Ano 7, No. 44, Outubro 2012
O Blog Monitor de Saúde tem por objetivo levar ao leitor um debate amplo e democrático sobre ideias de como melhorar o setor saúde no Brasil. Pouco a pouco a sociedade civil brasileira vai se apoderando de instrumentos que permitem reduzir a enorme assimetria de informação que existe entre os cidadãos e aqueles que detém o controle da oferta pública ou privada de serviços de saúde. Uma das tarefas essenciais daqueles que podem ajudar a reduzir essa assimetria de informação é utilizar o espaço da internet para difundir informações que permitam empoderar os cidadãos para tomar decisões conscientes e informadas sobre suas escolhas, comportamentos e atitudes na área de saúde.
Muitas
destas tarefas tem sido encampadas por jovens internautas que, com formação
jornalística, começam a tentar esboçar suas críticas e idéias de como construir
uma sociedade melhor na área de saúde. Nesta edição, trazemos a opinião e
Guilherme da Luz, leitor deste blog, que também é editor do site “Planos de
Saúde” (www.planodesaude.net) e que dá sua opinião sobre a crise dos planos
privados de saúde e sua relação com o salário dos médicos. O site ainda se
encontra em seu inicio, mas promete crescer e avançar gerando
transparência e opinião independente sobre este relevante tema para a sociedade
brasileira.
Crise na
saúde no Brasil vai além do setor público (*)
Guilherme
da Luz
A
crise no setor de atendimento prestado pelos planos de saúde leva à discussão
sobre a melhoria do atendimento à saúde no Brasil como um todo. Como consequência
dos protestos de grande número de consumidores insatisfeitos com as filas,
demora na marcação de consultas e realização de exames e cirurgias, a ANS –
Agência Nacional de Saúde Suplementar - tomou a decisão de suspender novas
contratações de usuários para 301 Planos de Saúde administrados por 38 operadoras, incluindo instituições de
grande porte.
Ao
mesmo tempo em que o consumidor tem direito de exigir qualidade, principalmente quando paga
preços elevados, os médicos também exigem ser remunerados à altura
de sua qualificação. Médicos de diversas especialidades pensam em fazer
protestos contra a política de remuneração dos planos de saúde, devido aos valores que
consideram abusivos e humilhantes.
A
equação qualidade x quantidade é antiga e faz parte de todos os processos de
melhoria nos mercados de saúde. Resta saber como será resolvida a questão, pois
o sistema público de saúde raramente oferece opções para quem busca atendimento
personalizado e sem filas. Os salários oferecidos aos médicos, tanto no sistema
público como nos planos privados, ficam abaixo das expectativas. Para um grande número anual de
recém-formados em medicina, este é um desafio na hora em que buscam uma
colocação no mercado de trabalho.
Quando
ouvimos falar sobre a insatisfação dos profissionais de medicina com os seus
honorários nos perguntamos por que o médico ganha mal nos planos de saúde.
Segundo publicação recente da Associação Paulista de Medicina, vemos atualmente
uma inversão da tendência observada ao longo da história. Como resultado de um
longo processo de prática da medicina como profissão liberal, os médicos
costumavam ganhar muito bem em seus consultórios. Entretanto, nas últimas décadas, o crescimento
dos empregos públicos e dos planos de saúde criaram uma nova dinâmica marcada predominantemente pelo
assalariamento, onde a despeito dos empregos públicos que detém, os médicos são
contratados pelas operadoras de planos de saúde com honorários normatizados por
uma tabelas que tem sido crescentemente questionadas pela classe.
As
cooperativas médicas, criadas pioneiramente em Santos nos anos sessenta e
depois consolidadas na Unimed, em 1967, são uma opção diferente da praticada
pelos planos, dado que ainda mantém um maior espaço para a prática liberal dos
médicos em seus consultorios que podem conciliar clientes particulares com o
atendimento dos pacientes de convênios, que antigamente não configuravam o
grosso dos rendimentos, representando uma ajuda às contas do consultório.
Mas
muitos alegam que, mesmo no caso das UNIMEDs, a expansão dos convênios tem
provocado uma maior contratação de médicos, reduzindo sua remuneração por ato e
transferindo maiores excedentes para a administração das cooperativas, ainda
que parte dos recursos excedentes não consumidos como custos seja redistribuido
aos cooperados nas assembléias das UNIMEDs ao fim de cada exercício fiscal. Mas a verdade é
que, o aumento da concorrência tem levado a aumentos de custos (inclusive com
publicidade), redução relativa dos preços dos planos – em parte controlados pela ANS – e
consequentemente remunerações aos médicos que ficam aquém das expectativas.
