segunda-feira, março 29, 2021

A Pandemia e os Censos Demográficos: Duas Experiências Divergentes.

 

Ano 15, No. 118, Março de 2021

André Cezar Medici

Introdução

A divisão de estatísticas (UNSTATS) das Organização das Nações Unidas (ONU) reiterou, em seu último informe mundial, duas importantes recomendações acerca da realização dos Censos Demográficos (CDs). A primeira, é que tenham uma periodicidade fixa (mínimo de 10 anos) para manter uma certa regularidade, de forma a contribuir para a atualização periódica das políticas públicas dos países, ainda que muitos países com uma dinâmica demográfica mais rápida exijam uma periodicidade menor (cinco anos, por exemplo). A segunda recomendação é a de que, entre 2016 e 2024, haja uma convergência em realizar os CDs no ano de 2020, o que vai na direção de antigas recomendações da ONU de que os Censos Demográficos se realizem nos anos de final zero[i].

Mas na prática, as duas recomendações são muito difíceis de cumprir. Primeiro, porque a maioria dos CDs ao redor do mundo não é regularmente realizada nos anos de final zero, e não obedece a periodicidade de 10 anos. Particularmente, nas últimas duas décadas, muitos países tem realizado seus CDs em intervalos de tempo superiores a 10 anos, especialmente naqueles de baixa renda os quais, com sistemas de governo precários ou instáveis, acabam não utilizando os dados censitários para fins de planejamento ou organização das políticas públicas.

Em segundo lugar, a pandemia do Covid-19 levou muitos governos a adiar a realização dos seus CDs de 2020 por conta de dificuldades logísticas, decorrentes das necessidades de proteção e distanciamento social, e da baixa receptividade social de visitas domiciliares. Estas dificuldades limitam o planejamento da operação, o treinamento de pessoal e a distribuição de equipamentos e materiais para o Censo. Também se destacaram as dificuldades financeiras, tais como a falta de recursos orçamentários em função de necessidades de realocar os fundos dos CDs para outras áreas prioritárias de investimento e gasto que surgem com o recrudescimento da pandemia do Covid-19.

Assim, de acordo com os dados da UNSTATS, até meados de 2020[ii], alguns países, ainda que com pequenos atrasos, mantiveram o propósito de realizar o CD-2020 naquele ano, entre eles México, Estados Unidos, Singapura, Japão, Rússia e Suíça, além de outros. Em compensação, muitos países, como Zâmbia, Tailândia, Costa do Marfim, Panamá, Argentina, Equador e Brasil, entre outros, resolveram, em função das dificuldades mencionadas, adiar a realização dos CDs para 2021 ou para momentos posteriores.

Ainda que as condições que levam os países a realizar ou adiar operações censitárias em anos de pandemia sejam distintas, vamos analisar nesta postagem, como a situação se desenrolou em dois países: um que manteve a data de realização do CD em 2020, como os Estados Unidos, e outro que resolveu transferi-la para anos posteriores, como o Brasil. Os dois países têm realidades estruturais e infraestrutura institucional para realizar uma operação censitária muito distintas e, portanto, não estamos defendendo que o que aconteceu em um deles deveria acontecer necessariamente no outro.

A Pandemia e o Censo Demográfico Norte-Americano

A economia norte-americana sofreu uma grande crise econômica e orçamentária com a pandemia do Covid-19, tendo como consequência um decréscimo do PIB de -3,5% em 2020. O déficit público aumentou de US$23,4 para US$27,9 trilhões entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021. Mas mesmo assim, o país, com todas as dificuldades operacionais possíveis e imagináveis, não deixou de cortar a parte do orçamento necessária a realização do Censo Demográfico de 2020 (CD-2020) naquele país. Por quê?

A resposta é simples. O governo sabe que as informações trazidas pelo censo beneficiam, praticamente, todos os aspectos do planejamento da economia e da sociedade norte-americana para a próxima década, informando como deve ser a distribuição de US$ US$8 trilhões anuais em fundos públicos para uma série de serviços sociais que corrigem imperfeições na distribuição de renda e melhoram a eficiência dos mercados e a qualidade de vida das populações. As transferências de recursos federais para Estados e para os condados (counties) tem, na proporcionalidade da população e em suas características demográficas (localização, idade, gênero), o principal fator que orienta a distribuição dos recursos públicos. Com os dados do Censo é possível calcular projeções de crescimento da renda, consumo e despesa per-capita, indicando como o governo e as empresas deverão se perfilar nos próximos anos, na medida em que fornecem as bases para o cálculo de estimativas e projeções demográficas, sociais e econômicas.

Mas não se trata apenas de questões de dinheiro. O censo é a chave para a alocação do poder político do país. O número de parlamentares dos Estados e Municípios serão redefinidos com base nos resultados do Censo 2020. As 435 vagas da Câmara dos Deputados norte americana serão realocadas entre os estados após o censo, e o Colégio Eleitoral dos EUA — o órgão que finalmente determina quem será o próximo presidente — dimensiona o número de delegados que representa cada um dos estados após a nova contagem da população e das projeções informadas a partir de cada CD.

Obviamente, muitos aspectos da informação obtida no passado pelos CDs não precisam ser levantados através deste instrumento nos dias de hoje. A melhoria dos registros administrativos e a realização de pesquisas contínuas por amostragem, como os American Community Surveys, também sob responsabilidade do Bureau of Census (a instituição norte-americana responsável pelos CDs), permitem levantar, em sintonia fina, aspectos sociais relevantes da sociedade norte-americana que complementam outras funções de organização do estado, como acesso à saúde, previdência social, emprego, educação e necessidades de desenvolvimento urbano. Mas estas pesquisas se baseiam em amostras de uma população cujas características demográficas e domiciliares devem ser levantadas, pelo menos, a cada 5 anos, através dos CDs.

Sem os dados demográficos estruturais, fornecidos pelos CDs, as pesquisas domiciliares por amostragem perdem sua representatividade e deixam de cumprir seu papel. O Censo é, portanto, um grande momento para o balizamento do país. É o chamado “Para para Organizar” que todo o país, especialmente os federativos e de grandes proporções, como os Estados Unidos e o Brasil, precisam fazer, no mínimo a cada dez anos para que o Estado e a Sociedade Civil funcionem de forma eficiente, equitativa e representativa das diversidades do país, com os parâmetros adequados para o planejamento das políticas públicas e das atividades econômicas privadas.

