sábado, dezembro 30, 2023

Retrospectiva da Saúde Global em 2023: Algumas Reflexões

 

Ano 18, Número 142, Dezembro de 2023

 

André Medici

O Legado da Pandemia

Tecnicamente, o ano de 2023 foi considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o ano em que a pandemia deixou de ser epidêmica para ser endêmica. Isto significa que as taxas de contaminação pandêmica se reduziram sensivelmente, na média mundial, ao longo do ano. Desde o início da pandemia, de acordo com os dados da OMS, o maior número de casos globais foi registrado na semana de 25 de dezembro de 2022 (44,4 milhões), mas quando se compara esta mesma semana com a mesma semana de 2023, o número de casos registrados caiu para 259,1 mil, o que demonstra uma expressiva redução ao longo do ano (ver gráfico 1).

Gráfico 1 – Número de casos semanais de Covid-19 ao Nível Global:

Janeiro 2020-Dezembro de 2023 (em milhões de casos)

Fonte: OMS, Link: https://data.who.int/dashboards/covid19/cases?n=c

Nos Estados Unidos, a primavera de 2023 registrou as mais baixas taxas de contaminação desde o início da pandemia e o chamado Covid de longo prazo (com uma série de sintomas como confusão mental, além de problemas respiratórios, cardiovasculares e neurológicos), que muitos pensavam ser um problema crescente, se encontra em declínio desde 2022, mas ainda com muitos casos remanescentes e sem grandes perspectivas relacionadas a descoberta de sua causa e tratamento.

Com menos casos pandêmicos, a maioria dos países reverteu o regime de emergência sanitária, tornando possível retomar a produção de serviços de saúde que estava adormecida por conta da redução de demanda por cirurgias e procedimentos ambulatoriais comuns não vinculados à pandemia, mas esse processo não ocorreu de forma similar em todos os países, dado que muitos ainda estão em processo de recuperação da capacidade instalada e da contratação de profissionais de saúde que desertaram, por burnout ou fadiga, ou foram desligados por instituições que descontinuaram temporariamente seus serviços.

O fechamento de hospitais e instalações de saúde e, principalmente, a falta de pessoal de saúde no pós-covid são problemas que podem afetar a expansão e a qualidade dos serviços de saúde nos próximos anos, o que contrasta com a necessidade urgente de profissionais de saúde associada ao envelhecimento da população, a crescente incidência de doenças crônicas e de doenças mentais. Embora não existam dados globais, pode-se dizer que somente nos Estados Unidos, o número de pessoas ocupadas no setor saúde caiu de 16,2 para 14,9 milhões entre abril de 2019 e abril de 2020. Desde então esse percentual vem se recuperando num ambiente de maior rotatividade de empregos e custos mais elevados para o setor[i]. A Europa também enfrenta uma redução relativa do número de profissionais e um envelhecimento de sua força de trabalho em saúde no pós-pandemia, afetando fortemente a capacidade de entrega de serviços. Segundo reportagem do Financial Times, entre 15% e 25% das unidades de tratamento intensivo na Europa foi desativada por falta de pessoal[ii].

Muitos estudos indicam que, os EUA poderão registar um déficit de 200.000 a 450.000 enfermeiros registados até 2025 e uma escassez de mais de 3,2 milhões de trabalhadores de saúde com salários mais baixos, tais como assistentes médicos, auxiliares de saúde e auxiliares de enfermagem, nos próximos cinco anos. Os gerentes do setor devem buscar estratégias para neutralizar os impactos negativos da escassez de mão de obra. Com a expectativa de que tal escassez continue, será importante promulgar políticas que aumentem a oferta de força de trabalho em saúde nos próximos anos para enfrentar os desafios da cobertura universal e do envelhecimento.

 

A Intensificação dos Conflitos Armados

Embora o presente século não tenha sofrido conflitos armados de forma tão intensa como ocorreu no século passado, esta situação se reverteu recentemente na África, no Oriente Médio e na Europa do Leste.

Embora a maior parte dos conflitos armados recentes ocorra em países africanos (96 dos 182 conflitos armados existentes em 2022) estes tem recebido muito pouca atenção, seja das forças de paz das Nações Unidas, seja da imprensa internacional ou dos países no resto do mundo. Existe uma certa tolerância internacional de que neste continente ocorram guerras e conflitos frequentes, e muitos deles podem atingir dimensões dantescas, em termos de vidas perdidas e desastres socioeconômicos.

No entanto, as recentes guerras da Etiópia e Ucrânia e o conflito armado provocado pela invasão do grupo terrorista Hamas à Israel, em 8 de outubro de 2023, inauguram um processo que não se sabe quanto tempo irá durar.

Gráfico 2 – Número de mortes derivadas de conflitos armados

segundo regiões mundiais: 1946-2022

Fonte: Uppsala Conflict Data Program (2023); Peace Research Institute Oslo (2017)

 

Entre 2010 e 2022, o número de conflitos armados ao nível global aumentou de 84 para 182. Ao mesmo tempo, vale mencionar que alguns conflitos podem ser mais letais do que outros. Portanto, o número de conflitos não necessariamente reflete o número de mortes. O gráfico 2 mostra que, entre 2010 e 2022, o número de mortes por conflitos armados aumentou de 21,1mil para 204,0 mil. Os dados para 2023 ainda não fecharam, mas provavelmente atingiram números equivalentes ou maiores do que em 2022.

Ao lado das mortes e dos traumas físicos e mentais trazidos pelos conflitos armados, tem-se ainda a perspectiva de destruição dos sistemas de saúde das regiões afetadas, diminuindo a capacidade de atendimento da população mais carente que depende destes serviços.

 

Problemas de Saúde Mental

Os transtornos mentais têm sido, desde 1990, uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, sem evidências de uma diminuição da carga de doença associada a estas condições. Os estudos existentes têm demonstrado o impacto da pandemia do COVID-19, das guerras e da violência no aumento dos transtornos mentais, especialmente nos últimos dois anos. Análises sobre a carga de doença mostram também o impacto de temas como o abuso sexual durante a infância, a violência doméstica e a vitimização por bullying como fatores de risco para o aumento da incidência de condições de saúde mental.

Dados da OMS demonstram que casos de depressão e ansiedade aumentaram 25% no primeiro ano após o surgimento do Covid-19 e a demanda por serviços de saúde mental continuou elevada ao longo de 2022 em regiões como a América Latina e Caribe, segundo dados recentes do Banco Mundial[iii]. No entanto, apenas 2% dos orçamentos nacionais de saúde – e menos de 1% da ajuda internacional de saúde – são dedicados a essas enfermidades, segundo a OMS. Em 2024, os países deverão aumentar sua resposta em matéria de atenção e financiamento à saúde mental.

De acordo com a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), O Brasil é o país com a maior prevalência de depressão na América Latina[iv], e as principais razões são a falta de acesso a tratamento de qualidade na rede pública de saúde, o estigma social existente em relação aos transtornos mentais e a falta de protocolos de atendimento para vários transtornos mentais, incluindo a depressão.

Em 2023, segundo o Jornal o Globo[v], o Ministério da Saúde ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com investimentos que poderão chegar a R$ 414 milhões no período de um ano. A expectativa é que a RAPS tenha crescimento anual superior a 5% nos próximos quatro anos. O repasse será direcionado para os 2.855 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existentes no país e para os 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT).

