segunda-feira, maio 22, 2023

Comentários sobre os Compromissos da Saúde dos Líderes do G7 nas Reuniões de Maio de 2023

Ano 18, No. 134, Maio de 2023

                                                                                                                                             André Medici

 

As reuniões do G7 de Maio de 2023, realizadas em Hiroshima -Japão, foram de grande importância para o alinhamento dos países ricos em questões relacionadas à segurança e desenvolvimento global. A segurança global, hoje em dia, se encontra fortemente ameaçada pela invasão da Rússia à Ucrânia e a manutenção, por parte da Rússia, de uma guerra no território europeu sem precedentes desde a segunda guerra mundial, para aniquilar a Ucrânia e incorporar seu território à combalida e ineficiente economia russa, numa tentativa de recompor aquilo que um dia foi a União Soviética.

As ameaças ao desenvolvimento, além de também estarem relacionadas à esta guerra, estão vinculadas ao contexto pós-pandemia do Covid-19. Neste sentido, seria impossível que esta reunião não se debruçasse sobre os temas de saúde global e sobre a necessidade de fortalecer os mecanismos internacionais de preparação pandêmica, de melhor coordenação entre países para melhorar a assistência à saúde internacional e às necessidades correspondentes de financiamento e de compromissos com as nações em desenvolvimento. No entanto, o tema da saúde não teve a devida focalização pela mídia internacional nesta reunião do G7 em Hiroshima[i].

No dia 20 de maio, como fruto desta reunião, circulou um documento de 40 páginas intitulado “G7 Hiroshima Leaders’ Communiqué”[ii], que dedica 3 páginas à discussão da saúde global e que contém uma série de temas que poderão pautar o desenvolvimento da saúde nestes próximos anos pós-pandemia. O objetivo deste artigo é divulgar esse texto e realizar pequenos comentários sobre o que eles significam. Traduzimos e mantivemos a redação e a sequência original do texto, reproduzindo-o em itálico e fazendo os comentários (em azul) posteriormente a cada um dos temas tratados.

Para melhor entendimento deste informe, sequenciamos o documento nos seguintes temas: (a) Lições da Pandemia e Coordenação para as Respostas Pandêmicas; (b) Aumento dos Recursos para a Saúde Global e Combate a Pandemias; (c) Cooperação com os Países de Média e Baixa Renda para o Combate a Futuras Pandemias; (d) Fortalecimento do Regulamento Sanitário Internacional; (e) Fortalecimento dos Recursos Humanos para a Saúde; (f) Compromisso com a Cobertura Universal à Saúde; (g) Proteção Financeira em Função de Riscos de Saúde; (h) Retomada da Agenda Pré-pandêmica; (i) Coordenação das Parcerias e Governança Global na Área de Saúde; (j) Financiamento para a Cobertura Universal de Saúde; (k) Melhoria da Eficiência Interna dos Gastos em Saúde dos Países; (l) Investimentos em Pesquisa e Inovação em Saúde; (m) Saúde Ambiental, e (n) Saúde Mental.

 

Lições da Pandemia e Coordenação para Respostas Pandêmicas

Renovamos nosso forte compromisso com desenvolver e fortalecer a arquitetura global de saúde (GHA) com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em seu núcleo para futuras emergências de saúde pública para quebrar o ciclo de pânico e negligência, reconhecendo que a pandemia do COVID-19 gerou um impacto sem precedentes na comunidade internacional. Para esse fim, nos comprometemos a aumentar ainda mais o impulso político em direção a uma governança mais coordenada e sustentada ao nível dos líderes para prevenção, preparação e resposta a emergências de saúde (PPR) que garanta legitimidade, representação, equidade e eficácia, observando as discussões em andamento, inclusive a respeito de um novo instrumento sobre PPR pandêmico (OMS CA+), emendas direcionadas ao Regulamento Sanitário Internacional (RSI) e de uma Reunião de Alto Nível (HLM) da Assembleia Geral da ONU (UNGA) sobre PPR pandêmico em setembro de 2023, bem como sobre a necessidade de evitar duplicações e garantir a coerência entre esses processos, destacando o protagonismo da OMS.

