sábado, novembro 07, 2020

Os efeitos da pandemia no mercado de trabalho: uma entrevista com o Professor José Pastore

 Ano 14, Número 111, novembro de 2020


A pandemia do Covid-19 traz, entre seus principais efeitos, alterações profundas na dinâmica do mercado de trabalho. Questões como o home-office, o uso de tecnologias digitais e as plataformas de comunicação virtual tem sido opções que viabilizam manter atividades durante a pandemia, mas para poucos. Como a pandemia tem afetado os níveis de emprego e quais as oportunidades e transformações nos perfis de qualificação profissional são questões em aberto, mas que tem despertado os interesses de muitos, dado que sua solução será o caminho para a saída da crise neste novo normal.

Para tratar destes temas, o Monitor de Saúde entrevistou o sociólogo José Pastore, considerado um dos maiores especialistas em questões laborais e mercado de trabalho no Brasil. O Prof. José Pastore é Ph. D. e Doutor Honoris Causa pela University of Wisconsin ((Madison, Wisconsin, USA). Foi membro do Conselho de Administração da OIT (Genebra) e Chefe da Assessoria Técnica do Ministério do Trabalho no Brasil. Integrou o Fórum Nacional do Trabalho (2003-07) como Consultor Técnico. 

É professor titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP onde, apesar de aposentado pela mesma instituição, leciona Relações do Trabalho para os Cursos de MBA em Recursos Humanos na FIA - Fundação Instituto de Administração. É autor de mais de 20 livros e mais de 100 artigos em revistas técnicas nacionais e internacionais no campo das relações do trabalho. Também é articulista do Jornal O Estado de S. Paulo, onde publicou mais de 300 artigos no campo trabalhista[i].

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Monitor de Saúde (MS) - As taxas de desemprego aberto no Brasil já vinham de um nível muito alto e desde fins de 2016. Agravaram-se com a pandemia. Como será a retomada do trabalho e do emprego daqui para frente?

José Pastore (JP) - O mercado de trabalho do Brasil teve um choque sísmico com a chegada do Corona vírus. Em poucos meses, mais da metade da população em idade de trabalhar ficou sem trabalho – um fato inédito. E o desastre continua. Hoje vemos mais de 14 milhões desempregados e quase 6 milhões desistiram de procurar trabalho. A população subutilizada chegou a 33 milhões.

Ao lado de um mercado de trabalho deteriorado e estagnado, temos vários setores da economia reagindo em “V”. Os dados da indústria, por exemplo, indicam que esse setor, já em setembro, havia recuperado o produto perdido ao longo da pandemia. Nesse setor, o ramo automotivo cresceu 14,1% de agosto para setembro. Outros destaques positivos foram máquinas e equipamentos (12,6%), confecções e vestuário (16,5%), bens de informática e eletrônicos (11,5%).

Esses resultados mostraram um saudável vigor no terceiro trimestre de 2020. Em setembro, o varejo estava 8,9% acima do patamar de fevereiro, zerando as perdas acumuladas. O comércio eletrônico está “bombando”.  As vendas do Mercado Livre subiram 74% entre julho e setembro de 2020. Materiais para a construção, igualmente, tiveram vendas aumentadas em 14%.

E, assim, poderíamos citar vários outros setores cuja retomada está sendo acelerada. Os serviços são o único setor que ainda não recuperaram as perdas da pandemia, especialmente os que dependem de contato humano mais próximo: viagens, entretenimento, serviços pessoais, etc.


MS - E, no meio de tanto crescimento em “V”, por que a oferta de trabalho não cresce?

JP - Donald Rumsfeld, ex-secretário da Defesa dos EUA, clamava pela humildade dos pesquisadores dizendo que: (1) há muito conhecimento que é conhecido; (2) mas, também há muitos conhecimentos que nós não conhecemos e; (3) há também o desconhecimento dos conhecimentos desconhecidos – aqueles que nem percebemos que desconhecemos.

Esse parece ser o caso do impacto do Corona vírus na mente dos empregadores. A doença ainda é muito desconhecida. Eles temem as “surpresas” do comportamento desse vírus. Ora se fala em segundo surto, ora em imunidade reduzida, e assim por diante.

Por isso, elas vêm agindo com muita cautela. A Covid-19 reduziu drasticamente a rentabilidade das empresas e aumentou o seu endividamento. Muitas quebraram. O baque foi grande. Além disso, a recuperação ainda enfrenta os obstáculos decorrentes das medidas de segurança contra o vírus: horários de trabalho alternativos, distanciamentos, testagem rotineira, despesas com proteções e outros. 

Tudo indica que os empregadores querem ter certeza da robustez da retomada antes de começar a contratar novos empregados. Por ora, fizeram a produção crescer usando hora extra e a capacidade ociosa dos seus empregados – muitos estavam trabalhando com jornada reduzida, em tempo parcial ou de forma intermitente. Se a demanda continuar firme e a vacina chegar logo, a expansão do emprego ocorrerá. Como sempre, o mercado de trabalho é o último a reagir.


MS - O que esperar para 2021?

JP - Em grande parte, as vendas dos produtos de consumo imediato (alimentos, medicamentos, produtos de higiene e limpeza e outros) assim como os eletrônicos domésticos, móveis, vestuário, materiais de construção para reformas, etc. estão ligadas ao consumo das famílias que, por sua vez, na falta de emprego, contaram até aqui com o valioso auxílio emergencial. Os “coronavouchers” não apenas sustentaram grande parte das referidas vendas como ajudaram a reduzir a pobreza e a desigualdade. Cerca de 90% das famílias pobres tiveram nesse voucher a única fonte de renda em 2020.

No âmbito do governo, sonhava-se com uma sincronia entre o fim do auxilio emergencial e a retomada da renda do trabalho. Ou seja, o auxilio emergencial entraria em phasing out na medida em que a retomada do emprego entraria em phasing in.

