Ano 14, Número 110, setembro de 2020
André
Cezar Medici
Introdução
Os impactos do
Covid-19 tem sido uma grande fonte de aprendizado para economistas ao longo
deste ano, mas a capacidade de recuperação econômica, uma vez que o controle
pandêmico seja reestabelecido, também tem gerado muitas lições e surpresas. Em
junho de 2020 os dados acumulados sobre o impacto da pandemia nas economias dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento mostravam sinais bastante negativos. Uma
primeira lição foi a de que no segundo trimestre de 2020 países ricos, mas
também alguns emergentes, experimentaram declínios no produto interno bruto
(PIB) de até 20%. No entanto, se não fosse a resposta rápida e eficaz trazida
por incentivos públicos ao consumo das famílias e ao financiamento das
empresas, a contração na produção teria sido substancialmente maior.
Com a flexibilização
das medidas de confinamento e a reabertura das empresas a partir de maio de
2020 a produção industrial aumentou rapidamente até fins do segundo trimestre,
estimulada pelos subsídios e transferências governamentais que ajudaram a
manter a renda das famílias e a atividade econômica de algumas empresas. Com
isso, os gastos das famílias tiveram alguma recuperação, especialmente com bens
duráveis de consumo. No entanto, as despesas com serviços que exigem a presença
física do consumidor, especialmente com viagens ou aqueles que exigem
proximidade entre trabalhadores e consumidores (restaurantes, cabelereiros,
etc.) permaneceram em níveis muito baixos.
Uma segunda
lição evidenciada nos últimos meses, mostra que as projeções iniciais de queda
muito elevada do PIB em 2020 parecem estar arrefecendo, ainda que exista um
grande clima de incertezas quanto ao realismo dessa recuperação recente ou sobre
as mudanças que ainda podem vir até o fim do ano. Isto
porquê as projeções de crescimento do PIB neste contexto de pandemia dependem
de suposições sobre como ocorrerá a disseminação do vírus, como se implementarão
de forma eficiente as políticas de contenção e fiscalização dos governos e de
como serão garantidas as condições de segurança para o retorno à normalidade.
Certamente, surtos locais esporádicos de Covid-19 continuarão a ocorrer
demandando intervenções locais direcionadas ao invés de bloqueios nacionais (lockdowns)
como os ocorridos em alguns países no início da pandemia. As perspectivas de
que haja uma vacinação amplamente disponível até o final de 2021 também parecem
fortalecer cenários de recuperação mais sólida a médio prazo.
De todos os
modos, reafirmo o que tenho dito em minhas postagens anteriores e em minhas
participações nos debates virtuais e teleconferências. Se a ameaça pandêmica
desaparecer mais rapidamente do que o esperado, melhorias no nível de confiança
poderão recuperar, de forma significativa, os ritmos de crescimento econômico. Mas
uma segunda onda ou o prolongamento da primeira implicarão em novas medidas de
contenção, que, em 2021, poderão reduzir em 2 ou 3 pontos percentuais o
crescimento global, gerando mais desemprego e menores níveis de investimento.
Estimativas
de Crescimento do PIB em 2020 e 2021 ao nível Global, no G-20 e na Zona do Euro
Vejamos o que
dizem os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
de setembro de 2020. A OCDE é uma organização internacional que congrega 38 nações-membros,
propiciando vantagens como a captação de empréstimos externos a juros menores e
acordos recíprocos de comércio mais vantajosos. Ingressar na OCDE tem sido
objeto de cobiça de várias nações em desenvolvimento, como o Brasil, que há
décadas faz esforços para ingressar neste clube (a exemplo de outros países
latino-americanos que já são membros, como o México, o Chile e recentemente a
Costa Rica). Mas em função de sua histórica baixa performance em temas econômicos,
sociais e de governança na gestão pública, o Brasil não consegue preencher os
requisitos mínimos necessários para ingressar no chamado “clube dos países ricos”[i],
ainda que seja membro e participe das reuniões do G-20[ii].
A OCDE, assim
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), acompanha o
desempenho trimestral da economia mundial através de seu OECD Economic
Outlook e em 16 de setembro último publicou um relatório preliminar,
atualizando os últimos dados da economia mundial sob a influência da pandemia
do Covid-19[iii].
O informe mostra alguns resultados interessantes sobre as mudanças de
expectativa da economia mundial para 2020 e 2021, como pode ser visto na tabela
1.
