domingo, novembro 21, 2010

Globalização, Comércio Exterior e Vigilância Sanitária

Ano 5, No. 26, Novembro 2010


André Medici



Desde a 8ª. Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, o Brasil vem progressivamente realizando mega-eventos em saúde. Gerais ou temáticos, esses mega-eventos cristalizam a expressão política e vocalização de interesses da sociedade organizada do setor (profissionais de saúde, usuários, gestores públicos ou privados) permitindo a discussão e disseminação de aspectos técnicos, doutrinários e organizacionais associados à implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles tem tido um papel essencial na disseminação da Reforma Sanitária Brasileira e na construção progressiva de um consenso que tem garantido a estabilidade do SUS nos últimos vinte anos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO – é uma das entidades que tem tido papel ativo na organização destes Congressos e na construção desses consensos.

Organizando mega-eventos desde os temas mais gerais, como os de Saúde Coletiva, até os específicos como Recursos Humanos em Saúde, Epidemiologia ou Vigilância Sanitária e Economia da Saúde, a ABRASCO tem se associado a distintas organizações de saúde no Brasil para na busca de parcerias para estes eventos. No campo da Vigilância Sanitária, com o apoio institucional da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (ANVISA), a ABRASCO já organizou cinco Simpósios Brasileiros de Vigilância Sanitária (SIMBRAVISA).

O V SIMBRAVISA, realizado entre 13 e 17 de Novembro de 2010, ocorreu na cidade de Belem, capital do Estado do Pará, contando com mais de 2000 participantes. Fui convidado a coordenar de uma mesa sobre Globalização, Comércio Exterior e Vigilância Sanitária durante este evento. Participaram da mesa Neilton Araujo de Oliveira, Diretor Adjunto da ANVISA, José Manoel Cortiñaz Lopez, técnico da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) e Marcelo Liebhart da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA). Tanto as apresentações como as discussões suscitaram interessantes questões que me levaram a escrever esta postagem.

Globalização e Comércio Exterior

Em poucas palavras, globalização é o aumento da interdependência entre as nações que ocorre através da intensificação da troca de informação entre distintos países, com impactos diretos na vida cultural, nos valores, nos hábitos e costumes, nos padrões de consumo e consequentemente no comércio exterior.

Como resultado no plano do comércio exterior, os países reduzem suas barreiras alfandegárias e tarifárias, aumentam os acordos internacionais e a padronização dos produtos, as exportações e importações, colocando em prática o aproveitamento das vantagens comparativas e competitivas de cada país. As importações/exportações como proporção do PIB tendem a aumentar com impactos importantes na qualificação e especialização dos mercados de trabalho e o direcionamento dos investimentos de infra-estrutura.

A globalização constuma se expandir durante os períodos de prosperidade econômica internacional. Nesse sentido, os efeitos da globalização podem se registrados desde a época dos fenícios, mas tem aumentado vertiginosamente nas últimas décadas com a revolução trazida pelas tecnologias de informação e de comunição on line.

Analogamente, a globalização tende a se retrair nos períodos de crise econômica, e quanto mais profunda são as crises, mas intensa é a reversão dos processos comerciais (e com o tempo, comportamentais) associados à globalização. Portanto, as crises são inimigas naturais dos processos de globalização. Em geral elas aumentam o comportamento defensivo dos países na proteção de seus mercados nacionais de forma a privilegiar a produção doméstica e reduzir as importações. Nos anos mais recentes, de rápida propagação e transferibilidade da informação, conhecimento e tecnologia, os países em desenvolvimento são os que mais ganham com a globalização. São eles que se beneficiam da queda (ainda que parcial) do protecionismo dos países desenvolvidos com o favorecimento e maior exposição de suas indústrias nacionais aos mercados globais, e com o consequente crescimento da qualidade e empregabilidade de sua força de trabalho. Mas as crises também afetam proporcionalmente mais os países em desenvolvimento, com a reversão da globalização. O crescimento do protecionismo dos países desenvolvidos desacelera a dinâmica das indústiras exportadoras nos países emergentes o que nem sempre pode ser contrabalançado pela absorção do excedente de produção pelos mercados internos. Países como a China e o Brasil, que tiveram um crescimento acelerado de suas classes médias consumidoras na última década tem de certa forma ocupado parcelas do mercado interno com a crise financeira que se instalou na economia mundial em 2008, por exemplo.

