Ano 15, No. 117, Março de 2021.
André Cezar Medici
Introdução
O sistema de saúde britânico tem tido
historicamente bons resultados e, diferentemente do SUS, é muito apreciado pela
população do país. Mas tem sofrido, como ocorre em muitos países
europeus, uma forte ameaça durante a pandemia do Covid-19, vivendo momentos
críticos de esgotamento da capacidade de leitos, falta de equipamentos e de
profissionais de saúde, e altas taxas de contaminação pandêmica e mortalidade. E
isso, em certo sentido, se refletiu nos resultados acumulados ao longo da
pandemia.
Comparando os dados de Covid-19 acumulados até 23
de março de 2021, no Reino Unido e no Brasil, observa-se que, em número de
casos por milhão de habitantes, o Reino Unido ocupava a 32ª posição mundial,
comparada com a 39ª ocupada pelo Brasil. Em número de mortes por milhão, o Reino
Unido ocupava a 8ª posição, e o Brasil a 23ª posição. Mas o importante na gestão
de uma pandemia, não é a fotografia, e sim o filme. E no filme, é importante
também saber o desenrolar da narrativa e como ele termina.
Uma análise cinemática da gestão pandêmica nos
dois países revela que o Reino Unido buscou administrar com eficiência seus
processos de distanciamento social, apesar da intensidade dos picos de
contaminação e mortes em cada uma das ondas pandêmicas. A utilização precisa de
lockdowns e, recentemente, a rapidez no processo de imunização, tem trazido
bons resultados e com isso, se pode dizer que a pandemia no país
parece estar próxima ao fim.
Já no Brasil, a situação é bastante distinta,
como já foi explorado em artigo que publicamos na edição 114 deste blog[i],
em fevereiro de 2021. A falta de coordenação entre os distintos níveis de
governo, a inadequada comunicação social, os conflitos entre poderes associados
à pandemia, a administração ineficiente dos recursos financeiros, físicos e
humanos e o desarranjo nos processos de compra, negociação, disponibilidade e
produção de vacinas, levou o Brasil a ser o pior país na gestão da pandemia. No
dia 23 de março de 2021, o número de mortes por Covid-19 no Brasil bateu um
novo recorde (3158). Nesta data o Brasil liderava o ranking de novos casos e novas
mortes diárias de covid ao nível mundial, tendo superado, há quase um mês, os
Estados Unidos que atualmente se encontra em um nível de descenso da pandemia em
função de melhores esforços de comunicação social do novo Presidente Joe Biden
e dos processos de vacinação que também se intensificaram, alcançando a marca
de 3 milhões de vacinas diárias, com previsão de vacinar toda a população antes
do início do verão de 2021.
Reino
Unido
Passada a primeira onda da pandemia do Covid-19,
em fins de julho de 2020, a vida parecia voltar a florescer no Reino Unido. O
número médio semanal de mortes diárias pela pandemia, que havia alcançado a
triste marca de 944 em 13 de abril de 2020, voltava a baixar para patamares
médios semanais diários de apenas 14 mortes na semana de 2 de agosto do mesmo ano.
O rápido descenso foi o resultado de um processo coordenado de distanciamento
social, com testagem suficiente, rastreamento de casos e fiscalização dos processos
de segurança pandêmica nos transportes e atividades essenciais. Entre a primeira
semana de agosto e a segunda semana de setembro, a epidemia parecia ter
acabado, e ainda que com precauções, a população retomava progressivamente suas
atividades.
Na semana de 10 de setembro de 2020 o
relaxamento das medidas de distanciamento social, mesmo por poucas semanas,
mostrou que a pandemia ainda não estava ao ponto de ser eliminada e a
contaminação voltava a crescer lentamente com o crescimento de casos e novas
mortes. Em dezembro de 2020, o número de novos casos e mortes começou a acelerar-se
pela presença de uma nova variante do vírus SARS-Covid-19, que se espalhava
mais rapidamente e que aparentemente parecia ser mais letal. A segunda onda
estava em curso.
