Ano 16, Número 125, Dezembro de 2021
André Cezar Medici
Os progressos na
vacinação contra a Covid-19
Apesar do
crescimento de casos de Covid-19 na Europa e Estados Unidos ao longo dos
últimos meses, e da resistência irracional de parte da população destes países contra
as vantagens cientificamente comprovadas pela imunização, o avanço nos processos
de vacinação contra o vírus da Covid-19 trouxe uma luz no fim do túnel para os
governos e para a sociedade que ainda sofrem o stress trazido pela pandemia e
pela ansiedade em retomar as atividades econômicas, sociais, educacionais e a “liberdade
de ir e vir”, as quais garantem o crescimento econômico sustentável numa sociedade cada vez
mais globalizada.
Observando os
dados, podemos dizer que a vacinação contra a pandemia, que começa logo no
início de 2021, interrompeu um período de crescimento quase exponencial do
número de casos de Covid-19 ao longo de 2020, ainda que tenha inaugurado uma
espécie de “roller-coaster” na dinâmica global da pandemia nos últimos
meses. Em outras palavras, os novos casos diários de Covid-19, ao nível global,
deixaram de crescer de forma contínua, como ocorreu em 2020, e passaram a se configurar
como um movimento cíclico de vai e vem ao longo de 2021, como pode ser visto no
gráfico 1.
Nos países mais ricos
e com instituições sólidas, o crescimento da vacinação teve rápido crescimento
entre os segmentos da população com melhores níveis educacionais e mais
informação. Eles acreditaram que a imunização era a chave para reduzir o risco
pandêmico e retornar à normalidade. Mas, na medida em que esses segmentos se
vacinaram e os níveis reduzidos de contaminação trouxeram o retorno progressivo
de atividades econômicas, educacionais e de convivência social, começou a ficar
visível a resistência à vacinação entre determinados segmentos menos conscientes,
criando barreiras para evitar a expansão do número de infectados. Se soma a
isso tudo o descontrole da expansão pandêmica entre os países mais pobres, sem
disponibilidade de recursos ou organização logística para vacinar seus
habitantes. O negacionismo e a pobreza são hoje os dois grandes desafios para universalizar
a vacinação e, dessa forma, prever o fim da pandemia.
Os Desafios na
Vacinação Contra a Covid-19
Desde outubro
de 2021 o mundo registra um novo crescimento dos casos diários de Covid-19,
associado a expansão das Variantes Delta e Delta-Plus, em crescimento na
Europa e nos Estados Unidos[i],
e à resistência prolongada de setores da população nestes países em aceitar
como necessária a vacinação, seja por motivos religiosos, ideológicos ou mesmo
por acreditar em notícias falsas veiculadas nas redes sociais. Novas variantes do
vírus numa sociedade com dificuldades de expandir rapidamente a cobertura
vacinal tem sido elementos que fazem com que os avanços trazidos pelas vacinas
contra o Covid-19 não tenham alcançado ainda plenos resultados.
Em 27 de
novembro de 2021, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas
42,8% da população mundial tinha completado o processo de vacinação contra o
Covid-19, apesar de já terem sido administradas quase 8 bilhões de doses de
vacina, ao nível mundial. A cobertura de vacinas varia desde 100% da população,
em micro países ou localidades ricas como Aruba, Bahrain, Ilhas Cayman,
Gibraltar, Malta, Turks & Caicos e Emirados Árabes Unidos, até menos de 2%
em países muito pobres como Burundi, Chad, Congo, Etiópia, Guine Bissau, Haiti,
Madagascar e Sudão do Sul.
O gráfico 2
mostra a evolução do processo de vacinação contra o Covid-19 entre os distintos
grupos de países, segundo o nível de renda, na classificação do Banco Mundial,
demonstrando que há uma forte correlação entre a renda per-capita e o progresso
nos níveis de vacinação.