Uma das perguntas mais frequentes sobre a globalização é associada a sua reversibilidade. A globalização pode acabar? Dependendo da severidade das crises, ela pode ser profundamente afetada. Em distintos momento ao longo da história a globalização se reverteu, trazendo como resultados mudanças nos padrões de consumo e investimento e até mesmo nos paradigmas sociais, econômicos e culturais. Mas sempre ficava algo para ser retomado na próxima onda expansiva da economia, pelo menos no que se refere aos ciclos econômicos de longo prazo (os kondratiefs, em homenagem ao economista que os descobriu, detentor deste sobrenome). Podemos dizer que o que vivemos hoje representa o estágio mais avançado que a globalização já enfrentou na história mundial. As pequenas reversões recentes certamente não ameaçam estruturalmente o estágio de globalização já alcançado pela humanidade.

Uma outra pergunta frequente se associa aos fatores que atrapalham o processo de globalização. Do ponto de vista comercial, os fatores mais comuns são: (a) Movimentos defensivos que estabelecem tarifas comerciais de importação ou exportação. Sempre perdem os países que exportam imposto ou os que são involuntariamente afetados pelo aumento de seus preços finais devido a impostos cobrados por países que importam seus produtos; (b) Desequilíbrios artificiais na taxa de câmbio que reduzem involuntariamente a competitividade do país que tem o câmbio super-valorizado, ou aumentam injustamente a competitividade do país que desvaloriza artificialmente sua moeda; (c) Práticas comérciais não adequadas como dumping, geração de subsídios a exportação e outras que reduzam artificialmente os preços finais dos produtos exportados e (d) taxas elevadas de juros, que costumam afetar negativamente a contração de créditos de curto prazo que auxiliam o financiamento das atividades de exportação e importação.


Efeitos da globalização nas políticas de saúde e vigilância sanitária


Historicamente, a saúde tem sido um dos setores que demandam mais tempo para adaptar-se as mudanças trazidas pela globalização, mas isto, recentemente, tem mudado rapidamente e vários fatores tem contribuido para tal, destacando-se:

(a) a difusão global de tecnologias e protocolos médicos;

(b) o papel das indústrias de medicamentos e equipamentos médicos que tendem a mobilizar recursos mundiais em suas estratégias de pesquisa e na difusão comercial de seus produtos e;

(c) os meios de comunicação de massa e a internet, que colocam nas telas todos os avanços possíveis da medicina que passam a ser objeto de cobiça e de consumo, dado que na sociedade contemporânea a longevidade saudável passa crescentemente a ser uma das maiores aspirações de consumo da humanidade.

Nesta perspectiva, aumenta constantemente o peso dos bens e serviços de saúde nas pautas de importação, aumentando também o papel dos órgãos de vigilância sanitária dos distintos países, como é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil. As tarefas destas agências que se associam aos processos de globalização são:

(a) a conformidade dos produtos e serviços importados com padrões de uso e normas de segurança aceitáveis nacionalmente;

(b) a adaptabilidade destes bens e serviços aos padrões e estruturas de demanda nacional (tanto intermediária como final);

(c) a prioridade dos produtos, estratégias e protocolos importados ou exportados ao quadro epidemiológico nacional e

(d) a sua relação custo-efetividade e, portanto sua sustentabilidade em relação à renda das familias e aos gastos governamentais.

