sábado, janeiro 23, 2010

A Saude em Casa e os Planos de Saúde

Ano 5, No. 9, Janeiro de 2010


André Cezar Medici



O último artigo que escrevi neste blog, e que versou sobre a vida e obra do Dr. Juljan Czapski, recebeu alguns comentários sobre as condições que o levaram a sua morte como paciente terminal de cancer. Entre estes comentários está o de Mario Lobato Costa, destacando que, em matéria publicada na Folha de São Paulo de 19 de janeiro de 2010 na seção de cotidiano, foi comentado o fato de que seu Plano de Saúde negou a solicitação de internação domiciliar (home care) feita pela família do Dr. Czapski e por seu médico particular.

Na minha opinião, a solicitação era procedente por dois motivos: primeiro, porque o home care melhoraria a qualidade de vida do paciente, deixando-o em contacto com seus entes queridos enquanto tratado e lhe propiciando uma atenção mais personalizada e adequada aos cuidados paleativos que necessitava, podendo até mesmo prolongar um pouco sua expectativa de vida. Segundo, porquê a opção de home care é atuarialmente muito melhor em casos como esse, dado que envolve potencialmente menores custos (evitando internações hospitalares caras e desnecessárias) que deixariam de ser repassados aos preços pagos pelos usuários de planos de saúde.

O significado do home care

A saúde em casa (ou home care) é uma modalidade assistencial, geralmente destinada a pacientes em condições crônicas, terminais ou de longa permancência, que oferece cuidados, tratamentos, produtos, equipamentos, serviços especializados e específicos para cada paciente, num ambiente que poderia ser a casa, hotéis, resorts, casas de apoio aos idosos ou outros que tem em comum o fato de não serem caraterizados como instituições de saúde.

Segundo o Dr. Edvaldo Leme, em seu site que indicaremos ao final deste artigo, a vantagem do home care consiste no fato de que a condição clínica ou enfermidade do paciente torna-se parte de um plano de tratamento global integrado, cuja finalidade é a ação preventiva, curativa, reabilitadora e/ou paliativa especializada. Poucos serviços de saúde têm estas características. Na modalidade de home care, a metodologia integrada envolve todos os fatores que contribuem para a saúde física, social, espiritual e psicológica do paciente e de quem o cuida. O home care utiliza uma metodologia adequada de questionamento, avaliação, planejamento, implementação, acompanhamento e finalização, de um conjunto de ações diretamente relacionadas com metas de saúde individualizadas e implementadas por uma equipe multidisciplinar.

As Vantagens do Home Care

A literatura que dispõe sobre os benefícios do homecare é vasta e abrangente. Entre as principais vantagens se destacam aquelas de ordem assistencial, econômica e atuarial. No que se refere às vantagens de ordem assistencial geralmente atribuidas ao home care se destacam:

(a) o atendimento às necessidades especiais de paciêntes crônicos, notadamente de terceira idade, reduzindo a exposição a tratamentos invasivos e o estresse propiciado pelo ambiente hospitalar, aumentando sua qualidade de vida. O homecare, no entanto, não substitui o internamento hospitalar, quando o paciente tem uma indicação clínica que necessite dos recursos físicos e profissionais de um hospital, pois nesses casos, o melhor ambiente para ele é sem dúvida, o hospital;

(b) a oferta de um atendimento humanizado e próximo do paciente, sem que essa se distancie do afeto e cuidados de parentes e entes queridos, propiciando um clima psicológico e espiritual mais propenso a recuperação ou à extensão da vida de pacientes terminais em condições normais (sem uso de instrumentos artificiais de prolongamento da vida), através de uma transição mais suave e natural para situações de falecimento;

(c) o aumento das acões promocionais e preventivas em saúde, dado que o sistema de Home Care oferece a oportunidade de intervir beneficamente, na prevenção e tratamento precoces de várias patologias e suas seqüelas, por intermédio da metodologia de capacitação em programas de prevenção para os pacientes e acompanhantes;

(d) a utilização racional de tecnologias, insumos e medicamentos, permitindo uma melhor administração do cuidado, combinada com uma atenção personalizada propiciada por pessoal especializado e dedicado exclusivamente ao paciente sem as complicações, erros das equipes de saúde e infecções hospitalares que normalmente costumam ocorrer em ambientes onde a atenção se dá a inúmeros pacientes em simultâneo;

(e) a transferência de informação sobre o paciente para a família, de forma mas fácil e coordenada, permitindo reduzir a assimetria de informação entre aqueles que representam o paciente e aqueles que representam os serviços de saúde, ao mesmo tempo em que se reduz a perspectiva de erros associados ao desconhecimento dos familiares sobre o estado de saúde do paciente.