O número de mortes diárias chegou a 619 na
semana de 4 de janeiro de 2021, quando então, o primeiro ministro Boris Johnson,
em um discurso em cadeia nacional de televisão, anunciou um novo lockdown
para evitar o colapso do sistema de saúde e tentar controlar o crescimento do
número de casos e mortes. Em seu discurso Mr. Johnson afirmou: “- É claro
que precisamos fazer mais para colocar essa nova variante sob controle... Isso
significa que o governo está mais uma vez instruindo você a ficar em casa."
As medidas impostas por Boris Johnson foram um
aperfeiçoamento daquelas realizadas durante o primeiro bloqueio (lockdown),
realizado na primavera de 2020, e que levaram a um rápido descenso da primeira
onda da pandemia até fins de julho do mesmo ano. Estas medidas incluíam o
fechamento de escolas secundárias e primárias para todos, exceto para filhos de
trabalhadores-chave e crianças vulneráveis. As pessoas só poderiam sair de suas
casas para realizar compras essenciais, fazer exercícios e buscar assistência
médica. Voos internacionais ficaram limitados àqueles com "uma razão
legalmente permitida", como o trabalho. Áreas de convivência e
instituições, como locais esportivos ao ar livre, foram fechados, mas algumas
exceções como creches e cultos religiosos estavam permitidos desde que os
participantes aderissem às regras rígidas de distanciamento social fiscalizadas
com regularidade. Parte destas medidas ainda estão em vigor até hoje (24 de março de 2021).
Os resultados, como ocorreu com o primeiro lockdown, podem ser
observados no gráfico 1.
Gráfico 1: Mortes diárias por Covid-19 (média móvel semana) no Reino Unido:
(15-02-20 a 22-03-21)
Fonte:
Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.
Dado que a contaminação e o número de mortes por Covid-19 refletem a situação de contágio de duas a três semanas atrás, o número de mortes diárias (média móvel semanal) na semana de 12 de janeiro de 2021 já havia ultrapassado o pico da primeira onda, chegando a seu ápice na semana de 22 de janeiro, quando atingiu 1250 mortes diárias. Mas a partir daí começou a declinar de vento em popa, alcançando em 23 de março de 2021, ou seja, em menos de dois meses, uma média móvel semanal de apenas 85 mortes diárias. A racionalidade dos lockdowns, uma vez mais, provou sua eficácia.
Boris Johnson é um político conservador (um
liberal como se diria no Brasil, onde muitos não sabem a diferença entre liberal e
conservador) e tem como missão, levar adiante a vitória apertada da população
conservadora inglesa que preferiu a controversa saída do Reino Unido da
Comunidade Europeia (BREXIT), um processo longo, sofrido e com algumas
consequências a curto prazo que o país espera que estejam superadas a longo
prazo.
Mas ser conservador, para Boris Johnson, não significa
ser mito, criar mitos ou espalhar fake news para enganar a população.
Ele costuma deixar para os profissionais de saúde, as recomendações sobre quais
terapias utilizar para o Covid-19 e dificilmente apareceria em redes de TV
defendendo panaceias ineficazes ou proferindo discursos irresponsáveis para incentivar comportamentos de risco pandêmico. Como cristão anglicano
que é, Boris Johnson tem, antes de tudo, um compromisso com a vida dos seus
concidadãos e acha que é possível sair da crise pandêmica com um olho em Deus e
outro na ciência. Ele sabe, pelas análises de dados trazida por seus assessores
e pela sua própria experiência aprendida no curto prazo, que distanciamento
social e lockdown funcionam no combate a pandemia e, por isso, resolveu utilizá-lo,
uma vez mais, para reduzir as taxas de contaminação pandêmica, alcançando, também
uma vez mais, bons resultados.
A economia inglesa, como muitas economias europeias
afetadas pela pandemia, teve uma queda acentuada em seu produto interno bruto (PIB)
em 2020 (-9,9%), uma das maiores quedas do PIB em sua história recente, somente
comparável em 2020 às estimadas na Espanha e Argentina. Mas espera-se um crescimento
do PIB inglês de 4,5% em 2021. E as boas novas estão pelo lado da vacinação. Até o dia 22 de março de 2021, o Reino Unido
já havia vacinado 45% de sua população, sendo o quarto país do mundo (depois de
Israel, Emirados Árabes e Chile) com a maior proporção de sua população já
vacinada contra o Covid-19. Isso reduz substancialmente o risco de ocorrer uma terceira
onda pandêmica e, portanto, existe um certo otimismo de que as projeções de
crescimento econômico para 2021 poderão se transformar em realidade.