Tabela 1
Estimativas da OECD para as Taxas (%) de Crescimento do PIB em Alguns
Países e Regiões para os anos de 2020 e 2021, realizadas nos meses de junho e
setembro de 2020, e suas respectivas variações
Regiões e Países
|
2020
|
2021
|
Jun-2020
|
Set-2020
|
Variação
|
Jun-2020
|
Set-2020
|
Variação
|
Mundo
|
-6,0
|
-4,5
|
+25%
|
+5,2
|
+5,0
|
-4%
|
Países G-20
|
-5,7
|
-4,1
|
+28%
|
+5,5
|
+5,7
|
+4%
|
Zona do Euro (1)
|
-9,1
|
-7,9
|
+13%
|
+6,5
|
+5,1
|
-22%
|
Países
|
África do Sul
|
-7,5
|
-11,5
|
-53%
|
+2,5
|
+1,4
|
-44%
|
Alemanha
|
-6,6
|
-4,4
|
+33%
|
+5,8
|
+4,6
|
-21%
|
Arábia Saudita
|
-6,6
|
-6,8
|
-3%
|
+3,8
|
+3,2
|
-16%
|
Argentina
|
-9,3
|
-11,2
|
-20%
|
+4,1
|
+3,2
|
-22%
|
Austrália
|
-5,0
|
-4,1
|
+18%
|
+4,1
|
+2,5
|
-39%
|
Brasil
|
-7,4
|
-6,5
|
+12%
|
+4,2
|
+3,6
|
-14%
|
Canadá
|
-8,0
|
-5,8
|
+28%
|
+3,9
|
+4,0
|
+3%
|
China
|
-3,0
|
+1,8
|
+60%
|
+6,8
|
+8,0
|
+18%
|
Coréia do Sul
|
-1,2
|
-1,0
|
+17%
|
+3,1
|
+3,1
|
-
|
Estados Unidos
|
-7,3
|
-3,8
|
+48%
|
+4,1
|
+4,0
|
-2%
|
França
|
-11,4
|
-9,5
|
+17%
|
+7,7
|
+5,8
|
-25%
|
Índia
|
-3,7
|
-10,2
|
-176%
|
+7,9
|
+10,7
|
+35%
|
Indonésia
|
-2,8
|
-3,3
|
-18%
|
+5,3
|
+5,4
|
+2%
|
Itália
|
-11,3
|
-10,5
|
+7%
|
+7,7
|
+5,4
|
-30%
|
Japão
|
-6,0
|
-5,8
|
+3%
|
+2,1
|
+1,6
|
-24%
|
México
|
-7,5
|
-10,2
|
-36%
|
+3,0
|
+3,0
|
-
|
Reino Unido
|
-11,5
|
-10,1
|
+12%
|
+9,0
|
+7,6
|
-16%
|
Rússia
|
-8,0
|
-7,3
|
+9%
|
+6,0
|
+5,0
|
-17%
|
Turquia
|
-4,8
|
-2,9
|
+40%
|
+4,3
|
+3,9
|
-9%
|
Fonte: OECD (2020) – (2) Somente 19 dos 27
países que compõe a União Europeia convergiram e utilizar o euro como moeda
comum. São eles Áustria, Bélgica, Chipre, Estónia, Finlândia, França, Alemanha,
Grécia, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal,
Eslováquia, Eslovénia e Espanha.
Comparando-se as
estimativas de setembro com as de junho de 2020, verifica-se que houve uma melhoria
nas expectativas de crescimento da economia mundial em 2020, isto é, mesmo
mantendo um crescimento negativo de -4,5%, este crescimento, de acordo com a
estimativa da OCDE de setembro, será em média 25% melhor do que foi na
estimativa de junho do corrente ano (-6%). Pode-se dizer que este relativo otimismo em
não ter uma queda tão profunda do PIB em 2020 ocorre em função de reestimativas
da projeção de queda no PIB dos países do G-20.
A OCDE estimou
em junho uma queda no PIB-2020 dos países do G-20 da ordem de -5,7%, mas corrigiu
esta queda para -4,1% em setembro, o que representa uma melhoria de 28% na
reestimativa do PIB deste bloco de países. No que se refere aos países da Zona
do Euro, a queda de -9,1% do PIB de 2020 estimada em junho, foi corrigida para
-7,9% em setembro, refletindo também algum otimismo na recuperação do PIB
nestes países, com uma melhoria de 13%.