Entre as vantagens de ordem econômica e atuarial trazidas pelo home care se destacam:

(a) a redução do custo fixo e variável dos pacientes nos ambientes hospitalares que são internados sem necessitar necessariamente de cuidados hospitalares e que representam, tanto para os planos e seguros de saúde, como para os pacientes e suas famílias, gastos catastróficos e consomem parte considerável dos recursos dos planos e poupanças familiares.

(b) o aumento da competitividade dos planos de saúde que oferecem esta modalidade, não somente por seu impacto na redução dos custos assistenciais, mas também por oferecer uma modalidade cada vez mais reconhecida, valorizada e demandada no mercado de planos de saúde e;

(c) a possibilidade, para os governos, de reduzir gastos públicos em saúde e com isso oferecer os cuidados médico assistencias de forma a aumentar a cobertura, a qualidade e a satisfação dos usuários dos sistemas de saúde com maior satisfação e reconhecimento das ações de saúde oferecidas pelo governo por parte da população beneficiária.

Origem e Desenvolvimento Internacional do Home Care

Segundo distintas fontes de informação, o home care não é uma modalidade assistencial nova, nem no mundo nem no Brasil, mas em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, teve seu apogeu na década de 1920, quando a carga de enfermidade se caracterizava mais por doenças transmissíveis, voltando novamente a crescer das décadas de 1950 e 1960 até hoje.

Sintetizando a linha do tempo do home-care, traçada pelo Dr. Edvaldo Leme, em 1796, uma organização filantrópica norte-americana (Boston Dispensary) já prestava serviços aos pobres enfermos ao invés de hospitalizá-los. Na Inglaterra, o Hospital St. Catherines Royal provia serviços desta natureza em 1848. Missões religiosas na cidade de New York em 1877 prestavam serviços domiciliares de enfermagem aos doentes em suas residências e em 1885 se organizou uma agência de cuidados voluntários em Buffalo (Estado de Nova York) para prestar serviços gratuitos de home care. Na Australia esses serviços são oferecidos desde 1885, especialmente por organizações de enfermeiras.

No inicio do século vinte já se contavam centenas de instituições voluntárias oferecendo serviços de home care nos Estados Unidos, a maior parte associado a cuidados de enfermagem. Em 1912 a Cruz Vermelha dos Estados Unidos passa a oferecer esses serviços, também de forma voluntária, em comunidades rurais norte-americanas e entre 1914-1920, o Plano de Saúde Metropolitan Life tornou disponível para 90% de seus beneficiários nos Estados Unidos e Canadá serviços de home-care.

A relação entre as companhias de seguro e os serviços de home-care começam nos Estados Unidos em 1923, quando a Visiting Nurse Association (VNA) de Wilmington assina contratos com companhias de seguro para receber reembolso por serviços de assistência médica e de enfermagem prestados ao nível domiciliar.

Nas décadas de 1930 e 1940, vários fatores como a rápida redução da mortalidade por doenças transmissíveis, a transição demográfica, a grande depressão seguida pela 2ª. Guerra Mundial e o processo de urbanização fizeram com que a atenção domiciliar declinasse sua importância e os hospitais passassem a aumentar seu escôpo na atenção médica nos Estados Unidos. Mas com o final da guerra e a melhoria das condições de acompanhamento de pacientes crônicos idosos, o homecare volta a ganhar importância no cenário assistencial norte-americano. Seu baixo custo e seu caráter mais humanizado aumentavam sua preferência entre as instituições públicas e privadas de saúde. Em 1952, por exemplo, a VNA assina um convênio com o Social Security Department dos Estados Unidos para serviços de home-care oferecidos a pacientes e em 1956 o Hospital de Delaware contrata a VNA para serviços de home care como parte de reduzir os custos médios com seus segurados em planos assistenciais e desobstruir a demanda por leitos de internação para casos que poderiam ser cuidados por modelos alternativos de cuidado ao paciente.

