Ano 13, No. 92, Março de 2019
André Cezar Medici
Introdução
Em 2013,
publiquei uma postagem neste blog sobre a relação entre consumo de tabaco e
câncer de pulmão no Brasil (1), onde afirmo, baseado em dados da década passada,
que apesar do Brasil ter uma das mas altas tributações de cigarro entre os países em desenvolvimento, o
efeito da tributação na redução do consumo de tabaco tem sido positivo, apesar
de poder levar ao aumento do contrabando de cigarros. De acordo com o Instituto
Nacional do Câncer (INCA), “o consumo
oficial aparente de cigarros per capita reduziu-se em 65% entre 1980 e 2010 (a
tendência de queda se inicia no final da década de 90, a partir da qual se
observa uma redução mais intensa e contínua do consumo)” (2).
Embora esta
redução tenha sido menor nos últimos anos, pode-se dizer que a combinação de
políticas de aumento de impostos, campanhas governamentais na mídia e proibições
do uso de tabaco em espaços públicos foi exitosa para esta redução,
especialmente entre os jovens e os mais pobres. No entanto, esta situação parece
ter começado a se reverter entre 2016 e 2017. De acordo com dados do INCA (2), reproduzidos
no gráfico 1, abaixo, o consumo aparente per-capita de cigarros vendidos
legalmente no país, para a população maior de 18 anos, depois de uma queda
acentuada desde 2003, aumentou pela primeira vez entre 2016 e 2017, ainda que a
prevalência do uso de tabaco mantenha-se reduzindo mais lentamente.
Gráfico 1 – Variação anual do consumo aparente per
capita de cigarros e da prevalência desse consumo: Brasil - 2003 – 2017
Fonte:
INCA, Elaborado pela SE-CONICQ (1) – Serie iniciada em 2006
Este
movimento é confirmado pelo aumento da produção de embalagens de 20 cigarros
que, conforme os dados da Receita Federal, depois de cairem de 5,7 para 2,7
milhões entre 2007 e 2016, aumentaram, pela primeira vez para 2,9 milhoes em
2017. Segundo o INCA, entre 2016 e 2017, o número de pessoas que fumam com
idades entre 18 e 24 anos aumentou de 7,3% para 8,5%. Aumento similar aconteceu
no grupo de pessoas entre 35 e 44 anos, que passou de 10,0% para 11,7%. Portanto,
existe uma tendência ao aumento do consumo de tabaco, a qual tem efeitos sobre
a demanda de cigarros produzidos nacionalmente mas também contrabandeados para
o Brasil.
Tendencias do Contrabando e dos Impostos sobre
Cigarros no Brasil
Segundo um outro
estudo do INCA(3) o número de cigarros ilegais sobre o total de cigarros consumidos no Brasil recuou de
42,8% em 2016 para 38,5% em 2017, depois de ter aparentemente aumentado entre
2014 e 2016. Esses resultados são contrários aos alcançados por estudos divulgados
pela indústria tabacaleira no Brasil, que mostram um aumento no consumo ilegal
de cigarros no país. O estudo do INCA mostrou que a quantidade de cigarros
ilegais consumidos no Brasil (no qual o Paraguai é de longe o maior produtor) caiu
de 39,7 bilhões em 2016 para 34,9 bilhões em 2017, enquanto que a quantidade de
cigarros consumidos legalmente da produção das tabacaleiras nacionais aumentou de
53,1 bilhões para 55,8 bilhões.
Baseado
nestas evidências, muitos acham que as empresas tabacaleiras no Brasil utilizam
o argumento do aumento do contrabando e consumo ilegal de cigarros para justificar inadivertidamente uma redução nos impostos sobre cigarros no Brasil, mas a experiência
internacional mostra que a adoção de medidas de combate ao contrabando de
cigarros são complementares e imprescindíveis para o sucesso dos esforços em aumentar
impostos com vistas à redução do consumo de tabaco.
Segundo
dados da Aliança contra o Tabagismo (4) entre 1999 e até 2006, a carga
tributária sobre cigarros caiu e o preço real permaneceu em níveis claramente inferiores
aos da maior parte da década de 90 e sem uma tendência definida, mas o mercado
ilegal, segundo a própria indústria tabacaleira, não sofreu alterações
significativas, permanecendo em torno de 30%. Portanto, reduzir impostos, como ocorreu no início da década passada, não resultou na redução do contrabando.
Por outro
lado, aumentar impostos sobre o tabaco no Brasil sem aprimorar a repressão ao
mercado ilegal pode reduzir os efeitos positivos do uso da tributação como mecanismo de
combate ao tabagismo. Além do mais, a redução de impostos sobre o tabaco é
contrária às recomendações de acordos internacionais nos quais o Brasil é
signatário, como os realizados com a OMS.
Nos países
da União Européia, em julho de 2016, as alíquotas totais variavam entre um mínimo
de 68,5% (Suécia) e um máximo de 84.9% (Finlândia) sobre o preço um maço de 20
cigarros. No Brasil esta proporção chegou a 68,0% em 2016, depois do Governo aumentar
sistematicamente as alíquotas desde 2011. No entanto, desde 2016 este teto de
68% se encontra congelado.