Migrações internacionais, remessas de recursos, intensificação do turismo e de viagens comerciais são fatores que também se intensificam com a globalização, exigindo mudanças nos aparelhos educacionais e de formação profissional e nos sistemas de saúde, que passam a aumentar suas ações de vigilância sanitária e geram acordos internacionais sobre fronteiras saudáveis e normas técnicas de procedimentos de saúde para viagens internacionais. Em épocas de globalização epdiemias (1), especialmente as de fácil transmissão como as gripes de alta letalidade (como aviar, suina, etc.) se tornam um risco que exige medidas especiais de preparação dos sistemas de saúde (2).

Os Desafios da ANVISA frente ao Processo de Globalização

A exposição de Neilton Araujo de Oliveira, concentrou-se na complexidade do papel da ANVISA, entidade marcada pelo controle da produção na área de saude, pelo controle da publicidade e rotulagem destes produtos e pelo controle de seus efeitos antes (registro e certificação) e depois (tecnovigilância e inspeção) de passarem pelo mercado.

A ANVISA é o orgão federal que controla o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). Esse sistema conta com 3 mil funcionários federais, 2500 nos Estados e cerca de 50 mil nos Municípios Brasileiros. A ANVISA fiscaliza a produção de quase um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Passam sob o crivo de sua inspeção cerca de 80 mil farmácias, 23 mil empresas cadastradas, 450 fábricas de medicamentos, 4000 empresas de cosméticos, 3,4 mil empresas produtoras de produtos para a saúde, 3000 empresas saneantes, 2000 distribuidoras de medicamentos, 12 mil laboratórios de análises clínicas, 11 mil empresas de radiodiagnóstico, 6,7 mil hospitais, 2,6 mil serviços de fisioterapia, 600 serviços de hemodiálise, 250 empresas de medicina nuclear, 150 de radioterapia, 155 aeroportos, 46 portos e 111 pontos na fronteira nacional.

A ação da ANVISA se estrutura na redução do risco sanitario, o qual decorre de distintas circunstancias associadas a infra-estrutura do setor, aos processos de trabalho em geral e a natureza dos produtos de saúde. Também existe o risco inerente a escolha da tecnologia a ser utilizada em saúde a qual deve ter evidência comprovada para seu registro. Ambos os processos, frente a globalização, tendem a sofrer um maior conjunto de influências externas o que exige novos desafios da ANVISA no âmbito da regulação. Para enfrentar a redução do risco sanitário a ANVISA tem que coletar dados sobre estruturas, produtos e processos, transfor estes dados em informação, através de processos de ordenação e seleção; transformar a informação em conhecimento através da análise e sua compreensão via interpretação e julgar e tomar decisões a partir das evidências encontradas.

Os principais desafios da ANVISA são a modernização dos processos de gestão na administração pública para enfrentar o risco sanitário, o desenvolvimento e aprimoramento do processo regulatório associado a vigilância sanitária e a ampliação e fortalecimento da participação e controle social nestes processo regulatório. A globalização potencializa ainda mais estes desafios, dado que eleva o risco sanitário frente a necessidade de disseminar medidas regulatórias de grande interesse público e impacto nacional, frente aos desafios da globalização, à velocidade na geração de novos produtos, aos conflitos entre o interesse nacional e o internacional e às assimetrias culturais e políticas das distintas regiões. A necssidade de aplicar a regulação, através de fiscalização, leva a ANVISA a um esforço permanente de comunicação com a sociedade e com as autoridades e com organismos internacionais. E por este motivo que a ANVISA vem se integrando com organismos internacionais (OPAS, BVS, OECD) com processos de harmonização internacional de legislação sanitária, capacitação de agentes de vigilância, etc.

A exposição de José Manoel Cortiñaz Lopez da CAMEX enfatizou o desafio em harmonizar procedimentos para a melhoria da logística das empresas brasileiras que exportam para o mercado internacional de saúde. Observou que grande parte da melhoria da competitividade destas empresas dependem da ação da ANVISA.

A CAMEX foi criada em junho de 2003 pelo Decreto 4732. Sua função básica é coordenar a atuação dos órgãos federais vinculados com registros, anuências e controles em operações de importação e exportação. Seu objetivo é melhorar os aspectos logísticos das empresas que operam com contratos de comércio exterior, com vistas a transformar vantagens comparativas da produção brasileira em vantagens competitivas.