Para
ajudar a normatizar esse mercado de mão de obra médica especializada no âmbito dos
planos de saúde, a Associação Médica Brasileira (AMB) em 1990 as tabelas de
remuneração para serviços médicos (a famosa tabela da AMB), substituidas nos anos mais recentes pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que já está em sua 5a. edição e que, alem de rankear os procedimentos por complexidade, estima seus valores. As
discussões em torno dos reajustes destas tabelas tem sido sempre acaloradas e
seguem polêmicas até hoje. Por exemplo, o Conselho Federal de Medicina considera a CBHPM um instrumento ético de negociação onde se negociam valores, como os de consultas médicas - hoje fixadas em R$60, mas que pretendem ser aumentadas para R$80. A ANS e o CADE consideram a CBHPM como uma medida saudável para as negociações relativas a hierarquização, mas como mecanismo de fixação de valores é considerada negativa por estes dois órgãos na medida em que engessa os processos de livre negociação.
Num
contexto onde os preços dos planos são controlados, os pacientes assistem,
portanto, a um conflito entre gestores de operadoras e médicos. Muitas são as
sugestões para esse impasse, entre elas a fixação de valores para os
atendimentos, que deveriam ser negociados diretamente entre os usuários e os
planos de saúde, o que transferiria o embate entre Governo e Operadoras para
Usuários e Operadoras. De todos os modos, o pano de fundo para esta discussão
se encontra nos limites do Governo e do Mercado para o reajuste dos planos e na
necessidade de se estabelecer processos mais negociados de reajuste dos custos de produção
(onde se encontra a remuneração dos médicos).
Os Estados Unidos - detentor do maior sistema de saúde baseado na gestão de planos por operadoras - adotam a posição de que os preços dos planos podem ser livremente reajustados pelas operadoras, mas devem ser justificados e inspecionados. Valores reajustados que vão além das tendências de crescimento dos custos e revelam lucros abusivos, são cortados pelos governos estaduais - os reguladores dos planos - e devem se refletir em reduções correspondentes nos preços em anos posteriores. No entanto, no caso do Brasil, o fato de não existir uma política transparente de acompanhamento dos custos do planos de saúde impede que o Governo (e a própria ANS) possa atuar como árbitro nessa discussão e dar mais liberdade e margem de negociação entre operadoras e usuários nos processos de reajuste. A existência de uma rigorosa pratica de fiscalização ex-post de reajustes abusivos é uma saudável política de regulação do mercado privado de planos. Em contra-partida, o controle ex-ante dos preços gera o risco de criar danos profundos e ameaçar, no limite, o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, prejudicando tanto os usuários como os fornecedores (incluindo os médicos).
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(*) O autor agradece os comentarios de Lenir Canamura e Antonio Roberto Batista, alguns dos quais foram incorporados na revisão deste artigo.
Os Estados Unidos - detentor do maior sistema de saúde baseado na gestão de planos por operadoras - adotam a posição de que os preços dos planos podem ser livremente reajustados pelas operadoras, mas devem ser justificados e inspecionados. Valores reajustados que vão além das tendências de crescimento dos custos e revelam lucros abusivos, são cortados pelos governos estaduais - os reguladores dos planos - e devem se refletir em reduções correspondentes nos preços em anos posteriores. No entanto, no caso do Brasil, o fato de não existir uma política transparente de acompanhamento dos custos do planos de saúde impede que o Governo (e a própria ANS) possa atuar como árbitro nessa discussão e dar mais liberdade e margem de negociação entre operadoras e usuários nos processos de reajuste. A existência de uma rigorosa pratica de fiscalização ex-post de reajustes abusivos é uma saudável política de regulação do mercado privado de planos. Em contra-partida, o controle ex-ante dos preços gera o risco de criar danos profundos e ameaçar, no limite, o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, prejudicando tanto os usuários como os fornecedores (incluindo os médicos).
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(*) O autor agradece os comentarios de Lenir Canamura e Antonio Roberto Batista, alguns dos quais foram incorporados na revisão deste artigo.