Em
contrapartida, as estimativas de setembro para o crescimento do PIB em 2021 não
são tão boas quanto as de junho para a maioria dos países, mas isso é natural. Uma
vez que a queda do PIB deixa de ser tão acentuada em 2020 quanto a estimada
anteriormente, o crescimento do PIB no ano subsequente não será tão elevado
quanto foi na estimativa anterior. Segundo as estimativas de junho e setembro,
o crescimento do PIB global continuaria positivo em 2021, mas baixaria de 5,2%
para 5,0%, o que representa uma queda de 4%. Na zona do euro, a diferença entre
as projeções de crescimento do PIB nas duas estimativas de crescimento seria reduzida
em 22%, mostrando a dificuldade que este conjunto de países ainda terá para
contornar a política econômica pós-pandêmica e recuperar a normalidade.
No entanto,
houve um aumento na estimativa de crescimento do PIB em 2021 para os países do
G-20 da ordem de 4%, o que se explicaria, pelo comportamento projetado de dois
países com grande peso na economia mundial que integram este grupo – China e
Índia. A China foi o único país do G-20 cuja expectativa de crescimento do PIB
de 2020 passou a ser positiva (+1,8%) na estimativa de setembro. Dada sua pujança
e forte capacidade de crescimento econômico, se espera que a economia chinesa
continuará crescendo ainda mais em 2021 (+8%). No caso da Índia, ocorreu o
contrário, ou seja, o crescimento do PIB 2020 na estimativa de setembro foi
considerado muito mais fraco em função do agravamento das taxas de contaminação
pandêmica não previstas nas projeções globais iniciais[iv].
A estimativa da variação do PIB-2020 em setembro caiu -176% em relação ao valor
da variação do PIB-2020 estimada em junho. Com isso, a recuperação do crescimento
do PIB da economia indiana em 2021, de acordo com a estimativa de setembro,
deverá ser maior do que o esperado na estimativa de junho (+10,7% comparada com
+7,9%, respectivamente).
Com as
reestimativas de crescimento do PIB do G-20 em setembro, os cinco países que
enfrentarão maiores impactos negativos no crescimento do PIB em 2020 como
resultado da crise pandêmica serão África do Sul (-11,5%), Argentina (-11,3%),
Itália (-10,5%), México (-10,2%) e Índia (-10,2%) e os cinco que enfrentarão
menores impactos serão China (+1,8%), Coréia do Sul (-1,0%), Turquia (-2,9%),
Indonésia (-3,3%) e Estados Unidos (-3,8%). O gráfico 1 mostra as taxas de
crescimento do PIB destes países baseados nas estimativas da OCDE de setembro
de 2020.
O Brasil teve
sua taxa de crescimento do PIB reestimada para -6,5% em setembro, resultado melhor
do que os -7,4% estimados em junho de 2020. Com esta nova estimativa, o Brasil
será o 10º país mais impactado economicamente pela crise do Covid-19 em 2020 no
conjunto dos países membros do G-20.
Fonte: OECD (2020)
O gráfico 2
mostra a diferença na variação percentual do crescimento do PIB dos países do
G-20 em 2020 segundo as estimativas de junho e setembro. Se observa que maiores
variações positivas no crescimento do PIB se observam na China (+60%), Estados
Unidos (+48%), Turquia (+40%), Alemanha (38%) e Canadá (28%). Mas alguns países
tiveram variações negativas em suas expectativas de crescimento do PIB,
destacando-se, com pior desempenho, a Índia (-176%), África do Sul (-53%),
México (-36%), Argentina (-20%) e Indonésia (-18%).
Fonte: OECD (2020)
O gráfico 3
mostra as taxas de crescimento do PIB para 2021, segundo a estimativa da OCDE
de setembro de 2020 e o gráfico 4 mostra as diferenças nas variações percentuais
nas estimativas de crescimento do PIB de 2021 entre as estimativas de junho e
setembro.
Fonte:
OECD (2020)
Fonte: OECD (2020)
A maioria dos
países do G-20 onde os resultados estimados para o PIB de 2020 melhoraram nas
projeções de setembro comparadas com as de junho tiveram piores resultados estimados
para o PIB em 2021 nas projeções de setembro com relação as projeções de junho.
