domingo, janeiro 26, 2014

Os 13 Pontos: Um Convite para Avaliar as Políticas de Saúde de 2011-2014


Ano 8, No. 50, Janeiro 2014


André Medici

 
A política de saúde do Governo Federal nos últimos 4 anos se baseou em um programa elaborado em 2010, que se ordena em treze pontos, ou treze prioridades, de acordo com o documento Mais Saúde para o Brasil Seguir Mudando com Dilma que vocês podem acessar no link indicado[1]. As prioridades são as seguintes:
1.       Prevenção e Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças;
2.       Ampliação do Acesso aos Serviços de Saúde;
3.       Humanização, Acolhimento e Qualidade;
4.       Garantia da Assistencia Farmaceutica;
5.       Saúde da Mulher e da Criança;
6.       Fortalecimento da Saúde Mental, Prevenção e Tratamento do Uso de Drogas;
7.       Melhoria da Infraestrutura da Rede de Atenção à Saúde;
8.       Profissionais Necessários à Saúde dos Brasileiros;
9.       Gestão Eficiente, de Qualidade e Voltada para o Usuário do Sistema;
10.   Financiamento do Setor Compatível com o Crescimento, o Desenvolvimento Econômico e Social do País e as Necessidades do SUS;
11.   Gestão Democrática e Participativa com Controle Social;
12.   Capacidade de Regulação do Estado Brasileiro sobre Diversos Setores Econômicos;
13.   Desenvolvimento e Fortalecimento do Complexo Produtivo da Saúde.

Cada um destes treze pontos apresenta, no documento indicado, alguns destaques que constituem os objetivos que deveriam ser perseguidos em cada uma das áreas. Mas os treze pontos não apresentam objetivos quantitativos expressos em metas, tornando difícil saber qual o ponto de partida (linha de base) e o alcance de cada um dos objetivos. São objetivos sem metas e, portanto, seu alcance real é difícil de ser medido. Por outro lado, são objetivos associados a processos e não a resultados. A maioria dos verbos utilizados no documento são do tipo combater, garantir,articular,  fortalecer, manter, etc. Muito pouco se encontra associado a objetivos do tipo, alcançar, atingir, eliminar ou reduzir. E menos ainda, de tanto, para quanto.  
Em certo sentido, os objetivos do programa buscaram se apoiar mais nos interesses de atores relevantes do sistema do que nas necessidades de saúde da população. A administração baseada em processos se limita a definir os recursos humanos, materiais e financeiros, respondendo com a geração incondicional de empregos, compras públicas, contratos e, com isso, atendendo aos interesses pactados entre os sócios que apoiaram à construção do programa na corrida para as urnas.

Uma administração baseada em resultados também poderá trazer o aumento de empregos e compras públicas. No entanto isso ocorreria como um efeito colateral do que seria necessário para o atingimento destes resultados e não sob a forma de compromissos com os atores que se beneficiam dos processos. Os efeitos no emprego e nas compras públicas estariam determinados pelo empenho do Governo na reversão das condições de saúde e pelo seu compromisso social  com a  solução de problemas que surgem a partir de um diagnóstico  claro e transparente que deveria orientar as açoes e políticas a serem implementadas. Os meios para atingir as metas de resultados devem ser programados, não para responder ao jogo de interesses dos atores responsáveis pelos processos, mas sim para calcular os recursos necessários e sua sustentabilidade fiscal.
Por estes motivos, se torna difícil avaliar  a métrica real dos objetivos de saúde do Governo entre 2011-2014. Eles não aparecem sob a forma de metas mensuráveis. Por exemplo, de acordo com o ponto 2, tanto faz ampliar o acesso aos serviços de saúde em 0,01% como em 100% que o objetivo estaria sendo cumprido. E dos treze objetivos elecandos, este é o único onde o verbo reflete um certo compromisso com resultados.

O quadro abaixo detalha os  objetivos do documento.

Quadro 1

Objetivos Específicos Associados aos Treze Pontos da Proposta Mais Saúde para o Brasil Seguir Mudando com Dilma (2011-2014)