 

Os Efeitos das Mudanças Climáticas na Saúde

Mudanças climáticas têm afetado a saúde de milhões de pessoas em todo o mundo e seus efeitos deverão piorar ao longo deste século. Ondas de calor extremo e desastres naturais ceifam a cada ano um número maior de vidas e aumentam as condições de desproteção, especialmente nos países mais pobres. As inundações levam populações a abandonarem as suas casas e afetam sua saúde mental. As secas e as tempestades têm afetado a segurança alimentar e a disponibilidade de água, e os incêndios florestais têm aumentado a poluição atmosférica e a incidência de doenças respiratórias. A preparação para o enfrentamento das mudanças climáticas e desastres naturais é fundamental para mitigar seus impactos crescentes. Políticas de prevenção, baseadas em fontes limpas e alternativas de energia que reduzam as emissões de carbono, poderão contribuir muito para a redução futura dos efeitos deletérios das mudanças climáticas na saúde.

Dados na ONG Save the Children[vi] estimam que pelo menos 12.000 pessoas - 30% mais do que em 2022 - perderam a vida devido a inundações, incêndios florestais, ciclones, tempestades e deslizamentos de terra em todo o mundo ao longo de 2023. A análise demonstra que os países com renda mais baixa foram os que suportaram o maior peso da crise climática em 2023, com mais de metade das pessoas mortas. Quase metade (45%) das mortes por desastres naturais (5.326) ocorreram em países responsáveis por menos de 0,1% das emissões mundiais, de acordo com a Base de Dados de Emissões da UE para a Investigação Atmosférica Global (EDGAR).

A análise mostra que crise climática afeta desproporcionalmente os países que menos fizeram para a causar e que, ao mesmo tempo, são os mais frágeis para resistir aos seus efeitos mais prejudiciais, consolidando ainda mais a desigualdade, a pobreza e impulsionando as migrações internacionais. Os desastres climáticos deixam as crianças sem abrigo, fora da escola, com fome e com medo de que inundações, tempestades e incêndios florestais ceifem a vida dos seus entes queridos.

Como base para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS) até 2030, espera-se que a ênfase das ações dos governos esteja voltada para reduzir as emissões que levam ao aquecimento global. No entanto, apesar das boas intenções reveladas na Conferência Mundial de Mudança do Clima (COP28) em 2023, realizada em Dubai, os acordos que saíram das reuniões que contaram com a presença de mais de 130 países foram considerados demasiadamente modestos.  A solução irá depender dos compromissos dos governos e das empresas petroleiras, onde os interesses econômicos imediatos acabam ficando à frente das necessidades de transformação. Atualmente, as alterações climáticas exigem soluções mais urgentes do que nunca e é necessário prestar muito mais atenção aos impactos na saúde global que deverão ser mitigados através de adaptações ou do aumento da resiliência.

Soluções para os desafíos climáticos serão cada vez mais importantes para melhorar a saúde geral e reforçar o desenvolvimento socioeconómico, especialmente entre os países mais vulneráveis. Novas tecnologias e políticas ambientais poderão apoiar a adaptação climática no futuro, entre elas o uso de culturas agrícolas resistentes à seca, o aumento da vegetação nas cidades para reduzir o efeito estufa urbano e a reorientação da utilização dos solos para adaptação à subida dos níveis do mar.

A poluição atmosférica é um dos principais fatores que afetam a carga global de doença, respondendo por 8% de toda a mortalidade global. Mas na medida em que as soluções para este problema são conhecidas, aumentar a velocidade de redução das fontes de poluição atmosférica salvará vidas desde hoje. Essas soluções aproximarão o mundo dos objetivos de emissões líquidas zero de carbono para, em última análise, enfrentar as causas das mudanças climáticas.

 

Tendências Globais na Universalização da Cobertura de Saúde

Desde a declaração da ONU que instituiu os ODS, o Banco Mundial e a OMS desenvolveram uma métrica para medir o alcance da cobertura universal de saúde (UHC Index)[vii], que é uma medida da proporção da população que pode aceder a serviços essenciais de saúde (indicador ODS 3.8.1) sem enfrentar dificuldades financeiras (indicador ODS 3.8.2). O UHC index, o qual varia de zero a cem, aumentou ao nível glogal, de 45, em 2000, para 68 em 2021.

No entanto, o progresso no aumento da cobertura se abrandou desde 2015, subindo apenas 3 pontos entre 2015 e 2021 e ficando estável a partir de 2019. Provavelmente a pandemia teve uma forte influência na estagnação do score desse índice, criando dificuldades para que os países realizem progressos significativos rumo à cobertura universal de saúde até 2030. A proporção da população que enfrentou níveis catastróficos de despesas correntes com a saúde aumentou continuamente desde 2000. Este padrão global é consistente em todas as regiões e na maioria dos países.

Tanto a OMS como o Banco Mundial não acreditam que o cumprimento da universalização de cobertura de saúde será alcançado até 2030, mas ao mesmo tempo enfatizam que sua consecução está associada ao desenvolvimento de sistemas de saúde eficientes e equitativos, enraizados nas comunidades, com base na atenção primária, com uma força de trabalho qualificada e equipada e com ênfase no enfrentamento dos riscos ambientais e socioeconómicos que afetam a saúde e o bem-estar, incluindo a preparação, resposta e recuperação de emergências sanitárias.

 

Tendências da Inflação em Saúde

Depois do primeiro ano da pandemia, quando houve uma tendência a redução dos preços no setor saúde, ocorre uma pressão global contínua na inflação médica. De acordo com o Relatório da Pesquisa Global de Tendências Médicas de 2023 da WTW, os custos médicos globais deverão aumentar para 9,2% em 2023, depois de um aumento de 8,8% em 2022 e de 8,2% em 2021. Esta tendência ao aumento deverá se manter em 2024, onde a empresa consultora Aon estima o crescimento da inflação médica global ao redor de 10,1%. Este valor difere da estimativa da Price Waterhouse and Coopers (PwC Health Research Institute) que projeta uma tendência global de aumento dos custos médicos de 7,0% em 2024, tanto para os mercados de seguros individuais como para os mercados de seguros coletivos. O relatório da PwC destaca que o setor saúde se encontra sob pressão devido à inflação elevada, ao aumento dos salários e outros custos, que são agravados pela escassez de mão de obra clínica.

 

Fusões, Aquisições e Concentração dos Mercados em Saúde

Apesar da inflação em saúde mais elevada, os analistas dos mercados em saúde estão otimistas em 2024 em relação ao crescimento dos volumes de concentrações, fusões e aquisições. No entanto, mesmo com alguns negócios de alto perfil ocorridos no primeiro semestre do ano nos Estados Unidos, como a aquisição da Signify Health pela CVS e a compra do Grupo LHC pela United Health, a atividade de fusões no setor saúde tem se desacelerado nos últimos anos. Alguns fatores específicos, como a forte procura de cuidados de saúde domiciliários e cuidados paliativos, demonstraram o crescimento seletivo do movimento de aquisições em alguns sub-setores do mercado de saúde.