Brasil
A cinemática da pandemia no Brasil, como
evidencia o gráfico 2, se comportou de forma um tanto diferente. Começou mais
tarde do que no Reino Unido, chegando a um patamar relativamente estável ao
redor de 1000 mortes diárias entre as semanas de 27 de maio e 29 de agosto de
2020, quando então começa a cair. Ao longo deste período, como salientei em meu
artigo de fevereiro de 2021, praticamente não ocorreram medidas coordenadas de
distanciamento social ou lockdowns, diante da escassez de testes, da falta de rastreamento
dos casos e da falta de medidas coordenadas para sequer identificar os locais e
os mecanismos que levavam a rápida propagação da pandemia. Apesar do esforço de
alguns governadores e alguns prefeitos, frente ao ruído ensurdecedor do governo
federal em dizer que distanciamento social, uso de máscaras e lockdowns não
funcionam e somente aprofundariam a crise econômica, alguns processos de lockdown
foram parcialmente implementados, embora as condições concretas para que fossem
eficazes eram questionáveis.
Gráfico 2: Mortes diárias por Covid-19 (média
móvel semana) no Brasil: (15-02-20 a 22-03-21)
Fonte: Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.
O descenso da primeira onda, ao final de agosto,
e o início da segunda onda pandêmica, a partir de 11 de novembro, não se deu de
forma intensa em nenhum momento, dado que as medidas de distanciamento social
não foram levadas a cabo com eficiência e, mesmo nos governos aonde foram
implementadas, não contaram com uma adesão em massa da população.
Diante deste quadro, a melhor média semanal diária de
mortalidade por Covid-19 alcançada no Brasil, entre a primeira e a segunda onda,
não foi de 14 mortes diárias, como no Reino Unido entre início de agosto e
meados de setembro, mas sim de 319, em 11 de novembro de 2020. A partir desse
momento, o número de mortes começa a crescer rapidamente no país. Em 10 de
janeiro voltou a alcançar a marca das 1017 mortes diárias (média semanal). Seria
o momento certo para iniciar um lockdown certeiro (como fez o Reino Unido) dado
que os processos de vacinação no país ainda não tinham se iniciado. Mas isso
nem sequer foi cogitado. No dia 26 de fevereiro, quando o país ultrapassava a
marca das 260 mil mortes, ao invés de alertar a população para a necessidade de
medidas severas de isolamento social, o Presidente da República declarou que a
população deveria deixar de “frescura e mimimi” em relação à pandemia.
Em 22 de março de 2021, o Brasil alcança a sua pior
média semanal de mortes diárias (2297). Há quase um mês é o país que tem o
maior número absoluto de casos e mortes diárias, ao nível global. Desde a
semana passada (14 de março) muitos estados e municípios começam a tomar
medidas mais drásticas de lockdown, diante do crescimento pífio dos processos
de vacinação, que não alcançam ainda 6% da população. O governo federal não negociou
a compra de vacinas ou princípios ativos (IFAs) para sua produção nacional no
momento certo (início do segundo semestre de 2020) e sua desastrada política de
relações exteriores tem levado ao fracasso das iniciativas, não só de compra de
vacinas e reagentes, mas também de insumos hospitalares necessários para o
tratamento de casos graves de Covid-19. Hospitais nas grandes cidades,
inclusive em São Paulo, começam a esgotar sua capacidade de atendimento e
pacientes começam a morrer nas emergências e filas dos hospitais, inclusive
pela falta de insumos vitais para internados, como oxigênio.
Provavelmente hoje (24 de março de 2021) o país
alcançará as 300 mil mortes pela pandemia num contexto onde o número diário de
mortes já ultrapassou 3 mil. Medidas imediatas de distanciamento social (que só
tem efeito após duas semanas na redução do contágio) começam a ser tomadas por
governadores e prefeitos mais conscientes, enquanto o país engatinha nos
processos de imunização de sua população.