Comentário: O regulamento sanitário internacional (RSI), em sua versão atual, foi elaborado pela OMS em 2005[iii].  É um instrumento que estabelece procedimentos para proteção contra a disseminação internacional de doenças. O RSI estabeleceu um prazo curto para sua implementação nos países, mas a realidade mostrou que este prazo não poderia ser cumprido, na maioria dos países, sem a capacitação de pessoal em várias áreas e sem o comprometimento das mais altas esferas dos governos e de recursos financeiros para a sua implementação. Em novembro de 2019 (pouco antes da pandemia) um estudo realizado pela Universidade Johns Hopkins e a Unidade de Inteligência do “The Economist”, publicou um índice de segurança global em saúde que foi aplicado a 195 países em 6 dimensões de risco para pandemias e ameaças de saúde vinculadas ao RSI[iv]. Muitos dos países que alcançaram os melhores escores nesta avaliação preliminar foram os que tiveram enormes falhas na gestão da Pandemia do Covid-19, destacando-se Estados Unidos, Reino Unidos e Brasil[v]. Situações como essa demonstraram a necessidade imperiosa, não apenas de rever o RSI, mas também de apoiar mais diretamente os países, especialmente os de média e baixa renda, para a sua implantação, através de capacitação técnica e financiamento. Emendas ao RSI, especialmente no que se refere a prevenção, preparação e resposta a emergências de saúde, estão programadas para serem discutidas em setembro de 2023. Resta apenas o compromisso dos países, especialmente do G7, em destinar mais recursos para sua implementação, mas para tal os beneficiários terão que ser também mais responsáveis na seriedade deste processo, o que em grande medida não aconteceu com a versão de 2005 do RSI.

Aumento dos Recursos para a Saúde Global e Combate a Pandemias

Também aplaudimos a decisão histórica da 75ª WHA de trabalhar para aumentar a parcela das contribuições fixas para 50% do orçamento base da OMS para 2022-2023 e que leva em consideração a importância do monitoramento das propostas orçamentárias, bem como o progresso das reformas, com vistas a financiar de forma sustentável a organização para cumprir o seu papel de liderança e coordenação na saúde global. Também reafirmamos nosso compromisso de fortalecer a colaboração entre os Ministérios das Finanças e da Saúde para a PPR pandêmica, inclusive por meio do trabalho contínuo e essencial da Força-Tarefa Conjunta de Finanças e Saúde do G20 (JFHTF). Saudamos o lançamento do Fundo Pandêmico (PF) e esperamos a execução bem-sucedida de sua primeira chamada de propostas, bem como incentivamos a participação ativa e o aumento das contribuições para o PF para lograr uma base de doadores mais ampla.

Comentário: Existe um quase consenso entre doadores, países e organismos internacionais que, diante das propostas de cobertura universal e preparação dos países para futuras pandemias e situações emergenciais, o financiamento internacional para a saúde, ainda que elevado, é considerado insuficiente. Em 2019 estima-se que foram gastos US$9,2 trilhões de dólares em saúde ao nível global. Destes recursos, US$7,3 trilhões foram gastos nos países de renda alta e somente US$ 24.8 bilhões nos países de renda baixa. O restante foi gasto nos países de renda média, onde se inclui o Brasil. Para resolver este hiato de necessidades, os recursos para assistência global (doações das entidades filantrópicas e governos dos países ricos) alcançaram, neste mesmo ano, US$43 bilhões de dólares. As promessas de aumento de recursos operacionais para a OMS e o lançamento do fundo pandêmico, com recursos iniciais de US$1,4 bilhões provenientes de vários doadores internacionais foram mencionados no documento como parte deste esforço.

Cooperação com os Países de Média e Baixa Renda para o Combate a Futuras Pandemias

Também nos comprometemos a trabalhar juntos, inclusive compartilhando planos de trabalho e incentivando esforços e rastreando progressos em países prioritários para atingir a meta do G7 de apoiar, pelo menos 100, países de baixa e média renda (LMICs) na implementação das capacidades básicas exigidas pelo RSI, por mais 5 anos até 2027, conforme comprometido em 2022. Também destacamos a necessidade de fortalecer o financiamento para a resposta à pandemia. Para esse fim, nos comprometemos a avaliar minuciosamente como as fontes de financiamento existentes podem ser usadas na resposta à pandemia e a explorar uma estrutura de financiamento emergencial que nos permita complementar os mecanismos existentes por meio de uma melhor coordenação e alocação dos fundos necessários, de maneira rápida e eficiente, em resposta a surtos sem que haja ociosidade no uso desse dinheiro. Nesse sentido, saudamos o Entendimento Compartilhado do G7 sobre Coordenação Finanças-Saúde e Financiamento PPR endossado pelos Ministros das Finanças e da Saúde do G7 em sua sessão conjunta.