É obvio que a pandemia do Covid-19 afetou profundamente a realização do CD-2020, como ocorreu em outras áreas de governo norte-americano. No ano passado, o Census Bureau foi obrigado a suspender a maioria de suas operações por seis semanas a partir de março de 2020 e o prazo habitual de conclusão do Censo foi prorrogado de 30 de junho para 15 de outubro. Os atrasos e omissões trazidas ao CD-2020 pela pandemia afetaram a qualidade dos resultados do Censo em vários aspectos, tais como informações incompletas, problemas de localização de domicílios e necessidade de utilizar técnicas de imputação para completar as respostas dos domicílios que ao fim não puderam ser entrevistados. O escritório de transparência pública norte-americano (United States Government Accountability Office – GAO) se encontra investigando as possíveis falhas encontradas no CD-2020 e os processos utilizados pelo Bureau of Census para minorar os efeitos negativos trazidos pela coleta dos dados num ano atípico em função da pandemia[iii].

O CD-2020, seguindo inovações realizadas já em censos anteriores, utilizou meios remotos de coleta de informações, o que, em parte, facilitou seu processo de realização. Em julho de 2020 - antes dos recenseadores começarem a bater nas portas dos domicílios - a taxa de resposta do Censo já era de 62,1%, o que se traduzia em 91,8 milhões de domicílios que devolveram o questionário preenchido por correio ou o responderam online. Ao terminar o prazo de respostas domiciliares (15 de outubro de 2020), a taxa de devolução dos questionários preenchidos chegou a 67% (variando de 75% em Minnesota até 55% no Alasca). Embora essa taxa seja ligeiramente superior a obtida pelo CD-2010 (da ordem de 65,5%) ela representou um sucesso, considerando o adiamento por três meses do CD-2020, os fortes deslocamentos de população provocados pela pandemia e as profundas interrupções trazidas pelas quarentenas do COVID-19 que afetaram a dinâmica das oficinas do Bureau of Census, e também dos correios e da vida das famílias.

A parte mais intensiva do censo que envolve a coleta de dados “de porta em porta” pelos recenseadores se realizou entre 16 de julho e 15 de outubro de 2020, visitando famílias desde o Alasca até os Florida Keys, rastreando e questionando pessoalmente os milhões de domicílios que não responderam aos questionários do Censo por correio, telefone ou internet, e realizando ajustes e estimativas que ainda estão em curso em 2021. Os resultados do Censo deverão ficar prontos este ano. Até 30 de abril de 2021, o Bureau of Census entregará as contagens populacionais à Presidência da República e ao Congresso, conforme exigido por lei, e até 30 de setembro de 2021, enviará dados distritais de população para redesenhar distritos legislativos com base em mudanças populacionais.

Os resultados do CD-2020 também serão fundamentais para o cálculo das necessidades de exames, vacinas, equipamentos e insumos médicos, ao nível microrregional, para a gestão do Covid-19 em 2021, especialmente para assegurar com sucesso a passagem de uma fase pandêmica para uma fase epidêmica desta enfermidade que ainda acompanhará o país nos próximos anos.

Para a realização do CD-2020 não faltaram recursos. Seu orçamento não foi cortado, mesmo com todos os gastos extraordinários que os governos, em todos os níveis, tiveram que realizar por conta da pandemia. O CD-2020 custou ao governo norte-americano US$92 por domicílio. Foram orçados US$ 6.4 bilhões para sua realização, valores maiores do que os originalmente estimados em 2019. Mas vale a pena destacar que, considerando a paridade do poder de compra, a renda per-capita norte-americana em 2019 era quase quatro vezes maior do que a renda per-capita brasileira. Portanto, diferenças no montante dos recursos a serem gastos em cada CD nacional devem sempre ser relativizadas.

O Censo Demográfico, a Pandemia, e a Realidade Brasileira

Há quase dois anos atrás, a discussão sobre o CD-2020 no Brasil, se limitava a temas de ordem orçamentária e técnica, no âmbito de alternativas para reduzir os custos do Censo. Isto porque, nos seus primeiros meses de gestão, o atual governo estava interessado em dar continuidade ao controle do teto de gastos públicos, instituído durante o Governo Temer (Emenda Constitucional 95). Reduzir os gastos com o Censo Demográfico era parte deste processo, ainda que possa se argumentar que, numa escala de prioridade, talvez outros gastos tivessem menos impactos de longo prazo se fossem cortados.

Mas haviam espaços técnicos para reduzir gastos no CD-2020, através da simplificação do extenso questionário da amostra, otimizando o instrumento de coleta e colocando-o dentro dos parâmetros internacionais de funcionalidade técnica, trazida pela complementariedade das informações do Censo com as levantadas regularmente e mais amiúde pelos registros administrativos e pelas pesquisas contínuas por amostragem (como a PNAD Contínua). Estas, através de desenhos amostrais mais eficientes, permitem atualizar informações socioeconômicas relevantes em bases mensais ou anuais.

As discussões técnicas travadas internamente entre a comunidade científica e a sociedade civil envolveram grande parte dos ex-presidentes do IBGE apoiando a posição de que se poderia eventualmente emagrecer o CD-2020 com um desenho de questionário mais eficiente e métodos mais modernos de coleta das informações. Eu mesmo publiquei, neste blog, uma postagem a esse respeito[iv].

No entanto, a pandemia levou o CD-2020 a ser adiado para 2021. Situação semelhante (ainda que por motivos totalmente distintos) já havia ocorrido em outros CDs no Brasil, como o de 1990 que foi adiado para 1991 durante o Governo Fernando Collor de Mello. Do meu ponto de vista, a pandemia trazia muitas incertezas sobre como realizar o Censo num momento onde os domicílios se fechavam pelo receio da pandemia e pela necessidade de distanciamento social. Os escritórios públicos do Governo (incluindo os do IBGE) estavam fechados como forma de frear a transmissão pandêmica e as taxas de infecção – nos três meses anteriores à realização do Censo – trouxeram incerteza e atrasos na operação. Ademais, num momento de agravamento da pandemia, etapas preparatórias cruciais para a operação ainda estavam para ser realizadas e a pandemia dificultava e enlentecia sua execução.