Pontos
Objetivos Especificos
1.        Prenvenção e Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças
1.1     Combater as desigualdades socioeconômicas, articular diferentes políticas públicas, educar e mobilizar a sociedade para a vida saudável;
1.2     Implantar políticas públicas para promoção à saúde (incentivo à prática de atividade física e a alimentação saudável) e para redução da exposição a fatores de riscos (controle do uso do álcool, fumo, uso abusivo de medicamentos) e a articulação dessas ações com a atenção básica;
1.3     Ampliar o Programa de Imunização;
1.4     Fortalecer a Vigilância Sanitária e a vigilância ambiental;
1.5     Manter o combate sistemático das endemias e criar a Força Nacional de Saúde para atendimento às emergências envolvendo desastres naturais como enchentes e deslizamentos.  
1.6     Ampliar a cobertura da população que recebe água fluoretada.
2.        Ampliação do Acesso aos serviços de Saúde
2.1     Garantir plena cobertura de atenção básica combinando Estratégia Saúde da Família e as Unidades Básicas de Saúde, com o reconhecimento das especificidades locorregionais;
2.2     Ampliar a oferta de procedimentos de atenção especializada ambulatorial e hospitalar (exames, consultas, internações, cirurgias e saúde bucal);
2.3     Expandir as Unidades de Pronto Atendimento (UPA);
2.4     Universalizar o SAMU e expandir as centrais de regulação, articuladas com a expansão da oferta de leitos e de procedimentos especializados;
2.5     Implantar Centros Regionais de Diagnósticos do SUS com a atuação de especialistas e exames complementares;
2.6     Implantar Central de Interpretação de Exames de Imagem;
2.7     Manter e Ampliar o Programa Brasil Sorridente;
2.8     Implementar a Política de Atenção à Saúde do Trabalhador;
3.        Humanização, Acolhimento e Qualidade
3.1     Assegurar a qualidade dos serviços de saúde e humanizar as relações e vínculos entre as pessoas, com a redução das filas e do tempo de espera e ampliação do acesso às ações e aos serviços (estratégias de acolhimento, reorganização dos fluxos internos das unidades);
3.2     Incentivar a implantação da Internação Domiciliar e proporcionar a participação do usuário no seu próprio cuidado;
4.        Garantia da Assistencia Farmacêutica
4.1     Ampliar o gasto público com aquisição e distribuição gratuita de medicamentos e fortalecer o Programa Farmácia Popular;
4.2     Atualizar periodicamente as listas de medicamentos do SUS;
4.3     Fortalecer e aumentar a oferta de medicamentos genéricos;
4.4     Expandir o Programa Farmácia Popular do Brasil com a ampliação do elenco de medicamentos e do número de farmácias privadas credenciadas no Aqui Tem Farmácia Popular;
4.5     Ampliar os investimentos em Laboratórios Farmacêuticos Oficiais;
5.        Saúde da Mulher e da Criança
5.1     Promover a atenção integral à saúde das mulheres conforme a Política Nacional de Atenção à Saúde Integral à Mulher, a Política Nacional de Direitos Sexuais e  Reprodutivos e a Política Nacional de Planejamento Familiar;
5.2     Implantar a Rede Cegonha para garantir que a gestante seja informada onde será o parto e o acompanhante no pré-parto e parto;
5.3     Criar um sistema de transporte de gestante de riscos e neonatal, articulado com o SAMU;
5.4     Reestruturar a rede hospitalar de atenção obstétrica e neonatal, com ênfase nas unidades  que realizam atenção especializada perinatal para gestantes e  neonatos de alto risco, buscando atingir as metas pactuadas de redução da morbi-mortalidade de gestantes e recém nascidos;
6.        Fortalecimento da Saúde Mental, Prevenção e   Tratamento do Uso de Drogas.
6.1     Aprofundar a cobertura de atendimento para toda a população que sofre de transtornos mentais e dar especial atenção à questão das drogas;
6.2     Garantir o financiamento da rede extra-hospitalar com a ampliação dos serviços substitutivos de saúde mental no País;
6.3     Implementar o Programa Nacional sobre drogas e de atenção às pessoas que fazem uso delas;
6.4     Dar atenção prioritária para a questão do crack, em uma ação articulada com diferentes políticas públicas e parceria com ONGs voltadas o tratamento do usuário, o apoio e prevenção para os jovens, as famílias, as comunidades;
6.5     Apoiar a ampliação do número de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) principalmente CAPS álcool e outras drogas e CAPS infanto-juvenil nos municípios com 70 mil habitantes, e CAPS III (24h) nos municípios com 200 mil habitantes;
7.        Melhoria da Infraestrutura da Rede de Atenção à   Saúde