Isso não foi o que ocorreu. E é pouco provável que ocorra no início do próximo ano. O governo não terá escolha. As medidas trabalhistas (redução de jornada, suspensão do contrato de trabalho e o auxílio emergencial) terão de ser estendidas para, no mínimo, os primeiros seis meses de 2021 – a despeito da sobrecarga fiscal que tais ajudas representam.

Mantido o ritmo de retomada acima indicado e disponibilizada a vacina, as empresas tenderão a contratar empregados de forma intermitente, terceirizada, em tempo parcial como sempre ocorre na saída das recessões. Depois disso, volta para muitos grupos o emprego convencional, em tempo integral.

       

MS - Muitos analistas citam a tecnologia como um obstáculo adicional para a geração de empregos. Qual é o impacto da entrada das novas tecnologias no emprego do futuro? A pandemia acelerou a robotização?

JP - Esse é um dos assuntos mais preocupantes. Eu mesmo perco o sono quando penso na forte substituição de mão de obra por tecnologia que vem ocorrendo no Brasil e no mundo.

A literatura especializada tem respostas de todos os tipos. Alguns veem a destruição de até 50% dos empregos atuais ao longo dos próximos dez anos. Outros argumentam que, ao lado da destruição, as novas tecnologias criarão muitas novas oportunidades de trabalho, não havendo o que temer.

Filio-me a essa última posição, mas nem por isso recupero o meu sono. Isso porque entre a destruição e a criação de trabalho costuma haver um hiato temporal durante o qual muitas pessoas ficam desempregadas. Além disso, é rara a situação em que o trabalhador que é desempregado por um robô tem as habilidades para trabalhar nas oportunidades que são criadas pelo avanço tecnológico. Isso é particularmente grave no Brasil onde a qualidade do ensino é péssima para a maioria da população, o que dá poucas condições para as pessoas, por conta própria, dominarem novas habilidades.

Quando se considera todos esses fatores, é inevitável falar-se em desemprego tecnológico por um bom tempo. Para reduzir o referido gap, é gigantesco o desafio para as escolas. Nesse campo, será necessária uma maior articulação entre as empresas e as escolas porque estas não têm velocidade e condições materiais para prover, em tempo real, os conhecimentos que as novas tecnologias requerem.

Na última edição do Fórum Econômico Mundial os analistas de recursos humanos recomendaram abandonar a esgrima para determinar o que é destruído e o que é criado pelas novas tecnologias. O mais urgente, disseram, é partir para requalificação dos trabalhadores.

Na ocasião foi indicada a necessidade de retreinar 1 bilhão de trabalhadores em todo o mundo ao longo dos próximos dez anos. E, para tanto, será indispensável um melhor casamento entre as empresas e as escolas como se faz no modelo dual da Alemanha, Áustria, Suíça, países da Escandinávia e outros que se dedicam ao treinamento contínuo dos trabalhadores. Sei que isso é caro e complexo. Mas, não vejo outra saída para reduzir o desemprego tecnológico.

Se analisarmos os setores econômicos que estão se recuperando bem, vemos que vários deles empregam pouco. Esse é o caso, por exemplo, do comércio eletrônico onde o consumidor “conversa” diretamente com o produto que deseja comprar, dispensando o vendedor-intermediário. Nesse caso também está o agronegócio que hoje é altamente mecanizado, dispensando grande parte da mão de obra. Na própria indústria, vários ramos estão automatizando de forma acelerada. É verdade que tanto o comercio eletrônico quanto o agronegócio e a indústria geram muitos empregos nas atividades periféricas do setor de comercio e serviços. Ainda assim, estamos em um momento em que tais atividades se digitalizam de maneira acelerada, dispensando mão de obra direta.    

 

MS - Como está o Brasil nesse campo?

JP - O Brasil tem a sorte de possuir entidades que se dedicam a mais de 70 anos à formação de mão de obra qualificada que são as escolas do Sistema S. Elas oferecem cursos de boa qualidade e, em grande parte, ajustados às novas tecnologias.

As escolas técnicas dos governos federal e estadual também fazem um esforço importante nesse campo. Mas, somando todas, são poucas para a necessidade do Brasil. Além do mais há que se envolver muito as empresas nessa cruzada. Algumas já se dedicam ao treinamento continuado – vários bancos, a Embraer, a IBM, a Embrapa. Nos bancos, por exemplo, os bancários incluíram na convenção coletiva de anos atrás a prática de treinamento continuado com vistas a manter todos atualizados nas novas tecnologias. Isso é maravilhoso.   

O próprio uso de maneira crescente das novas tecnologias vai ensinando os trabalhadores a melhor dominá-las. Veja o caso do computador e da Internet no home office. Essa pratica já vinha crescendo antes da pandemia, mas foi acelerada por ela. Hoje mais de 8 milhões de brasileiros trabalham em casa, com enormes economias para si, para as empresas e para o Brasil.

É verdade que muitas pequenas empresas não têm condições de oferecer as condições para seus empregados trabalharem dessa forma. Mas, com o barateamento do equipamento e a multiplicação de cursos gratuitos pela própria Internet, acho que essa prática vai se ampliar muito.      

        

MS - A reforma trabalhista aprovada em 2017 foi um marco que permitiu aplicar melhores regras de flexibilidade laboral permitindo uma maior flexibilização do mercado do trabalho, com impactos positivos previstos nos níveis de emprego, mas isso não tem ocorrido nem antes da pandemia. Como esta reforma poderá auxiliar a implantação desse novo normal pós-pandêmico no mercado de trabalho brasileiro?

JP - Penso que a reforma trabalhista deu uma enorme contribuição ao dar às partes liberdade para negociar o que acham mais conveniente para a sua situação. Ninguém conhece melhor as necessidades dos empregados e dos empregadores do que eles mesmos. Esse foi o foco de fazer o negociado prevalecer sobre o legislado. E isso vem ocorrendo.