O renascimento dos serviços de home care nos EUA, durante os anos cinquenta e sessenta, foi fortemente impulsionado pelo fato de que o tratamento baseado no hospital havia se tornado muito caro para os Planos de Saúde e a transição demográfica e epidemiológica levava ao crescimento das doenças crônicas crônicas associadas à terceira idade. Nesse sentido, modalidades mais especializadas de home care começam a surgir como o homecare baseado no hospital, o homecare baseado na comunidade e os serviços de apoio ao lar.

A estratégia de homecare foi um dos principais pilares de sustentação do primeiro programa público de saúde nos Estados Unidos – o MEDICARE, criado em 1966. Funcionando como um seguro de saúde público para populações maiores de 65 anos de idade, que passaram a contribuir compulsoriamente à folha de salários, junto com a contribuição das empresas, a legislação do Medicare prevê benefícios relacionados com o homecare aos seus usuários, principalmente cuidados especializados de enfermagem e terapias de natureza curativa ou de reabilitação para os cidadãos da terceira idade.

No princípio, o credenciamento para o MEDICARE era reservado apenas às instituições sem fins lucrativos e Departamentos de Saúde dos Estados e Condados (Counties), oferecendo terapeutas, auxiliares de enfermagem e pessoas que auxiliavam nos serviços diários do lar. Assistentes sociais e nutricionistas começaram a fazer parte da equipe de homecare, como um serviço coberto pelos benefícios do Medicare e também do Medicaid, um serviço de assistência médica universal para a população abaixo da linha de pobreza, criado em 1974. A lei do idoso nos EUA tem um programa desenhado para prestar assistência e manter os americanos da terceira idade em seus lares e comunidades, evitando-se a hospitalização desnecessária e de alto custo para o governo. Seguindo a experiência pública norte-americana, muitas empresas de planos de saúde, como a Kaiser Permanente e a Blue Cross- Blue Chield passaram a incorporar as estratégias de home care.

Na década de 1970, o homecare já era visto como uma das melhores estratégias para redução de custos e aumento da qualidade de vida para pacientes de terceria idade e deficientes físicos. As estatísticas de home care nos anos 80 refletem claramente o crescimento desta modalidade: (a) o número de agências credenciadas junto ao Medicare para prestar este tipo de assistência alcançava quase cinco milhares em 1989 e; (b) A percentagem de segurados do Medicare recebendo homecare aumentou de 9% para 18% entre 1981 e 1985.

Esforços para padronizar e criar estándares de qualidade para esses serviços se iniciam com a criação da National Association for Home Care (NAHC) nos anos oitenta e em 1987, o Congresso formou uma comissão de parlamentares que, com apoio de grupos de proteção ao consumidor e da NAHC, definiram políticas e procedimentos de qualificação e pagamento de serviços, permitindo aos programas de homecare prover níveis adequados e regulares de prestações, não somente aos usuários do Medicare, mas também aos dos planos privados de saúde. Os serviços passavam a abranger desde enfermagem até terapias ocupacionais, respiratórias, fonoaudiologia, assistencia social, nutrição, serviços de laboratório, farmácia, exames de imagem e transporte, entre outros.

No entanto, este esforço de padronização e tentativa de melhorar a qualidade do mercado freiou temporariamente a expansão do homecare nos Estados Unidos. Em 1996 a modalidade homecare no interior do Medicare era prestada por 10 mil entidades certificadas para uma população de idosos beneficiários de 3,6 milhões. Em 2000 o número de entidades certificadas se reduziu para 7,1 mil e o de beneficiários para 2,5 milhões.

Mas entre 2000 e 2007 a modalidade de homecare volta a crescer. O número de entidades certificadas chegou a 9,2 mil em 2007 e o número de beneficiários cobertos pelo Medicare cresceu para 3,3 milhões novamente. Os gastos com homecare no Medicare, entre 2000 e 2007, aumentaram de US$ 7,3 bilhões para US$ 14,0 bilhões, acompanhando a tendência geral de crescimento dos custos de saúde nos Estados Unidos que já alcançavam 16% do PIB em 2007. A regulação que levou a melhoria da qualidade trouxe portanto, uma fase de ajuste onde a modalidade homecare reduziu sua oferta, mais a qualidade de vida trazida aos pacientes e o baixo custo que ela representa logo trouxeram novamente sua expansão.