O gráfico 3 faz uma comparação entre as taxas de
mortalidade por Covid-19 (por milhão de habitantes) no Brasil e no Reino Unido
entre fevereiro de 2020 e março de 2021.
Fonte: Wordometer, Acessado em 23 de março de 2021.
A comparação do comportamento das duas curvas leva às seguintes conclusões: (i) os picos de mortes nas duas ondas no Reino Unido foram bem mais intensos do que no Brasil, provavelmente em função da estrutura etária mais envelhecida da população inglesa; (ii) a saída das ondas pandêmicas no Reino Unido, em função da eficácia dos processos de lockdown, tem sido muito mais rápida do que no Brasil;(iii) a pandemia no Brasil se caracterizou, na primeira onda, não pela existência de um pico de mortalidade num determinado mês, mas pela permanência de elevados patamares longos de mortalidade durante três a quatro meses, em função da ineficácia dos processos de distanciamento social durante a pandemia; (iv) a segunda onda no Brasil ainda está se acentuando e já se apresenta como sendo muito mais intensa do que a primeira onda da pandemia; (v) entre a primeira e a segunda onda, ainda que as taxas de mortalidade pandêmica tenham caído no Brasil, elas permaneceram em patamares elevados, dado a inexistência de processos efetivos de distanciamento social e da precariedade dos sistemas de atendimento público aos enfermos com sintomas graves da pandemia.
A lógica dos lockdowns no Reino Unido
O governo brasileiro espalha a mentira infundada de que lockdowns são prejudiciais à atividade econômica, mas o que realmente prejudica a atividade econômica é a permanência de altas taxas de contaminação, morbidade e mortalidade pelo Covid-19, diante da insegurança da população em não ter vacinas, em não ter uma resposta eficiente dos sistemas de saúde, em saber que os hospitais estão operando em seus limites de atendimento e em saber que faltam insumos como medicamentos para a intubação de pacientes graves de Covid-19 ou de oxigênio. Enfim, o que paralisa a economia é a insegurança trazida pelo fato de que pouco está sendo feito para reduzir as taxas de contaminação e de que novos casos graves sofrem o risco de não serem tratados. Para exemplificar, a taxa de desemprego calculada pelo IBGE em 2020 foi de 13,5%, mas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que em 2021 esta taxa poderá chegar a 14,6%[ii], fato que não ocorreria se a segurança pandêmica fosse assegurada.
As economias avançadas sabem disso, e a utilização de lockdowns vem sendo encarada como uma medida essencial para compatibilizar processos de salvar vidas e preservar a economia. Para isso, as medidas de ativar e desativar atividades da população tem que ser monitoradas em sintonia fina à luz de dados e informações que permitem saber quando e onde acender luzes verdes ou vermelhas para atividades humanas, sejam elas econômicas, recreativas, sociais ou educacionais.
Com relativa experiência na gestão de lockdowns, o governo de Boris Johnson anunciou em 22 de fevereiro de 2021 seu "roteiro" para acabar com o terceiro lockdown nacional do Reino Unido. Há quatro passos para a flexibilização do bloqueio e Johnson diz que estes serão baseados no número de novos casos, em como avança o processo de vacinação e em como surgem e se propagam novas variantes do vírus.[iii]. Medidas de testagem permanente da população são essenciais para que estes dados estejam sendo utilizados na sintonia fina das medidas de bloqueio.
Os quatro passos sequenciais para a saída do lockdown no roteiro estabelecido por Boris Johnson são os seguintes: (i) Comprovação de que há avanço do programa de vacinação; (ii) Evidência de que as vacinas se mostram suficientemente eficazes na redução das hospitalizações e dos óbitos de pessoas já vacinadas; (iii) Evidência de que as taxas de infecção se reduzem ao ponto de que não há mais riscos de que o aumento nas hospitalizações crie uma pressão insustentável para o sistema público de saúde (NHS), e (iv) Evidência de que as novas variantes do vírus estão sob controle e não ameaçam a eficácia dos processos de redução da transmissão do vírus e da imunização.