De 2017 para cá, houve uma redução de mais de 40% das ações trabalhistas. Muita coisa que era discutida na Justiça do Trabalho, anos a fio, passaram a ser acertadas instantaneamente entre empregados e empregadores – jornadas de trabalho, banco de horas, ajuste voluntário nas demissões, etc.

Recentemente, inúmeros sindicatos laborais acertaram com as empresas a criação de um grupo de acompanhamento para a proteção dos trabalhadores em regime de home office que inclui uma imensidão de detalhes – o que seria impossível por lei ou por sentença judicial.

Estamos apenas no começo. Ao praticar a negociação de forma contínua, as partes vão afastando o clima de desconfiança que ainda impera entre empregado e empregador no Brasil e, em consequência vão criando ambientes mais favoráveis à melhoria da produtividade do trabalho – que é a tarefa mais fundamental para as empresas e para a economia brasileira se tornarem mais competitivas e para os empregados serem melhor remunerados.

Daqui para frente – já é tarde – precisamos criar condições para se reduzir a informalidade no mercado de trabalho. O trabalho informal desprotege o trabalhador e o empregador.

Infelizmente, no Brasil há mais trabalhadores informais do que formais. Isso não pode continuar. A desoneração da folha de salários foi um passo importante para facilitar a contratação formal. O Brasil é campeão mundial de encargos sociais. São 102,43% sobre os salários. Toda vez que uma empresa contrata um trabalhador por R$ 1.000,00 mensais sua despesa é de R$ 2.020,00 por força dos encargos sociais.

O programa do Microempreendedor Individual (MEI) foi uma providencia importante para proteger os que trabalham por conta própria. O propalado Contrato Verde e Amarelo pode ser também um passo importante nessa direção a depender de como for concebido.

É claro que, para a geração de trabalho e emprego em grande quantidade, são indispensáveis as reformas estruturais no campo tributário, da administração pública e das concessões para a infraestrutura. Neste campo, o potencial de geração de trabalho e emprego é imenso. No Brasil, tudo está por fazer. O Brasil tem poucas ferrovias, portos adequados, armazéns estratégicos, usinas de energia suficientes para um crescimento do PIB de 4% ou 5% ao ano, e assim por diante. A entrada de todas essas obras em operação poderá transformar o Brasil numa grande usina de empregos. Daí a importância de se conter os gastos públicos, equilibrar o orçamento e liberar recursos para investimentos em infraestrutura – públicos e privados. Além disso, o Brasil tem uma imensa necessidade de melhorar a qualidade dos serviços nos campos da segurança, educação e saúde que são intensivas em mão de obra.       

 



[i] Para mais detalhes de suas publicações ver www.josepastore.com.br

terça-feira, setembro 22, 2020

Os Impactos do Covid-19 nos países do G-20 – Novas Evidências em setembro de 2020

Ano 14, Número 110, setembro de 2020 

André Cezar Medici

Introdução

Os impactos do Covid-19 tem sido uma grande fonte de aprendizado para economistas ao longo deste ano, mas a capacidade de recuperação econômica, uma vez que o controle pandêmico seja reestabelecido, também tem gerado muitas lições e surpresas. Em junho de 2020 os dados acumulados sobre o impacto da pandemia nas economias dos países desenvolvidos e em desenvolvimento mostravam sinais bastante negativos. Uma primeira lição foi a de que no segundo trimestre de 2020 países ricos, mas também alguns emergentes, experimentaram declínios no produto interno bruto (PIB) de até 20%. No entanto, se não fosse a resposta rápida e eficaz trazida por incentivos públicos ao consumo das famílias e ao financiamento das empresas, a contração na produção teria sido substancialmente maior.

Com a flexibilização das medidas de confinamento e a reabertura das empresas a partir de maio de 2020 a produção industrial aumentou rapidamente até fins do segundo trimestre, estimulada pelos subsídios e transferências governamentais que ajudaram a manter a renda das famílias e a atividade econômica de algumas empresas. Com isso, os gastos das famílias tiveram alguma recuperação, especialmente com bens duráveis de consumo. No entanto, as despesas com serviços que exigem a presença física do consumidor, especialmente com viagens ou aqueles que exigem proximidade entre trabalhadores e consumidores (restaurantes, cabelereiros, etc.) permaneceram em níveis muito baixos.  

Uma segunda lição evidenciada nos últimos meses, mostra que as projeções iniciais de queda muito elevada do PIB em 2020 parecem estar arrefecendo, ainda que exista um grande clima de incertezas quanto ao realismo dessa recuperação recente ou sobre as mudanças que ainda podem vir até o fim do ano. Isto porquê as projeções de crescimento do PIB neste contexto de pandemia dependem de suposições sobre como ocorrerá a disseminação do vírus, como se implementarão de forma eficiente as políticas de contenção e fiscalização dos governos e de como serão garantidas as condições de segurança para o retorno à normalidade. Certamente, surtos locais esporádicos de Covid-19 continuarão a ocorrer demandando intervenções locais direcionadas ao invés de bloqueios nacionais (lockdowns) como os ocorridos em alguns países no início da pandemia. As perspectivas de que haja uma vacinação amplamente disponível até o final de 2021 também parecem fortalecer cenários de recuperação mais sólida a médio prazo.

De todos os modos, reafirmo o que tenho dito em minhas postagens anteriores e em minhas participações nos debates virtuais e teleconferências. Se a ameaça pandêmica desaparecer mais rapidamente do que o esperado, melhorias no nível de confiança poderão recuperar, de forma significativa, os ritmos de crescimento econômico. Mas uma segunda onda ou o prolongamento da primeira implicarão em novas medidas de contenção, que, em 2021, poderão reduzir em 2 ou 3 pontos percentuais o crescimento global, gerando mais desemprego e menores níveis de investimento.