Dado seu baixo custo e sua alta resolutividade, o homecare tem sido também intensivamente utilizado no Medicaid. Entre 1995 e 2004, o número de beneficiários do Medicaid recebendo benefícios de homecare aumentou de 1,6 para 8,4 milhões e os gastos com este programa se expandiram de US$ 9,4 para US$ 37,2 bilhões.

Em 2007, somente no que se refere aos programas públicos, o Estados Unidos gastava mais de US$ 50 bilhões para atender uma população beneficiária que beirava os 12 milhões de indivíduos. Isso representa um gasto percapita anual por beneficiário de pouco mais de US$ 4 mil, comparado à um gasto médio percapita por habitante que, no caso norte-americano, é quase o dobro ao se considerar a totalidade das modalidades assistenciais e a totalidade das pessoas enfermas e sãs.

Os gastos com a modalidade de homecare nos Estados Unidos, tanto nos programas públicos (Medicare e Medicaid) como nos planos de saúde tem permitido o uso de sistemas de pagamento prospectivo e capitação como forma de orientar provisões mais precisas de custos associadas a utilização desta modalidade assistencial. Por todos essas vantagens, a estratégia de homecare – especialmente nos programas públicos – tem sido preservada na reforma de saúde proposta pelo Presidente Barack Obama, assim como tem sido propostos incentivos para sua expansão nos programas privados de seguros e planos de saúde.

O Desenvolvimento do Homecare no Brasil

Serviços similares ao homecare no Brasil começaram a ser oferecidos ao final dos anos sessenta, ainda que restritos a certos temas de vigilância epidemiológica e saúde materno-infantil, no âmbito da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Alguns hospitais publicos como o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, iniciaram pioneiramente atividades de visitação em domicílio. A primeira agência de homecare no Brasil (Geriatrics Homecare) foi fundada no Rio de Janeiro em 1986.

A reforma sanitária brasileira, a Lei 8080 de 1990, cria as bases para a regulamentação da assistência médica domiciliar no Brasil. Assim, nos anos noventa, várias empresas de homecare começam a ser fundadas no Brasil, destacando-se a Medical Personnel Pool, PRONEP e Dal Ben (1992), ADS homecare, Saudelar e Home Istead (1994), Coopenfint e ABEMID (1995) e NADI (Associado ao Hospital das Clínicas da USP em 1996) entre outras. Em 1998 se realiza o primeiro simpósio brasileiro de assistencia domiciliar (SISBRAD) e em 1999 as modalidades de homecare passam a ser oferecidas por planos de saúde como a UNIMED.

Em 2002 o Conselho Federal de Enfermagem aprovou, em sua resolução 270, a regulamentação das empresas de enfermagem que prestam cuidados sob a modalidade de homecare, seguindo-se em 2003 a resolução 1668 do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre os mesmos temas. Em janeiro de 2006 as regras gerais de homecare (assistência médica domiciliar) são regulamentadas pela ANVISA (Resolução FDC 11).

Em 2006 , de acordo com um levantamento feito pelo Núcleo Nacional de Empresas de Assistência Domiciliar (NEAD), o setor contava com 170 empresas especializadas em saúde domiciliar, com um movimento de atendimento mensal médio de 30 mil pacientes. A maioria destas empresas se situava no estado de São Paulo e cerca de 73% dos clientes provinha de planos de saúde. Estima-se que o setor tenha movimentado em 2005 cerca de 240 milhões de reais e o crescimento médio anual do faturamento da modalidade seja de 15%.

Homecare e Programas Públicos de Saúde no Brasil: o PACS e o PSF

O governo federal brasileiro promulgou, em março de 1998, a Portaria 2416, que dispõe sobre internação domiciliar no SUS, reconhecendo que a internação domiciliar proporciona a humanização do atendimento e acompanhamento de pacientes cronicamente dependentes do hospital, e a adequada desospitalização proporciona um maior contato do paciente com a família favorecendo a sua recuperação e diminuindo o risco de infecções hospitalares. No entanto, pouco se têm avançado no uso de homecare pelo SUS nos últimos anos. Mesmo assim, o NEAD estimou que 20% das internações domiciliares prestandas pelas empresas brasileiras de homecare foram pagas pelo SUS.