Comentários: O GT prevê algumas reformas no financiamento para saúde e segurança globais com base em: (a) reformas para financiar adequadamente a OMS; (b) fortalecer o papel das entidades globais de saúde para preparar e responder a futuros surtos e à resposta pandêmica do Covid-19 ou outras pandemias e; (c) estabelecer um fundo financeiro intermediário de preparação pandêmica conectado aos bancos multilaterais de desenvolvimento e a seus empréstimos para a concessão de subsídios. Este fundo, proposto originalmente pelo G-20,  cumpriria as funções de rever e atualizar os padrões e diretrizes do RSI e de seus instrumentos legais, criar incentivos para que os países dediquem recursos domésticos para a preparação pandêmica e para gerar subsídios dos países ricos para os investimentos na preparação e resposta pandêmica dos países pobres, os quais geram enormes externalidades positivas, e alocar estes recursos em entidades receptoras (públicas ou privadas) que sejam as mais competitivas para gerar respostas adequadas e maiores retornos para estes investimentos[vi].

Fortalecimento do Regulamento Sanitário Internacional

Reafirmando que o fortalecimento das normas e regulamentos internacionais é essencial para aprimorar o PPR pandêmico, guiado pela equidade, reiteramos nosso compromisso de contribuir e manter o ímpeto nas negociações do CA+ da OMS com vistas a adotá-lo até maio de 2024 e nas negociações de emendas direcionadas fortalecer o RSI, juntamente com todas as partes interessadas. Além disso, reiteramos a importância do compartilhamento oportuno, transparente e sistemático de patógenos, dados e informações de maneira segura e protegida, garantindo o respeito às regras relevantes de proteção de dados, para vigilância multissetorial e integrada de ameaças à saúde emergentes e contínuas, tanto em tempos normais e em emergências, de acordo com o Pacto do G7 para a Prontidão Pandêmica.

Comentários: Em dezembro de 2021, em sessão especial da Assembleia Mundial da Saúde, os Estados Membros decidiram criar um Órgão Intergovernamental de Negociação (INB) para redigir e negociar uma convenção, acordo ou outro instrumento internacional para fortalecer, sob a direção da OMS, a prevenção, preparação e resposta a pandemias (referido como CA+ da OMS). Em dezembro de 2022, na terceira reunião da INB, foi apresentado o primeiro rascunho de trabalho do novo RSI, O documento contém um preâmbulo, visão e, em seguida, 8 capítulos, com 38 artigos no total desses capítulos. Os tópicos abordados incluem equidade, fortalecimento e sustentação de capacidades, coordenação, colaboração e cooperação e financiamento para prevenção de pandemias, preparação, resposta e recuperação de sistemas de saúde, compartilhamento oportuno e proteção de dados e outros temas, além de arranjos institucionais necessários para operacionalizar o novo RSI.

Fortalecimento dos Recursos Humanos para a Saúde

Também reconhecemos a importância de fortalecer e manter recursos humanos suficientes e de alta qualidade para a saúde em todo o mundo em todos os momentos, como a saúde pública e a força de trabalho de emergência, incluindo a consideração do Global Health Emergency Corps. Apoiaremos o aprimoramento de uma rede global de especialistas e treinamentos, inclusive por meio de iniciativas como a Academia da OMS, promover o trabalho decente com pagamento igual para trabalho de igual valor e proteger os profissionais de saúde durante emergências e conflitos, entre outros. Reconhecemos o papel integral que a sociedade civil desempenha, inclusive alcançando aqueles em situações vulneráveis, e nos comprometemos a trabalhar juntos para um futuro mais saudável para todos.

Comentários: A pandemia demonstrou a precariedade mundial no tema de recursos humanos para a saúde, passando desde a escassez desses profissionais, até questões como a falta de qualificação, a necessidade de um processo permanente de capacitação e treinamento, além da necessidade de melhores remunerações e da proteção contra o esgotamento físico e mental dos profissionais (burnout) devido a condições extenuantes de trabalho. Um tema não mencionado, mas de extrema relevância é a capacidade dos países de baixa renda em reter profissionais de saúde e evitar a migração internacional destes que acabam buscando salários e condições mais vantajosas nos países do próprio G7, depois de terem sido gastos enormes recursos públicos para sua formação e capacitação em seus países de origem.