Os dados revelam
que, em fins de novembro de 2021, os níveis de vacinação permanecem críticos
entre os países de renda baixa, com valores médios inferiores a 10 vacinas para
cada 100 habitantes, enquanto que os países de renda alta e de renda média alta
alcançaram taxas de vacinação superiores a 140 para cada 100 habitantes. Há
ainda um hiato razoável para que seja completado o processo de vacinação,
inclusive nos países de renda alta, ao se considerar que, em geral, são
necessárias pelo menos de duas doses para cada habitante (com exceção da Jensen)
para uma imunização total. Se soma a isso, a necessidade de reforço ou terceira
dose para determinados segmentos da população (idosos, pessoas com condições
crônicas, etc.), o qual se tornou premente com os resultados de estudos
científicos que acompanham os níveis de anticorpos entre populações vacinadas,
evidenciando que há um declínio ou perda de imunidade entre vacinados num
período de 6 a 8 meses a partir da segunda dose. Adicionalmente, o advento de
variantes onde a eficácia da vacina é menor, como as Delta e Delta-Plus tem
sido outros fatores que aumentam a necessidade de doses de reforço.
A necessidade
de mais vacinas também aumenta pelo fato de que muitos países, como os Estados
Unidos, já estão autorizando a aplicação de vacinas para crianças a partir dos
cinco anos de idade e já cogitam a terceira dose imediata para os maiores de 18 anos com mais de 6 meses de distância da segunda dose, processo que certamente se repetirá em todos os países.
O gráfico 2
mostra também a trajetória do processo de vacinação desde dezembro de 2020. Fica evidente que os países de renda alta
(Estados Unidos, Europa, Japão, etc.) saem na frente no processo de vacinação,
mas são alcançados pelos países de renda média alta (como Brasil, Rússia,
China, África do Sul, etc.) a partir de outubro-novembro de 2021 que aceleraram
o ritmo de vacinação de suas populações na mesma fase em que desacelera o ritmo
de imunização nos países de renda alta[ii].
Pode-se ainda
dizer que, por razões que necessitam maiores estudos sociais e comportamentais,
os países de renda alta, mesmo tendo uma ampla disponibilidade de vacinas para
sua população, tem apresentado, como já mencionado, forte resistência de parte
substancial de seus habitantes, em se vacinar, especialmente aqueles sob
influência de lideranças políticas ou religiosas radicais ou grupos de menor
escolaridade, por questões não só de desinformação ou por informações falsas
veiculadas em redes sociais de mídia que são, atualmente, o principal acesso
comunicacional de parte expressiva dessas populações.
No caso dos
países de renda média alta, ao contrário dos países ricos, há uma ampla aceitação
de sua população às vacinas e o nível de vacinação avança de acordo com a
disponibilidade das empresas farmacêuticas nacionais e internacionais em
produzir ou exportar vacinas para estes países. Essa diferença comportamental é
importante para explicar algum sucesso na redução de casos e mortes pela
pandemia nos países de renda média alta, especialmente em determinadas regiões
como a América Latina.
Os Casos do Brasil e
dos Estados Unidos
Vejamos, por
exemplo, o que ocorre na comparação entre os Estados Unidos e o Brasil - dois populosos países, um de renda alta e outro de renda média alta - que detiveram,
por algum tempo, os maiores quantitativos de casos e mortes por
Covid-19. O gráfico 3 mostra a evolução do número de vacinas aplicadas por 100
habitantes entre janeiro e novembro de 2021.
Fonte:
https://ourworldindata.org/covid-vaccinations
Observa-se
que nos Estados Unidos, há substancial crescimento das taxas de vacinação entre
janeiro e junho de 2021, como resultado das promessas de campanha de Joe Biden em
vacinar a maioria dos habitantes no primeiro semestre de 2021, após vencer as
eleições contra Donald Trump. O uso de estímulos econômicos do governo federal
e dos governos estaduais para que a população jovem ou mais pobre se vacinasse,
como pagamentos de bônus monetários aos que se dispunham a vacinar, prêmios de loterias
e outro, foram importantes incentivos para adesão da população relutante e para
o progresso da imunização, que alcançou níveis aparentemente confortáveis até a
festa da independência, quando muitos norte-americanos, confiantes na vacinação
e observando a redução de casos após a primeira onda pandêmica, lotaram os
espaços públicos para comemorar a queima de fogos de artifício no dia 4 de
julho.