Os custos para o governo e para a sociedade que se seguiam, naquela época, já se faziam sentir, especialmente numa década onde a tradicional contagem de população nos anos de final 5 havia sido cortada em 2015 por conta da crise. Vários municípios reivindicavam revisões de população para atualizar os valores do Fundo de Participação Municipal (FPM), e os descompassos em programas de saúde e educação ficavam refletidos em erros nas taxas de vacinação infantil e matriculas escolares. Mas com a decisão do governo em adiar o CD-2020 para 2021, seus recursos orçamentários foram realocados para outras áreas, em especial, as envolvidas com o trato da pandemia. A nova data de referência do Censo passou a ser 31 de julho de 2021, com coleta de dados prevista entre 1º de agosto e 31 de outubro deste ano.

O orçamento inicialmente estimado para o CD-2020, encaminhado para o Ministério da Economia pelo IBGE, era de R$3,4 bilhões. Mas o governo federal pressionou para realizar novos cortes. O IBGE reencaminhou a proposta de orçamento do Censo reduzindo ainda mais o custo da pesquisa, agora reestimado em R$2,0 bilhões, montante que foi o ponto de partida para a proposta orçamentária do CD em 2021, encaminhada pelo IBGE para o Ministério da Economia. Mas no dia 24 de março último, com 4 meses de atraso em relação ao trâmite legalmente estabelecido para a votação do orçamento, o Congresso cortou em R$1,7 bilhões dos R$2,0 bilhões propostos pelo IBGE para o CD em 2021, reduzindo a montante de recursos para um valor que tornou a operação censitária inexequível. Com isso, o concurso para a contratação de 208 mil trabalhadores temporários (dos quais 180 mil recenseadores que iriam visitar cerca de 71 milhões de domicílios) foi suspenso e os candidatos que já haviam feito o pagamento para a inscrição no concurso deverão ser reembolsados caso não se realize a operação censitária.  

O fato criou uma grande agitação entre pesquisadores, imprensa e entidades da sociedade civil. Ex-presidentes do IBGE assinaram um manifesto contrário ao corte dos recursos para o Censo Demográfico. Mas, mesmo diante dos protestos e reclamações, o mais provável, frente a esta forte redução da disponibilidade orçamentária e das consequências do agravamento da pandemia na logística da operação, é que o CD-2020 seja uma vez mais adiado, quem sabe, para 2022.

O fato também levou a saída da Presidente do IBGE – Susana Cordeiro Guerra – que, conjuntamente com o diretor de pesquisas da instituição – Eduardo Rios Neto – recentemente haviam publicado um artigo no Globo sobre as sequelas trazidas pela decisão governamental de não realizar o Censo[v] enfatizando não só os avanços que foram feitos em sua modernização durante sua gestão, mas também que “sem o Censo em 2021, as ações governamentais pós-pandemia serão fragilizadas pela ausência das informações que alicerçam as políticas públicas com impactos no território brasileiro, particularmente em seus municípios”.

É importante registrar que Susana Cordeiro Guerra, teve a coragem de assumir a Presidência do IBGE e de enfrentar o desafio de planejar o CD-2020, num contexto macroeconômico de cortes de gastos e restrições orçamentárias. Conseguiu impor um ritmo de modernização aos processos censitários e colocá-los no patamar dos Censos que estão sendo realizados em outros países. É uma pena que estes esforços não tenham se consubstanciado na realização da operação. Assim, os atrasos na realização do CD-2021, por mais um ano, certamente trarão efeitos ainda maiores na desorganização das já combalidas políticas públicas de saúde e educação, nos processos de distribuição de recursos para governos locais e na representatividade política do país.

No entanto, há que considerar que existem outros riscos em curso para a realização do Censo em 2021, dentre eles, o fato de que o Brasil se encontra no pior momento das suas taxas de contaminação pandêmica, o que pode comprometer a qualidade da operação censitária. Ademais, vivemos num cenário onde os processos de vacinação para o Covid-19 caminham à passos lentos pelas falhas do setor público em não ter comprado vacinas com a anterioridade necessária para estancar a pandemia, como fizeram países vizinhos, como o Chile, que já vacinou mais da metade de sua população contra a Covid-19. Quando o CD-2020 foi transferido para 2021 em 18 de março de 2020, por conta da primeira onda pandêmica, o número diário de infectados pela pandêmica não chegava a mil. Em 25 de março de 2021, quando o Congresso resolveu cortar quase que integralmente o orçamento do CD-2021, o número médio diário de infectados (media semanal) alcançava 75 mil e o número médio diário de mortes era superior a 3 mil.

O Bureau of Census norte-americano conseguiu realizar o seu CD-2020, sem grandes cortes orçamentários, alcançando uma alta taxa de resposta remota aos questionários por correio, telefone ou internet, e uma coleta residual de dados a domicílio, realizada no hiato de tempo entre a primeira e a segunda onda da pandemia. Mesmo assim, podem ter ocorrido problemas de qualidade naquele Censo como os relatados anteriormente, e que estão em processo de checagem pelo Bureau of Census e pelo GAO.

No caso do Brasil, o CD 2020 parece estar refém das dificuldades financeiras e logísticas que levantamos ao início desta postagem. Além da falta de orçamento necessária para realizar a operação, estariam presentes riscos pandêmicos associados às dificuldades logísticas de realizar uma operação complexa na realidade de um país heterogêneo e desigual como o Brasil.

A realização do CD em 2021 no Brasil, com as elevadas taxas de infecção pandêmica vigentes, as quais poderão permanecer elevadas ao longo de todo o ano, só poderia ocorrer com uma capacidade de resposta dos processos remotos de recenseamento realmente significativa, o que precisa ser cuidadosamente avaliado. O risco de levar 180 mil recenseadores a campo, nas atuas circunstâncias da pandemia, poderia implicar sérios problemas legais para o IBGE, diante da contaminação e eventual vitimização de recenseadores ou funcionários nas salas de prova, nos espaços de treinamento, e na montagem dos postos de coleta e supervisão da complexa operação censitária.