Este fato está associado às hipóteses utilizadas pela OCDE no comportamento da
crise pandêmica[v]. Mas
em alguns países outros fatores estruturais, como a existência de fortes
desequilíbrios fiscais e persistente baixa produtividade e ineficiência do
governo e da produção, poderiam estar afetando os resultados das projeções de
crescimento do PIB em setembro comparados com as projeções de junho, relevando
resultados não tão previsíveis apenas pela ótica do comportamento da crise
pandêmica.
A tabela 2 mostra
a comparação dos países segundo a variação das projeções do PIB (melhores ou
piores) para os anos de 2020 e 2021 de acordo com as estimativas de junho e setembro.
Os dados mostram que, em metade dos países do G-20, as projeções de setembro
melhoram as estimativas do PIB para 2020 e pioram para 2021, mas em alguns
países, como China, Canadá e Coréia do Sul, as estimativas melhoraram o desempenho
da economia nestes dois anos. Em outros, como Argentina, Arábia Saudita[vi]
e África do Sul as estimativas ficaram piores tanto em 2020 como em 2021,
provavelmente por conta de fatores estruturais que vão além do comportamento da
pandemia. Na Argentina e na África do Sul, onde os declínios de produção em
2020 são projetados para ser ainda mais profundos do que o previsto
anteriormente refletindo a propagação prolongada do vírus, altos níveis de pobreza
e informalidade poderão levar a medidas de confinamento mais rigorosas por um
longo período.
Tabela
2 – Países com variações negativas ou positivas nas projeções do PIB de 2020 e
2021 de acordo com as estimativas de OCDE de junho e setembro de 2020
Fonte: OECD (2020): Coreia do Sul e
México tiveram as mesmas taxas de crescimento para 2021 nas estimativas de
junho e setembro.
Fatores explicativos
das diferenças nas estimativas de crescimento do PIB entre junho e setembro
Que fatores
poderão explicar estas diferenças nas estimativas de crescimento do PIB de 2020
e 2021 entre junho e setembro nos países do G-20? Considerando que na maioria destes
países as reestimativas foram positivas para o crescimento do PIB em 2020,
seguem algumas possíveis explicações.
Do ponto de
vista da política econômica, muitos Bancos Centrais tem flexibilizado e expandido
sua política monetária mantendo, ao mesmo tempo, baixas taxas de juro durante a
crise. Ao mesmo tempo apostam em taxas de inflação mais baixas com as
expectativas de que a recuperação econômica em curso será lenta e gradual[vii].
Assim, no contexto de inflação contida desde a crise financeira global de 2008
e as expectativas de que política monetária flexível será mantida por um longo
período de tempo, a crise levou a uma desvalorização do dólar norte-americano a
qual já chega a 7% em meados de julho, o que pode parecer estranho para os
brasileiros[viii].
Programas de compra
e financiamento de ativos foram aprimorados na Austrália, na zona do Euro e nos
Estados Unidos para minimizar riscos nos mercados financeiros e apoiar a
provisão de crédito por instituições financeiras.
Muitos governos
mantiveram uma política de gastos públicos expansionista, evitando apertos orçamentários
prematuros e garantindo apoio creditício a setores econômicos que ainda se
encontram fragilizados para sustentar a manutenção de níveis de emprego e os níveis
de renda dos trabalhadores. Segundo
matéria publicada no The Economist, até julho de 2020 os países ricos
anunciaram estímulos fiscais no valor de cerca de US$ 4,2 trilhões, o que seria
suficiente para elevar seus déficits públicos a quase 17% do PIB[ix].
Mas esse enorme estímulo fiscal acalmou os mercados, impediu que as empresas
colapsassem e protegeu a renda das famílias.
Algumas
categorias de gastos têm se recuperado relativamente rápido, particularmente os
gastos das famílias com bens duráveis, incluindo automoveis, que estavam reprimidos
devido às medidas de confinamento. Mas setores na área de serviços, como turismo e
viagens internacionais, os quais são importantes na economia dos países
europeus, permanecem em patamares muito baixos. As companhias aéreas tiveram
sua receita no mês de julho de 2020 em níveis 90%
menores do que um ano antes. O número total de vôos comerciais globais em
agosto permaneceu em torno de 40% abaixo do nível médio anterior a pandemia.