No entanto,
entre julho e novembro de 2021 se iniciou uma redução no ritmo de crescimento
das vacinas administradas, demonstrando que existe um teto para o número de norte-americanos
que aceitam ser incluídos no processo de vacinação contra o Covid-19. Atualmente,
o número de pessoas totalmente vacinadas nos Estados Unidos se aproxima ao
número de pessoas que receberam a primeira dose, demonstrando um espaço de rejeição
substancial entre os que ainda não se vacinaram.
O uso de regulações
restritivas para os não-vacinados tem sido tímido e o governo tem estudado
meticulosamente se vale ou não a pena tomar medidas mais drásticas, como
proibir a circulação de pessoas em espaços públicos fechados, ambientes de
trabalho, estabelecimentos comerciais e templos religiosos, sob a pena de
perder a popularidade entre aqueles que acham que tem o direito individual de
não se vacinar, colocando em risco suas vidas e as de parte substancial da coletividade.
Poucos estados, como Nova York[iii],
têm adotado o passaporte de vacina para o uso de espaços públicos, como restaurantes,
ou para autorizar o retorno presencial ao trabalho.
No Brasil,
ocorreu o contrário, ou seja, se observou uma ampla disposição das famílias em
se vacinar, apesar do negacionismo do presidente da república e de suas estratégias
de marketing para criar um sentimento contrário à vacinação entre a população
brasileira. Sendo assim, o avanço da vacinação no Brasil tem sido exponencial e
só não foi maior em função de várias disfuncionalidades iniciais, como a falta
de vacinas provocada pelo atraso em negociar acordos do governo com as empresas
farmacêuticas para a compra antecipada e produção nacional de imunobiológicos
para o Covid-19, além de demoras não previstas na produção nacional de vacinas
como a CoronaVac e a Oxford-AstraZeneca. Muitos destes atrasos na negociação de
vacinas ocorreram apesar dos esforços de algumas farmacêuticas, como a Pfizer,
em tentar fechar antecipadamente acordos com o governo que poderiam ter posto o
país numa situação mais segura no início do processo de vacinação.
O aspecto
positivo, no entanto, foi o grande esforço da imprensa, das redes de
comunicação, de algumas mídias sociais e dos governos estaduais e municipais
não alinhados com o governo federal, em conscientizar a população e pressionar
a classe política para avançar com o processo de vacinação e disponibilização
de recursos para a compra e distribuição de vacinas, o que acabou levando o
Brasil a alcançar, em 1º. de novembro de 2021, um número de vacinas
administradas por 100 habitantes (130,4) superior ao existente nos Estados
Unidos (127,0), como se observa no gráfico 3.
O Dilema da Vacinação nos Países Pobres
Nos países mais
pobres e de renda média baixa, como demonstrou o gráfico 2, a vacinação tem
avançado a passos muito lentos. Em 27 de novembro de 2011, por exemplo, o
número de vacinas administradas nos países de renda média baixa era em torno de
70 por 100 habitantes, enquanto que nos países de renda baixa era de apenas 8
por 100 habitantes.
Os países de
renda alta e de renda média alta tiveram mais do dobro de vacinas administradas
por 100 habitantes do que o registrado nos países de renda média baixa em 27 de
novembro de 2011 (em torno de 148 por 100 habitantes). Enquanto isso, os países
de renda baixa tinham, nesta mesma data, níveis de administração de vacinas
equivalentes aos registrados em 1º de fevereiro de 2021 nos países de renda
alta. Isso pode indicar que, apesar de sua importância, os mecanismos de
disponibilização de vacinas para os países mais pobres, como o COVAX,
administrado por um consórcio de instituições multilaterais e-bilaterais
liderados pela OMS, não têm sido suficientes para reduzir o fosso de cobertura entre
as necessidades de vacinação e a disponibilidade de vacinas nos países mais
pobres[iv].
