúde básica, urgência e
emergência e evitar a descontinuidade dos serviços de promoção e prevenção que
estavam avançando até cinco anos atrás, em áreas como os programas de saúde da
familia (PSF) e em temas como o controle dos fatores de risco associados a
doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares, depressão) que poderão
aumentar como resultado do stress trazido pela crise econômica e a falta de
perspectivas. Nesse sentido, eu proporia uma agenda de quatro pontos:
1. No
âmbito dos direitos, das mudanças culturais e demográficas, consolidar
mecanismos que atendam aos reclamos mais imediatos da população, evitando as
filas, melhorando a qualidade e resolvendo os problemas que se apresentam nos
estabelecimentos de saúde. É necessário aumentar a qualidade mas também tratar
os cidadãos com a dignidade e respeito, criando instâncias para resolver as
queixas e avaliar a qualidade e a satisfação dos usuários dos serviços
públicos.
2.No ámbito
do financiamento, completar o processo que possa garantir, de um lado, um
melhor uso dos recursos existentes do SUS, aumentando a eficiência, a
fiscalização para reduzir a corrupção e o mau uso e garantido os recursos
suficientes para financiar a expansão das necessidades da população.
3.No âmbito
da Gestão dos Serviços, estabelecer processos que integrem os serviços, desde a
atenção básica aos hospitais, com os serviços auxiliares e a oferta de
medicamentos, e estabelecer modelos alternativos de gestão dos serviços, que
permitam aumentar a autonomia gerencial, premiar a eficiência e remunerar os
estabelecimentos e o pessoal de acordo aos resultados alcançados. Os serviços
devem também ser modernizados, a través do uso em massa de tecnologicas de
informação e comunicação, que permitam a marcação eletrônica de consultas
médicas e a existência de registros eletrônicos que contenham os dados clínicos
dos pacientes para acompanhamento com qualidade e para a produção e análise de
dados e tendências do setor, como forma de subsidiar os processos de
planejamento;
4. No
âmbito da coordenação do SUS com o Setor Privado: O SUS não é um sistema único,
e nem totalmente estatal. Cerca de dois terços dos leitos hospitalares
pertencem ao setor não estatal – lucrativo e filantópico – e o SUS não apenas
necessita da rede privada (que hoje administra boa parte das organizações
sociais em São Paulo, por exemplo) mas também fornece serviços de alta
tecnologia para os usuários dos planos de saúde. Portanto, há que aumentar os
níveis de coordenação entre o SUS e a saúde suplementar.