A estratégia mais próxima do homecare que vem sendo desenvolvida pelo setor público brasileiro, desde o início dos anos noventa, para comunidades de menor renda são os Programas de Agentes Comunitários da Saúde (PACS) e de Saúde da Família (PSF). Eles se caracterizam como estratégias de reorganização da atenção à saúde baseadas em um modelo centrado no usuário, demandando das equipes a incorporação de discussões acerca da necessidade de humanizar a assistência e os cuidados de saúde no Brasil.

Estes programas, que atualmente já alcançam mais da metade da população brasileira, tem sido, na avaliação de muitos, um dos principais responsáveis pela redução da mortalidade infantil e melhoria dos indicadores de acesso e resultado da saúde no Brasil.

No entanto, sómente nos últimos anos eles tem incorporado atividades de acompanhamento de pacientes crônicos de terceira idade, dado que sua prioridade ao início estava nas ações de corte materno infantil e de redução das doenças transmissíveis que são mais presentes entre as populações de menor renda e nas regiões mais pobres do país.

Com o rápido envelhecimento da população e a pobreza urbana da terceira idade nas metrópoles brasileiras, eles terão que concentrar progressivamente sua atenção no atendimento das necessidades destes pacientes e temas como internação domiciliar deverão ser pensados como forma alternativa e custo-efetiva para a substituição das necessidades hospitalares de pacientes crônicos, quando justificável e necessário.

Homecare e Planos de Saúde no Brasil

Já no caso dos planos de saúde, a regulamentação existente na Agência Nascional de Saúde Suplementar (ANS) não tem sido abrangente e precisa sobre o tema. Seria necessário que esta pudesse avançar nos aspectos de regulamentação dos planos e seguros de saúde, permitindo aos contratos serem mais explícitos sobre a necessidade de homecare e sobre os critérios de quando esta modalidade deve ser justificadamente prestada, para os pacientes. Esta brecha tem permitdo aos planos de saúde praticarem diferentes procedimentos relativos a modalidade de homecare em seus contratos.

Muitos planos de saúde dizem que o homecare não faz parte dos contratos, mas poderiam ser oferecidos voluntariamente pelos planos, caso se justifique, do ponto de vista econômico e assistencial, mas sem definir claramente quais os critérios utilizados para sua inclusão nem as formas de assistência.

Nos Estados Unidos, a melhoria da regulação do homecare para os programas do Medicare em 1996, levou a uma redução da oferta desta modalidade por alguns anos, mais depois o setor, dado seus méritos assistenciais, retomou a sua expansão a partir de 2001.

No caso do Brasil, caberia à ANS, que regula as normas que regem planos de saúde, por princípios de racionalidade e benefício à coletividade, estabelecer regras claras de acesso, inclusão e elegibilidade ao homecare para os beneficiarios dos planos de saúde, bem como suas formas e modalidades de prestação e critérios de remuneração. O uso da capitação entre os contratos de empresas de homecare e planos de saúde poderia beneficiar a todos aqueles que necessitam desta modalidade assistencial, especialmente a população de terceira idade que começará a aumentar rapidamente nos próximos anos.


Sites para consulta

Homecare no Brasil - http://www.portalhomecare.com.br e http://www.homecareplus.com.br/

Homecare nos Estados Unidos - http://www.nahc.org/

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Juljan Czapski: O Cavaleiro da Saúde (1925-2010)

Ano 5, No. 8, Janeiro 2010


André Cezar Medici




Finais dos anos cinqüenta. O país vivia a febre da segunda etapa da industrialização. A economia brasileira crescia a taxas razoáveis, após ser castigada pela relativa estagnação do Governo Café Filho. O Presidente Juscelino Kubitschek havia lançado a sua bandeira: crescer 50 anos em cinco e com isto atrair muitos capitais – nacionais e estrangeiros – para instalar um parque industrial novo e dinâmico. Muitos novos e bons empregos já estavam sendo criados.