Tudo isso, está associado, a vários fatores, cabendo destacar:
·
Primeiramente, a absorção de grande
parte da produção de vacinas do Covid-19 pelos países de renda alta e de renda
média alta, os quais tem poder de compra e disponibilidade de recursos para
adquirir e estocar mais vacinas do que necessitam, em detrimento dos países de
renda média baixa e renda baixa, que além das dificuldades financeiras,
técnicas e operacionais para comprar, estocar e administrar vacinas, dependem
da ajuda dos organismos multilaterais e da caridade dos países ricos para
adquirir vacinas para seus cidadãos;
· Em segundo lugar, pelo fato de que há
um forte desconhecimento das necessidades de vacinação nos países mais pobres. Segundo
estimativas do Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), se
pode dizer que embora o número oficial de mortes globais por Covid 19 esteja em
torno de 5,1 milhões ao fim de Novembro de 2021, o número real do legado de
mortes trazidos pela pandemia foi em torno de 12,2 milhões de vidas (variando
entre 8.6 e 17,7 milhões), e a maior parte das mortes não registradas esteve concentrada
nos países mais pobres. A inexistência de dados e registros consistentes sobre
casos e mortes por Covid-19 se soma à falta de testes para diagnóstico e
infraestrutura de saúde para tratamentos e hospitalizações, acarretando em um
número extraordinário de casos e de mortes não registradas ou declaradas.
O gráfico 4
mostra que existe uma correlação exponencial entre o percentual de registro de
mortes por Covid-19 como proporção das mortes totais pela doença e a renda
per-capita das regiões mundiais, ou seja, quanto mais rica é a região, maior a
capacidade institucional de registrar mortes por Covid-19 e, portanto, de ter
indicadores que possam orientar a ação do governo no sentido de políticas
proativas para orientar a vacinação, além da precisão das medidas de
distanciamento social, hospitalização, alocação de recursos para o combate à
pandemia e tratamento de casos.
Regiões mais
pobres, como a África Subsaariana e a Ásia do Sul, registraram até novembro de
2021 entre 10% e 20% das mortes estimadas por Covid-19. Em um patamar um pouco
mais alto está a Ásia do Leste e Pacífico e o Oriente Médio e Norte da África,
que registram entre 30% e 40% das mortes estimadas. Um pouco mais acima, se encontram
regiões como a América Latina e Caribe e Europa e Ásia Central, que registraram
entre 70% e 80% das mortes. Por fim, a
América do Norte (Estados Unidos e Canadá) foi a região com o melhor desempenho
no registro de mortes por Covid-19, alcançando uma contabilidade de mais de 80%
das mortes estimadas.
A América
Latina e Caribe, como região, teve um bom desempenho relativo no registro de
mortes pela pandemia, sendo, em relação à sua renda per-capita, um ponto fora
da curva apresentada no gráfico 4 quando comparada com as demais regiões
mundiais. Apesar de ter uma renda média per capita equivalente a um terço da
estimada para os países da Europa e Ásia Central, a região apresentou um
desempenho na capacidade de registro de mortes por Covid-19 ligeiramente
superior ao daquela região, o que demonstra um alto nível de confiabilidade nos
sistemas de vigilância epidemiológica montados para o registro de mortes
associadas ao Covid-19.
Já nos países
da África Subsaariana (com algumas exceções) os governos não têm como atender
às necessidades de suas populações frente ao avanço da contaminação pandêmica. Além
de outros graves problemas, como a incidência endêmica de outras doenças
transmissíveis já erradicadas nos países de maior renda, indicadores precários
de desnutrição e mortalidade materna e infantil, se somam às fortes
deficiências nas estruturas de promoção, prevenção e tratamento organizadas
através dos sistemas de saúde locais. Tudo isso tem levado muitos governos africanos
a um negacionismo extremo, à indiferença ou a soluções inefetivas para o combate
à pandemia.