7.1     Implantar um programa de reestruturação física das unidades de saúde em seus vários níveis de atenção, que supere a defasagem do padrão físico atual em relação às práticas modernas e humanizadas de atenção à saúde.
7.2     Reestruturar fisicamente todas as unidades hospitalares de atenção especializada na área de urgência e emergência que são referência para o SAMU;
7.3     Reformar e construir unidades de saúde de acordo com as especificidades locais;
7.4     Construir 500 UPAs para assegurar aumento da cobertura nos serviços de urgência pré-hospitalar;
7.5     Reformar e construir hospitais nos locais de comprovada insuficiência de leitos;
8.        Profissionais Necessários para a Saúde dos   Brasileiros
8.1     Implementar estratégias como o serviço civil e o financiamento específico para resolver os vazios assistenciais, ainda identificados no País;
8.2     Levar o profissional médico aos municípios com carência deste profissional por meio de incentivos, associados à anistia de fi nanciamento estudantil e outros;
8.3     Ampliar número de bolsas de residência no Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
8.4     Adotar parametrizações de cargos, carreiras e vencimentos mínimos nacionais e de co-financiamento de pessoal pelas três esferas de governo;
8.5     Aprofundar as políticas para combater a precarização do trabalho em saúde;
9.        Gestão Eficiente, de Qualidade e Voltada para o   Usuário do Sistema
9.1     Implantar um sistema integrado de avaliação de todos os serviços do SUS;
9.2     Estabelecer metas em todos os níveis de atendimento e de aferição de satisfação com os serviços;
9.3     Apoiar a implantação de novos modelos gerenciais e administrativos, que atendam às necessidades da nova realidade e que sejam compatíveis com os princípios do SUS;
9.4     Garantir que a política de pagamentos do SUS seja orientada pelos resultados e desempenho;
9.5     Implementar as possibilidades de articulações regionais (consórcios intermunicipais, redes, unidades de referência regional e outras);
9.6     Definir, através de legislação específica, as responsabilidades das três esferas de governo e os direitos e deveres de todos os participantes do setor saúde;
10.     Financiamento para o Setor Compatível com o Crescimento,
o Desenvolvimento Econômico e Social do País e com as Necessidades do SUS.
10.1  Regulamentar a EC 29, que fixa novos patamares de vinculação da receita e define o que são ações e serviços públicos de saúde;
10.2  Promover maior equidade na distribuição dos recursos federais e estaduais para a saúde utilizando critérios epidemiológicos, de rede instalada, renda per capita, IDH e outros paracorrigir as desigualdades;
10.3  Aperfeiçoar os mecanismos de acompanhamento, monitoramento e controle social dos recursos do Ministério da Saúde e os transferidos a Estados e Municípios, priorizando o combate ao desperdício e desvios;
11.     Gestão Democrática e Participativa com Controle Social.
11.1  Fortalecer as estruturas de gestão participativa (colegiados de gestão, diálogos com os movimentos sociais e sindicais, plenárias, conselhos e conferências de saúde;
11.2  Fortalecer o Conselho Nacional de Saúde;
11.3  Ampliar os sistemas de monitoramento, ouvidoria e auditoria como instrumentos de controle do sistema e diálogo com a população;
12.     Capacidade de   Regulação do Estado Brasileiro sobre os Diversos Setores Econômicos   Pertinentes à Saúde;
12.1  Reforçar o papel do Ministério da Saúde na articulação das Agências Reguladoras (ANS e ANVISA) para garantir os princípios constitucionais da Universalidade, Equidade e Integralidade do Sistema;
12.2  Implementar a regulação do processo de incorporação e retirada de tecnologias no SUS e na Saúde Suplementar;
12.3  Efetivar o ressarcimento dos procedimentos realizados nos usuários de planos e seguros de saúde no âmbito do SUS. Conformar e consolidar o Sistema de Saúde Brasileiro, garantindo a ampliação e funcionamento adequado;
13.     Desenvolvimento e Fortalecimento do Complexo Produtivo da Saúde
13.1  Ampliar linhas de pesquisa relacionadas à produção nacional de medicamentos de interesse do SUS. Incentivar o complexo industrial da saúde com linhas de financiamento, política de compras governamentais, subvenções econômicas e incentivos fiscais;
13.2  Fortalecer as empresas nacionais, participantes do Complexo Industrial da Saúde por meio da modernização de plantas tecnológicas da incorporação de centros de pesquisa, construção de arranjos produtivos, agregação de valor e incremento do poder econômico;
 