Compromisso com a Cobertura Universal à Saúde

Comprometemo-nos a reverter o primeiro declínio global na expectativa de vida em mais de sete décadas, enfatizando a importância de alcançar a cobertura universal de saúde até 2030 e acelerar o progresso em direção ao Objetivo de Desenvolvimento Social (ODS) 3. Renovamos o compromisso de trabalhar ao lado de parceiros globais para ajudar os países a alcançar a cobertura universal de saúde apoiando a atenção primária à saúde (APS) e desenvolver e restaurar serviços essenciais de saúde, para alcançar níveis melhores do que antes da pandemia até o final de 2025, como parte de nosso esforço para fortalecer os sistemas de saúde em tempos normais. Comprometemo-nos a apoiar os países a fortalecer a prestação da APS, inclusive por meio do fortalecimento da força de trabalho em saúde. Também nos comprometemos a apoiar o retorno das taxas de sobrevivência a níveis melhores do que antes da pandemia, inclusive reduzindo a mortalidade materna, neonatal e infantil, de forma consistente com toda a gama de metas e indicadores relacionados aos ODS e a cobertura universal de saúde, nos quais também apoiaremos o progresso.

Comentários: A pandemia do COVID-19 reduziu a expectativa de vida em 2020 nas maiores proporções registradas desde a Segunda Guerra Mundial. A expectativa de vida caiu mais de seis meses em relação a 2019 em 22 dos 29 países analisados em um estudo realizado pela Universidade de Oxford em 2021[vii], que abrangeu Europa, Estados Unidos e Chile. Um dos principais efeitos da pandemia foi a romper os cronogramas de funcionamento dos sistemas mundiais de saúde, cancelando cirurgias eletivas, reduzindo exames de rotina e desestruturando os serviços de saúde. Retomar esse processo é fundamental para o alcance do ODS 3 que tem, entre suas metas, o alcance da cobertura universal de saúde até 2030.

Proteção Financeira em Função de Riscos de Saúde

Reconhecemos a importância da proteção contra riscos financeiros para evitar que as pessoas caiam na pobreza devido aos custos com assistência médica. Para esse fim, endossamos o “Plano Global do G7 para a Agenda de Ação de UHC” e observamos a importância de uma função central global, em apoio a organizações internacionais relevantes, inclusive para financiamento, gestão de conhecimento e recursos humanos em UHC.

Comentários: Uma das principais razões associadas à necessidade de cobertura universal de saúde está associada à proteção financeira das famílias quanto aos chamados gastos catastróficos com saúde. Em muitos países esses gastos acabam levando boa parte das famílias à pobreza, por não haver uma proteção financeira, seja através de um seguro público de saúde ou de política de acesso gratuito a serviços públicos de saúde para os mais pobres. De acordo com a OMS, cerca de 90% de todas as famílias que incorrem em gastos diretos com saúde já estão na linha da pobreza ou abaixo dela, o que mostra a necessidade de isentar os pobres de gastos diretos com saúde.

Retomada da Agenda Pré-pandêmica

Reafirmamos o papel essencial da universalização da cobertura de saúde no enfrentamento de vários desafios de saúde significativamente atrasados pela pandemia, inclusive em contextos humanitários, como o combate a 24 doenças transmissíveis, incluindo HIV/AIDS, tuberculose, hepatite, malária, poliomielite, sarampo, cólera e doenças tropicais negligenciadas. doenças (NTDs), resistência antimicrobiana (AMR), doenças não transmissíveis (DNTs), incluindo condições de saúde mental, e saúde e direitos sexuais e reprodutivos abrangentes (SRHR) para todos, e promover imunização de rotina, envelhecimento saudável e água, saneamento e higiene (LAVAR). Estamos empenhados em liderar pesquisas a esse respeito, inclusive com foco na compreensão das condições pós-COVID-19. Observamos o resultado histórico da 7ª reposição do Fundo Global e saudamos o apoio financeiro do G7 e de outros países para acabar com as epidemias de HIV/AIDS, tuberculose e malária. Pedimos apoio contínuo à Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI) para permanecer no caminho certo para a erradicação da pólio até 2026. Aproveitaremos o sucesso da Cúpula de Nutrição para o Crescimento (N4G) de Tóquio em 2021 para a N4G de Paris em 2024 para melhorar nutrição. Também nos comprometemos a promover ainda mais saúde e direitos sexuais e reprodutivos (SRHR) abrangentes para todos os indivíduos, incluindo saúde materna, neonatal, infantil e adolescente, especialmente em circunstâncias vulneráveis.