Artigo
recente publicado no The Wall Street Journal reportou que na Tanzânia, o
ex-presidente John Magafuli que morreu em fevereiro de 2021 em decorrência de
complicações de Covid-19, negou a existência da pandemia em seu país, propondo
práticas irresponsáveis como receitar publicamente panaceias para o tratamento
de gripe ou pneumonia e proibindo o registro e a coleta de dados sobre casos e
mortes associados ao Covid-19[v],
além da perseguição política a médicos e entidades que ajudavam as comunidades
pobres a se proteger e a tomar medidas de precaução em relação à pandemia.
A Necessidade de
Vacinar vai Além das Fronteiras Nacionais
Os progressos
da vacinação contra o Covid-19 em 2021, embora tenham sido aquém do desejável,
foram muito importantes para a redução do número de casos graves,
hospitalizações e mortes pela pandemia.
Sabe-se hoje
que as vacinas existentes podem não ser totalmente eficazes na prevenção dos
casos de Covid-19, mas são a melhor forma de evitar casos graves e de hospitalização
pela doença. Um estudo conduzido pelo Center of Diseases Control (CDC)
dos Estados Unidos entre 4 de abril e 2 de outubro de 2021[vi],
demonstrou que uma pessoa não vacinada tem 5,8 vezes mais probabilidade de
contrair Covid-19 e 14 vezes mais risco de mortalidade pela doença do que uma
pessoa totalmente vacinada (ou seja, duas semanas após receber a segunda dose
da vacina), como pode ser visto no gráfico 4[vii].
A vacinação
em massa, portanto, é a melhor aposta para a regressão da contaminação
pandêmica. Mas o esforço de vacinação numa sociedade globalizada, onde as
pressões para a retomada das atividades econômicas e do comércio mundial são a
essência da prosperidade e do combate à pobreza, tem que ser um esforço global,
e não apenas dos países que podem custear a produção de vacinas e a administração
das estratégias de vacinação.
Se os países ricos
e de renda média alta não colaborarem com os organismos multilaterais em buscar
recursos e estratégias para a vacinação dos países mais pobres[viii],
onde o número de casos e de mortes reais pela pandemia é várias vezes superior
ao número de casos e mortes registradas, estarão contribuindo para que o quadro
de risco pandêmico não venha a se reverter tão cedo. E a razão para isso é
muito simples. Nestes países, onde os níveis de contaminação são mais elevados
como resultado dos baixos níveis de vacinação, se geram condições mais
favoráveis para o surgimento de variantes de "interesse" e "preocupação" do Covid-19, dado que um
número maior de organismos humanos infectados aumenta a probabilidade do coronavírus,
ao infectar células e reproduzir-se, produzir erros ao copiar seu próprio material
genético, gerando então novos vírus com mudanças na sequência de RNA. Portanto,
quanto mais pessoas forem infectadas, maior será a taxa de replicação e maiores
são as chances de surgirem novas variantes do Covid-19.
Na ausência
de medidas globais de controle de aeroportos e fronteiras, distanciamento social, uso de
máscaras e vacinação mandatória, as novas variantes que surgem nos países onde a
transmissão é elevada e a vacinação é baixa, novamente passam a correr o mundo e acabam
contaminando as pessoas que não se vacinaram nos países ricos ou até mesmo as
pessoas com vacinação completa, dado que, como mencionamos antes, novas variantes
podem enfraquecer o grau de imunização das vacinas até o momento ministradas.
Assim, a
Variante P1 foi gerada no Amazonas – um estado brasileiro pobre e desigual -
num momento em que enfrentava uma grande crise de contaminação pandêmica. A variante
Delta foi gerada na Índia em condições similares, tomando em consideração que a
Índia, apesar de ter alcançado níveis relativamente elevados de vacinação completa para um país de renda média baixa (32% em 27 de novembro de 2021), apresentava, na mesma data, um registro de
mortes por Covid-19 de 14% do total de mortes estimadas no país, o que demonstra
que o sistema de vigilância ainda é bastante débil.