As circunstâncias atípicas que vivemos com a pandemia levariam muitos a pensar que, talvez, a melhor solução teria sido mesmo adiar o CD-2020 para 2022. Caso o processo de vacinação no Brasil consiga alcançar uma parte substancial da população ainda em 2021, e as taxas de contaminação tenham se reduzido a níveis endêmicos, com o restabelecimento da capacidade de resposta – hoje debilitada – de nosso combalido sistema de saúde, o Censo de 2022 poderia ser realizado em condições financeiras negociadas de forma mais adequada, e com menos riscos logísticos. Mas, mesmo neste quadro, a recomposição do orçamento do IBGE para o Censo Demográfico e para suas pesquisas no curto prazo é fundamental. Somente com recursos para treinamento, testes dos novos processos remotos, sistemas de tecnologia de informação atualizados e equipes técnicas bem treinadas, o IBGE será capaz de dar a resposta que o Brasil merece para manter a instituição na vanguarda de sua missão institucional.

 



[i] Ver United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Statistics Division (2017), Principles and

Recommendations for Population and Housing Censuses, Revision 3, Document ST/ESA/STAT/SER.M/67/Rev.3, United Nations, New York, 2017.

 

[ii] UNSTATS (2020), Countries with a Census in 2020 and the Impact of Covid-19, link https://unstats.un.org/unsd/demographic-social/census/COVID-19/ (Accessed at March 28, 2021)

 

[iii] Ver United States Government Accountability Office - GAO (2020), 2020 CENSUS: Census Bureau Needs to Ensure Transparency over Data Quality. Statement of J. Christopher Mihm, Managing Director, Strategic Issues, Accessible Version, Testimony Before the Committee on Oversight and Reform, House of Representatives, For Release on Delivery Expected at 10 a.m. ET, Thursday, December 3, 2020, Document GAO-21-262. Link - https://www.gao.gov/assets/720/711031.pdf.

 

[v] Ver Guerra, S.C. e Rios-Neto, E.G. (2021), Mais do que Nunca, o Censo é Necessário. Link: https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/30350-ibge-sai-em-defesa-do-orcamento-do-censo-2021.html

 

quarta-feira, março 24, 2021

Resultados do Distanciamento Social na Contenção da Pandemia: Os Casos do Reino Unido e do Brasil

 

Ano 15, No. 117, Março de 2021.

André Cezar Medici

Introdução

O sistema de saúde britânico tem tido historicamente bons resultados e, diferentemente do SUS, é muito apreciado pela população do país. Mas tem sofrido, como ocorre em muitos países europeus, uma forte ameaça durante a pandemia do Covid-19, vivendo momentos críticos de esgotamento da capacidade de leitos, falta de equipamentos e de profissionais de saúde, e altas taxas de contaminação pandêmica e mortalidade. E isso, em certo sentido, se refletiu nos resultados acumulados ao longo da pandemia.

Comparando os dados de Covid-19 acumulados até 23 de março de 2021, no Reino Unido e no Brasil, observa-se que, em número de casos por milhão de habitantes, o Reino Unido ocupava a 32ª posição mundial, comparada com a 39ª ocupada pelo Brasil. Em número de mortes por milhão, o Reino Unido ocupava a 8ª posição, e o Brasil a 23ª posição. Mas o importante na gestão de uma pandemia, não é a fotografia, e sim o filme. E no filme, é importante também saber o desenrolar da narrativa e como ele termina.

Uma análise cinemática da gestão pandêmica nos dois países revela que o Reino Unido buscou administrar com eficiência seus processos de distanciamento social, apesar da intensidade dos picos de contaminação e mortes em cada uma das ondas pandêmicas. A utilização precisa de lockdowns e, recentemente, a rapidez no processo de imunização, tem trazido bons resultados e com isso, se pode dizer que a pandemia no país parece estar próxima ao fim.

Já no Brasil, a situação é bastante distinta, como já foi explorado em artigo que publicamos na edição 114 deste blog[i], em fevereiro de 2021. A falta de coordenação entre os distintos níveis de governo, a inadequada comunicação social, os conflitos entre poderes associados à pandemia, a administração ineficiente dos recursos financeiros, físicos e humanos e o desarranjo nos processos de compra, negociação, disponibilidade e produção de vacinas, levou o Brasil a ser o pior país na gestão da pandemia. No dia 23 de março de 2021, o número de mortes por Covid-19 no Brasil bateu um novo recorde (3158). Nesta data o Brasil liderava o ranking de novos casos e novas mortes diárias de covid ao nível mundial, tendo superado, há quase um mês, os Estados Unidos que atualmente se encontra em um nível de descenso da pandemia em função de melhores esforços de comunicação social do novo Presidente Joe Biden e dos processos de vacinação que também se intensificaram, alcançando a marca de 3 milhões de vacinas diárias, com previsão de vacinar toda a população antes do início do verão de 2021.

Reino Unido

Passada a primeira onda da pandemia do Covid-19, em fins de julho de 2020, a vida parecia voltar a florescer no Reino Unido. O número médio semanal de mortes diárias pela pandemia, que havia alcançado a triste marca de 944 em 13 de abril de 2020, voltava a baixar para patamares médios semanais diários de apenas 14 mortes na semana de 2 de agosto do mesmo ano. O rápido descenso foi o resultado de um processo coordenado de distanciamento social, com testagem suficiente, rastreamento de casos e fiscalização dos processos de segurança pandêmica nos transportes e atividades essenciais. Entre a primeira semana de agosto e a segunda semana de setembro, a epidemia parecia ter acabado, e ainda que com precauções, a população retomava progressivamente suas atividades.

Na semana de 10 de setembro de 2020 o relaxamento das medidas de distanciamento social, mesmo por poucas semanas, mostrou que a pandemia ainda não estava ao ponto de ser eliminada e a contaminação voltava a crescer lentamente com o crescimento de casos e novas mortes. Em dezembro de 2020, o número de novos casos e mortes começou a acelerar-se pela presença de uma nova variante do vírus SARS-Covid-19, que se espalhava mais rapidamente e que aparentemente parecia ser mais letal. A segunda onda estava em curso.