Entre cada uma das etapas estabelecidas pelo Governo, seria necessário um hiato de 4 a 5 semanas e, de acordo com a comprovação de que cada etapa foi vencida, haveriam flexibilizações nos processos de lockdown que seriam anunciadas à população e às empresas para que possam retomar suas atividades. Mas como as evidências tem que ser comprovadas, o roteiro estabelece apenas datas indicativas de flexibilização, as quais são totalmente contingentes aos dados e estão sujeitas a alterações se estas etapas não forem atendidas.
À medida em que as restrições forem sendo levantadas, a manutenção de hábitos que minimizem a transmissão continuará sendo fiscalizada de forma importante, tanto para indivíduos quanto para empresas. Para tal, sistemas de testagem (testes PCR), rastreamento de casos e isolamento social, quando necessário, continuarão a apoiar a flexibilização das restrições sociais e econômicas.
Também será importante a identificação de surtos locais das variantes do Covid-19 e medidas de proteção estarão em vigor nas fronteiras para mitigar o risco de importação de novos casos e de novas variantes. Caso uma perigosa variante do vírus seja identificada, provavelmente poderá representar um risco real para o programa de vacinação e para a saúde pública. Nestes casos, o Governo adotará uma abordagem altamente preventiva, agindo rapidamente para enfrentar surtos dessas novas variantes. O Governo também agirá rapidamente se alguma área apresente um crescimento incontrolável do vírus, aumentando o risco de operação do NHS. Nestes casos, intervenções nestas localidades centradas em testes e comunicações estarão em vigor.
À medida que as restrições vão sendo retiradas
e a economia vai sendo reaberta de forma gradual e segura, o Governo apoiará economicamente
aos indivíduos e às empresas para o reinício de suas atividades. O Orçamento público
definirá mais detalhes sobre o apoio econômico para proteger empregos e meios
de subsistência em todo o Reino Unido e o Governo continuará a apoiar aos mais
vulneráveis.
Reconhecendo que as visitas a familiares e
amigos são cruciais para o bem-estar dos moradores de abrigos e casas de repouso
para idosos, testes adicionais serão fornecidos para facilitar visitas mais
seguras para os residentes nesses ambientes e cuidados extras serão fornecidos
para evitar o alto risco. O Governo reconhece que alguns grupos dentro da
sociedade sentiram o impacto da pandemia de forma mais aguda, e está
comprometido em abordar as implicações a longo prazo do COVID-19 para essas
comunidades.
O roteiro
destaca que os cientistas esperam que o COVID-19 saia do estado pandêmico e possa
se tornar endêmico, o que significa que o vírus atingirá um nível estável e controlável.
As vacinas - incluindo a revacinação - serão fundamentais para gerenciar a
transição da pandemia para o estado endêmico. Terapêuticas e medicamentos antivirais
se tornarão cada vez mais importantes, substituindo a maioria das intervenções
não farmacêuticas a longo prazo. O Governo também está empenhado em construir
resiliência para quaisquer pandemias futuras, tanto internamente quanto no
cenário internacional.
Com base nessas premissas, o Governo inglês montou um cronograma tentativo de abertura com datas limites onde se prevê que depois de 21 de junho o país estará apto para reabrir suas atividades econômicas, educacionais, sociais e recreativas, com determinados requisitos de segurança que darão plena potencialidade ao crescimento econômico dentro das características do novo normal.
Nessa perspectiva, o Governo inglês entende que o distanciamento social é difícil de ser implementado e pode afetar o desempenho da atividade econômica de algumas empresas. Assim, antes de iniciar a etapa 4, o governo deverá concluir a análise do impacto das vacinas na transmissão do vírus, dado que a maior proporção da população já teria sido vacinada, e avaliará ainda o impacto de longo prazo das medidas de distanciamento social que têm sido aplicadas para limitar a transmissão. Os resultados destas análises ajudarão a informar as decisões sobre quando medidas, como o uso de máscaras e a proibição de aglomerações, poderão ser flexibilizadas, assim como as regras para o retorno do trabalho presencial nos escritórios. O quadro 1, abaixo, fornece uma ideia do calendário de abertura das atividades no Reino Unido em sequência ao lockdown implantado em janeiro de 2021.