A CAMEX é gerida por um Conselho que envolve 7 Ministérios, mas o Ministério da Saúde não é um desses órgãos, apesar de seu grande peso no registro e licenciamento de produtos de saúde. As decisões da CAMEX se tomam através de um grupo técnico de facilitação do comércio exterior (GTFAC). A ANVISA tem sido convidada a participar das reuniões do GTFAC, mas como observadora. A atuação do GTFAC e da CAMEX, tem sido bastante eficiente, e resultou na redução de 29% das anuências de exportação e no aumento de 1,4% das anuências de importação.

A CAMEX tem sugerido aumentar a participação da ANVISA nos processos de melhoria das cadeias logísticas no setor saúde. Os principais problemas identificados pela CAMEX se associam aos seguintes fatos: (a) a legislação setorial de regras para licenciamento de produtos no Brasil é dispersa e defasada; (b) existe, por um lado, repetidos processos que poderiam ser simplificados, ao lado de incompatibilidades entre as exigências de múltiplos órgãos; (c) os procedimentos são complexos e burocráticos; (d) as intervenções dos distintos órgãos não são coordenadas gerando, em muitos casos, uma sequência inadequada das operações; (e) a logística costuma ser onerosa e ineficiente.

Todos estes temas são de grande importância, dado que a globalização dificilmente irá se reduzir nos próximos anos, gerando novos desafios onde as questões de harmonização interna e externa das regulações e da logística dos produtos de saúde e seu impacto nas cadeias produtivas internas do setor deverão ser cada vez mais relevantes.

Notas

(1) Sobre o impacto da globalização nas doenças transmissíveis, ver Medici, A.C., “As Infernais Doenças Democráticas” in Revista Insight Inteligência, Rio de Janeiro (RJ), Jul-Set de 2003, pp. 154-179. O artigo pode ser baixado na página: http://www.insightnet.com.br/inteligencia/22/PDFs/1122.pdf

(2) Sobre o tema da gripe aviar e seus efeitos no Brasil ver Medici, A.C., “A Influenza e a Capacidade de Resposta dos Ministérios da Saúde: O Brasil Está Preparado?”, in Revista Interessa Nacional, No. 7, Outubro-Dezembro de 2009, Sao Paulo (SP), 2009, pp. 65-76. O artigo podera ser encontrado em: http://interessenacional.com/artigos-integra.asp?cd_artigo=56

quarta-feira, novembro 03, 2010

Autonomia de Gestão de Hospitais Universitários Federais: O Caso do HCPA

Ano 5, No. 25, Novembro 2010


André Cezar Medici

Introdução

No dia 5 de outubro passado participei de uma interessante mesa redonda em Porto Alegre sobre modelos de assistência, ensino e pesquisa no âmbito dos Hospitais Universitários. A mesa ocorreu como parte da 30ª. Semana Científica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), vinculado a Universidade Federal do Rio Grando do Sul (UFRGS), a convite do Dr. Amarílio Vieira, atual Presidente do HCPA. A mesa redonda tratou de temas interessantes sobre o futuro dos hospitais universitários, ao nivel internacional, e também as perspectivas nacionais que podem ser vislumbradas a partir da promulgação do Decreto 7082 de 27 de Janeiro de 2010, que institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF) e dispõe sobre o financiamento compartilhado da operação destes hospitais entre os Ministérios da Educação e da Saúde, disciplina o regime da pactuação global das ações de educação, capacitação, pesquisa e saúde com esses hospitais e avança em perspectivas que permitam melhorar sua governança e a autonomia de gestão.