Comentários: Com o advento da pandemia, alguns programas de combate a doenças transmissíveis tiveram seu escopo reduzido, aumentando a vulnerabilidade das populações ao aumento dessas doenças. O documento afirma que a reposição de fundos globais deve atuar no sentido de retomar a proteção dessas doenças, assim como outros temas que se agravaram durante a pandemia, como é o caso da saúde mental, do aumento da desnutrição e as questões relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos, saúde materna e neonatal e grupos vulneráveis, como os idosos.

Coordenação das Parcerias e Governança Global na Área de Saúde

Reconhecendo a necessidade crescente de coordenação abrangente e em nível de sistema e alinhamento de parcerias globais de saúde, incluindo as Iniciativas Globais de Saúde e sua interface, tomaremos ações coletivas para evitar a fragmentação e a duplicação, garantir a responsabilidade, maximizar os impactos e reforçar a liderança do país com uma visão para melhorar a governança na saúde global e para apoiar a realização da cobertura universal de saúde. Nesse sentido, aguardamos com expectativa o resultado das Iniciativas do Futuro da Saúde Global.

Comentários: A fragmentação, multiplicidade e duplicação das ações de saúde são os principais fatores que levam a descoordenação e ineficiência dos programas de saúde ao nível dos distintos países. Lutar para a integração entre os sistemas de saúde públicos e privados é o caminho mais adequado para avançar em direção à cobertura universal de saúde. Pesquisadores do Commonwealth Fund entrevistaram mais de 13 mil prestadores de cuidados primários em 11 países – Austrália, Canadá, França, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos – e identificaram as grandes lacunas na coordenação dos cuidados entre médicos de atenção primária, outros provedores e serviços sociais, com especial destaque para os Estados Unidos, onde a descoordenação gera um gasto excessivo e grande ineficiência na prestação de serviços.

Financiamento para a Cobertura Universal de Saúde

Reiteramos nossa determinação de contribuir ainda mais para alcançar a cobertura universal de saúde, inclusive aproveitando ao máximo e garantindo sinergias entre os próximos HLMs da AGNU sobre cobertura universal de saúde, tuberculose e PPR pandêmica. A fim de contribuir para a saúde global na era pós-COVID-19, com o objetivo de apoiar a conquista da cobertura universal de saúde e fortalecer a PPR, destacamos nossas contribuições financeiras totalizando mais de US$ 48 bilhões dos setores público e privado.

Comentários: Com estes valores, os países do G7 retomam os montantes que haviam sido comprometidos em 2019 (US$43 bilhões), dado que estes recursos tiveram reduções importantes durante a pandemia do Covid-19.

Melhoria da Eficiência Interna dos Gastos em Saúde dos Países

Apelamos também a uma maior mobilização de recursos internos, bem como ao uso eficiente dos recursos existentes. Enfatizamos o importante papel do setor privado para o financiamento sustentável na saúde global, inclusive por meio de investimentos de impacto e endossamos a Triplo I (Iniciativa de Investimentos de Impacto) para a Saúde Global

Comentários: Aumento da mobilização interna de recursos e eficiência são fatores fundamentais a serem considerados no financiamento dos gastos em saúde e não dá para pensar em um sem a existência do outro. No entanto, em muitos países ou governos de ideologias coloridas, persiste a ideia de que o argumento da eficiência faz parte do discurso neoliberal e deve ser descartado como propósito essencial de acompanhamento dos sistemas de saúde. Com isso se negam a medir resultados e a buscar a origem dos desperdícios de recursos e dos maus resultados em saúde, sem se perfilarem sobre o tema de como se poderia melhorar a saúde da população para cada unidade de dinheiro investida no setor. 

Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento de Contramedidas Médicas

Reafirmamos que iniciativas inovadoras, incluindo aquelas relacionadas à saúde digital, são fundamentais para fortalecer a GHA e alcançar a cobertura universal de saúde. Reiteraremos a necessidade urgente de promover a inovação e fortalecer a pesquisa e o desenvolvimento de contramedidas médicas (MCMs) seguras, eficazes, de qualidade garantida e acessíveis, conforme sublinhado pela Missão de 100 dias. Comprometemo-nos a melhorar o acesso equitativo ao MCM, inclusive abordando questões relacionadas à fabricação e entrega. Nesse sentido, continuaremos a contribuir com os processos em andamento, inclusive no G20, em um ecossistema de MCM end-to-end, alinhado com as discussões em andamento sobre o CA+ da OMS e que deve contribuir ativamente para a diversificação da produção de MCM e abordar a prioridade das necessidades e expectativas dos parceiros mais vulneráveis, inclusive em termos de governança global, em cooperação com parceiros relevantes, incluindo a OMS, o Banco Mundial, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o 25º Fundo Global, Gavi the Vaccine Alliance, Global Health Innovative Technology (GHIT), Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), Foundation for Innovative New Diagnostics (FIND) e Unitaid and Medicine Patent Pool, organizações regionais e o setor privado. Para esse fim, anunciamos a Visão do G7 Hiroshima para acesso equitativo a MCMs e lançamos a Parceria de Entrega MCM para acesso equitativo (MCDP) para contribuir para um acesso mais equitativo e entrega de MCMs com base nos princípios de equidade, inclusão, eficiência, acessibilidade, qualidade, responsabilidade, agilidade e rapidez. Comprometemo-nos a trabalhar com provedores de financiamento de desenvolvimento, com o objetivo de identificar opções concretas neste verão para fornecer liquidez para organizações globais de saúde adquirirem e entregarem MCMs no início de uma crise. Isso apoia o exercício de mapeamento para o aumento do financiamento a ser conduzido pela OMS e pelo Banco Mundial e apresentado na Força-Tarefa de Finanças e Saúde do G20 e na UNGA HLM, contribuindo para as negociações em andamento sobre o CA+ da OMS.

Comentários: A pandemia reafirmou a necessidade de uma plataforma de contramedidas médicas (MCMs) de para várias doenças, para o rápido desenvolvimento e aplicação, especialmente em países em desenvolvimento que não contam com a produção interna ou a agilidade de aquisição pelos processos internacionais de compra e licitação. É necessário um processo abrangente para conceber tal plataforma, para trazer coerência a um cenário fragmentado de iniciativas, e para garantir que a equidade e as necessidades das populações carentes estejam no centro. Isso envolve, não apenas os temas de produção de insumos básicos e equipamentos para saúde, mas também temas inovadores como os de tecnologia de informação, saúde digital e inteligência artificial a serviço da melhoria na eficiência dos processos na área de saúde. Desde outubro de 2022, a OMS está convocando um processo de design e consulta sobre uma nova plataforma de contramedidas médicas para pandemias, mas esse processo poderia se estender, futuramente, a outras áreas de saúde para a aplicação de MCMs no campo das doenças transmissíveis e crônicas.

Saúde Ambiental

Também reiteramos nosso compromisso de abordar as ameaças globais à saúde, incluindo aquelas exacerbadas pelas mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição por meio de medidas integradas e aplicando uma abordagem holística de “Uma Saúde”. Reconhecendo a rápida escalada da resistência antimicrobiana (AMR) globalmente, continuamos a nos comprometer a explorar e implementar incentivos push and pull para acelerar a P&D de antimicrobianos, bem como promover o acesso e administração de antimicrobianos para seu uso prudente e apropriado em relação ao UNGA HLM sobre AMR em 2024.

Comentários: Mudanças climáticas e desafios ambientais são ameaças crescentes à saúde humana, especialmente porque podem trazer um aumento da resistência antimicrobiana, exigindo pesquisas e soluções para evitar o agravo de doenças transmissíveis em várias áreas do planeta. Existe um consenso estabelecido pelas pesquisas desenvolvidas globalmente que, para evitar impactos catastróficos à saúde e evitar milhões de mortes relacionadas às mudanças climáticas, o mundo deve limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. As emissões anteriores já tornaram inevitável um certo nível de aumento da temperatura global e outras mudanças no clima. No entanto, o aquecimento global de até 1,5°C não é considerado seguro; cada décimo de grau adicional de aquecimento afetará seriamente a vida e a saúde das pessoas.

A crise climática poderá desfazer os últimos cinquenta anos de progresso em desenvolvimento, saúde global e redução da pobreza e ampliar ainda mais as desigualdades de saúde existentes entre e dentro das populações. Isso compromete gravemente a realização da cobertura universal de saúde pelo agravamento da carga de enfermidade e aumento das barreiras geográficas e ambientais existentes ao acesso aos serviços de saúde.