O número de mortes diárias chegou a 619 na semana de 4 de janeiro de 2021, quando então, o primeiro ministro Boris Johnson, em um discurso em cadeia nacional de televisão, anunciou um novo lockdown para evitar o colapso do sistema de saúde e tentar controlar o crescimento do número de casos e mortes. Em seu discurso Mr. Johnson afirmou: “- É claro que precisamos fazer mais para colocar essa nova variante sob controle... Isso significa que o governo está mais uma vez instruindo você a ficar em casa."

As medidas impostas por Boris Johnson foram um aperfeiçoamento daquelas realizadas durante o primeiro bloqueio (lockdown), realizado na primavera de 2020, e que levaram a um rápido descenso da primeira onda da pandemia até fins de julho do mesmo ano. Estas medidas incluíam o fechamento de escolas secundárias e primárias para todos, exceto para filhos de trabalhadores-chave e crianças vulneráveis. As pessoas só poderiam sair de suas casas para realizar compras essenciais, fazer exercícios e buscar assistência médica. Voos internacionais ficaram limitados àqueles com "uma razão legalmente permitida", como o trabalho. Áreas de convivência e instituições, como locais esportivos ao ar livre, foram fechados, mas algumas exceções como creches e cultos religiosos estavam permitidos desde que os participantes aderissem às regras rígidas de distanciamento social fiscalizadas com regularidade. Parte destas medidas ainda estão em vigor até hoje (24 de março de 2021). Os resultados, como ocorreu com o primeiro lockdown, podem ser observados no gráfico 1.

Gráfico 1: Mortes diárias por Covid-19 (média móvel semana) no Reino Unido: 

(15-02-20 a 22-03-21)


Fonte: Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.

 

Dado que a contaminação e o número de mortes por Covid-19 refletem a situação de contágio de duas a três semanas atrás, o número de mortes diárias (média móvel semanal) na semana de 12 de janeiro de 2021 já havia ultrapassado o pico da primeira onda, chegando a seu ápice na semana de 22 de janeiro, quando atingiu 1250 mortes diárias. Mas a partir daí começou a declinar de vento em popa, alcançando em 23 de março de 2021, ou seja, em menos de dois meses, uma média móvel semanal de apenas 85 mortes diárias. A racionalidade dos lockdowns, uma vez mais, provou sua eficácia.

Boris Johnson é um político conservador (um liberal como se diria no Brasil, onde muitos não sabem a diferença entre liberal e conservador) e tem como missão, levar adiante a vitória apertada da população conservadora inglesa que preferiu a controversa saída do Reino Unido da Comunidade Europeia (BREXIT), um processo longo, sofrido e com algumas consequências a curto prazo que o país espera que estejam superadas a longo prazo.

Mas ser conservador, para Boris Johnson, não significa ser mito, criar mitos ou espalhar fake news para enganar a população. Ele costuma deixar para os profissionais de saúde, as recomendações sobre quais terapias utilizar para o Covid-19 e dificilmente apareceria em redes de TV defendendo panaceias ineficazes ou proferindo discursos irresponsáveis para incentivar comportamentos de risco pandêmico. Como cristão anglicano que é, Boris Johnson tem, antes de tudo, um compromisso com a vida dos seus concidadãos e acha que é possível sair da crise pandêmica com um olho em Deus e outro na ciência. Ele sabe, pelas análises de dados trazida por seus assessores e pela sua própria experiência aprendida no curto prazo, que distanciamento social e lockdown funcionam no combate a pandemia e, por isso, resolveu utilizá-lo, uma vez mais, para reduzir as taxas de contaminação pandêmica, alcançando, também uma vez mais, bons resultados.

A economia inglesa, como muitas economias europeias afetadas pela pandemia, teve uma queda acentuada em seu produto interno bruto (PIB) em 2020 (-9,9%), uma das maiores quedas do PIB em sua história recente, somente comparável em 2020 às estimadas na Espanha e Argentina. Mas espera-se um crescimento do PIB inglês de 4,5% em 2021. E as boas novas estão pelo lado da vacinação.  Até o dia 22 de março de 2021, o Reino Unido já havia vacinado 45% de sua população, sendo o quarto país do mundo (depois de Israel, Emirados Árabes e Chile) com a maior proporção de sua população já vacinada contra o Covid-19. Isso reduz substancialmente o risco de ocorrer uma terceira onda pandêmica e, portanto, existe um certo otimismo de que as projeções de crescimento econômico para 2021 poderão se transformar em realidade.

Brasil

A cinemática da pandemia no Brasil, como evidencia o gráfico 2, se comportou de forma um tanto diferente. Começou mais tarde do que no Reino Unido, chegando a um patamar relativamente estável ao redor de 1000 mortes diárias entre as semanas de 27 de maio e 29 de agosto de 2020, quando então começa a cair. Ao longo deste período, como salientei em meu artigo de fevereiro de 2021, praticamente não ocorreram medidas coordenadas de distanciamento social ou lockdowns, diante da escassez de testes, da falta de rastreamento dos casos e da falta de medidas coordenadas para sequer identificar os locais e os mecanismos que levavam a rápida propagação da pandemia. Apesar do esforço de alguns governadores e alguns prefeitos, frente ao ruído ensurdecedor do governo federal em dizer que distanciamento social, uso de máscaras e lockdowns não funcionam e somente aprofundariam a crise econômica, alguns processos de lockdown foram parcialmente implementados, embora as condições concretas para que fossem eficazes eram questionáveis.

Gráfico 2: Mortes diárias por Covid-19 (média móvel semana) no Brasil: (15-02-20 a 22-03-21)




Fonte: Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.

O descenso da primeira onda, ao final de agosto, e o início da segunda onda pandêmica, a partir de 11 de novembro, não se deu de forma intensa em nenhum momento, dado que as medidas de distanciamento social não foram levadas a cabo com eficiência e, mesmo nos governos aonde foram implementadas, não contaram com uma adesão em massa da população.