Os sistemas privados de saúde têm aumentado o volume de fusões e aquisições para permanecerem explorando as potencialidades de mercados mais abrangentes. Uma pesquisa da KPMG em 2023, envolvendo investidores na área da saúde e do setor farmacêutico, revelou que 60% dos entrevistados afirmaram que planeavam intensificar a atividade de fusões e aquisições em 2024, ainda que a inflação e a elevada taxa de juros possam criar pressões desfavoráveis a estes movimentos.

No Brasil, embora o número de fusões e aquisições em 2022 tenha sido 36% menor do que ocorrido em 2021, foram realizadas 53 operações desta natureza nos mercados brasileiros de saúde, englobando hospitais, laboratórios de análises clínicas e as companhias de produtos químicos e farmacêuticos, de acordo com dados da KPMG (ver gráfico 3). Um exemplo deste movimento em 2022 foi a fusão da Rede Dor com a Sul América Seguros de Saúde – um negócio avaliado na época em US$3,1 bilhões.

Mas ainda que os dados não estejam consolidados, pode-se dizer que após esse grande movimento de fusões e aquisições nos mercados de saúde, entre 2019 e 2022, o ano de 2023 parece ter sido mais comedido neste processo, seguindo a desaceleração iniciada em meados de 2022.

 Gráfico 3 – Número de fusões e aquisições do setor saúde no Brasil:

2012-2022




Fonte: KPMG

Além de um cenário menos atrativo para investimentos, a necessidade de consolidação do que foi comprado, com a captura sinergias, esteve no centro das atenções para o setor nos últimos meses no ano que finda. No entanto, com as perspectivas de queda da inflação e cortes nas taxas de juros, é possível que haja uma recuperação deste mercado de fusões e aquisições em saúde em 2024.

 

A gestão de saúde e estratégias disruptivas

Os gestores de saúde se encontraram em um ponto de inflexão em 2023 que vai perdurar ao longo dos próximos anos. Ao mesmo tempo em que são dirigidos a transformar a experiência dos pacientes enfrentam pressões para a sustentabilidade e reestruturação financeira. Muitos operam com modelos de negócios e tecnologias obsoletas e necessitam reformar sua infraestrutura. Neste processo, perdem espaço para start-ups que já são criadas sobre a base de novas tecnologias, saúde digital e inteligência artificial, dando espaço para modelos de cuidados reinventados para dar atendimento remoto e customizado para os pacientes.

Para a maioria das instituições de saúde passa a ser imperativo construir novas capacidades para aumentar sua vantagem competitiva, e cada plano ou sistema de saúde precisa ter sua estratégia para conduzir estas transformações e não correr o risco de ficar ainda mais para trás.

Empresas consultoras como a PwC estimam que, somente nos Estados Unidos, haverá um aumento de receita de US$ 1 trilhão no setor saúde nos próximos cinco anos, baseados em modelos inovadores de financiamento e pagamento aos provedores, como o value-based health care, lastreados na experiência do paciente, na saúde populacional e na sustentabilidade financeira baseada na eficiência e resultados. Maior integração em equipes do trabalho em saúde, com forte apoio tecnológico, será crucial e o uso de big data e analytics serão essenciais nesse processo. Pode-se dizer que, embora algumas dessas tendências já estejam no mercado há alguns anos, a pandemia criou processos que tornaram mais lentos os investimentos e a capacitação necessária para essas transformações.

Em resumo, os próximos anos mostram a necessidade de retomar o setor saúde atacando, pelo menos seis pontos: (i) aumentar o acesso e reduzir os custos setoriais; (ii) digitalizar os cuidados de saúde através do uso de dados e da inteligência artificial; (iii) atrair e reter mais clientes; (iv) repensar o risco do mercado de saúde, enfrentando ataques cibernéticos, novas formas disruptivas de concorrência, continuidade dos negócios em momentos de crise e qualidade e segurança para os pacientes, (v) desenvolver formas criativas de enfrentar a crescente escassez de força de trabalho no setor e (vi) gerar modelos de negócio liderados pela entrega de valor a todos os stakeholders.

Espero que esta seja uma boa leitura para o fim deste conturbado ano de 2023 e desejo a todos um 2024 repleto de criatividade, imaginação e resultados.



[i] Ver artigo da Kaiser Family Foundation (KFF), link: https://www.healthsystemtracker.org/chart-collection/what-are-the-recent-trends-health-sector-employment/#Cumulative%20%%20change%20in%20health%20sector%20and%20non-health%20sector%20employment,%20January%201990%20-%20October%202023

[ii] Neville, S., & Ricozzi, G., Europe’s post-Covid healthcare problem: how staff burnout has hit services. Treatment backlogs and poor recruitment aggravate chronic mismatch between demand and resource, Link: https://www.ft.com/content/109898ac-9a70-4da8-86c1-ac14d1adc1bb

[iv] Ver Organização Pan-Americana da Saúde. Nova Agenda de Saúde Mental para as Américas: Relatório da Comissão de Alto Nível sobre Saúde Mental e COVID-19 da Organização Pan-Americana da Saúde – Resumo executivo. Washington, D.C.: OPAS; 2023. Disponível em: https://doi.org/10.37774/9789275727225

[vi] A Save the Children utilizou a base de dados internacional de catástrofes (EM-DAT) para identificar o número de pessoas mortas em consequência de incêndios florestais, inundações, ciclones e outras tempestades e deslizamentos de terra desde 2019. Secas e extremos de temperatura, embora ligados às alterações climáticas, foram excluídos devido a à dificuldade em capturar todas as mortes atribuídas a estes. A base de dados EM-DAT foi acedida pela última vez em 18 de dezembro de 2023 e abrange até 6 de dezembro de 2023. Dado que os dados de 2023 ainda estão incompletos, as variações homólogas foram calculadas com base nas médias mensais desse ano.

[vii] A definição precisa do UHC Index pode ser encontrada no link: https://unstats.un.org/sdgs/metadata/files/Metadata-03-08-01.pdf

 

domingo, dezembro 17, 2023

A Difícil Caminhada do Financiamento da Saúde no Governo Federal do Brasil

 

Ano 18, Número 141, Dezembro de 2023

André Cezar Medici


Introdução

Em postagem anterior, demonstramos que o Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos de Saúde (SIOPS), criado em 2000 e utilizado para acompanhar os gastos em saúde nos três níveis de governo como forma de verificar o cumprimento da aplicação orçamentária dos mínimos constitucionais de saúde deixou de publicar os gastos federais com saúde desde o último bimestre de 2022[i]. O novo governo que se iniciou 2023, passou o ano inteiro sem divulgar essas informações até dezembro e, como já estamos no meio do mês, é difícil que venha a divulgar neste ano.

Ao mesmo tempo, depois de prometer em campanha que iria reinstaurar a aplicação do mínimo constitucional em saúde de 15% da Receita Líquida de Contribuição (RCL), hoje corre-se o risco de que os gastos federais em saúde fiquem muito aquém desse valor e não tenham nenhum crescimento significativo no ano de 2023.

A caminhada para aumentar o financiamento federal do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido penosa ao longo das duas últimas décadas. Para entender o porquê, mostraremos os meandros desta trajetória ao longo desta postagem.


A Carta Constitucional de 1988

A Constituição de 1988, por não ser seu papel, foi vaga na definição dos recursos para o financiamento do sistema único de saúde (SUS). No Brasil, temas complexos da Constituição necessitam de muita negociação e costumam ser definidos através de leis complementares, normas e regulamentos.