 

Estimativas de Crescimento do PIB em 2020 e 2021 ao nível Global, no G-20 e na Zona do Euro

Vejamos o que dizem os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de setembro de 2020. A OCDE é uma organização internacional que congrega 38 nações-membros, propiciando vantagens como a captação de empréstimos externos a juros menores e acordos recíprocos de comércio mais vantajosos. Ingressar na OCDE tem sido objeto de cobiça de várias nações em desenvolvimento, como o Brasil, que há décadas faz esforços para ingressar neste clube (a exemplo de outros países latino-americanos que já são membros, como o México, o Chile e recentemente a Costa Rica). Mas em função de sua histórica baixa performance em temas econômicos, sociais e de governança na gestão pública, o Brasil não consegue preencher os requisitos mínimos necessários para ingressar no chamado “clube dos países ricos”[i], ainda que seja membro e participe das reuniões do G-20[ii].

A OCDE, assim como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), acompanha o desempenho trimestral da economia mundial através de seu OECD Economic Outlook e em 16 de setembro último publicou um relatório preliminar, atualizando os últimos dados da economia mundial sob a influência da pandemia do Covid-19[iii]. O informe mostra alguns resultados interessantes sobre as mudanças de expectativa da economia mundial para 2020 e 2021, como pode ser visto na tabela 1.

Tabela 1

Estimativas da OECD para as Taxas (%) de Crescimento do PIB em Alguns Países e Regiões para os anos de 2020 e 2021, realizadas nos meses de junho e setembro de 2020, e suas respectivas variações

 

Regiões e Países

2020

2021

Jun-2020

Set-2020

Variação

Jun-2020

Set-2020

Variação

Mundo

-6,0

-4,5

+25%

+5,2

+5,0

-4%

Países G-20

-5,7

-4,1

+28%

+5,5

+5,7

+4%

Zona do Euro (1)

-9,1

-7,9

+13%

+6,5

+5,1

-22%

Países

África do Sul

-7,5

-11,5

-53%

+2,5

+1,4

-44%

Alemanha

-6,6

-4,4

+33%

+5,8

+4,6

-21%

Arábia Saudita

-6,6

-6,8

-3%

+3,8

+3,2

-16%

Argentina

-9,3

-11,2

-20%

+4,1

+3,2

-22%

Austrália

-5,0

-4,1

+18%

+4,1

+2,5

-39%

Brasil

-7,4

-6,5

+12%

+4,2

+3,6

-14%

Canadá

-8,0

-5,8

+28%

+3,9

+4,0

+3%

China

-3,0

+1,8

+60%

+6,8

+8,0

+18%

Coréia do Sul

-1,2

-1,0

+17%

+3,1

+3,1

-

Estados Unidos

-7,3

-3,8

+48%

+4,1

+4,0

-2%

França

-11,4

-9,5

+17%

+7,7

+5,8

-25%

Índia

-3,7

-10,2

-176%

+7,9

+10,7

+35%

Indonésia

-2,8

-3,3

-18%

+5,3

+5,4

+2%

Itália

-11,3

-10,5

+7%

+7,7

+5,4

-30%

Japão

-6,0

-5,8

+3%

+2,1

+1,6

-24%

México

-7,5

-10,2

-36%

+3,0

+3,0

-

Reino Unido

-11,5

-10,1

+12%

+9,0

+7,6

-16%

Rússia

-8,0

-7,3

+9%

+6,0

+5,0

-17%

Turquia

-4,8

-2,9

+40%

+4,3

+3,9

-9%

Fonte: OECD (2020) – (2) Somente 19 dos 27 países que compõe a União Europeia convergiram e utilizar o euro como moeda comum. São eles Áustria, Bélgica, Chipre, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia, Eslovénia e Espanha.

 

Comparando-se as estimativas de setembro com as de junho de 2020, verifica-se que houve uma melhoria nas expectativas de crescimento da economia mundial em 2020, isto é, mesmo mantendo um crescimento negativo de -4,5%, este crescimento, de acordo com a estimativa da OCDE de setembro, será em média 25% melhor do que foi na estimativa de junho do corrente ano (-6%).  Pode-se dizer que este relativo otimismo em não ter uma queda tão profunda do PIB em 2020 ocorre em função de reestimativas da projeção de queda no PIB dos países do G-20.  

A OCDE estimou em junho uma queda no PIB-2020 dos países do G-20 da ordem de -5,7%, mas corrigiu esta queda para -4,1% em setembro, o que representa uma melhoria de 28% na reestimativa do PIB deste bloco de países. No que se refere aos países da Zona do Euro, a queda de -9,1% do PIB de 2020 estimada em junho, foi corrigida para -7,9% em setembro, refletindo também algum otimismo na recuperação do PIB nestes países, com uma melhoria de 13%.

Em contrapartida, as estimativas de setembro para o crescimento do PIB em 2021 não são tão boas quanto as de junho para a maioria dos países, mas isso é natural. Uma vez que a queda do PIB deixa de ser tão acentuada em 2020 quanto a estimada anteriormente, o crescimento do PIB no ano subsequente não será tão elevado quanto foi na estimativa anterior. Segundo as estimativas de junho e setembro, o crescimento do PIB global continuaria positivo em 2021, mas baixaria de 5,2% para 5,0%, o que representa uma queda de 4%. Na zona do euro, a diferença entre as projeções de crescimento do PIB nas duas estimativas de crescimento seria reduzida em 22%, mostrando a dificuldade que este conjunto de países ainda terá para contornar a política econômica pós-pandêmica e recuperar a normalidade.

No entanto, houve um aumento na estimativa de crescimento do PIB em 2021 para os países do G-20 da ordem de 4%, o que se explicaria, pelo comportamento projetado de dois países com grande peso na economia mundial que integram este grupo – China e Índia. A China foi o único país do G-20 cuja expectativa de crescimento do PIB de 2020 passou a ser positiva (+1,8%) na estimativa de setembro. Dada sua pujança e forte capacidade de crescimento econômico, se espera que a economia chinesa continuará crescendo ainda mais em 2021 (+8%). No caso da Índia, ocorreu o contrário, ou seja, o crescimento do PIB 2020 na estimativa de setembro foi considerado muito mais fraco em função do agravamento das taxas de contaminação pandêmica não previstas nas projeções globais iniciais[iv]. A estimativa da variação do PIB-2020 em setembro caiu -176% em relação ao valor da variação do PIB-2020 estimada em junho. Com isso, a recuperação do crescimento do PIB da economia indiana em 2021, de acordo com a estimativa de setembro, deverá ser maior do que o esperado na estimativa de junho (+10,7% comparada com +7,9%, respectivamente).