A competição para absorver os melhores recursos humanos aumentava e as empresas passavam a oferecer algo mais além dos salários e parcos benefícios assistenciais. Não haviam opções públicas para prestar serviços médicos de qualidade. A assistência à saúde oferecida pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP) era antiquada e deficiente. Não dava conta das necessidades dos empregados nas empresas modernas que se instalavam no país. Os serviços médicos tinham que estar próximos às empresas e dar uma resposta rápida e de qualidade para a recuperação da saúde dos empregados. Além disso, deveriam dar-lhes a certeza de que suas famílias também estariam protegidas quando necessitassem cuidar de sua saúde. Muitas empresas passaram a organizar seus próprios serviços de saúde – especialmente as maiores. Mas a que custo? E as pequenas e médias empresas, como poderiam participar, sem as economias de escala necessárias?

Enquanto isso, um imigrante polônes – Juljan Czapski – fugido do holocausto da 2ª. Guerra Mundial para o interior do Paraná nos anos quarenta com seus pais e irmãos, havia recém terminado o curso de medicina na Universidade de São Paulo. Começou a trabalhar como residente no Hospital das Clínicas sob a supervisão do Professor Ulhoa Cintra. Como o pagamento era pouco, complementava seu salário como médico na Ultragáz – uma das empresas que se perfilava à nova estrutura moderna de benefícios de saúde.

Em 1956, uma greve na Ultragáz levou os donos a cortar os benefícios de saúde. Juljan, como alternativa à perda de emprego e graças a sua grande engenhosidade e capacidade de relacionamento, ofereceu ao dono da Ultragás e a outros empresários que conheceu, uma solução prática e de menor custo para manter a assistência médica de seus empregados: trocar os serviços médicos prestados dentro das empresas, que representavam um alto custo fixo e reduziam a flexibilidade empresarial, pela contratação de uma empresa médica para prover, simultaneamente, serviços de saúde à várias empresas tendo como remuneração um pré-pagamento mensal por empregado.

Como este tipo de empresa ainda não existia no Brasil, e sem saber da existência de experiências similares no exterior, Juljan criou, em 1956, a Policlínica Central – a primeira empresa de medicina de grupo no Brasil, similar em funcionamento às Health Mantainance Organizations norte-americanas que começaram a se estruturar na década de 1930.

O modelo da Policlínica Central no Brasil tem historicamente uma certa equivalência, ao modelo da Kaiser Permanente na California. O número de empresas afiliadas à Policlínica Central cresceu rapidamente. Clientes maiores, como Volkswagen, Chrysler, Simca, Briquedos Estrela e Alcan, passaram a fazer parte da carteira da Policlínica. Logo apareceram outras empresas médicas que foram criadas, seja para competir neste mercado, seja para oferecer os serviços em outras áreas fora do Estado de São Paulo, através de modelos consessionais. Este foi o caso da Policlínica de Porto Alegre, que utilizou o mesmo modelo da Policlínica Central, pagando uma franquia. No início dos anos sessenta, a Policlínica Central já prestava atenção médica a 30 mil vidas.

Ao nascimento da medicina de grupo, se seguiram muitas outras opções de atenção médica gerenciada no Brasil, tais como as cooperativas médicas e os seguros de saúde. Nos anos sessenta e setenta, se estrutura uma oferta de assistência médica que cumpria a grande função de atender às empresas mais bem estruturadas com uma medicina de melhor qualidade para os trabalhadores, funcionando não somente como um benefício importante mas também como um fator de regularidade do trabalho numa economia em crescimento.

Juljan Czapski foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Medicina de Grupo de Empresa – ABRAMGE, em 1966, e foi seu primeiro presidente por 10 anos. Outras associações surgiram para consolidar as instituições de seguro de saúde, as cooperativas médicas (UNIMED) e as próprias empresa de grande porte que não aderiam ao modelo de medicina de grupo, mas mantiveram seus sistemas próprios de saúde.

Ao vender a Policlínica Central, no final dos anos sessenta, Juljan passou a atuar como provedor de saúde (Diretor do Hospital São Jorge) e fez importantes contribuições a várias outras entidades das quais não só fundou, como também promoveu, desde do Sindicato dos Hospitais de São Paulo (SINDHOSP), até a Federação Nacional de Estabelecimentos de Saúde (FENAESS). Participou ativamente das negociações que deram origem a CNS – Confederação Nacional de Saúde, esta última já nos anos noventa.