Toda vez que
o vírus replica no organismo de uma pessoa, há uma chance de surgir uma
variante. Quanto maior a taxa de replicação, e quanto mais pessoas são
infectadas, maiores são as chances de surgirem novas variantes. Mas nem sempre os
países mais pobres têm a possibilidade de identificar estas variantes, dado que
as mesmas dependem de sofisticados sistemas de sequenciamento do genoma do
vírus que não estão disponíveis nestes países.
Portanto, os insuficientes
níveis de vacinação nos países mais pobres, além de abrirem espaço para a criação
de novas variantes do Covid-19, fazem com que a descoberta destas novas
variantes ocorra quando os níveis de infecção das mesmas já atingem níveis comunitários
e são exportados para outros países, o que torna premente a necessidade de
medidas globais que possam facilitar o aumento dos níveis de cobertura vacinal
contra o Covid-19 nos países mais pobres.
O Desafio da Nova Variante Omicron
Desde a
semana passada há notícias, em certo sentido alarmantes, sobre a expansão da
variante Omicron do Covid-19 (Variante B.1.1.529). Identificada inicialmente em
9 de novembro de 2021 em Botswana, a variante foi reportada à OMS pelo sistema
de saúde da África do Sul tendo sido imediatamente classificada como “variante
de preocupação”[ix]
porque em seu sequenciamento genético foi identificado um número muito superior
de mutações quando comparado com qualquer outra variante previamente
identificada. Seguem abaixo algumas das características que marcam esta nova
variante:
- Número de mutações: Cientistas reunidos pela OMS nos últimos dias descobriram
preliminarmente que a variante Omicron tem entre 45 e 52 mutações em seu perfil
genético, mas dessas, foram destacadas como relevantes 26 a 32 mutações que ocorrem na proteína “spike”, a qual estabelece os canais de infecção do vírus nas células humanas na transmissão e desenvolvimento da Covid-19.
- Efeitos das mutações: A
avaliação das novas variantes busca detectar se as mutações são capazes de
tornar o vírus resistente aos efeitos das vacinas, se tornam o vírus mais
transmissível em comparação com as variantes existentes e/ou se aumentam a
severidade e a hospitalização relacionada à doença. Estes temas estão sendo
pesquisados em várias frentes em relação a variante Omicron, mas ainda não há
respostas definitivas. Mas parece que a Omicron aumenta a transmissibilidade da
doença em proporções maiores do que a variante Delta, em função dos resultados
encontrados na África do Sul, expressos no gráfico 6, onde a Omicron
(B.1.1.529) passa a representar quase 75% dos novos casos de Covid-19
registrados na primeira quinzena de novembro de 2021.
- Número de países onde a variante foi
detectada: Até 30 de novembro de 2021 havia a notícia de
que o número de países que identificaram a variante Omicron estava em torno de
20, mas esse número é incerto, dado que a cada hora novas notícias se sobrepõe,
como a identificação, há poucas horas, de 61 dos 624 passageiros em um voo que
chegou em Amsterdã proveniente da África do Sul. Em 1º de dezembro 3 casos já
haviam sido identificados em São Paulo (Brasil) de passageiros oriundos da
África do Sul e Etiópia (noticiado pela rede Bandeirantes), nos Estados Unidos (pelo menos un caso na California). Dos vários casos
já identificados no Reino Unido, seis foram encontrados na Escócia, dos quais
um deles de uma pessoa que não havia viajado para outros países e localidades, criando
suspeitas de que já existe transmissão comunitária.
- A resposta das farmacêuticas e
produtoras de vacinas: As empresas farmacêuticas estão apreensivas,
mas já iniciaram testes em relação a variante Omicron. Mikael Dolstein, cientista
da Pfizer, admite que a Omicron pode exigir novas vacinas se a nova
variante superar a Delta globalmente e reduzir a proteção da vacina atual.