Com as reestimativas de crescimento do PIB do G-20 em setembro, os cinco países que enfrentarão maiores impactos negativos no crescimento do PIB em 2020 como resultado da crise pandêmica serão África do Sul (-11,5%), Argentina (-11,3%), Itália (-10,5%), México (-10,2%) e Índia (-10,2%) e os cinco que enfrentarão menores impactos serão China (+1,8%), Coréia do Sul (-1,0%), Turquia (-2,9%), Indonésia (-3,3%) e Estados Unidos (-3,8%). O gráfico 1 mostra as taxas de crescimento do PIB destes países baseados nas estimativas da OCDE de setembro de 2020.

O Brasil teve sua taxa de crescimento do PIB reestimada para -6,5% em setembro, resultado melhor do que os -7,4% estimados em junho de 2020. Com esta nova estimativa, o Brasil será o 10º país mais impactado economicamente pela crise do Covid-19 em 2020 no conjunto dos países membros do G-20.

       Fonte: OECD (2020)

O gráfico 2 mostra a diferença na variação percentual do crescimento do PIB dos países do G-20 em 2020 segundo as estimativas de junho e setembro. Se observa que maiores variações positivas no crescimento do PIB se observam na China (+60%), Estados Unidos (+48%), Turquia (+40%), Alemanha (38%) e Canadá (28%). Mas alguns países tiveram variações negativas em suas expectativas de crescimento do PIB, destacando-se, com pior desempenho, a Índia (-176%), África do Sul (-53%), México (-36%), Argentina (-20%) e Indonésia (-18%).

       Fonte: OECD (2020)

O gráfico 3 mostra as taxas de crescimento do PIB para 2021, segundo a estimativa da OCDE de setembro de 2020 e o gráfico 4 mostra as diferenças nas variações percentuais nas estimativas de crescimento do PIB de 2021 entre as estimativas de junho e setembro.

Fonte: OECD (2020)

 

      Fonte: OECD (2020)

A maioria dos países do G-20 onde os resultados estimados para o PIB de 2020 melhoraram nas projeções de setembro comparadas com as de junho tiveram piores resultados estimados para o PIB em 2021 nas projeções de setembro com relação as projeções de junho. Este fato está associado às hipóteses utilizadas pela OCDE no comportamento da crise pandêmica[v]. Mas em alguns países outros fatores estruturais, como a existência de fortes desequilíbrios fiscais e persistente baixa produtividade e ineficiência do governo e da produção, poderiam estar afetando os resultados das projeções de crescimento do PIB em setembro comparados com as projeções de junho, relevando resultados não tão previsíveis apenas pela ótica do comportamento da crise pandêmica.

A tabela 2 mostra a comparação dos países segundo a variação das projeções do PIB (melhores ou piores) para os anos de 2020 e 2021 de acordo com as estimativas de junho e setembro. Os dados mostram que, em metade dos países do G-20, as projeções de setembro melhoram as estimativas do PIB para 2020 e pioram para 2021, mas em alguns países, como China, Canadá e Coréia do Sul, as estimativas melhoraram o desempenho da economia nestes dois anos. Em outros, como Argentina, Arábia Saudita[vi] e África do Sul as estimativas ficaram piores tanto em 2020 como em 2021, provavelmente por conta de fatores estruturais que vão além do comportamento da pandemia. Na Argentina e na África do Sul, onde os declínios de produção em 2020 são projetados para ser ainda mais profundos do que o previsto anteriormente refletindo a propagação prolongada do vírus, altos níveis de pobreza e informalidade poderão levar a medidas de confinamento mais rigorosas por um longo período.

Tabela 2 – Países com variações negativas ou positivas nas projeções do PIB de 2020 e 2021 de acordo com as estimativas de OCDE de junho e setembro de 2020

       Fonte: OECD (2020): Coreia do Sul e México tiveram as mesmas taxas de crescimento para 2021 nas estimativas de junho e setembro.

 

Fatores explicativos das diferenças nas estimativas de crescimento do PIB entre junho e setembro

Que fatores poderão explicar estas diferenças nas estimativas de crescimento do PIB de 2020 e 2021 entre junho e setembro nos países do G-20? Considerando que na maioria destes países as reestimativas foram positivas para o crescimento do PIB em 2020, seguem algumas possíveis explicações.

Do ponto de vista da política econômica, muitos Bancos Centrais tem flexibilizado e expandido sua política monetária mantendo, ao mesmo tempo, baixas taxas de juro durante a crise. Ao mesmo tempo apostam em taxas de inflação mais baixas com as expectativas de que a recuperação econômica em curso será lenta e gradual[vii]. Assim, no contexto de inflação contida desde a crise financeira global de 2008 e as expectativas de que política monetária flexível será mantida por um longo período de tempo, a crise levou a uma desvalorização do dólar norte-americano a qual já chega a 7% em meados de julho, o que pode parecer estranho para os brasileiros[viii].

Programas de compra e financiamento de ativos foram aprimorados na Austrália, na zona do Euro e nos Estados Unidos para minimizar riscos nos mercados financeiros e apoiar a provisão de crédito por instituições financeiras.