Os temas acima dariam, como dizia a minha avó, panos para mangas, dado que invocariam discussões que tem sido represadas nestes últimos anos, em que pesem as intenções claras do governo federal em derrubar os entraves burocráticos e corporativos que dificultam o funcionamento eficiente dos hospitais universitários. No entanto, preferi enfatizar nesta postagem o caso bem sucedido da gestão do HCPA, o único hospital univesritário federal que é uma Empresa Pública, onde algumas lições poderiam ser aprendidas para orientar o futuro dos hospitais universitários brasileiros. Muitas vêzes os exemplos que temos que buscar não estão no exterior, mas em nossas próprias barbas. Olhemos, portanto, para o nosso próprio quintal.

Um modêlo único no meio dos hospitais universitários federais

O HCPA, embora faça parte do conjunto de hospitais universitários federais, tem características bastante peculiares, a começar pelo seu modelo jurídico institucional. Ele é o único hospital federal que se estabeleceu desde sua criação como como Empresa Pública, o que foi configurado pela Lei 5.604 de 2 de setembro de 1970, tendo seu estatuto aprovado pelo Decreto 68.930 de julho de 1971. A criação do Hospital foi o resultado do trabalho de uma Comissão Especial nomeada pela Reitoria da UFRGS presidida pelo médico e professor Rubens Mário Garcia Maciel, o qual, segundo relatos, sempre se preocupou em viabilizar um modelo de gestão hospitalar que se diferenciasse pela melhor qualidade.

Este modelo apresentou ainda vários aperfeiçoamentos gerenciais introduzidos nos anos noventa, quando era presidente do HCPA o Dr. Carlos César Silva de Albuquerque e Vice-Presidente administrativo o Prof. Alceu Alves da Silva. O modelo de gestão a partir dos anos noventa passou a centrar-se no gerenciamento profissionalizado com atuação multiprofissional, ordenado horizontalmente e voltado para a sustentação das atividades finalítiscas, tendo como prioridades o controle das atividades operacionais, os indicadores de desempenho, a captação dos recursos e o acompanhamento das despesas.

Também se introduziu, no processo de gestão, uma metodologia de planejamento estratégico e uma missão institucional baseada nos seguintes princípios diretivos: satisfação do cliente, valorização dos recursos humanos, avaliação da qualidade e produtividade, valorização da imagem institucional, inovação, integração das atividades de assistência-ensino-pesquisa e resultados financeiros e sociais, sendo o lucro considerado resultado do esforço de todos e totalmente direcionado para o investimento social. Com base nestes princípios foram formuladas as seguintes diretrizes:

• O desenvolvimento e a valorização dos recursos humanos, com programas de qualificação, valorização e fixação de quadros;

• Controle das áreas de maior receita e despesa, através da sua aproximação com as áreas fim; da sua administração por profissionais técnicos dessas áreas; do faturamento como gerência encarregada da captação de recursos; e do controle de despesas a partir da informatização e da descentralização das atividades do grupo de materiais junto às áreas fim;

• Adequação da estrutura organizacional às atividades-fim, com a criação do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação — que fornece suporte administrativo e técnico aos pesquisadores e atua, 17 na obtenção de financiamento à pesquisa — e dos Grupos de Assistentes Executivos — que atuam na promoção da integração entre o ensino e as atividades assistenciais do HCPA;

• Plena utilização dos recursos físicos e tecnológicos como política de investimentos, com a formulação e atualização permanente de um Plano Diretor de Obras e Equipamentos, a criação de uma Comissão Permanente de Investimentos para decidir as prioridades de aquisição e o estabelecimento de um sistema de avaliação de desempenho baseado na performance operacional dos diferentes serviços;

• Estímulo à atividade assistencial, mediante remuneração aos docentes médicos, odontólogos e de enfermagem;

• Contrato de gestão, que tem por base o incentivo à produtividade e o controle das despesas, através de acordos internos negociados pelos Serviços, com o acompanhamento da Comissão Permanente de Avaliação do Contrato de Gestão;

• Gerência do leito, destinada a agilizar a utilização dos leitos, com controle realizado pelo Serviço de Higienização, mediante tempo pré-estabelecido para a tarefa e liberação efetuada através de sistema automatizado;

• Qualidade dos serviços de hotelaria, destinados a oferecer aos pacientes maior conforto e assistência integral, por meio da adoção de ações assemelhadas à administração hoteleira de alto padrão, que atingem dimensões como variedade e qualidade dos cardápios, apresentação e decoração dos ambientes, leitos e roupas, e tratamento do lixo voltado para o combate à infecção hospitalar.