A debilidade do sistema público de saúde no Brasil levou Juljan a ser um dos negociadores, nos anos sessenta, de convênios entre as empresas e a Previdência Social, após a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1967 que depois se converteram, após a criação do INAMPS - o braço de saúde da Previdência em 1974 – nos convênios INAMPS-EMPRESA. Através destes convênios, as empresas poderiam descontar parte da contribuição à saúde que pagavam para a Previdência e utilizar os recursos na compra de uma saúde de melhor qualidade que a do INPS, como a oferecida pelas distintas opções de atenção médica gerenciada já existentes no mercado.

Mas sua contribuição foi muito além do campo específico da medicina de empresa no Brasil. Sempre com um pé na geração de conhecimento e outro na busca de soluções práticas, Juljan realizou seus estudos de pós-graduação (mestrado e doutorado) na Faculdade de Saúde Pública da USP nos anos sessenta. Seu interesse por temas de saúde envolvia questões de prevenção e promoção, levando-o a defender a medicina preventiva e a atenção primária como forma de dar uma atenção à saúde de baixo custo, boa qualidade e passível de ser universal. Ele foi o único profissional do Brasil a participar na Conferência Mundial de Saúde de Alma Ata, em 1978. A declaração de Alma Ata defendeu a atenção primária como porta única de entrada dos sistemas de saúde.

As preocupações de Juljan iam também para outros temas, como o de sustentabilidade ambiental. Nos anos oitenta ele criou, em Itú (São Paulo), município onde passava os fins de semana, a Associação Ituana de Proteção Ambiental (AIPA) onde promoveu junto à comunidade, questões de educação ambiental e desenvolvimento sustentável, gastando de seus próprios fundos para pôr em prática idéias e gerar soluções que só vinte anos depois estariam no seio das preocupações coletivas.

Num momento onde o Estado não respondia adequadamente pelo setor saúde – como os anos sessenta e setenta – a medicina de empresa e sua fusão com as estratégias de assistência médica da Previdência foi fundamental para aumentar a massa crítica e a qualidade da assistência médica no Brasil. Juljan sempre defendeu o SUS, mas seu espírito crítico fazia com que ele buscasse soluções efetivas e racionais no âmbito deste sistema. Por muitos anos fez parte do Conselho Nacional de Saúde onde contribuiu definitivamente no processo de implementação do SUS.

Conheci Juljan no final dos anos oitenta e nos tornamos muito amigos. Aprendi com ele muita coisa e conheci e compartilhei muitas de suas realizações, sonhos e batalhas. Nos últimos anos de sua vida, Juljan se dedicava a inúmeros temas, dentre eles, a organização do Congresso Latino-Americano de Serviços de Saúde – CLAS-SAUDE, que se realiza anualmente na Feira e Forum Hospitalar, em São Paulo. Também participava ativamente dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde no Estado e Cidade de São Paulo, respectivamente.

Juljan morreu em 12 de janeiro de 2010 aos 84 anos, com muitos ideais e sonhos por cumprir, em uma fase ainda bastante ativa de sua vida. Mas, afinal de contas, sonhos e ideais não envelhecem. As últimas conversas que tivemos passavam, pela viabilização da universalização da saúde e por planos para tornar permanente a contratação de profissionais para dar assistência médica nas regiões desprovidas e remotas, como as áreas rurais, ribeirinhas e indígenas da Amazônia. É imperativo levá-las adiante.

Por tudo o que fez, por seu espírito crítico e atuação estratégica, Juljan Czapski foi uma espécie de Cavaleiro da Saúde no Brasil. Seu carater inovador, suas realizações e capacidade de liderança no setor abriram alas para que a infantaria da saúde, nos setores públicos e empresariais, pudesse passar e conquistar os espaços abertos. Quem mais se beneficiou de suas ideais e atuação foram as classes trabalhadoras num momento crucial da história brasileira, onde a inexistência de uma solução pública para a assistência médica poderia trazer grandes dificuldades à consolidação do mercado de trabalho e do crescimento econômico dos anos cinquenta aos anos setenta.

Links: http://www.hospitalar.com/noticias/not4264.html