Muitos governos mantiveram uma política de gastos públicos expansionista, evitando apertos orçamentários prematuros e garantindo apoio creditício a setores econômicos que ainda se encontram fragilizados para sustentar a manutenção de níveis de emprego e os níveis de renda dos trabalhadores.  Segundo matéria publicada no The Economist, até julho de 2020 os países ricos anunciaram estímulos fiscais no valor de cerca de US$ 4,2 trilhões, o que seria suficiente para elevar seus déficits públicos a quase 17% do PIB[ix]. Mas esse enorme estímulo fiscal acalmou os mercados, impediu que as empresas colapsassem e protegeu a renda das famílias.

Algumas categorias de gastos têm se recuperado relativamente rápido, particularmente os gastos das famílias com bens duráveis, incluindo automoveis, que estavam reprimidos devido às medidas de confinamento. Mas setores na área de serviços, como turismo e viagens internacionais, os quais são importantes na economia dos países europeus, permanecem em patamares muito baixos. As companhias aéreas tiveram sua receita no mês de julho de 2020 em níveis 90% menores do que um ano antes. O número total de vôos comerciais globais em agosto permaneceu em torno de 40% abaixo do nível médio anterior a pandemia.

Mas o maior impacto da pandemia tem sido do lado da demanda, fazendo com que as expectativas de inflação futura e taxas de juros caiam ainda mais. A propensão ao consumo se reduziu, dado que os grupos de média e alta renda nos países ricos estão agora economizando grande parte de seus rendimentos. Mesmo nos grupos de renda mais baixa, as medidas emergenciais dos governos e os subsídios a renda das famílias aumentaram as taxas internas de poupança durante o segundo trimestre em muitos países, dada a vontade implícita das famílias em fazer um pé-de-meia para futuras emergências decorrentes de eventuais perdas de renda com a continuidade da pandemia. Mas por outro lado, a pandemia expôs e acentuou iniquidades. Aqueles com empregos de colarinho branco podem trabalhar em casa, enquanto os trabalhadores "essenciais" — motoristas de entrega, lixeiros, pessoal auxiliar de saúde — devem continuar trabalhando nas ruas ou locais de trabalho e correm maior risco de contrair o Covid-19, ao buscar suas fontes de renda. Aqueles em serviços como hotelaria, higiene pessoal, etc. (em geral composto por população desproporcionalmente jovem, feminina ou por minorias étnicas) suportaram o peso das perdas de emprego.

A OCDE estima que entre 10% a 20% dos subsídios recebidos pelas famílias foram entesourados, tanto nos Estados Unidos como nas economias europeias. Com a poupança de parte dos subsídios recebidos, estima-se que em países como Estados Unidos e no Japão os gastos totais das famílias permanecem no terceiro trimestre de 2020 entre 4% e 5% abaixo dos níveis existentes antes da pandemia mas constituem reservas que poderão ser utilizadas se as condições de controle da pandemia se deteriorarem. As empresas, por sua vez, também aumentaram suas reservas levando a uma redução em seus níveis de investimento.

Tabela 3 – Taxas de Crescimento da Produção Industrial dos Países do G-20 entre abril e julho de 2020

Faixas de Crescimento da Produção Industrial

Países Segundo os Meses de Referência

Abril-2020

Junho-2020

Julho-2020

Entre 0% e 10%

 

China

 

China

 

China

 

Menos de 0% a -10%

Coréia do Sul

 

Coréia do Sul, Turquia

Coréia do Sul, EUA, Reino Unido, Brasil, Zona do Euro, Espanha, França, Turquia, Itália.

Menos de -10% a -20%

Japão, EUA, Canadá

 

EUA, Canadá, Reino Unido, Brasil, Zona do Euro, México, Alemanha, Itália, Índia.

Japão, México, Alemanha, Índia

Menos de -20% a -30%

Reino Unido, Brasil, Zona do Euro, México, Alemanha.

-

-

Menos de -30% a -40%

 

Espanha, França, Turquia.

-

-

Menos de – 40%

Itália, Índia.

 

-

-

Fonte: OECD (2020)

 

No que diz respeito à produção industrial (tabela 3), somente a China manteve um crescimento ligeiramente positivo nos meses de abril a julho de 2020. Mas, além da China e da Coreia do Sul, todos os demais países tiveram crescimentos negativos superiores a -10% em abril, destacando-se Itália e Índia, cujo crescimento negativo da produção industrial foi além dos -40% neste mês. Nos meses subsequentes, se observa uma ligeira recuperação da produção industrial, ficando todos os demais países com um crescimento negativo menor do que -20%.

O Brasil, de acordo com o informe de setembro da OCDE, inicia o mês de abril com um crescimento negativo de sua produção industrial entre -20% e -30%, mas recupera-se nos dois meses subsequentes, chegando a um crescimento negativo entre 0% e -10% em julho de 2020. Estes dados, no entanto, não são condizentes com os resultados apresentados pelo IBGE, onde foi registrado um crescimento da produção industrial de 8% no mês de julho frente a junho de 2020. Mas este crescimento ainda não foi suficiente para eliminar a perda de 27% acumulada em março e abril, que levou o patamar de produção ao seu ponto mais baixo da série[x].

A crise também foi alimentada pelas altas taxas de desemprego ainda vigentes no segundo trimestre da economia mundial. Em muitos países, a queda do emprego tem sido limitada até agora devido a subsídios para que as empresas retenham seus trabalhadores, além de reduções da jornada de trabalho e subsídios aos salários. Os esquemas de retenção de empregos apoiaram cerca de 50 milhões de trabalhadores nos países da OCDE, pelo menos até maio de 2020. Com isso, o desemprego aumentou progressivamente, mas em patamares mais baixos nos países da zona do euro e no Japão, ainda que mais acentuadamente no Reino Unido e Canadá. O número total de hora trabalhadas nestes dois países caiu 18% no segundo trimestre de 2020 em relação ao trimestre anterior. Essa queda foi menor em países como os Estados Unidos (12%) e Japão (6%).