Aumentar o
preço dos cigarros através de impostos pode fragilizar os orçamentos familiares reduzindo a
capacidade de consumo das famílias de produtos essenciais. Baixas
elasticidades-preço do cigarro tem sido verificadas no Brasil, quando
comparadas com estimações de outros países, em função dos preços unitários do
pacote de cigarros serem relativamente baixos. Mas estudos internacionais
tendem a mostrar que em geral a elasticidade-preço do cigarro é mais alta para
os grupos de renda mais baixa e mais baixa para os que detem maior poder de
compra. Portanto, preços mais altos do cigarro podem levar os mais pobres a
reduzirem seu consumo em proporção maior do que os mais ricos. Porém, um fato a destacar é a chamada
inconsistência intertemporal do consumidor (5). Embora a interpretação da escolha racional leve a pensar que preços mais elevados poderiam levar os
indivíduos a um maior autocontrole e, consequentemente, a escolher deixar
de fumar se o imposto aumenta, pesquisas domiciliares como a PNAD Saúde 2008 mostraram uma elevada proporção de indivíduos que afirmaram terem tentado parar de
fumar, sem sucesso, embora não se saiba se esta tentativa estava associada ao
preço do cigarro.
Riscos da Redução do Imposto sobre Tabaco no
Brasil
No dia 26
de março último, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, através da Portaria nº 263/2019, publicada no Diário Oficial da União, criou um grupo de trabalho
para estudar a diminuição do imposto sobre os cigarros no Brasil. O Ministro
Sérgio Moro, titular da pasta, afirmou que o foco desta portaria
seria melhorar a saúde pública, dado que os cigarros contrabandeados não preenchiam as normas fito-sanitárias e, segundo ele, “seria preferível para a saúde dos brasileiros, sem elevação de consumo, que esse mercado fosse
preenchido pelo cigarro brasileiro”. Mas,“se a conclusão
for que isso pode levar à elevação do consumo de tabaco no Brasil, vai ser
cortada essa solução”, disse. Caso esta premissa do discurso do Ministro seja mantida, a realização dos estudos sobre o tema não seria em vão.
Existe um
grande lobby da industria tabacaleira para reduzir a taxação ao tabaco no
Brasil e em outros países em desenvolvimento, onde os impostos ainda não chegaram aos limites
elevados da União Européia. Mas existem posições distintas sobre o tema
no interior da própria indústria (6) a este respeito. O fundamental, como já foi argumentado é que reduzir impostos ao
tabaco pode trazer grandes riscos como aumentar o consumo de cigarros, especialmente
entre os jovens, o que já vem ocorrendo no país entre 2016 e 2017.
Além do
mais, a evidência tem demonstrado que reduzir impostos não
necessariamente reduz o contrabando. No caso do Brasil, seria necessário cortar
muitas vezes o valor dos impostos nacionais para que os níveis de taxação de tabaco do
Paraguai pudessem ser equiparados aos brasileiros.
Nos últimos
anos, o Banco Mundial tem realizado estudos em diversos países sobre os temas
de taxação do tabaco, bem como seus efeitos na saúde, nos níveis de arrecadação e no tráfico
ilegal de produtos e derivados do tabaco, chegando, na maioria dos casos, a resultados
que estimulam aumentar a tributação sobre este produto (7). Seria interessante que, seguindo a Portaria 263/2019, o Ministério
da Justiça solicitasse a colaboração do Banco Mundial para, utilizando as metodologias
desenvolvidas, pudesse produzir estudos tecnicamente especializados e isentos para
que fossem propostas soluções que evitassem a tendência de estancamento da
longa marcha pela redução do tabagismo no Brasil, a qual tem trazido resultados muito positivos.
NOTAS
(1) Medici,
A.C. (2013), Brasil, Tabaco e Câncer de
Pulmão: O que dizem os números, Blog Monitor de Saúde, Ano 7, No. 47, Junho
de 2013. Link http://monitordesaude.blogspot.com/2013/06/brasil-tabaco-e-cancer-de-pulmao-o-que.html
(2) Brasil,
Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Observatório da Política
Nacional de Controle do Tabaco (2019), Consumo
de Cigarros Per Capita, acesso no dia 31 de março de 2019, link https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/consumo-cigarros-capita.
Vale ainda destacar que, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição
(PNSN) de 1989, naquele ano Em 1989, ao
redor de 32% da população de 15 anos ou mais era fumante, percentual que se
reduz para pouco mais de 10% em 2017, segundo dados do INCA.
(4) Aliança
de Controle ao Tabagismo – ACT (2013) Porque
aumentar a carga tributária e o preço do cigarro no Brasil.
(5) Ver
Lampreia, S et al., Tabagismo no Brasil: estimação
das elasticidades preço e renda na participação da demanda por cigarros industrializados,
Revista Pesquisa Planejamento Econômico, V.45, No.2, Agosto de 2015, Link http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/view/1591/1205.
(6) Segundo texto publicado pela ACT em 31 de
março de 2019, empresas tabacaleiras como a Souza Cruz apoiam a iniciativa do
Ministério da Justiça por considerar que o atual sistema favorece a
comercialização de produtos ilegais. No entanto também afirma que os cigarros ilegais
não se submetem às normas fitossanitárias nacionais e são vendidos abaixo do
preço mínimo definido por lei. Já a
Philip Morris, lider mundial na produção de cigarros, apoia o combate ao
contrabando mas considera que qualquer medida não deverá resultar na redução
dos atuais níveis de tributação do cigarro para evitar que os mais pobres
aumentem seu consumo de tabaco.
(7) Os estudos
do Banco Mundial podem ser encontrados na página https://www.worldbank.org/en/topic/tobacco