Neste caso, a empresa deverá produzir uma nova vacina que deverá estar pronta
até março de 2022. Paul Burton, diretor médico da Moderna, afirma que a
empresa também poderia lançar uma vacina reformulada contra a variante no
início do próximo ano, embora ainda não esteja claro se novas formulações serão
necessárias ou se as vacinas atuais fornecerão proteção contra a nova variante.
Já os representantes da AstraZeneca afirmaram que estão estudando os
efeitos da vacina na variante Omicron em Botswana e Eswatini para coletar dados,
enfatizando que sua vacina tem se mostrado eficaz em relação a todas as
variantes do SARS CoV-2 até o momento.
Ainda é cedo
para saber se a variante Omicron trará uma nova onda de contaminações, mortes e
restrições à vida cotidiana, afetando ainda mais o crescimento econômico global
e, especialmente, dos países pobres. Mas, pelo menos em minhas reflexões, considero
que a melhor resposta global para evitar um longo e penoso período de doença e
estagnação na economia global, seria aumentar a cobertura de
vacinação em todos os países, tornando mandatório os testes e provas de vacinação
para voos internacionais e investindo pesadamente em níveis globais de
imunização que evitem a circulação do vírus e o surgimento de novas variantes. Isto
exige, fundamentalmente, a responsabilidade e cooperação global para fortalecer
os mecanismos de imunização e os sistemas de saúde dos países mais pobres, de
onde saem hoje as principais variantes da pandemia. Não é apenas uma questão de
solidariedade, mas também de sobrevivência e bem estar dos países ricos. Caso
contrário, teremos que postergar indefinidamente nossas expectativas de retomar
uma rota de crescimento sustentável.
[i] A variante Delta-Plus em países
como a Inglaterra e os Estados Unidos representava cerca de 11% dos novos casos
pandêmicos ao início de novembro de 2021.
[ii] A China, por exemplo,
alcançou em 28 de novembro uma taxa de 1,9 vacinas para cada habitante, tendo
como política explicita a universalização da segunda dose antes do final do ano
em 2021.
[iii] Além de Nova York, que já
adotou o passaporte da vacina, outros estados como Havaí e Illinois estão em
processo de adotar. Enquanto isso, outros estados como Florida, Texas, Georgia,
Tennessee, Missouri e Nebraska se pronunciaram veementemente que não irão
adotar o passaporte ou medidas públicas restritivas contra não vacinados.
[iv] O mecanismo COVAX se dispõe a
distribuir 2,0 bilhões de doses de vacinas para 92 países pobres em 2021 e 1,8
bilhões de doses adicionais em 2022, mas estes números para 2021, até o momento,
não foram alcançados. A estimativa, em setembro deste ano, reflete um total de
1,4 bilhões de vacinas a serem distribuídas. Sobre as projeções iniciais do
COVAX, ver Medici, A.C. (2021), Necessidades de Financiamento Global para Combater
a Pandemia e Disponibilizar a Vacina em 2021, in blog Monitor de Saúde, Ano
15, No. 113, Janeiro de 2021, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2021/01/covid-19-necessidades-de-financiamento.html
[v] Ver Parkinson, J. (2021), “Inside
the World´s Most Blatant Covid-19 Coverup: Secret Burials, a Dead President”
in The Wall Street Journal, published in November 4, 2021.
[vii] O gráfico 4 mostra também que
existe evidência de diferenciais na eficácia relativa das vacinas no número de
casos de Covid-19 na população totalmente vacinada, onde a Moderna e, em
seguida a Pfizer, se posicionaram melhor do que a Janssen.
[viii] Até a data da publicação
deste artigo, os Estados Unidos haviam distribuído, via COVAX, mais de 300
milhões de doses sobrantes de vacinas para países pobres e a China havia se comprometido
a entregar cerca de 1 bilhão de vacinas somente para os países africanos.