Do ponto de vista da gestão pandêmica, as medidas de política econômica foram complementadas pela flexibilização das ações de confinamento e distanciamento social, com a reabertura de alguns negócios no final do segundo trimestre e início do terceiro. Em média, pouco mais da metade do declínio da produção entre janeiro e abril havia sido restaurada em julho no âmbito do G-20, mas com diferenças acentuadas entre países e setores. Ressalta-se o caso da China, onde a expansão da demanda tem ajudado a sustentar os preços das commodities e a reduzir o risco nos mercados financeiros.

No entanto, após a recuperação em muitas atividades com a flexibilização das medidas de confinamento, há alguns indicadores que mostram a ameaça de uma segunda onda pandêmica, dado o recrudescimento de casos e mortes por Covid-19 em alguns países da zona do euro a partir de fins agosto. Com isso, novos bloqueios localizados, fechamentos de fronteira e restrições começam a ser impostos, levando alguns países que se recuperavam no meio do segundo trimestre a experimentar alguma perda de dinamismo econômico nos meses mais recentes.

 

Considerações Finais

Na análise de suas projeções econômicas de setembro-2020, a OCDE ressalta o alto grau de incertezas e instabilidades dos atuais cenários pandêmicos. Se a pandemia recrudesce, a economia ficará sujeita a choques negativos num momento onde o espaço para reverter a situação via política monetária e fiscal estará muito mais limitado pelo persistente declínio do crescimento econômico. Mas se aumenta o controle da pandemia e os riscos de contaminação se reduzem, aumentará a confiança das famílias e empresas para o consumo e investimento. O aumento da propensão ao consumo das famílias reduzirá seus níveis de poupança e as empresas estarão mais dispostas a investir em 2021.  Mas dadas essas incertezas, é necessário que, na medida do possível, seja mantida uma política fiscal e monetária compatível com a recuperação do estado de confiança dos agentes econômicos.

Com base nessas considerações, a OCDE avalia as perspectivas econômicas para 2020 e 2021 em três cenários. O primeiro, seria o cenário médio de acordo com os dados apresentados na tabela 1. O segundo seria um cenário otimista, onde há um maior controle da pandemia e o terceiro seria um cenário pessimista, onde as condições de controle da pandemia se perdem e os instrumentos de política fiscal e monetária utilizados anteriormente se tornam limitados. O gráfico 5 mostra o que aconteceria com o PIB global nestes cenários, entre o último trimestre de 2019 e o último trimestre de 2021 e o gráfico 6 mostra o impacto deste cenário no crescimento do PIB de 2021 de alguns países do G-20.

Como evidencia o gráfico 5, em qualquer cenário (médio, otimista ou pessimista) as perspectivas de crescimento do PIB global até fins de 2021 não irão recuperar as estimativas iniciais de crescimento do PIB para 2020 e 2021 realizadas no último trimestre de 2019. No entanto, no cenário médio o crescimento do PIB no quarto trimestre de 2021 poderá alcançar os níveis existentes dois anos antes. Também fica claro a magnitude da incerteza do crescimento a partir do terceiro trimestre de 2020, como pode ser demonstrada pela variação entre as estimativas otimistas e pessimistas do crescimento do PIB global até 2021. O gráfico 6 mostra também que esta incerteza está presente nas estimativas de crescimento dos países que integram o G-20. No Brasil, onde se prevê um crescimento de 3,6% no cenário médio em 2021, poderá haver um crescimento próximo a 1%, no cenário pessimista ou de até 6% no cenário otimista.

 

                Fonte: OECD (2020)

Durante a crise, gigantescos programas de estímulo fiscal evidenciaram que a participação da dívida pública no PIB está se elevando em muitos países, ainda que as baixas taxas de juros e sua eventual permanência a longo prazo permitam aos governos aceitarem dívidas públicas maiores no contexto da crise. Os líderes dos Bancos Centrais argumentam que se as taxas de juros permanecerem abaixo das taxas de crescimento econômico nominal (antes de ajustar a inflação), as economias poderão crescer e pagar as dívidas com superávits fiscais.

Outra maneira de argumentar é dizer que os bancos centrais podem continuar a financiar os governos enquanto a inflação permanecer baixa, porque é, em última análise, a expectativa de inflação que força os formuladores de políticas a elevar as taxas de juros a níveis que tornam a dívida cara

Pareceria fácil se fosse totalmente verdade. O problema é que nos anos vindouros os governos dos países ricos e em desenvolvimento enfrentarão maiores pressões sobre seus orçamentos públicos em função dos gastos com pensões e cuidados de saúde associados ao envelhecimento populacional, além de investimentos para combater as mudanças climáticas e quaisquer outras catástrofes como a que ocorreu na pandemia do Covid-19.

Além do mais, o otimismo dos bancos centrais não se aplica muito a realidade brasileira, onde o déficit fiscal já era alto antes da crise pandêmica e o orçamento público se encontra engessado com gastos que poderiam ser reduzidos caso reformas fiscais e administrativas fossem implementadas,  aumentando a eficiência e a justiça redistributiva no processo de arrecadação e cortando grandes parcelas do gasto público consumidas por ineficiências do Estado.  

Medidas de capacitação, treinamento e incentivo a inovação nos negócios e contratos de trabalho, incluindo a opção tipo “home office”, são essenciais para garantir suficiente flexibilidade nas estratégias de crescimento durante a recuperação pandêmica, gerando o apoio a políticas e reformas estruturais (administrativa, fiscal, etc.) que elevem a oportunidade para os trabalhadores deslocados dos setores tradicionais de forma a fomentar o remanejamento de capital e força de trabalho para setores e atividades com maior potencial de crescimento, apoiando mudanças comportamentais que facilitem o teletrabalho e melhorem a disponibilidade generalizada de banda larga de alta velocidade em áreas remotas.

Num contexto onde, como apontado anteriormente, houve substancial redução da jornada de trabalho, o aumento da capacitação e treinamento poderá ajudar os trabalhadores a melhorar a viabilidade de sua atual ocupação ou reinventar seu espaço de trabalho na busca de novas atividades. Muitas empresas poderiam tornar mandatória a realização de treinamento e capacitação como condição para o recebimento de subsídios públicos ou manutenção dos salários durante a crise, entregando os cursos de forma flexível através de ferramentas de ensino a distância.