No parágrafo único do artigo 198 da carta constitucional, se encontra a única menção ao financiamento do SUS, com as seguintes palavras: “O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.” Sendo um capítulo da Seguridade Social, o financiamento da saúde teria que advir de várias fontes que foram especificadas no artigo 195, compostas por uma mescla de recursos dos orçamentos das três esferas de governo e de contribuições sociais[ii].

Como já expliquei diversas vezes em meus textos, a hiperinflação em que vivia o país até a vigência do plano cruzado, em 1994, impediu que se tivesse uma definição clara de como seria a real distribuição dos recursos para a saúde no interior do orçamento da seguridade social, dado que em contextos hiperinflacionários orçamentos públicos são peças de ficção e não tem capacidade de orientar a política de gastos públicos[iii]. Portanto, as condições operacionais concretas para definir como seriam determinados os recursos para a saúde somente surgiram no contexto pós-Plano Real.

 

A Emenda Constitucional 29 de 2000

Uma definição mais clara de quanto deveria ser gasto em saúde foi estabelecida por iniciativa do ex-Ministro da Saúde, José Serra, durante o 2º Governo de Fernando Henrique Cardoso, através da Emenda Constitucional No. 29 (EC-29), promulgada em 13 de setembro de 2000. Esta emenda alterou os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescentou um novo artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com o objetivo de assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde e estabelecer os percentuais, os critérios e as modalidades de aplicação de impostos e de vinculação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde. De acordo com o novo texto da Emenda, a União deveria aplicar anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, o valor empenhado no ano anterior, acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Para os estados, o percentual mínimo passa a ser de 12% da arrecadação própria de fontes (impostos e taxas) tributárias estaduais, e para os municípios, de 15% da arrecadação própria de fontes (impostos e taxas) municipais.

Embora esta emenda tenha tido impacto imediato no aumento dos gastos em saúde dos Estados e Municípios, ela manteve algumas indefinições. A primeira estava relacionada ao que são considerados gastos com ações e serviços públicos de saúde, que apresentavam conteúdo vago e impreciso em várias passagens da Lei 8080, de 19 de setembro de 1990[iv], o que permitia, tanto para a União, como para estados e municípios, programar e executar gastos não elegíveis para cumprir o critério da EC-29[v].

A segunda questionava se a variação nominal do PIB seria o melhor critério para calcular o crescimento dos gastos federais em saúde de um ano para o outro, na medida em que em anos de crise haveria a chance de redução real dos gastos com saúde. Várias polêmicas foram travadas ao longo de anos subsequentes à promulgação da EC-29 sobre estas questões, especialmente porque, ao longo do tempo, se observava um crescimento contínuo dos gastos públicos estaduais e municipais, frente a uma perda progressiva de participação relativa do gasto federal no financiamento público à saúde.

 

A Lei Complementar 141 de 2012

Assim, pouco mais de onze anos depois da EC-29, foi promulgada a Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012[vi], que regulamenta o parágrafo 3º do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, definindo o que são e o que não são ações e serviços públicos de saúde (ASPS) [vii], e estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo, revogando disposições contrárias anteriores.

Com uma definição clara do que são e do que não são gastos em ASPS, ficou mais fácil o trabalho de fiscalização dos tribunais de contas da União, estados e municípios para garantir uma aplicação correta dos recursos públicos em saúde.

Mas, na Lei Complementar 141, as aplicações em saúde do governo federal continuaram a ser definidas com o mesmo critério da EC-29, ou seja, o valor empenhado no ano anterior, acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Com isso, caso houvesse um contexto em que o país não tivesse boas perspectivas de crescimento econômico, variações negativas do PIB implicariam em reduções dos gastos federais em saúde.

Desde 2002, todos os governos brasileiros tiveram resistências para implementar a totalidade dos dispositivos da EC-29 ao buscarem maior controle dos gastos governamentais e flexibilidade no uso dos recursos públicos, como forma de usar eventuais excedentes para atender as demandas particulares de parcelas dos poderes Executivo e Legislativo. Mas a resistência dos que defendiam a implementação do SUS continuou a pressionar, tanto do ponto de vista das parcelas minoritárias do legislativo como da sociedade civil, pela possibilidade de aumentar os recursos federais para a saúde.

 

A Emenda Constitucional 86 de 2015

Com esse debate inconcluso entre forças do governo e oposição, passaram-se mais três anos até a promulgação da Emenda Constitucional 86 (EC-86), de 17 de março de 2015, que definiu critérios para a definição dos montantes a serem aplicados em vários itens do orçamento social previsto na Constituição, incluindo a obrigatoriedade de que os recursos públicos federais para a saúde não poderão ser inferiores a 15% da receita de contribuição líquida (RCL) da União[viii], em substituição ao critério anterior que utilizava o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Mas para evitar um comprometimento imediato de elevados recursos do orçamento da União, a EC-86 definiu que o gasto público da saúde somente chegaria aos 15% da RCL[ix] em 2020, sendo que nos anos anteriores, a obrigatoriedade era alcançar 13.2% em 2016; 13.7% em 2017; 14.1% em 2018, 14.7% em 2019 e 15%, somente em 2020.

As fortes deficiências na gestão macroeconômica e a irresponsabilidade fiscal do governo levaram o país à uma grande recessão - a segunda maior dos últimos 50 anos[x]. Com o crescimento exacerbado da dívida pública e das taxas de juros, o governo acabou procedendo a uma série de irregularidades (conhecidas por pedaladas fiscais) que maquiaram o real estado das contas públicas do país, reduzindo a confiança de investidores internos e externos, e aprofundaram ainda mais a crise, terminando por levar ao impeachment de Dilma Roussef que ocupava a Presidência da República.

 

A Emenda Constitucional 95 de 2016

O bastão passou para as mãos do então vice-presidente Michel Temer, que teve que assumir o governo em 12 de maio de 2016, com perspectivas de um colapso catastrófico na economia brasileira, sendo necessária a tomada de medidas de austeridade para estancar os efeitos nefastos do elevado endividamento público, das altas taxas de inflação[xi] e do crescimento negativo da economia. Para evitar que a recessão continuasse em 2017, o governo aprovou em 15 de dezembro de 2016 a Emenda Constitucional 95 (EC-95)[xii], a qual altera a EC-86, com efeitos na determinação do cálculo dos gastos federais em saúde.

A EC-95, também conhecida como novo regime fiscal, instituiu um teto de gastos para todos os recursos do governo federal. Embora ela não tenha alterado diretamente o percentual mínimo de 15% dos recursos do RCL a serem aplicados em saúde, ela limitou o crescimento das despesas primárias[xiii] do governo federal ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) por 20 anos, a partir de 2017. No entanto, o limite de gastos em saúde, que seria de 13,7%, de acordo a EC-86 em 2017, foi antecipado para 15%, passando a ficar restrito a esse patamar a partir de 2017 e nos anos vindouros.

Mas ao limitar o crescimento global do orçamento público federal ao crescimento da inflação medida pelo IPCA, os limites para o crescimento do gasto em saúde passaram a ficar estabelecidos, dado que igualmente não poderiam crescer mais do que o crescimento da inflação nos anos seguintes. Em outras palavras, o crescimento da inflação, aplicado aos valores empenhados do orçamento do ano anterior, passariam a ser os limites para o crescimento do gasto federal em saúde.