Saúde Mental

Continuamos comprometidos em promover políticas e recursos para cuidar de pessoas que vivem com demência e acolher o desenvolvimento de terapias potencialmente modificadoras da doença para os vários tipos de demência, incluindo a doença de Alzheimer.

Comentários: Embora o tema de saúde mental tenha sido mencionado anteriormente neste documento, ele não abordou de uma forma ampla o imenso problema da saúde mental no contexto pós-pandêmico. A deterioração da saúde mental das populações é, sem dúvida, uma das grandes epidemias que irá requerer um maior compromisso das estruturas e dos recursos para o setor saúde e da coordenação com outros setores sociais ao nível mundial. A saúde mental desempenha um papel fundamental na consecução dos objetivos globais de desenvolvimento e por isso foi incluída como um dos ODS. A depressão é uma das principais causas de incapacidade. O suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Pessoas com condições graves de saúde mental morrem prematuramente devido a condições físicas evitáveis. Além disso, em alguns países, as pessoas com problemas de saúde mental frequentemente sofrem graves violações de direitos humanos, discriminação e estigma.

Muitas condições de saúde mental podem ser tratadas com eficácia a um custo relativamente baixo, mas a diferença entre as pessoas que precisam de cuidados e as que têm acesso aos cuidados permanece substancial. A cobertura efetiva do tratamento permanece extremamente baixa. Em 2019, a OMS lançou a Iniciativa de cobertura universal de saúde mental para garantir o acesso a cuidados de qualidade e acessíveis em 12 países prioritários para mais 100 milhões de pessoas. Esse é, sem dúvida, um tema que deveria estar na agenda de apoio do G7 aos países de renda mais baixa.



[i] Tal fato ocorreu apesar da importância dada ao tema pelo país anfitrião – o Japão – o qual até mesmo negociou com o governo brasileiro um empréstimo equivalente a R$1,08 bilhões para o setor saúde. Sobre a importância e urgência dada ao tema saúde pelo governo japonês na reunião do G7, vale a pena ler o artigo do primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, publicado no The Lancet em abril de 2023. Aí vai o link: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(23)00014-4.pdf

 [ii] A integra do documento pode ser lida (em inglês) no seguinte link: https://static.poder360.com.br/2023/05/comunicado-2-g7-20-03-2023.pdf

 [iii] O Regulamento Sanitário Internacional é um instrumento que estabelece procedimentos para proteção contra a disseminação internacional de doenças. Em sua primeira versão, foi instituído em 1951, com subsequente revisão em 1969 e algumas alterações em 1973 e 1981. A atual versão foi aprovada em 25 de maio de 2005 por mais de 190 países na Assembleia Mundial da OMS.

 [iv]  O índice ranqueia os países a partir de sua capacidade de: (i) prevenção para emergências sanitárias, (ii) capacidade de detectar e reportar casos associados a epidemias, (iii) capacidade rápida de resposta e mitigação de epidemias ou pandemias, (iv) capacidade dos sistemas de saúde em tratar os enfermos por epidemias e pandemias e em proteger os trabalhadores de saúde, (v) capacidade de melhorar, a partir de recomendações e normas internacionais, a resposta do sistema de saúde e financiar os planos de investimento para reduzir as brechas de recursos para a gestão eficiente e eficaz do risco pandêmico, e (vi) reduzir o risco de vulnerabilidade do país para ameaças biológicas globais. O GHS index varia de zero a 100, representando a pior e a melhor situação, respectivamente, no cálculo ponderado destas 6 dimensões e 34 indicadores. De acordo com os surveys realizados o máximo escore máximo alcançado foi 83.

 [v] Uma análise extensiva do que ocorreu com o GSI e, posteriormente, com outros índices que realizaram avaliações da pandemia pode ser encontrada nas postagens que realizei nos últimos anos, particularmente nos seguintes links:  https://monitordesaude.blogspot.com/2020/03/informacoes-preliminares-sobre-o-estado.html, e https://monitordesaude.blogspot.com/2021/02/covid-19-no-brasil-razoes-da-baixa.html

 [vi] Um artigo interesante sobre este tema foi coordenado pelo Center for Global Development (CGD) e pode ser lido no seguinte link: https://www.cgdev.org/sites/default/files/package-reforms-financing-pandemic-preparedness-response-G7.pdf

 [vii] A este respeito, ver Artigo publicado pelo World Economic Forum, https://www.weforum.org/agenda/2021/09/covid-19-pandemic-life-expectancy-health-us/

 

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