Diante deste quadro, a melhor média semanal diária de mortalidade por Covid-19 alcançada no Brasil, entre a primeira e a segunda onda, não foi de 14 mortes diárias, como no Reino Unido entre início de agosto e meados de setembro, mas sim de 319, em 11 de novembro de 2020. A partir desse momento, o número de mortes começa a crescer rapidamente no país. Em 10 de janeiro voltou a alcançar a marca das 1017 mortes diárias (média semanal). Seria o momento certo para iniciar um lockdown certeiro (como fez o Reino Unido) dado que os processos de vacinação no país ainda não tinham se iniciado. Mas isso nem sequer foi cogitado. No dia 26 de fevereiro, quando o país ultrapassava a marca das 260 mil mortes, ao invés de alertar a população para a necessidade de medidas severas de isolamento social, o Presidente da República declarou que a população deveria deixar de “frescura e mimimi” em relação à pandemia.   

Em 22 de março de 2021, o Brasil alcança a sua pior média semanal de mortes diárias (2297). Há quase um mês é o país que tem o maior número absoluto de casos e mortes diárias, ao nível global. Desde a semana passada (14 de março) muitos estados e municípios começam a tomar medidas mais drásticas de lockdown, diante do crescimento pífio dos processos de vacinação, que não alcançam ainda 6% da população. O governo federal não negociou a compra de vacinas ou princípios ativos (IFAs) para sua produção nacional no momento certo (início do segundo semestre de 2020) e sua desastrada política de relações exteriores tem levado ao fracasso das iniciativas, não só de compra de vacinas e reagentes, mas também de insumos hospitalares necessários para o tratamento de casos graves de Covid-19. Hospitais nas grandes cidades, inclusive em São Paulo, começam a esgotar sua capacidade de atendimento e pacientes começam a morrer nas emergências e filas dos hospitais, inclusive pela falta de insumos vitais para internados, como oxigênio.

Provavelmente hoje (24 de março de 2021) o país alcançará as 300 mil mortes pela pandemia num contexto onde o número diário de mortes já ultrapassou 3 mil. Medidas imediatas de distanciamento social (que só tem efeito após duas semanas na redução do contágio) começam a ser tomadas por governadores e prefeitos mais conscientes, enquanto o país engatinha nos processos de imunização de sua população.

O gráfico 3 faz uma comparação entre as taxas de mortalidade por Covid-19 (por milhão de habitantes) no Brasil e no Reino Unido entre fevereiro de 2020 e março de 2021.

 

Fonte: Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.

A comparação do comportamento das duas curvas leva às seguintes conclusões: (i)   os picos de mortes nas duas ondas no Reino Unido foram bem mais intensos do que no Brasil, provavelmente em função da estrutura etária mais envelhecida da população inglesa; (ii)    a saída das ondas pandêmicas no Reino Unido, em função da eficácia dos processos de lockdown, tem sido muito mais rápida do que no Brasil;(iii) a pandemia no Brasil se caracterizou, na primeira onda, não pela existência de um pico de mortalidade num determinado mês, mas pela permanência de elevados patamares longos de mortalidade durante três a quatro meses, em função da ineficácia dos processos de distanciamento social durante a pandemia; (iv) a segunda onda no Brasil ainda está se acentuando e já se apresenta como sendo muito mais intensa do que a primeira onda da pandemia; (v) entre   a primeira e a segunda onda, ainda que as taxas de mortalidade pandêmica tenham caído no Brasil, elas permaneceram em patamares elevados, dado a inexistência de processos efetivos de distanciamento social e da precariedade dos sistemas de atendimento público aos enfermos com sintomas graves da pandemia.

A lógica dos lockdowns no Reino Unido

O governo brasileiro espalha a mentira infundada de que lockdowns são prejudiciais à atividade econômica, mas o que realmente prejudica a atividade econômica é a permanência de altas taxas de contaminação, morbidade e mortalidade pelo Covid-19, diante da insegurança da população em não ter vacinas, em não ter uma resposta eficiente dos sistemas de saúde, em saber que os hospitais estão operando em seus limites de atendimento e em saber que faltam insumos como medicamentos para a intubação de pacientes graves de Covid-19 ou de oxigênio. Enfim, o que paralisa a economia é a insegurança trazida pelo fato de que pouco está sendo feito para reduzir as taxas de contaminação e de que novos casos graves sofrem o risco de não serem tratados. Para exemplificar, a taxa de desemprego calculada pelo IBGE em 2020 foi de 13,5%, mas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que em 2021 esta taxa poderá chegar a 14,6%[ii], fato que não ocorreria se a segurança pandêmica fosse assegurada.

As economias avançadas sabem disso, e a utilização de lockdowns vem sendo encarada como uma medida essencial para compatibilizar processos de salvar vidas e preservar a economia. Para isso, as medidas de ativar e desativar atividades da população tem que ser monitoradas em sintonia fina à luz de dados e informações que permitem saber quando e onde acender luzes verdes ou vermelhas para atividades humanas, sejam elas econômicas, recreativas, sociais ou educacionais.

Com relativa experiência na gestão de lockdowns, o governo de Boris Johnson anunciou em 22 de fevereiro de 2021 seu "roteiro" para acabar com o terceiro lockdown nacional do Reino Unido. Há quatro passos para a flexibilização do bloqueio e Johnson diz que estes serão baseados no número de novos casos, em como avança o processo de vacinação e em como surgem e se propagam novas variantes do vírus.[iii]. Medidas de testagem permanente da população são essenciais para que estes dados estejam sendo utilizados na sintonia fina das medidas de bloqueio.

Os quatro passos sequenciais para a saída do lockdown no roteiro estabelecido por Boris Johnson são os seguintes: (i) Comprovação de que há avanço do programa de vacinação; (ii) Evidência de que as vacinas se mostram suficientemente eficazes na redução das hospitalizações e dos óbitos de pessoas já vacinadas; (iii) Evidência de que as taxas de infecção se reduzem ao ponto de que não há mais riscos de que o aumento nas hospitalizações crie uma pressão insustentável para o sistema público de saúde (NHS), e (iv) Evidência de que as novas variantes do vírus estão sob controle e não ameaçam a eficácia dos processos de redução da transmissão do vírus e da imunização.