A EC-95 teve, “teoricamente”, sua validade vinculada ao final do Governo Michel Temer e todo o Governo Jair Bolsonaro. Mas na prática, não foi isso o que ocorreu. Se observarmos, por exemplo a variação das despesas primárias do governo federal, de acordo com os relatórios resumidos de execução orçamentária (RRE0) do Ministério da Fazenda, durante a gestão Bolsonaro, por exemplo, veremos que ocorreram aumentos nas despesas primárias da União superiores às variações do IPCA em três dos anos daquele governo (2019, 2020 e 2022) e somente em 2021 ocorreu uma variação negativa das despesas primárias (tanto em termos de dotação orçamentária atualizada como em termos de despesas efetivamente pagas), divergindo do crescimento do IPCA do ano anterior, que deveria ser utilizado como trava para o crescimento das despesas (ver tabela 1).

Nesse sentido, se o crescimento das dotações atualizadas e das despesas pagas não seguiram a lógica restritiva imposta pela EC-29, não se pode pensar em nenhuma relação direta dos efeitos da EC-29 nos gastos realizados pelo Governo Federal nos últimos anos. Ao que parece, as dotações orçamentárias e os gastos reais cresceram em proporções mais elevadas do que as variações da inflação, na maior parte dos anos em que a regra da EC-29 tentou ser aplicada, demonstrando o comportamento indomável característicos dos gastos federais.

Tabela 1 – Variação Nominal das Despesas Primárias da União (Dotação Orçamentária Atualizada e Despesas Pagas) e Variação do IPCA (2019-2022)

Anos

Dotação Atualizada

(R$ bilhões)

Variação Nominal (%)

Despesas Pagas

(R$ bilhões)

Variação Nominal (%)

Variação do IPCA no Ano Anterior (%)

2019

1803.3

10.0

1718.6

11.3

3.8

2020

2509.9

39.2

2201.6

28.1

4.3

2021

2088.0

-16.8

1969.5

-10.5

4.5

2022

2381.8

14.1

2265.3

15.0

10.1

Fonte: SIAFI-MF, Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) de dezembro de 2019 a dezembro de 2022.

Certamente, parte deste comportamento esteve associado à necessidade de gastos extraordinários para complementar renda das famílias, realizar auxílios para empresas e garantir insumos, vacinas, medicamentos e medidas de saúde pública durante a pandemia do Covid-19, especialmente em 2020. Os gastos em 2021 se reduziram como resultado do forte impacto da crise econômica acarretada pela pandemia que levou a taxas de crescimento negativo do PIB em 2020. Já em 2022 os gastos públicos foram inflados por ser ano de campanha política presidencial. Mas deve-se notar que mesmo antes da pandemia, o ano de 2019 já revelou crescimento, tanto das dotações como das despesas pagas em proporções superiores à variação do IPCA do ano anterior.


A Lei Complementar 200 de 2023 (Novo Arcabouço Fiscal)

Com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, as regras para garantir os investimentos e gastos sociais prometidos pelo novo governo entram em choque com a necessidade de medidas macroeconômicas que permitam retomar a austeridade para que a economia brasileira volte a ter, no futuro, uma trajetória estável de crescimento com baixas taxas de inflação e perspectivas reais de redução das elevadas taxas de juros.

Mas a crítica ao teto de gastos, criado pelo governo Temer através da EC-95, cujas regras, em tese, deveriam ter sido cumpridas durante todo o governo Bolsonaro (mas como demonstrado não ocorreu), foi uma das principais teses da campanha eleitoral que levou o atual presidente a sua apertada vitória no pleito de 2022. Portanto, o cancelamento da EC-29 e a criação de novas regras fiscais, que permitissem aumentar os gastos do governo, mas que, ao mesmo tempo, garantissem níveis de controle do gasto e do endividamento público dentro de metas fiscais estabelecidas, passou a ser um dos principais objetivos da política econômica.

Assim, em 30 de agosto de 2023 foi assinada a Lei Complementar 200, que, em seu caput, institui um regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico[xiv]. Com a eliminação da EC-95, o reajuste das despesas ao gasto empenhado do ano anterior pelo IPCA deixaria de valer, abrindo espaço para que pudesse ser utilizada em sua plenitude a regra vigente na EC-86 que garantiria recursos para a saúde da ordem de 15% da RCL.

No entanto, este processo não parece ser tão fácil assim. Para entender, reproduzo três parágrafos de nossa postagem de 4 de dezembro que explicam bem o assunto[xv]:

A revisão do orçamento federal para 2023 expressa, em certo sentido, o compromisso do atual governo em aumentar os gastos em saúde, já que o orçamento do Ministério da Saúde, entre a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2023, ainda sob responsabilidade do governo anterior, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023, aprovada durante o mandato do anual governo, passou de R$162,9 para R$183,8 bilhões, representando um aumento de recursos superior a R$20 bilhões.

No entanto, alguns problemas adjacentes a consecução das metas do novo arcabouço fiscal tem levado o governo a alterar esse compromisso, pelo menos no curto prazo. Um projeto de lei complementar do poder executivo (PLP 136, de 2023) em tramitação na Câmara dos Deputados, incluiu um dispositivo (artigo 15) que altera a base de cálculo do piso federal das ações e serviços públicos de saúde (ASPS) e modifica o critério de medição da RCL, a qual deixa de ser vinculada à receita realizada do ano anterior e passa a se referir a receita estimada na LOA vigente[xvi]. Esse artifício pode trazer riscos de definhar, ao longo de muitos anos, os recursos do governo federal a serem aplicados em saúde a partir de 2023.

Por outro lado, esse processo parece ser favorável aos controles associados ao novo arcabouço fiscal (Lei Complementar 200, de 2023) e ao cumprimento de suas metas, durante o tempo que for necessário. Ainda nesta linha, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, em 22 de novembro de 2023, que os pisos mínimos constitucionais para as áreas de saúde e educação só deverão ser observados a partir de 2024, buscando atender a um pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que a regra não fosse aplicada em 2023 como forma de evitar transtornos que possam ameaçar o cumprimento das metas fiscais.

Com isso, no próximo ano (2024) se espera que o gasto federal em saúde atinja de 15% da RCL da União, mas o compromisso em aplicar esse percentual em 2023 foi rompido pelo atual governo, quebrando a promessa durante a campanha eleitoral.

 

Análise comparativa dos dados de gastos federais com saúde 2012-2022 (SIOPS x RREOs)

Considerando-se que os dados sobre gastos federais em saúde do SIOPS, não estiveram disponíveis ao longo de 2023, uma análise alternativa destes gastos (pelo menos até outubro de 2023) poderia ser feita através dos dados dos RREOs. Mas existem importantes diferenças metodológicas no critério de apuração de gastos em saúde entre o SIOPS e os RREOs que foram especificados através de publicações do Ministério da Saúde que podem ser consultadas para o mapeamento das diferenças[xvii].