Quadro 1 – Etapas Prospectivas da Transição do Lockdown para a Normalidade no Reino Unido em 2021
Aspectos a Considerar |
Etapa 1 |
Etapa 2 |
Etapa 3 |
Etapa 4 |
Marcador |
Avanço
comprovado do programa de vacinação |
Evidência de
que as vacinas se mostram eficazes |
Taxas de
infecção se reduzem com riscos minimizados |
As novas
variantes do vírus estão sob controle |
Datas |
A partir de 08/03/21 |
Depois de 12/04/21 |
Depois de 17/05/21 |
Depois de 21/06/21 |
Educação |
Escolas de
primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos. |
Escolas de
primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos. |
Escolas de
primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos. |
Escolas de
primeiro grau, universidades e escolas profissionais abertas para todos. |
Social, Esporte e Lazer |
Ficar em casa, Funerais, com menos de 30 pessoas, casamentos e batizados
até 6 pessoas. Esportes e lazer na rua de forma individual, esportes “in door”
de 2 a 6 pessoas, |
Visitas domiciliares do lado de fora da casa e de crianças (até 3). Academias
abertas para uso de equipamento individual. Regra de 6 para esportes “in door”.
Visitas a parques, zoos e cinemas drive-in. |
Visitas abertas e atividades internas até 30 pessoas. Diversões
externas também. Organização de esportes “in door” abertos. Festas e eventos
de até 30 pessoas, outras diversões “in door” como shows, teatros, etc. |
Retorno a normalidade do convívio social. Sem limites para eventos
sociais e festas. |
Atividades e
Negócios |
Somente
atividades essenciais permitidas |
Bibliotecas, centros
comunitários, atividades de cuidados pessoais e todo o comércio e
restaurantes voltam a abrir. |
Todas as
atividades de produção, comércio e serviços abertas, com protocolos de
segurança aprovados e fiscalizados, com exceções |
Casas noturnas
voltam a abrir |
Viagens |
Viagens somente justificadas, sem feriados. |
Viagens somente justificadas. Hotéis abertos, mas não internacionais |
Viagens internacionais abertas com certificados de vacinação (sujeitas
a revisão) Todos os hotéis abertos |
Todas as viagens abertas com certificados de vacinação. Viagens
internacionais permitidas a países com regras similares. Hotéis abertos. |
Eventos |
Até no máximo
15 pessoas com distanciamento. |
Até no máximo
15 pessoas com distanciamento |
Eventos “in
door” (até mil pessoas) e externos (até 4000 pessoas). Eventos externos
sentados (até 10 mil pessoas) |
Grandes eventos
voltam a ser permitidos |
HM Government (2021),
Em outubro de 2020, o Fundo Monetário
Internacional realizou estudos que mostraram que quanto mais rigoroso é um
lockdown, maior deverá ser seu impacto negativo na economia a curto prazo[iv].
No entanto, ele mostrou que as restrições podem valer a pena no longo prazo.
Através de uma análise realizada em 52 países desenvolvidos, emergentes e em
desenvolvimento, e utilizando uma variedade de estatísticas e métodos econométricos,
o FMI demostrou que os lockdowns, no curto prazo, tiveram um impacto negativo
na economia e que bloqueios mais rigorosos estão associados à menor consumo, menor
investimento, redução na produção industrial e nas vendas no varejo, além de taxas
de desemprego mais altas. Mas o FMI também descobriu que o “distanciamento
social voluntário” em países avançados que não fizeram lockdown teve um
efeito similar na redução da atividade econômica do que a dos países que realizaram lockdowns.
Ao mesmo tempo, o estudo do FMI demonstrou que
os lockdowns são mais efetivos do que “não fazer nada” ou do que o “distanciamento
social voluntário”, pois funcionam na redução de infecções pelo COVID-19. "Um
bloqueio rigoroso leva a uma redução de infecções acumuladas de cerca de 40%
após 30 dias. Assim, ao controlar melhor as taxas de infecção, os lockdowns abrem
caminho para uma recuperação econômica mais rápida, à medida que as pessoas se
sentem mais confortáveis em retomar as atividades normais. Em outras palavras,
os custos econômicos de curto prazo dos bloqueios poderiam ser compensados
através de uma atividade econômica futura mais elevada, podendo levar a efeitos líquidos positivos na economia", disse o FMI.
