Ano 11, Número 86, Junho 2017
Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem atuado em um número cada vez maior de frentes. Como consequência, o orçamento da OMS vem aumentando substancialmente. Entre os biênios 2014-15 e 2016-17, ele cresceu 10,3%, passando de US$3.997,2 para US$4.384,9 milhões. Mas será que as fontes que sustentarão os próximos orçamentos manterão este rítmo de crescimento? A partir de 2017 a OMS, assim como outros organismos internacionais, passarão a enfrentar vários desafios para sua sustentabilidade. A começar pelos cortes que o governo Donald Trump promete fazer nas doações para as Nações Unidas.
Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem atuado em um número cada vez maior de frentes. Como consequência, o orçamento da OMS vem aumentando substancialmente. Entre os biênios 2014-15 e 2016-17, ele cresceu 10,3%, passando de US$3.997,2 para US$4.384,9 milhões. Mas será que as fontes que sustentarão os próximos orçamentos manterão este rítmo de crescimento? A partir de 2017 a OMS, assim como outros organismos internacionais, passarão a enfrentar vários desafios para sua sustentabilidade. A começar pelos cortes que o governo Donald Trump promete fazer nas doações para as Nações Unidas.
E tudo isso acontece num ano onde o bastão da condução da OMS passa
para um dirigente oriundo de um país em desenvolvimento, como o etíope Dr. Tedros Adhamar Gehebreyesus, eleito
Diretor Geral da OMS em fins de maio de 2017, que tomará posse em julho do
mesmo ano. Não é a primeira vez que o mais alto cargo da OMS vai para um
cidadão de um país em desenvolvimento. O primeiro dirigente fora do âmbito dos
países desenvolvidos a atuar como Diretor Geral da OMS foi o brasileiro Marcolino Candau,
que também foi quem ocupou esta posição por mais tempo (1953-1973). Mas
a OMS tem compromissos muito sérios nos dias de hoje, entre eles o de alcançar
até 2030 os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), que incluem a
universalização de cobertura de saúde.
Em artigo recente publicado em seu site “Mundo Século XXI” (3 de junho de 2017), Vitor Gomes Pinto
analisa as eleições recentes da OMS que levaram o etíope Tedros Adhamar
Gehebreyesus ao cargo de Diretor Geral. Vitor Gomes Pinto é doutor em Saúde
Pública, foi Coordenador Geral de Planejamento do Ministério da Saúde e um dos
pioneiros do grupo de saúde do IPEA. Tem escrito vários livros, inclusive romances
e documentários, como ZIM – Uma aventura
no sul da África, Guerra en los Andes e
O Nome do Presidente é Dom Pedro. Reproduzimos o interessante artigo de Vitor para informar aos leitores sobre quem é o novo Diretor Geral da OMS e os desafios que ele enfrentará.
Novo diretor da OMS é um etíope da etnia tigray
Vitor Gómes Pinto
Este ano a escolha de um novo Diretor Geral pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) para substituir pelos próximos cinco anos a
chinesa-canadense Margaret Chan, teve três grandes novidades: eleição
universal incluindo os delegados das 185 nações componentes; o escolhido foi um
africano e, pela primeira vez, um não-médico. O eleito, que tomará posse em 1º
de julho próximo, é Tedros Adhamar Ghebreyesus, um biólogo etíope de 52 anos,
que derrotou no pleito final à médica paquistanesa Sania Nishtar (com 38 votos,
eliminada no 1º escrutínio) e na 3ª. e última volta o médico britânico David
Nabarro por 133 votos contra 50 e duas abstenções (72% quando o mínimo exigido
era de 66%).
Tedros, como é conhecido, em seu país foi Ministro das
Relações Exteriores de 2012 a 2016 e da Saúde de 2005 a 2012, cargo em que
expandiu a rede de serviços e fez esforços para financiar um modelo de
cobertura por empresas de seguro de saúde. Promete fortalecer ações de
respostas emergenciais a epidemias, promover maior diversidade étnica e de
gênero priorizando o acesso a cuidados preventivos às mulheres e ao parto,
combater os efeitos sobre a saúde das mudanças climáticas, incrementar
sistemas de seguro de saúde mesmo nas nações menos desenvolvidas.
No Palácio das Nações de Genebra onde a eleição se
realizou em 23 de maio último, um grande grupo de etíopes teve de ser afastado
pela polícia por protestar em altos brados contra a candidatura de Ghebreyesus
devido à sua ativa participação em um regime fortemente repressor. São Oromos e
Abissínios (Amharas) que juntos constituem quase 70% da população da Etiópia e
são discriminados e reprimidos com crueldade pelos Tigray, uma etnia
minoritária (6,3 milhões de pessoas ou 6% de uma população total de 104
milhões), a elite nacional no poder. Diante do pobre currículo em termos de
respeito aos direitos humanos de Tedros, muitos em Genebra ficaram à espera de
uma declaração mais enfática que o comprometesse neste aspecto, mas ela não
veio. Tedros – por ser um deles – no governo etíope compactuou integralmente
com as políticas discriminatórias adotadas pelos Tigray, mas este não é um
fator relevante na África do passado e de hoje, sendo ignorado pela maioria dos
eleitores na Assembleia Geral da Organização. Da mesma maneira não deram
importância às acusações feitas pelo grupo de Nabarro de que em sua gestão
Tedros encobriu sucessivos surtos de cólera na Etiópia.
Na verdade, a burocracia internacional se comporta
politicamente. Com a omissão dos grandes financiadores da OMS – Fundação
Melinda@Bill Gates, Rotary Internacional e Estados Unidos – o campo ficou livre
para a união da massa de países mais pobres, traduzida numa aliança entre a
União Africana e as comunidades dos países do Pacífico, do Caribe e da A.
Latina. Esse é um fenômeno comum igualmente no Brasil (votou em Tedros), onde
nas eleições para entidades em que o voto de cada Unidade Federada tem o mesmo
valor as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste costumam unir-se por um
candidato que as represente, procurando assim compensar a maior força econômica
das regiões Sudeste e Sul.
De longe o concorrente mais capaz, David Nabarro,
naufragou por representar o Reino Unido, hoje internacionalmente em baixa por
ter aprovado o Brexit, minando a união da Europa e a estabilidade global. Mas,
o problema mais sério é o financiamento. Critica-se a OMS por despender a cada
ano US$ 200 milhões – quase 10% do seu dinheiro – em viagens de executivos, com
frequência em 1ª. classe tanto nos vôos quanto nos hotéis, superando os gastos
com ações contra aids, malária e tuberculose em conjunto. Boa parte do
orçamento é proveniente de doações (como a da Fundação Gates) feitas com
destino pré-definido, o que engessa o orçamento e prejudica inciativas como,
p.ex., o apoio à estruturação de sistemas nacionais de saúde. E agora surge a
disposição de Donald Trump em cortar as dotações dos EUA para entidades
internacionais. Ao congratular Tedros por sua escolha, o Secretário de Saúde
(equivale a ministro) Tom Price não falou em corte de verbas, mas pediu
mudanças na OMS e mais compromisso e transparência nos gastos e prestações de
contas.
Mesmo os perdedores na luta eleitoral se apressam em
cumprimentar o vencedor, desejando-lhe sucesso, pois sabem que a OMS é uma
entidade essencial. Do acerto de suas políticas depende, em boa parte, a saúde
do mundo.