Mas o maior
impacto da pandemia tem sido do lado da demanda, fazendo com que as
expectativas de inflação futura e taxas de juros caiam ainda mais. A propensão ao consumo se reduziu, dado que os grupos de média e alta renda nos países ricos
estão agora economizando grande parte de seus rendimentos. Mesmo nos grupos de
renda mais baixa, as medidas emergenciais dos governos e os subsídios a renda das
famílias aumentaram as taxas internas de poupança durante o segundo trimestre
em muitos países, dada a vontade implícita das famílias em fazer um pé-de-meia
para futuras emergências decorrentes de eventuais perdas de renda com a continuidade
da pandemia. Mas por outro lado, a pandemia expôs e acentuou iniquidades.
Aqueles com empregos de colarinho branco podem trabalhar em casa, enquanto os
trabalhadores "essenciais" — motoristas de entrega, lixeiros, pessoal
auxiliar de saúde — devem continuar trabalhando nas ruas ou locais de trabalho e correm maior risco de
contrair o Covid-19, ao buscar suas fontes de renda. Aqueles em serviços como
hotelaria, higiene pessoal, etc. (em geral composto por população desproporcionalmente
jovem, feminina ou por minorias étnicas) suportaram o peso das perdas de
emprego.
A OCDE estima
que entre 10% a 20% dos subsídios recebidos pelas famílias foram entesourados, tanto
nos Estados Unidos como nas economias europeias. Com a poupança de parte dos
subsídios recebidos, estima-se que em países como Estados Unidos e no Japão os
gastos totais das famílias permanecem no terceiro trimestre de 2020 entre 4% e
5% abaixo dos níveis existentes antes da pandemia mas constituem reservas que
poderão ser utilizadas se as condições de controle da pandemia se deteriorarem.
As empresas, por sua vez, também aumentaram suas reservas levando a uma redução
em seus níveis de investimento.
Tabela
3 – Taxas de Crescimento da Produção Industrial dos Países do G-20 entre abril
e julho de 2020
Faixas de Crescimento
da Produção Industrial
|
Países Segundo os Meses de Referência
|
Abril-2020
|
Junho-2020
|
Julho-2020
|
Entre 0% e 10%
|
China
|
China
|
China
|
Menos de 0% a -10%
|
Coréia do Sul
|
Coréia do Sul, Turquia
|
Coréia do Sul, EUA, Reino Unido, Brasil, Zona
do Euro, Espanha, França, Turquia, Itália.
|
Menos de -10% a -20%
|
Japão, EUA, Canadá
|
EUA, Canadá,
Reino Unido, Brasil, Zona do Euro,
México, Alemanha, Itália, Índia.
|
Japão, México,
Alemanha, Índia
|
Menos de -20% a -30%
|
Reino Unido, Brasil, Zona
do Euro, México, Alemanha.
|
-
|
-
|
Menos de -30% a -40%
|
Espanha, França,
Turquia.
|
-
|
-
|
Menos de – 40%
|
Itália, Índia.
|
-
|
-
|
Fonte: OECD (2020)
No que diz
respeito à produção industrial (tabela 3), somente a China manteve um
crescimento ligeiramente positivo nos meses de abril a julho de 2020. Mas, além da China e da Coreia do Sul, todos os demais países tiveram crescimentos negativos
superiores a -10% em abril, destacando-se Itália e Índia, cujo crescimento
negativo da produção industrial foi além dos -40% neste mês. Nos meses
subsequentes, se observa uma ligeira recuperação da produção industrial,
ficando todos os demais países com um crescimento negativo menor do que -20%.
O Brasil, de
acordo com o informe de setembro da OCDE, inicia o mês de abril com um
crescimento negativo de sua produção industrial entre -20% e -30%, mas
recupera-se nos dois meses subsequentes, chegando a um crescimento negativo
entre 0% e -10% em julho de 2020. Estes dados, no entanto, não são condizentes
com os resultados apresentados pelo IBGE, onde foi registrado um
crescimento da produção industrial de 8% no mês de julho frente a junho de 2020.
Mas este crescimento ainda não foi suficiente para eliminar a perda de 27%
acumulada em março e abril, que levou o patamar de produção ao seu ponto mais
baixo da série[x].