Estudos econométricos mais avançados, como os
realizados por Caselli, Grigoli e Sandri (2021)[v],
mostraram, usando proxies de alta frequência para atividade econômica sobre uma
grande amostra de países, que a crise econômica durante os primeiros sete meses
da pandemia COVID-19 foi apenas em parte devido aos lockdowns realizados pelos governos.
As atividades econômicas também se contraíram severamente por causa do distanciamento
social voluntário em resposta às altas taxas de infecção. Mas os lockdowns
reduziram substancialmente as taxas de infecção, especialmente nos locais onde
foram introduzidos no início da pandemia.
Assim, apesar de envolver custos econômicos de
curto prazo, os lockdowns abriram caminho para recuperações econômicas mais
rápidas, contendo a propagação do vírus e reduzindo o distanciamento social
voluntário. Esse estudo também documentou que os lockdowns reduzem custos
econômicos marginais, ao mesmo tempo em que aumentam benefícios econômicos
marginais ao reduzir as infecções, mostrando que lockdowns intensos e de curta
duração são preferíveis a medidas leves e prolongadas. A conclusão deste estudo
fica muito clara no gráfico 3, já apresentado, ao mostrar a comparação entre as
medidas tomadas pelo Reino Unido e pelo Brasil na primeira onda pandêmica.
Essas lições parecem claras para economistas
respeitados de todos os naipes, incluindo os mais conservadores, mas no país
das jabuticabas e políticos barnabés, o poder executivo federal resolveu enviar,
no dia 18 de março de 2021 ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) para que sejam suspensos os decretos na Bahia, no
Distrito Federal e no Rio Grande do Sul que tratavam de usar medidas de
distanciamento social diante do esgotamento da capacidade do SUS em atender
casos graves de Covid-19 e das altas taxas de infecção e mortalidade pela
pandemia. Segundo a ação, o toque de recolher e o fechamento do comércio só poderia
ocorrer a partir de um pedido do Executivo Federal que seja aprovado pelo
Congresso Nacional.
A questão básica é que diante do fracasso em
conseguir as vacinas desde fins do ano passado e acelerar seu suprimento
regular para agilizar a vacinação de toda a população brasileira até fins do
primeiro semestre do ano, a única possibilidade de evitar que o país tenha um
caos na mortalidade, no esgotamento do sistema de saúde e na própria crise
econômica decorrente da pandemia seria realizar medidas de lockdown como corretamente
estão propondo os governos estaduais e alguns governos municipais do país.
A crise pandêmica brasileira deteriora rapidamente o país, seu tecido social e sua capacidade de resistência, sem
que haja uma coordenação mínima entre os níveis de governo. Falta conhecimento,
planejamento, consciência e bom senso para resolve-la, tanto pelo lado da pandemia
como pelo lado da economia. Nessas circunstâncias fica difícil classificar o
regime político que realmente vigora no governo federal. Muitos de vocês podem até
fazer as apostas e dizer qual é esse regime, mas qualquer que seja a resposta, nas atuais circunstâncias, ela sempre será a pior
possível para os brasileiros.
[i] Ver Medici, A.C. “Covid-19
no Brasil: Razões da Baixa Performance na Gestão da Pandemia”, Link:
https://monitordesaude.blogspot.com/2021/02/covid-19-no-brasil-razoes-da-baixa.html
[ii] Ver matéria publicada originalmente
no Jornal Estado de São Paulo, em 22 de março de 2021, intitulada: “ CNI diz
que taxa de desemprego ficará em 14,6% em 2021, acima dos 13,5% de 2020”
link: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2021/03/22/internas_economia,1249326/cni-diz-que-taxa-de-desemprego-ficara-em-14-6-em-2021-acima-dos-13-5-de.shtml
[v] Caselli, F. Grigoli, F & Sandri, D. (2021), Protecting lives and livelihoods with early and tight lockdowns, in Covid Economics, 66, 28, January 2021, pp 37-57.
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