Entre cada uma das etapas estabelecidas pelo Governo, seria necessário um hiato de 4 a 5 semanas e, de acordo com a comprovação de que cada etapa foi vencida, haveriam flexibilizações nos processos de lockdown que seriam anunciadas à população e às empresas para que possam retomar suas atividades. Mas como as evidências tem que ser comprovadas, o roteiro estabelece apenas datas indicativas de flexibilização, as quais são totalmente contingentes aos dados e estão sujeitas a alterações se estas etapas não forem atendidas.

À medida em que as restrições forem sendo levantadas, a manutenção de hábitos que minimizem a transmissão continuará sendo fiscalizada de forma importante, tanto para indivíduos quanto para empresas. Para tal, sistemas de testagem (testes PCR), rastreamento de casos e isolamento social, quando necessário, continuarão a apoiar a flexibilização das restrições sociais e econômicas.

Também será importante a identificação de surtos locais das variantes do Covid-19 e medidas de proteção estarão em vigor nas fronteiras para mitigar o risco de importação de novos casos e de novas variantes. Caso uma perigosa variante do vírus seja identificada, provavelmente poderá representar um risco real para o programa de vacinação e para a saúde pública. Nestes casos, o Governo adotará uma abordagem altamente preventiva, agindo rapidamente para enfrentar surtos dessas novas variantes. O Governo também agirá rapidamente se alguma área apresente um crescimento incontrolável do vírus, aumentando o risco de operação do NHS. Nestes casos, intervenções nestas localidades centradas em testes e comunicações estarão em vigor.

À medida que as restrições vão sendo retiradas e a economia vai sendo reaberta de forma gradual e segura, o Governo apoiará economicamente aos indivíduos e às empresas para o reinício de suas atividades. O Orçamento público definirá mais detalhes sobre o apoio econômico para proteger empregos e meios de subsistência em todo o Reino Unido e o Governo continuará a apoiar aos mais vulneráveis.

Reconhecendo que as visitas a familiares e amigos são cruciais para o bem-estar dos moradores de abrigos e casas de repouso para idosos, testes adicionais serão fornecidos para facilitar visitas mais seguras para os residentes nesses ambientes e cuidados extras serão fornecidos para evitar o alto risco. O Governo reconhece que alguns grupos dentro da sociedade sentiram o impacto da pandemia de forma mais aguda, e está comprometido em abordar as implicações a longo prazo do COVID-19 para essas comunidades.

O roteiro destaca que os cientistas esperam que o COVID-19 saia do estado pandêmico e possa se tornar endêmico, o que significa que o vírus atingirá um nível estável e controlável. As vacinas - incluindo a revacinação - serão fundamentais para gerenciar a transição da pandemia para o estado endêmico. Terapêuticas e medicamentos antivirais se tornarão cada vez mais importantes, substituindo a maioria das intervenções não farmacêuticas a longo prazo. O Governo também está empenhado em construir resiliência para quaisquer pandemias futuras, tanto internamente quanto no cenário internacional.

Com base nessas premissas, o Governo inglês montou um cronograma tentativo de abertura com datas limites onde se prevê que depois de 21 de junho o país estará apto para reabrir suas atividades econômicas, educacionais, sociais e recreativas, com determinados requisitos de segurança que darão plena potencialidade ao crescimento econômico dentro das características do novo normal.

Nessa perspectiva, o Governo inglês entende que o distanciamento social é difícil de ser implementado e pode afetar o desempenho da atividade econômica de algumas empresas. Assim, antes de iniciar a etapa 4, o governo deverá concluir a análise do impacto das vacinas na transmissão do vírus, dado que a maior proporção da população já teria sido vacinada, e avaliará ainda o impacto de longo prazo das medidas de distanciamento social que têm sido aplicadas para limitar a transmissão. Os resultados destas análises ajudarão a informar as decisões sobre quando medidas, como o uso de máscaras e a proibição de aglomerações, poderão ser flexibilizadas, assim como as regras para o retorno do trabalho presencial nos escritórios. O quadro 1, abaixo, fornece uma ideia do calendário de abertura das atividades no Reino Unido em sequência ao lockdown implantado em janeiro de 2021.

Quadro 1 – Etapas Prospectivas da Transição do Lockdown para a Normalidade no Reino Unido em 2021

Aspectos a Considerar

Etapa 1

Etapa 2

Etapa 3

Etapa 4

Marcador

 

Avanço comprovado do programa de vacinação

Evidência de que as vacinas se mostram eficazes

Taxas de infecção se reduzem com riscos minimizados

As novas variantes do vírus estão sob controle

Datas

 

A partir de 08/03/21

Depois de 12/04/21

Depois de 17/05/21

Depois de 21/06/21

Educação

 

Escolas de primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos.

Escolas de primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos.

Escolas de primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos.

Escolas de primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos.

Social, Esporte e Lazer

Ficar em casa, Funerais, com menos de 30 pessoas, casamentos e batizados até 6 pessoas. Esportes e lazer na rua de forma individual, esportes “in door” de 2 a 6 pessoas,

Visitas domiciliares do lado de fora da casa e de crianças (até 3). Academias abertas para uso de equipamento individual. Regra de 6 para esportes “in door”. Visitas a parques, zoos e cinemas drive-in.

Visitas abertas e atividades internas até 30 pessoas. Diversões externas também. Organização de esportes “in door” abertos. Festas e eventos de até 30 pessoas, outras diversões “in door” como shows, teatros, etc.

Retorno a normalidade do convívio social. Sem limites para eventos sociais e festas.

Atividades e Negócios

Somente atividades essenciais permitidas

Bibliotecas, centros comunitários, atividades de cuidados pessoais e todo o comércio e restaurantes voltam a abrir.

Todas as atividades de produção, comércio e serviços abertas, com protocolos de segurança aprovados e fiscalizados, com exceções

Casas noturnas voltam a abrir

Viagens

 

Viagens somente justificadas, sem feriados.

Viagens somente justificadas. Hotéis abertos, mas não internacionais

Viagens internacionais abertas com certificados de vacinação (sujeitas a revisão) Todos os hotéis abertos

Todas as viagens abertas com certificados de vacinação. Viagens internacionais permitidas a países com regras similares. Hotéis abertos.