Os governos deverão garantir investimentos em saúde para reduzir a possibilidade de novos surtos pandêmicos e, com isso, a incerteza dos agentes econômicos. Programas em massa de testagem, rastreamento e, quando necessário, distanciamento social, devem estar presentes de forma eficaz e oportuna para garantir a eficiência dos sistemas de saúde e os estoques de equipamentos de proteção individual. O preço da liberdade de não ser contaminado pelo vírus é a eterna vigilância pandêmica e essa só é possível quando eventuais ressurgimentos das taxas de infecção sejam mapeados previamente e tratados através de medidas localizadas e focalizadas, ao invés das estratégias de confinamento que foram necessárias para evitar um caos ainda maior no início da pandemia (pela ausência de dados e mapeamento de casos), mas que afetaram o desempenho da economia, levando a uma queda recorde do PIB global como a ocorrida no segundo trimestre de 2020, acarretando gastos públicos desproporcionais e elevados custos sociais.

As cadeias globais de suprimentos e nacionais de produção foram interrompidas durante a crise pandêmica, levando alguns preços internacionais a subir com reflexos nos mercados externos e internos. Este fato tem afetado particularmente as cadeias de produção de insumos para a saúde. A cooperação e coordenação do comércio global são necessárias para solucionar os graves desafios à saúde que todos os países enfrentam, já que nenhum país é capaz de obter toda a gama de produtos necessários para combater o COVID-19 a partir unicamente de seus recursos domésticos. Sistemas mais sólidos de vigilância epidemiológica nas fronteiras nacionais também ajudariam a reduzir a incerteza e limitar os custos e problemas sociais gerados pelo fechamento indiscriminado das fronteiras entre países.

Outro ponto a destacar é que a crise é um momento de oportunidades para a transformação. Neste sentido, os esforços do governo para apoiar a recuperação econômica devem aproveitar a oportunidade para incorporar ações que reduzam a ameaça a longo prazo das mudanças climáticas. Os financiamentos públicos ou privados para a retomada devem, sempre que possível, estar associados a investimentos comprometidos com melhorias ambientais dado que, mesmo com a perspectiva de um período prolongado de preços baixos do petróleo, como parece estar por vir, é necessário manter incentivos para as empresas investirem em tecnologias associadas a eficiência e mudanças para matrizes energéticas que reduzam os níveis de carbono.

 

Anotações do Texto



[i] O atual governo brasileiro, buscando tirar vantagem da aparente boa relação e afinidade ideológica com o atual presidente norte-americano Donald Trump, tentou desde 2019 buscar uma janela adicional para ingressar na OCDE, mas depois de muita insistência do Brasil, Donald Trump manifestou seu apoio à candidatura da Argentina, que solicitou o ingresso um ano antes do Brasil ainda que defenda posições políticas e ideológicas diferentes das mantidas pela agenda internacional norte-americana.

 

[ii] Os países membros do G-20 são Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia. Além disso a União Europeia ingressa como um membro a parte. O G-20 congrega dois terços da população mundial, 80% do comércio global e 85% da riqueza produzida em todo mundo

 

[iii]  OECD (2020) Interim Economic Assessment - Coronavirus: Living with uncertainty. Link https://www.oecd.org/economic-outlook/september-2020/

 

[iv] Apesar das projeções globais não tomarem em conta inicialmente um possível efeito do crescimento acelerado do Covid-19 na Índia e seus efeitos na economia nacional, o paralelo realizado com o caso da Gripe Espanhola, o qual fiz referência em minha postagem de 24 de março deste ano, mostra que tudo levaria a crer que a Índia poderia ser um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19. Ver http://monitordesaude.blogspot.com/2020/04/efeitos-das-pandemias-na-economia-da.html

 

[v] As principais hipóteses utilizadas nas projeções da OCDE são de que o crescimento econômico futuro dependerá de fatores de controle pandêmico e de medidas macroeconômicas. No caso das medidas de controle pandêmico, se incluem a magnitude e duração de novos surtos COVID-19 e o grau em que as medidas de contenção pandêmica (uso de máscaras e equipamentos de proteção pessoal em locais públicos, distanciamento físico, limite de realização de reuniões ou aglomerações, níveis de controle das viagens e fronteiras) são implementadas. Algumas destas medidas poderiam conter o gasto das famílias no curto prazo inibindo a demanda, especialmente no setor de serviços. No caso das medidas macroeconômicas, foram considerados os limites para a manutenção da expansão fiscal e monetária que são fatores que apoiam a expansão da demanda durante a crise pandêmica.

 

[vi] No caso da Arábia Saudita, a crise pandêmica tem ocorrido num cenário de mudanças aceleradas nas matrizes energéticas, fazendo com que o país tenha dificuldades na reconversão futura de sua crise que está adicionalmente vinculada a futuros comportamentos nos preços de comodities como o petróleo. Sobre este ponto, ver artigo publicado em The Economist (18 de julho de 2020), intitulado Twilight of an era - The end of the Arab world’s oil age is night: Pain will be felt across the region - Middle East & Africa. Segundo este artigo, nenhum país árabe (exceto Catar) pode sobreviver no longo prazo com os preços do petróleo na faixa de US$40 por barril praticados hoje.

 

[vii] Países como Brasil, Indonésia, México, Rússia e África do Sul reduziram suas taxas de juro durante os primeiros meses da pandemia.

 

[viii] As fragilidades e níveis de incerteza da economia brasileira associadas a uma crise econômica que se prolonga desde 2014, levou a moeda brasileira a ser uma das que mais se desvalorizou em relação ao dólar no ano de 2020.

[ix] The Economist (2020), Starting over again: The covid-19 pandemic is forcing a rethink in macroeconomics, Edition of July 25, 2020.