De todos os modos, vale a pena registrar que para o cumprimento dos mínimos constitucionais para a apuração do gasto federal em saúde, vale o critério de despesa empenhada utilizado nos RREO e, portanto, os dados do SIOPS sobre despesa executada, ainda que divirjam, não são vinculantes para que o Tribunal de Contas da União (TCU) ou outro organismo possa avaliar se os mínimos foram cumpridos ou não.

As diferenças existentes entre os gastos federais executados, ambos sob o conceito ASPS, pelo SIOPS e pelos RREOs podem ser vistas no gráfico 1.

 Fonte: Ministério da Saúde/SIOPS e Ministério da Fazenda/SIAFI/RREOs

 

Verifica-se que, com exceção do ano 2012 onde os gastos registrados pelos RREOs (despesas empenhadas) foram 2% mais elevados, os gastos de saúde registrados pelo SIOPS (despesas executadas), os gastos registrados pelos RREOs têm sido sistematicamente menores que os do SIOPS com uma diferença que variou entre -7,3% (2021) e -10,5% (2013 e 2018). Essas diferenças podem ser atribuídas, eventualmente, aos critérios utilizados no cálculo e distribuição dos restos a pagar. Mas de qualquer forma, de acordo com os dados, seria mais fácil alcançar o mínimo constitucional de 15% da RCL da União ao utilizar a série do SIOPS do que ao tomar em conta a série do RREOS, que é oficial.


O Comportamento das Receitas Liquidas de Contribuição (RCL) da União

A análise da trajetória do gasto federal em saúde, incluindo o ano de 2023, é importante para que se conheça como se expressa o compromisso do novo governo com suas promessas de elevar os gastos em saúde, mas isso só pode ser feito a partir de algumas reservas.

Primeiramente, como foi mencionado anteriormente, desde o início de 2023, o atual governo parou de divulgar os dados relacionados ao gasto federal em saúde através do Sistema de Informações de Orçamento Público de Saúde (SIOPS) do Ministério da Saúde. Mas os dados sobre o gasto federal em saúde podem ser obtidos através do Ministério da Fazenda[xviii], ainda que com algumas diferenças conceituais que podem afetar, ainda que de forma residual, os resultados.

Em segundo lugar, os dados do Ministério da Fazenda, ainda que sejam apresentados bimestralmente, só estão disponíveis até o quinto bimestre de 2023, correspondendo ao mês de outubro. Dessa forma, foi considerada a série de dados acumulados até outubro de cada ano ao longo do período 2013-2023.

O atual mínimo constitucional em saúde, corresponde a divisão entre os gastos empenhados em saúde (numerador) e a RCL (denominador). A RCL pode ser definida pela diferença entre a receita de contribuições da União, e uma série de deduções de grande magnitude, como as transferências constitucionais e legais (incluindo aquelas para Estados e Municípios), as contribuições de empresas e trabalhadores para a seguridade social, as contribuições para o plano de seguridade social dos servidores federais, incluindo militares, compensações financeiras, contribuições da União para o custeio de pensões e a contribuição do PIS-PASEP. Esses valores, embora sofram flutuações, tendem também a crescer ao longo do tempo.

 

Fonte: MF/SIAFI/RREOs do 5o. bimestre (outubro) de 2013 a 2023

 Assim, considerando-se os acumulados entre janeiro-outubro de cada ano, a RCL em 2013 representava 54% da receita de contribuições da União, mas em 2023 ela passou a representar 49%. Dessa forma, a redução do valor do denominador desfavorece o crescimento do valor real dos gastos empenhados em saúde ao considerar-se o percentual mínimo de 15% da RCL.

O gráfico 2 demonstra que a RCL do acumulado janeiro-outubro de 2013 foi a que apresentou o maior volume de recursos em toda a série 2013-2023. Ela sofreu uma forte queda ao longo do período 2013-2017, em função da segunda maior crise econômica dos últimos anos (2015-2016), recuperou-se levemente entre 2017 e 2019, mas voltou a cair fortemente com a crise pandêmica de 2020, voltando a crescer novamente em 2021 e 2022. No entanto, em 2023, ela já começa a revelar sinais de decréscimo em relação ao último ano.

Portanto, desde 2013, em que pesem os progressos na eficiência da máquina de arrecadação federal, uma série de fatores, tais como as crescentes isenções fiscais realizadas pelo governo, levaram o valor real da RCL a se reduzir substancialmente, ainda que tenha ocorrido uma recuperação após o primeiro ano da pandemia (2020) onde o baixo crescimento do PIB influenciou a queda das receitas fiscais


O Comportamento das Despesas Federais Empenhadas com Saúde no Conceito ASPS

Seguindo os critérios estabelecidos pelo MF/SIAFI, se pode dizer que enquanto as receitas são registradas de acordo com um regime de caixa, ou seja, só são consideradas receitas do ano aquelas nele arrecadadas, as despesas são registradas de acordo com o critério da competência, uma vez que são computados no exercício todos os gastos legalmente empenhados, ainda que não sejam pagos no mesmo período. O governo brasileiro trabalha com três conceitos de despesas na análise da execução orçamentária do exercício fiscal de cada ano:

(i)                  As chamadas despesas ou gastos empenhados, referidos a primeira etapa do processo de execução orçamentária, em que ocorre a reserva de recursos para o pagamento de despesas previstas no orçamento. O empenho é um documento que formaliza essa reserva e é utilizado pelo governo para garantir que os recursos necessários para o pagamento das despesas estejam disponíveis no momento adequado;

 

(ii)                 As chamadas despesas ou gastos liquidados, referidos à segunda etapa do processo de execução orçamentária. A liquidação da despesa é, normalmente, processada pelas unidades executoras do governo federal ao receberem o objeto do empenho (o material, serviço, bem ou obra). Trata-se, portanto de uma despesa processada, ou cujo empenho foi entregue ao credor que, por sua vez, forneceu o material, prestou o serviço ou ainda executou a obra, e, dessa forma a despesa foi reconhecida como liquidada. Portanto, quando o serviço é executado, o valor é liquidado.


(iii)               As chamadas despesas pagas, referidas à última etapa do processo de execução orçamentária, são aquelas que, após a liquidação (ou execução do serviço) são pagas ao prestador de serviço, o qual recebe o valor dos serviços concluídos e estes são considerados como valores pagos. No entanto, os dados dos RREOs do Ministério da Fazendo, somente começaram a registrar as despesas pagas a partir de 2019.


Gastos empenhados e não pagos ao longo do ano podem ser pagos no ano seguinte, desde que haja suficiente disponibilidade de caixa para esta finalidade. Mas o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) veda ao gestor público contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro de seu mandato, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Neste sentido, muitos valores empenhados num determinado ano podem não ser liquidadas no ano posterior, mesmo que estejam inscritas como restos a pagar.

Isto cria uma certa fragilidade em considerar o critério de competência ou registrar valores empenhados para determinar mínimos constitucionais da RCL para gastos em saúde, como reza a norma vigente. O mais realista seria a consideração das despesas ou gastos liquidados, dado que estes são os que tem mais legitimidade para serem inscritos, no orçamento do ano seguinte, como restos a pagar.

Os restos a pagar podem ser classificados como despesas processadas e não processadas. São restos a pagar de despesas processadas aquele cujo empenho foi entregue ao credor que, por sua vez, forneceu o material, prestou o serviço ou ainda executou a obra, e a despesa foi considerada liquidada por ter sido cumprido o terceiro estágio correspondente à liquidação, estando na fase do pagamento, sendo considerada, em termos orçamentários, despesa realizada.