Eventos

 

Até no máximo 15 pessoas com distanciamento.

Até no máximo 15 pessoas com distanciamento

Eventos “in door” (até mil pessoas) e externos (até 4000 pessoas). Eventos externos sentados (até 10 mil pessoas)

Grandes eventos voltam a ser permitidos

HM Government (2021),

 Conclusão: Consequências e Benefícios Econômicos do Lockdown

Em outubro de 2020, o Fundo Monetário Internacional realizou estudos que mostraram que quanto mais rigoroso é um lockdown, maior deverá ser seu impacto negativo na economia a curto prazo[iv]. No entanto, ele mostrou que as restrições podem valer a pena no longo prazo. Através de uma análise realizada em 52 países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento, e utilizando uma variedade de estatísticas e métodos econométricos, o FMI demostrou que os lockdowns, no curto prazo, tiveram um impacto negativo na economia e que bloqueios mais rigorosos estão associados à menor consumo, menor investimento, redução na produção industrial e nas vendas no varejo, além de taxas de desemprego mais altas. Mas o FMI também descobriu que o “distanciamento social voluntário” em países avançados que não fizeram lockdown teve um efeito similar na redução da atividade econômica do que a dos países que realizaram lockdowns.

Ao mesmo tempo, o estudo do FMI demonstrou que os lockdowns são mais efetivos do que “não fazer nada” ou do que o “distanciamento social voluntário”, pois funcionam na redução de infecções pelo COVID-19. "Um bloqueio rigoroso leva a uma redução de infecções acumuladas de cerca de 40% após 30 dias. Assim, ao controlar melhor as taxas de infecção, os lockdowns abrem caminho para uma recuperação econômica mais rápida, à medida que as pessoas se sentem mais confortáveis em retomar as atividades normais. Em outras palavras, os custos econômicos de curto prazo dos bloqueios poderiam ser compensados através de uma atividade econômica futura mais elevada, podendo levar a efeitos líquidos positivos na economia", disse o FMI.

Estudos econométricos mais avançados, como os realizados por Caselli, Grigoli e Sandri (2021)[v], mostraram, usando proxies de alta frequência para atividade econômica sobre uma grande amostra de países, que a crise econômica durante os primeiros sete meses da pandemia COVID-19 foi apenas em parte devido aos lockdowns realizados pelos governos. As atividades econômicas também se contraíram severamente por causa do distanciamento social voluntário em resposta às altas taxas de infecção. Mas os lockdowns reduziram substancialmente as taxas de infecção, especialmente nos locais onde foram introduzidos no início da pandemia.

Assim, apesar de envolver custos econômicos de curto prazo, os lockdowns abriram caminho para recuperações econômicas mais rápidas, contendo a propagação do vírus e reduzindo o distanciamento social voluntário. Esse estudo também documentou que os lockdowns reduzem custos econômicos marginais, ao mesmo tempo em que aumentam benefícios econômicos marginais ao reduzir as infecções, mostrando que lockdowns intensos e de curta duração são preferíveis a medidas leves e prolongadas. A conclusão deste estudo fica muito clara no gráfico 3, já apresentado, ao mostrar a comparação entre as medidas tomadas pelo Reino Unido e pelo Brasil na primeira onda pandêmica.

Essas lições parecem claras para economistas respeitados de todos os naipes, incluindo os mais conservadores, mas no país das jabuticabas e políticos barnabés, o poder executivo federal resolveu enviar, no dia 18 de março de 2021 ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para que sejam suspensos os decretos na Bahia, no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul que tratavam de usar medidas de distanciamento social diante do esgotamento da capacidade do SUS em atender casos graves de Covid-19 e das altas taxas de infecção e mortalidade pela pandemia. Segundo a ação, o toque de recolher e o fechamento do comércio só poderia ocorrer a partir de um pedido do Executivo Federal que seja aprovado pelo Congresso Nacional.

A questão básica é que diante do fracasso em conseguir as vacinas desde fins do ano passado e acelerar seu suprimento regular para agilizar a vacinação de toda a população brasileira até fins do primeiro semestre do ano, a única possibilidade de evitar que o país tenha um caos na mortalidade, no esgotamento do sistema de saúde e na própria crise econômica decorrente da pandemia seria realizar medidas de lockdown como corretamente estão propondo os governos estaduais e alguns governos municipais do país.

A crise pandêmica brasileira deteriora rapidamente o país, seu tecido social e sua capacidade de resistência, sem que haja uma coordenação mínima entre os níveis de governo. Falta conhecimento, planejamento, consciência e bom senso para resolve-la, tanto pelo lado da pandemia como pelo lado da economia. Nessas circunstâncias fica difícil classificar o regime político que realmente vigora no governo federal. Muitos de vocês podem até fazer as apostas e dizer qual é esse regime, mas qualquer que seja a resposta, nas atuais circunstâncias, ela sempre será a pior possível para os brasileiros.  

 NOTAS

[i] Ver Medici, A.C. Covid-19 no Brasil: Razões da Baixa Performance na Gestão da Pandemia”, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2021/02/covid-19-no-brasil-razoes-da-baixa.html

[ii] Ver matéria publicada originalmente no Jornal Estado de São Paulo, em 22 de março de 2021, intitulada: “ CNI diz que taxa de desemprego ficará em 14,6% em 2021, acima dos 13,5% de 2020” link: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2021/03/22/internas_economia,1249326/cni-diz-que-taxa-de-desemprego-ficara-em-14-6-em-2021-acima-dos-13-5-de.shtml

 [iii] Ver HM Government (2021), Covid-19 Response, Spring-2021, Presented to Parliament by the Prime Minister by Command of Her Majesty, February 2021, CP 398, Crown Copyright 2021, ISBN 978-1-5286-2431-2. Link: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/963491/COVID-19_Response_-_Spring_2021.pdf

 [iv] Ver, IMF, World Economic Outlook, (October 2020), Chapter 2, The Great Lockdown: Dissecting Economic Effects, pp: 65-84.

 [v] Caselli, F. Grigoli, F & Sandri, D. (2021), Protecting lives and livelihoods with early and tight lockdowns, in Covid Economics, 66, 28, January 2021, pp 37-57.