A crise também foi
alimentada pelas altas taxas de desemprego ainda vigentes no segundo trimestre
da economia mundial. Em muitos países, a queda do emprego tem sido limitada até
agora devido a subsídios para que as empresas retenham seus trabalhadores, além
de reduções da jornada de trabalho e subsídios aos salários. Os esquemas de
retenção de empregos apoiaram cerca de 50 milhões de trabalhadores nos países
da OCDE, pelo menos até maio de 2020. Com isso, o desemprego aumentou progressivamente,
mas em patamares mais baixos nos países da zona do euro e no Japão, ainda que
mais acentuadamente no Reino Unido e Canadá. O número total de hora trabalhadas
nestes dois países caiu 18% no segundo trimestre de 2020 em relação ao trimestre
anterior. Essa queda foi menor em países como os Estados Unidos (12%) e Japão
(6%).
Do ponto de
vista da gestão pandêmica, as medidas de política econômica foram
complementadas pela flexibilização das ações de confinamento e distanciamento
social, com a reabertura de alguns negócios no final do segundo trimestre e início
do terceiro. Em média, pouco mais da metade do declínio da produção entre
janeiro e abril havia sido restaurada em julho no âmbito do G-20, mas com
diferenças acentuadas entre países e setores. Ressalta-se o caso da China, onde
a expansão da demanda tem ajudado a sustentar os preços das commodities e a reduzir
o risco nos mercados financeiros.
No entanto, após
a recuperação em muitas atividades com a flexibilização das medidas de
confinamento, há alguns indicadores que mostram a ameaça de uma segunda onda
pandêmica, dado o recrudescimento de casos e mortes por Covid-19 em alguns países
da zona do euro a partir de fins agosto. Com isso, novos bloqueios localizados,
fechamentos de fronteira e restrições começam a ser impostos, levando alguns
países que se recuperavam no meio do segundo trimestre a experimentar alguma
perda de dinamismo econômico nos meses mais recentes.
Considerações
Finais
Na análise de
suas projeções econômicas de setembro-2020, a OCDE ressalta o alto grau de
incertezas e instabilidades dos atuais cenários pandêmicos. Se a pandemia
recrudesce, a economia ficará sujeita a choques negativos num momento onde o
espaço para reverter a situação via política monetária e fiscal estará muito
mais limitado pelo persistente declínio do crescimento econômico. Mas se aumenta
o controle da pandemia e os riscos de contaminação se reduzem, aumentará a
confiança das famílias e empresas para o consumo e investimento. O aumento da
propensão ao consumo das famílias reduzirá seus níveis de poupança e as
empresas estarão mais dispostas a investir em 2021. Mas dadas essas incertezas, é necessário que,
na medida do possível, seja mantida uma política fiscal e monetária compatível
com a recuperação do estado de confiança dos agentes econômicos.
Com base nessas
considerações, a OCDE avalia as perspectivas econômicas para 2020 e 2021 em três
cenários. O primeiro, seria o cenário médio de acordo com os dados apresentados
na tabela 1. O segundo seria um cenário otimista, onde há um maior controle da
pandemia e o terceiro seria um cenário pessimista, onde as condições de
controle da pandemia se perdem e os instrumentos de política fiscal e monetária
utilizados anteriormente se tornam limitados. O gráfico 5 mostra o que aconteceria
com o PIB global nestes cenários, entre o último trimestre de 2019 e o último
trimestre de 2021 e o gráfico 6 mostra o impacto deste cenário no crescimento
do PIB de 2021 de alguns países do G-20.
Como evidencia o
gráfico 5, em qualquer cenário (médio, otimista ou pessimista) as perspectivas
de crescimento do PIB global até fins de 2021 não irão recuperar as estimativas
iniciais de crescimento do PIB para 2020 e 2021 realizadas no último trimestre
de 2019. No entanto, no cenário médio o crescimento do PIB no quarto trimestre
de 2021 poderá alcançar os níveis existentes dois anos antes. Também fica claro
a magnitude da incerteza do crescimento a partir do terceiro trimestre de 2020,
como pode ser demonstrada pela variação entre as estimativas otimistas e
pessimistas do crescimento do PIB global até 2021. O gráfico 6 mostra também
que esta incerteza está presente nas estimativas de crescimento dos países que integram
o G-20. No Brasil, onde se prevê um crescimento de 3,6% no cenário médio em
2021, poderá haver um crescimento próximo a 1%, no cenário pessimista ou de até
6% no cenário otimista.