O gráfico 3 mostra a evolução das despesas federais com saúde (empenhadas e liquidadas) pelo critério ASPS entre 2013 e 2023 em bilhões de reais de outubro de 2023.

 

Fonte: MF/SIAFI/RREOs do 5o. bimestre (outubro) de 2013 a 2023

Observa-se ao longo do período 2013-2023, e considerando-se os acumulados no ano entre janeiro e outubro, que as despesas liquidadas variaram entre 73,9% e 91,0% das despesas empenhadas. Portanto, em média, pode-se dizer que os gastos liquidados em saúde (que ao nosso ver são mais próximos dos gastos efetivamente realizados) foram bem inferiores aos gastos empenhados e podem dar uma dimensão mais próxima do que efetivamente tem sido aplicado pelo governo em saúde.

Outro tema que deve ser analisado, dado que não temos a série completa anual para 2023 e estamos comparando os gastos acumulados até o quinto bimestre de cada ano, é quanto estes gastos de saúde até outubro representaram do total dos gastos anuais em saúde entre 2013 e 2022, o que pode ser visto no Gráfico 4.

 

Fonte: MF/SIAFI/RREOs do 5o. bimestre (outubro) de 2013 a 2022

 

Verifica-se que estes percentuais podem variar bastante. Por exemplo, em 2016, as despesas federais com saúde empenhadas até outubro representaram quase 99% das despesas com saúde empenhadas em todo o ano, demonstrando que não ocorreram praticamente empenhos no último bimestre do ano. Já em 2020 – primeiro ano da crise pandêmica – as despesas federais empenhadas com saúde até outubro não chegaram a 74% do total do empenho anual, significando que no último bimestre quase 25% do gasto foi empenhado. Percentuais ainda menores podem ser verificados no caso das despesas federais liquidadas em todos os anos da série. Este comportamento torna difícil projetar como se realizará o gasto no último bimestre de 2023, dado o comportamento relativamente errático dos anos anteriores.


Comportamento das Despesas Executadas (SIOPS) e Empenhadas (RREOs) Comparadas com as Dotações Orçamentárias Atualizadas para a Saúde.

É fato conhecido que a dotação orçamentária para o próximo ano fiscal (em geral feita ao início do segundo semestre do ano anterior) costuma ser uma peça de ficção, dado que não contém muitos elementos para a realização de uma projeção sólida das receitas e das despesas. No entanto, a dotação orçamentária atualizada, a qual em geral é realizada também no início do segundo semestre, mas não do ano anterior e sim do ano em curso, costuma ser mais realista.

Mesmo assim, divergências entre a execução e a dotação orçamentária costumam sempre ocorrer em maior ou menor grau. No caso das despesas com saúde, pode-se dizer que essas divergências costumam ser maiores em governos ou em ministérios que tem menor capacidade de gestão e previsão de suas despesas, ou então em momentos em que, por força maior, como ocorreu com a pandemia do Covid-19, gastos imprevistos levam a variações inesperadas das despesas.

Os gráficos 5 e 6 mostram a comparação entre as dotações orçamentárias atualizadas e as despesas executadas (critério SIOPS) e empenhadas (critério RREOs) em saúde do governo federal para o período 2012-2022.

Fonte: Ministério da Saúde/SIOPS

 

                                    Fonte: MF/SIAFI/RREOs, 2012 a 2022

 

Ainda que os dados do SIOPS e dos RREOs apresentem diferenças metodológicas que levem a resultados diferentes tanto nas dotações atualizadas, como nos gastos federias com saúde, em ambos os casos se verifica que em toda a série só há uma maior aderência entre a dotação orçamentária atualizada e os gastos (executados ou empenhados, de acordo com o critério) nos anos de 2016 a 2019. Nos anos anteriores a 2016, o Ministério da Saúde não teve nem a eficiência administrativa nem a capacidade de planejamento para ordenação de despesas e realização do gasto, enquanto nos anos da pandemia (2020 e 2021) ocorreu um forte desequilíbrio entre o que se propôs gastar e o que efetivamente se gastou.

Observa-se que nos anos da pandemia ocorreram basicamente dois fenômenos: (a) um crescimento elevado dos gastos com saúde em função de despesas não previstas como investimentos em capacidade hospitalar, insumos, medicamentos, vacinas e gastos extraordinários de pessoal associados a pandemia, e; (b) uma forte redução da demanda populacional por serviços de saúde que acabou influenciando, tanto no número, como na redução da capacidade de atendimentos ambulatoriais de rotina e cirurgias eletivas do SUS. De acordo com os dados do Sistema de Informações Hospitalares do DATASUS, entre os biênios 2018-19 e 2020-21 ocorreu uma redução média de 9,9% do número de internações hospitalares, enquanto o sistema de informações ambulatoriais registrou, no mesmo período, uma redução de 35,3% do volume de ações de promoção e prevenção do SUS.

De todos os modos, pode-se afirmar que é não apenas um equívoco, mas também uma ingenuidade utilizar dotações orçamentárias como critério para a análise real dos gastos federais com saúde, como tem sido realizado em algumas análises recentes.

 

Os gastos federais em saúde como porcentagem da RCL

Uma análise do percentual da RCL aplicado em gastos federais de saúde de mais longo prazo (2013-2023) pode indicar como se comportou o governo no desempenho do cumprimento da recente norma constitucional de gastar 15% da RCL em despesas federais com saúde.

                                    Fonte: MF/SIAFI/RREOs, out-2013 a out-2023

 

Considerando a norma per se (despesas federais empenhadas como percentagem da RCL) o percentual de 15% no acumulado janeiro-outubro de cada ano foi alcançado entre 2015 e 2017 (ou seja, mesmo ao longo de parte do período de vigência da EC-29), mas deixou de ser alcançado nos anos de 2018 e 2019. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) as despesa federais empenhadas com saúde, superaram em muito os 15% da RCL, mas esses anos, como visto anteriormente, não podem ser utilizados para efeitos de comparação em função dos gastos adicionais com o combate à pandemia e da forte contração da demanda por serviços regulares de saúde.

O mais interessante é que nos dois anos mais recentes (2022 e 2023), o acumulado janeiro-outubro mostra despesas federais com saúde muito inferiores aos patamares constitucionais de 15%, ou seja, 11.5% e 12.4%, respectivamente. Para exemplificar, entre janeiro e outubro de 2023, quando o novo governo prometeu aplicar novamente os 15% da RCL com saúde, foram empenhados apenas R$135 bilhões, mas deveriam ter sido empenhados R$163.4 bilhões. Ou seja, cerca de $28,4 bilhões deixaram de ser gastos, valor suficiente para universalizar a cobertura de parte importante das carências em doenças crônicas nos serviços de atenção primária do país[xix].

Utilizando um critério de aplicação dos 15% da RCL mais próximo ao comportamento real do gasto (como as despesas liquidadas ao invés das empenhadas no acumulado janeiro-outubro de cada ano), pode-se considerar, de acordo com o gráfico 7, que somente nos anos da pandemia (2020 e 2021) esse percentual foi alcançado. Portanto, nesse caso, o percentual da RCL em gastos com saúde liquidados até outubro de 2023 alcançou 10,7% (R$116,7 bilhões) e as perdas acumuladas, corrigidas pelo IPCA de outubro de 2023, em relação aos 15% da RCL, chegariam a R$46,4 bilhões.