O sucesso das transformações feitas nesta época no HCPA levaram o Dr. Carlos Albuquerque a ser convidado para o cargo de Ministro da Saúde durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O Prof. Alceu Alves da Silva, que também o acompanhou na gestão do Ministério da Saúde, é atualmente Diretor do Hospital Mãe de Deus, um dos melhores hospitais privados de Porto Alegre, onde também vários processos inovadores de gestão vem sendo introduzidos.

Já são portanto quarenta anos em que o hospital é administrado sob um modelo jurídico institucional que garante autonomia de gestão, flexibilidade na contratação de pessoal, permitindo manter recursos humanos qualificados para as atividades assistenciais e complementares ao ensino e a pesquisa. O modelo jurídico de empresa pública permite que o hospital possa ter mais autonomia para a celebração de convênios e contratos, a gestão dos processos de compra e de financiamento, a organização de sistemas contábeis que permitam o levantamento e acompanhamento constante de dados de custo, de resultado e de compromissos institucionais com seus financiadores e com a população.

Ainda que os professores que trabalham ao hospital sejam vinculados ao Regime Jurídico Único (RJU), o hospital tem seu corpo clínico e de funcionários contratados sob o regime de CLT. A instituição conta atualmente com 4,3 mil funcionários, além de 290 professores da UFRGS, 340 médicos residentes e cerca de 1,6 mil estagiários. Ainda que a folha de pessoal seja basicamente de funcionários em regime de CLT, servidores públicos federais da administração direta ou indireta poderão ser requisitados pelo HCPA exclusivamente para o exercício de funções técnicas.

Como empresa pública, ainda que o hospital receba recursos federais para folha de pagamento, encargos sociais, residência médica e investimentos, a maior parte dos recursos do Hospital provém de serviços assistenciais prestados ao SUS e, em menor parte, de convênios privados com planos de saúde e outras entidades. Como empresa pública, o HCPA tem que submeter suas contas de cada exercício à supervisão do MEC e ao Tribunal de Contas da União (TCU). Seu modelo jurídico-institucional também garante isenção de tributos federais.

A autonomia de gestão brindada ao hospital permite com que ele garanta de forma mais ampla que os demais hospitais universitários, sua atualização tecnológica, gerencial, de ensino e de pesquisa. Não é por outro motivo que o HCPA conta com instalações amplas, modernas e recursos tecnológicos que o permite manter atendimento em 62 especialidades oferecendo oportunidades e conforto que poucos hospitais que atendem a rede SUS conseguem manter, fatores que muitos hospitais univeritários federais buscam alcançar com menores níveis de sucesso.

Instalações e serviços prestados pelo HCPA

O HCPA conta com 750 leitos, 119 consulorios ambulatoriais, CTIs neonatal, pediátrica e de adultos, centro cirúrgico para pacientes internados e ambulatorial, centro obstétrico e berçario, serviços de emergência para adultos, pediatria e obstetrícia, unidades de quimioterapia e radioterapia, uma diversificada gama de serviços diagnósticos, incluindo exames clínicos e de imagem, serviços de hospital-dia, centro de atenção psicosocial, unidades básicas de saúde, salas de recreação terapeutica, casas de apoio para pacientes e familiares, centros de pesquisa básica e aplicada (pesquisa clínica), instalações diversas para o ensino, como 7 auditórios, um anfiateatro e 37 salas de aula.

Com todas estas instalações, o hospital oferece atendimento em 62 especialidades médicas em sua quase totalidade para pacientes do SUS, buscando as melhores práticas para e os melhores parâmetros de segurança na atenção brindada aos seus pacientes. Por este motivo, o hospital já foi acreditado no nivel 2 da ONA e atualmente se encontra em processo de acreditação internacional através da CBA-JCI (1).