Fonte: OECD (2020)
Durante a crise,
gigantescos programas de estímulo fiscal evidenciaram que a participação da dívida
pública no PIB está se elevando em muitos países, ainda que as baixas taxas de
juros e sua eventual permanência a longo prazo permitam aos governos aceitarem
dívidas públicas maiores no contexto da crise. Os líderes dos Bancos Centrais
argumentam que se as taxas de juros permanecerem abaixo das taxas de
crescimento econômico nominal (antes de ajustar a inflação), as economias poderão
crescer e pagar as dívidas com superávits fiscais.
Outra maneira de
argumentar é dizer que os bancos centrais podem continuar a financiar os
governos enquanto a inflação permanecer baixa, porque é, em última análise, a expectativa
de inflação que força os formuladores de políticas a elevar as taxas de juros a
níveis que tornam a dívida cara
Pareceria fácil
se fosse totalmente verdade. O problema é que nos anos vindouros os governos dos
países ricos e em desenvolvimento enfrentarão maiores pressões sobre seus
orçamentos públicos em função dos gastos com pensões e cuidados de saúde
associados ao envelhecimento populacional, além de investimentos para combater
as mudanças climáticas e quaisquer outras catástrofes como a que ocorreu na pandemia do Covid-19.
Além do mais, o
otimismo dos bancos centrais não se aplica muito a realidade brasileira, onde o
déficit fiscal já era alto antes da crise pandêmica e o orçamento público se encontra
engessado com gastos que poderiam ser reduzidos caso reformas fiscais e
administrativas fossem implementadas, aumentando a eficiência e a justiça redistributiva no processo de arrecadação e cortando grandes parcelas do gasto
público consumidas por ineficiências do Estado.
Medidas de capacitação,
treinamento e incentivo a inovação nos negócios e contratos de trabalho, incluindo
a opção tipo “home office”, são essenciais para garantir suficiente flexibilidade
nas estratégias de crescimento durante a recuperação pandêmica, gerando o apoio
a políticas e reformas estruturais (administrativa, fiscal, etc.) que elevem a
oportunidade para os trabalhadores deslocados dos setores tradicionais de forma
a fomentar o remanejamento de capital e força de trabalho para setores e
atividades com maior potencial de crescimento, apoiando mudanças comportamentais que facilitem
o teletrabalho e melhorem a disponibilidade generalizada de banda larga de alta
velocidade em áreas remotas.
Num contexto onde,
como apontado anteriormente, houve substancial redução da jornada de trabalho, o
aumento da capacitação e treinamento poderá ajudar os trabalhadores a melhorar
a viabilidade de sua atual ocupação ou reinventar seu espaço de trabalho na
busca de novas atividades. Muitas empresas poderiam tornar mandatória a
realização de treinamento e capacitação como condição para o recebimento de subsídios
públicos ou manutenção dos salários durante a crise, entregando os cursos de
forma flexível através de ferramentas de ensino a distância.
Os governos deverão
garantir investimentos em saúde para reduzir a possibilidade de novos surtos
pandêmicos e, com isso, a incerteza dos agentes econômicos. Programas em massa
de testagem, rastreamento e, quando necessário, distanciamento social, devem estar
presentes de forma eficaz e oportuna para garantir a eficiência dos sistemas de
saúde e os estoques de equipamentos de proteção individual. O preço da
liberdade de não ser contaminado pelo vírus é a eterna vigilância pandêmica e
essa só é possível quando eventuais ressurgimentos das taxas de infecção sejam
mapeados previamente e tratados através de medidas localizadas e focalizadas, ao
invés das estratégias de confinamento que foram necessárias para evitar um caos
ainda maior no início da pandemia (pela ausência de dados e mapeamento de
casos), mas que afetaram o desempenho da economia, levando a uma queda recorde
do PIB global como a ocorrida no segundo trimestre de 2020, acarretando gastos
públicos desproporcionais e elevados custos sociais.
As cadeias globais
de suprimentos e nacionais de produção foram interrompidas durante a crise
pandêmica, levando alguns preços internacionais a subir com reflexos nos
mercados externos e internos. Este fato tem afetado particularmente as cadeias
de produção de insumos para a saúde. A cooperação e coordenação do comércio
global são necessárias para solucionar os graves desafios à saúde que todos os
países enfrentam, já que nenhum país é capaz de obter toda a gama de produtos
necessários para combater o COVID-19 a partir unicamente de seus recursos domésticos.