 Considerações Finais

Vários fatores fazem crer que em 2023 o governo poderá não cumprir sua promessa de alcançar o percentual de gastos em saúde de 15% da RCL – uma das principais promessas de campanha do governo na área de saúde. Muitos esperam que essa situação possa ser revertida no ano seguinte.  O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 prevê R$ 218,5 bilhões para a Saúde (equivalente a 15% da RCL estimada para aquele ano)[xx], um valor 46% maior que o previsto no PLOA de 2023 (R$ 149,9 bilhões). Mas, como tentou-se demonstrar, previsões orçamentárias se vão ao vento.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece as bases para a PLOA, prevê um crescimento da economia brasileira em 2024 de 2,34%. Mas a última previsão do Boletim FOCUS do Banco Central[xxi] projeta uma taxa de crescimento do PIB de apenas 1.53% para 2024, projeção similar a realizada pelo World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional de Outubro de 2023[xxii]. Ao mesmo tempo, o atual presidente da república vem desmentindo as intenções do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em suas intenções de zerar o déficit público para 2024[xxiii]. Com todos esses fatores, a economia brasileira no próximo ano poderá sofrer reveses que poderão prejudicar o crescimento das receitas nas proporções desejadas, fazendo com que o governo venha a reduzir novamente, o gasto do setor saúde para garantir preferências de gasto indicadas pelos acordos realizados com os poderes Legislativo e Judiciário.

 NOTAS


[i] Ver Medici, A.C., “A Necessidade de Manter a Transparência e Agilidade das Informações sobre Gastos Públicos em Saúde no Brasil”, in Blog Monitor de Saúde, Ano 18, No. 139, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2023/12/a-necessidade-de-manter-transparencia-e.html

[ii] Mais especificamente, o artigo 195 da Constituição, depois de inúmeras emendas constitucionais, menciona como fontes para o financiamento da seguridade social (que inclui previdência social, saúde e assistência social) as seguintes fontes: (1) empregador, empresa e entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, a receita ou o faturamento e o lucro; (2) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social, (3) a receita de concursos e prognósticos, e; (4) o importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. Este artigo, em sua versão atual, ainda detém 14 parágrafos adicionais que apresentam especificações sobre como incidirão estes itens de receita. Aparentemente, a aprovação do novo arcabouço fiscal não modifica as receitas que compõe o orçamento da seguridade social, mas uma reforma tributária mais ampla poderá vir a modificar estes critérios.

[iii] Ver MEDICI, A.C., “O Plano Real e a Viabilidade do SUS” in Blog Monitor da Saúde, Ano 13, No. 95, Julho de 2019, link: https://monitordesaude.blogspot.com/2019/07/o-plano-real-e-viabilidade-do-sus.html

[iv] O texto desta Lei ampliava a possibilidade de interpretar o que se poderia considerar como ações e serviços de saúde, envolvendo temas de alimentação e nutrição, saneamento básico e muitos outros que não deveriam ser considerados estritamente dentro deste conceito, para efeito de comprometimento de recursos públicos.

[v] Nesta época muitas queixas atribuíam que a indefinição do que seriam gastos com ações e serviços públicos de saúde, levava, tanto o governo federal, como os estados e municípios a incluírem no cálculo dos percentuais de gastos com saúde, ações não correspondentes à saúde, tais como centros desportivos, estradas e caminhos para a chegada aos centros de saúde, gastos com merenda escolar e outros.

[vii] De acordo com esta Lei, constituem ASPS os seguintes itens de gasto: vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária; atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais; capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS); desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS; produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos; saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar; saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos; manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças;  investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde; remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais; ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde, e; gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde. Analogamente, não constituem ASPS os seguintes itens de gasto: pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da saúde; pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à referida área; assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal; merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS, ressalvando-se o disposto no inciso II do art. 3º; saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e mantidas com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços públicos instituídos para essa finalidade; limpeza urbana e remoção de resíduos; preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes da Federação ou por entidades não governamentais; ações de assistência social; obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede de saúde, e; ações e serviços públicos de saúde custeados com recursos distintos dos especificados na base de cálculo definida nesta Lei Complementar ou vinculados a fundos específicos distintos daqueles da saúde.

[ix] O conjunto das receitas que compõe a RCL é um indicador financeiro que representa a soma das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidas as transferências constitucionais e legais para outros entes da federação, as contribuições sociais pagas pelos empregados e empregadores, as receitas destinadas ao PIS/PASEP, entre outras deduções. A RCL é utilizada como parâmetro para vários indicadores da gestão fiscal e limite de gastos. É composta por receitas correntes e compreende somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes. São também computados no cálculo da RCL os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Deduzidos do cálculo estão os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, as receitas das contribuições sociais pagas pelos empregados e empregadores e ainda as receitas destinadas ao PIS/PASEP.

[x] A recessão mais profunda da história republicana do Brasil ocorreu entre o primeiro trimestre de 1981 e o primeiro trimestre de 1983, durando 9 trimestres, com uma queda acumulada do PIB de -8,5%. A segunda maior recessão ocorreu entre 2014 e 2016, quando a economia retraiu 8%.

[xi] As taxas de inflação medidas pelo IPCA nos anos de 2014, 2015 e 2016 atingiram patamares de 6,4%, 10,7% e 6,3%, respectivamente.

[xiii] Enquanto as receitas primárias correspondem aos tributos arrecadados, as despesas primárias são os gastos do governo para prover serviços públicos à sociedade, manter as atividades governamentais e realizar investimentos.

[xv] Ver Medici, A.C., “A Necessidade de Manter a Transparência e Agilidade das Informações sobre Gastos Públicos em Saúde no Brasil”, in Blog Monitor de Saúde, Ano 18, No. 139, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2023/12/a-necessidade-de-manter-transparencia-e.html

[xvii] Ver Ministério da Saúde/SIOPS, Manual do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – Orientações Gerais, Link: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/siops/implicacoes-legais/como-declarar-manuais/arquivos/2014/manual-do-rreo-com-codigo-das-contas.pdf

[xviii] Dados dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) do SIAFI, publicados bimestralmente pelo Ministério da Fazenda.

[xix] Logicamente, sob a hipótese de que estas despesas seriam aplicadas dentro de critérios de maior eficiência.

[xx] Ver Brasil, Câmara dos Deputados, Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira - COFF (2023), Raio-X Orçamento de 2024 – PLOA, Link: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/raio-x-do-orcamento/2024/raio-x-ploa-2024-versao-final

[xxi] Banco Central do Brasil, Boletim FOCUS, 8 de dezembro de 2023, link: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus

[xxiii] Ver Castro, Ana Paula (2023), Déficit zero: entenda dificuldades do governo para cumprir a meta de fechar o rombo nas contas públicas, Matéria publicada no Jornal O Globo de 29 de outubro de 2023, Link: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/10/29/deficit-zero-entenda-dificuldades-do-governo-para-cumprir-a-meta-de-fechar-o-rombo-nas-contas-publicas.ghtml