O HCPA realiza anualmente cerca de 552 mil consultas, 29 mil internações, 41 mil procedimentos cirúrgicos, 245 mil procedimentos ambulatoriais, 2,5 milhões de exames, 4 mil partos, 94 mil sessões terapêuticas e 370 transplantes.
Mas também atua fortemente no campo da humanização do atendimentos, oferencendo ações de acompanhamento aos portadores de distintas doenças e aos seus familiares, promovendo e coordenando reuniões com grupos de auto-ajuda e promovendo assistência diversificada de apoio social a mais de 7,6 mil pessoas por ano. Por todos estes motivos, o hospital vem sendo considerado por levantamentos da Secretaria Estadual de Saúde como um dos melhores hospitais do Rio Grande do Sul desde 2005, quando começaram levantamentos para tal fim. O Hospital tem ganho vários prêmios na área de responsabilidade social corporativa pela Associação Brasileira de Recursos Humanos e pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

Ensino e Pesquisa no HCPA

O HCPA tem um papel crucial na formação de profissionais de saúde no Estado do Rio Grande do Sul, oferecendo anualmente oportunidades para que 2,2 mil acadêmicos em dez cursos na área de saúde possam completar sua formação prática e acadêmica, sob a supervisão de renomados professores. Oferece ainda estágios a 1,6 mil estudantes em diversos cursos. Para profissionais de nível médio, o HCPA dispõe de uma Escola Técnica de Enfermagem que atua em parceria com a Escola Estadual Técnica de Saúde, oferecendo uma mão de obra de boa qualidade técnica ao nível médio em saúde, ainda escassa para as necessidades do país.

Já na área de pesquisa, o Hospital conta com 24 laboratórios que permitam realizar estudos e pesquisas em tecnologia de ponta na área de saúde. Cerca de 700 projetos de pesquisa são submetidos anualmente à avaliação das Comissões Científica e de Ética do Hospital. Com a necessidade crescente de gerar avançados estudos em efetividade clínica e medicina baseada em evidência, o HCPA construiu recentemente um edifício onde atua o Centro de Pesquisa Clínica, que centraliza atividades de pesquisa clínica e abriga núcleos de referência em pesquisa.

Quatro institutos nacionais de ciência e tecnologia (INCT) financidados pelo CNPq são coordenados pelo HCPA nas áreas de Medicina Translacional, Genética Médica Populacional, Avaliação de Tecnologias em Saúde e Hormônios e Saúde da Mulher. A Semana Científica, da qual participei na primeira semana de outubro, faz parte dos esforços de disseminação desta grande quantidade de conhecimento científico gerada pelo HCPA. Através deste evento se apresentam cerca de mil trabalhos anualmente, os quais são também divulgados pela Revista Científica do HCPA.

Vale destacar a importância do INCT de Avaliação de Tecnologias mantido pelo HCPA, dirigido pela Profa. Carisi Anne Polanczyk, cujos objetivos são consolidar um modelo institucional de pesquisa clínica baseado nas melhores práticas de pesquisa; estabelecer estratégias colaborativas de pesquisa para a proposição de projetos que atendam as prioridades definidas pelos órgãos governamentais; desenvolver e capacitar recursos humanos para apoio à pesquisa clínica em âmbito nacional e desenvolver e validar estratégias de gestão para unidades de pesquisa clínica. Este INCT atualmente colabora com a Agencia Nacional de Vigilancia de Saude (ANVISA) e esta integrado à Rede Nacional de Pesquisa Clínica (RNPC) e a Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias de Saúde (REBRATS).

Uso de Tecnologias de Informação

Desde os anos oitenta, o HCPA vem investindo pesadamente no uso de sistemas de informação gerencial informatizados como base para sua gestão. Foi neste contexto que foi criado o Aplicativo de Gestão Hospitalar, um grande sistema de informações multi-modular, que integra várias funcionalidades de gestão. O aplicativo iniciou a informatização nos setores de controle e faturamento, passando progressivamente para as áreas de registro de pacientes, gestão clínica, processos de apoio logístico e outros. No inicio da presente década reformulou todos os aplicativos existentes, integrando-os em uma plataforma Oracle dando lugar a uma arquitetura cliente-servidor numa rede de alta velocidade e eficiência de resposta.