Sistemas mais sólidos de vigilância epidemiológica nas fronteiras nacionais também
ajudariam a reduzir a incerteza e limitar os custos e problemas sociais gerados
pelo fechamento indiscriminado das fronteiras entre países.
Outro ponto a
destacar é que a crise é um momento de oportunidades para a transformação.
Neste sentido, os esforços do governo para apoiar a recuperação econômica devem
aproveitar a oportunidade para incorporar ações que reduzam a ameaça a longo
prazo das mudanças climáticas. Os financiamentos públicos ou privados para a
retomada devem, sempre que possível, estar associados a investimentos
comprometidos com melhorias ambientais dado que, mesmo com a perspectiva de um
período prolongado de preços baixos do petróleo, como parece estar por vir, é necessário
manter incentivos para as empresas
investirem em tecnologias associadas a eficiência e mudanças para matrizes
energéticas que reduzam os níveis de carbono.
Anotações do
Texto
[i] O atual governo brasileiro, buscando tirar vantagem da aparente boa
relação e afinidade ideológica com o atual presidente norte-americano Donald
Trump, tentou desde 2019 buscar uma janela adicional para ingressar na OCDE, mas
depois de muita insistência do Brasil, Donald Trump manifestou seu apoio à
candidatura da Argentina, que solicitou o ingresso um ano antes do Brasil ainda
que defenda posições políticas e ideológicas diferentes das mantidas pela
agenda internacional norte-americana.
[ii] Os países membros do G-20 são Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos,
França, Itália, Japão, Reino Unido, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina,
Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia. Além
disso a União Europeia ingressa como um membro a parte. O G-20 congrega dois
terços da população mundial, 80% do comércio global e 85% da riqueza produzida
em todo mundo
[iv] Apesar das projeções globais não tomarem em conta inicialmente um
possível efeito do crescimento acelerado do Covid-19 na Índia e seus efeitos na
economia nacional, o paralelo realizado com o caso da Gripe Espanhola, o qual fiz
referência em minha postagem de 24 de março deste ano, mostra que tudo levaria
a crer que a Índia poderia ser um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19.
Ver http://monitordesaude.blogspot.com/2020/04/efeitos-das-pandemias-na-economia-da.html
[v] As principais hipóteses utilizadas nas projeções da OCDE são de que
o crescimento econômico futuro dependerá de fatores de controle pandêmico e de
medidas macroeconômicas. No caso das medidas de controle pandêmico, se incluem a
magnitude e duração de novos surtos COVID-19 e o grau em que as medidas de
contenção pandêmica (uso de máscaras e equipamentos de proteção pessoal em
locais públicos, distanciamento físico, limite de realização de reuniões ou
aglomerações, níveis de controle das viagens e fronteiras) são implementadas.
Algumas destas medidas poderiam conter o gasto das famílias no curto prazo
inibindo a demanda, especialmente no setor de serviços. No caso das medidas
macroeconômicas, foram considerados os limites para a manutenção da expansão
fiscal e monetária que são fatores que apoiam a expansão da demanda durante a
crise pandêmica.
[vi] No caso da Arábia Saudita, a crise pandêmica tem ocorrido num
cenário de mudanças aceleradas nas matrizes energéticas, fazendo com que o país
tenha dificuldades na reconversão futura de sua crise que está adicionalmente
vinculada a futuros comportamentos nos preços de comodities como o petróleo. Sobre este ponto, ver artigo publicado em The
Economist (18 de julho de 2020), intitulado Twilight of an era - The end of
the Arab world’s oil age is night: Pain will be felt across the region - Middle
East & Africa. Segundo este artigo, nenhum país
árabe (exceto Catar) pode sobreviver no longo prazo com os preços do petróleo
na faixa de US$40 por barril praticados hoje.
[vii] Países como Brasil, Indonésia, México, Rússia e África do Sul reduziram
suas taxas de juro durante os primeiros meses da pandemia.
[viii] As
fragilidades e níveis de incerteza da economia brasileira associadas a uma
crise econômica que se prolonga desde 2014, levou a moeda brasileira a ser uma
das que mais se desvalorizou em relação ao dólar no ano de 2020.
[ix] The Economist (2020), Starting over again: The
covid-19 pandemic is forcing a rethink in macroeconomics, Edition of July
25, 2020.