O AGH integra quase 50 módulos aplicativos em áreas de planejamento estratégico do hospital, assistência e apoio a assistência, gestão clínica, ensino, pesquisa, administração e gerência de informações, hardware e software. Vários sistemas essencialmente administrativos também se acham disponíveis, tais como os existentes nos setores de contabilidade, jurídico, pessoal e serviços gerais. Todo o hospital está informatizado, contando com 2 clusters intel e 35 servidores auxiliares, bancos de dados em oracle, 1700 microcomputadores e 400 impressoras. Integra atividades de telemedicina e certificação digital de imagens.

O ambiente denominado internamente de IG (Informações Gerenciais) fornece informações a partir de um data warehouse (banco SQL Server) construído inicialmente com a assessoria da Processor. Os indicadores obtidos a partir de datamarts com informações financeiras, de suprimentos, de produção e qualidade assistencial, vêm gradativamente norteando decisões estratégicas do HCPA. Também integra sistemas de WebTV, que realizam transmissão ao vivo, via Intranet, de conferências clínicas e eventos, disponibilizando-os também em acervo para acesso remoto.

É por este motivo que o HCPA foi escolhido pelo MEC para ser o modelo para um sistema de informação gerencial de saúde que será aplicado progressivamente em toda a rede de hospitais universitários federais. Este processo, chamado de Aplicativo de Gestão dos Hospitais Universitários (AGHU) está sendo desenvolvido em parceria entre o MEC e o HCPA, havendo uma migração dos softwares já existentes em base oracle para base web. Assim, através da Portaria nº 878 de 16 de setembro de 2009, o MEC criou o Comitê Gestor do Projeto AGHU, com objetivo de modernizar o modelo de gestão dos Hospitais Universitários Federais. Uma das principais atribuições deste Comitê é realizar o planejamento e acompanhamento do desenvolvimento e implantação do AGHU. Ele está composto por 4 representantes do MEC, 5 representantes do HCPA, 2 reitores representando a Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES e 2 diretores de Hospitais Universitários. A equipe técnica que está atuando diretamente no desenvolvimento do software é composta por profissionais de tecnologia da informação que estão atuando tanto em Brasília (DTI/MEC – 7 profissionais) quanto em Porto Alegre (HCPA – 10 profissionais). As duas equipes estão sendo expandidas e já em dezembro de 2009 o AGHU contará com 11 profissionais na DTI/MEC e 32 profissionais trabalhando no HCPA. Paralelamente, está sendo organizada no HCPA a força de trabalho que irá se responsabilizar pela capacitação de todos os Hospitais Universitarios Federais no modelo de gestão selecionado pelo MEC.

Considerações Finais

O sucesso do HCPA é resultado de um modelo de autonomia de gestão, que combina o espírito público de melhor atender o SUS com a gestão eficiente dada pela autonomia que somente uma instituição desprovida das amarras burocráticas da administração pública pode ter. Além do benefício que traz aos pacientes e ao desenvolvimento da ciência e tecnologia na área de saúde no Brasil, o hospital beneficia a formação profissional e traz a alegria de jóvens profissionais que podem inovar e ser recompensados em seus esforços pela sua competência e criatividade.

Nesse sentido, existe muito espaço para que outros hospitais públicos, univesitários ou não universitários, possam inovar nos temas de governança e gestão para cumprir a missão institucional de brindar aos usuários do SUS um conjunto de instituições de saúde que tenham foco no paciente e premiem o esforço e a inteligência de profissionais dedicados que não considerem seu importante trabalho como apenas mais um emprego.



NOTAS
(1) Sobre a atuação da ONA, da CBA e da JCI, leia a postagem deste blog do dia 21 de setembro de 2010.