 

No que se refere ao conteúdo, os objetivos traçados no programa 2011-2014 parecem não estar alinhados a algumas das principais necessidades da população brasileira. Vejamos alguns exemplos:

·         Não se faz menção à epidemia de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, que hoje constitui o principal flagelo da população mais pobre do país, como decorrencia dos processos de transição demográfica e epidemiológica.

·         Não se menciona, como estratégia para o financiamento, a necessidade de uma política efetiva de controle e combate à corrupção e ao mau uso dos recursos, nem a geração de uma consciência e compromisso com a ética na gestão do SUS. 

·         Não se menciona os processos reais que poderiam levar ao aumento da qualidade e do controle dos serviços de saúde, como a criação de instâncias sólidas para a acreditação de unidades e redes de saúde e indicadores de segurança dos pacientes, para evitar a morbidade e a mortalidade dentro das unidades de saúde por falta de recursos, profissionais e descaso com os cidadãos.

·         Faltou a promessa de melhorar os sistemas de informação, como a histórica clínica eletrônica ou a retomada do cartão SUS, para aumentar a eficiência no uso das informações e dar respostas individualizadas aos usuários na busca de resultados tangíveis de melhoria da cobertura e qualidade do sistema.
Por tudo o que faltou no programa de saúde do partido que venceu as eleições presidenciais de 2010, muitos pensam que um plano para melhorar a saúde do país, ajustado as necessidades da população brasileira, deveria ser mais comprometido com o longo prazo e com um diagnóstico responsável sobre o que falta na saúde do país. Mas não se pode mudar o passado e o programa e seus objetivos estão aí. Portanto, a sociedade brasileira deveria avaliar se estes objetivos foram alcançados, com a intenção de propiciar uma medida técnica e objetiva do que se conseguiu implantar em relação ao que foi prometido. Mas deveria também discutir se as promessas feitas foram aquelas que mais se ajustaram às necessidades de saúde da população brasileira, que vão muito além de uma visão de curto prazo.

O eventual produto desta análise não seria nenhuma crítica ao SUS, aos seus princípios ou aos seus implementadores. O SUS tem sido implementado por muitos técnicos e funcionários comprometidos com a melhoria da saúde no país, desde o Ministério da Saúde às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, além de agências como a ANVISA, a ANS e outros órgãos da administração direta e indireta. É um esforço que vai além de uma visão político-partidária e integra pessoas de alta capacidade técnica, probidade administrativa e boa vontade, as quais poderiam estar servindo ao país em qualquer administração. Mas a condução da política e a implementação de objetivos estratégicos é muito importante para o alcance de resultados concretos, e portanto necessita ser avaliada para que se possa aprender com os erros do passado e formular objetivos que estejam comprometidos com o longo prazo e não somente o exercício das campanhas eleitorais.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Que será da saúde em 2014? O Caso da Europa e dos Estados Unidos


Ano 8, No. 49, Janeiro 2014


André Cezar Medici
Introdução

Três fatores continuarão impulsionando a dinâmica do setor saúde em 2014 e, provavelmente, nos próximos anos. O primeiro deles é o envelhecimento da população mundial, com o crescimento da epidemia de doenças crônicas. Este fato, associado ao crescimento da classe média e dos níveis de renda faz com que mais e mais recursos venham a ser consumidos pela população de mais de 50, mais de 60 e daí por diante. O segundo é a pressão crescente da comunidade internacional, liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em universalizar a atenção a saúde ao nível mundial – uma versão modificada do que saiu ao final dos anos setenta na Conferência de Alma Ata com a proposta de Saúde para Todos no Ano 2000. O terceiro é o avanço nas pesquisas e na inovação tecnológica, dado que o setor continua sendo a incubadora  da ponta tecnológica em áreas como medicamentos, imunobiológicos, equipamentos médicos e sistemas de informação.

No entanto, alguns prognósticos podem mostrar que, apesar destas tendências, alguns problemas para o setor poderão aparecer no ano que se inicia. A edição especial da revista The Economist, fechada em 30 de outubro de 2013, intitulada The World in 2014, indica que muitos governos estão preocupados com a tendência de crescimento dos gastos em saúde e provavelmente tentarão cortar gastos como parte de seus esforços para estabilizar suas economias em épocas ainda marcadas por um frágil cenário de crescimento econômico, como será este ano.  Este é o tema desta edição – a primeira de 2014 – do blog Monitor da Saúde.
Os Antecedentes da Crise

A crise econômica mundial que se iniciou em 2008 trouxe impactos diretos na forma como os países trataram seus gastos com saúde. Entre 2007 e 2011 o número de cidadãos norte-americanos desprovidos de seguro saúde aumentou de 44 para 49 milhões e se estima que este número possa ter chegado aos 55 milhões em 2013. Os dados para 2011 mostram também que quanto mais ao Sul e ao Oeste, maiores são as taxas de pessoas não seguradas, dada a forte presença de migrantes no Estados destas Regiões. Se estima que cerca de 134 mil pessoas morreram entre 2005 e 2010 nos Estados Unidos pela falta de cobertura de serviços de saúde.



Mesmo nos países europeus, onde em sua maioria a cobertura dos serviços de saúde é universal, os impactos da crise se fizeram sentir no setor saúde. Entre 2000 e 2010, o número de consultas por habitante caiu em quase todos os países, variando de 0,2% (Luxemburgo) até 3,1% (Eslováquia). Mas boa parte deste processo pode estar associada às medidas de racionalização impostas pela crise, na tentativa de aumentar a produtividade do setor e cortar custos eliminando visitas médicas desnecessárias.

Do ponto de vista do gasto, a crise teve alguns impactos. Pela primeira vez nos anos recentes, o gasto em saúde como porcentagem do PIB nos Estados Unidos se reduziu de 17,7% para 17,6% entre 2009 e 2010, mas voltou a crescer posteriormente, alcançando os 18% em 2013. O país continua a ser, portanto o de maior gasto entre aqueles que pertencem a OCDE, gastando quase o dobro da média dos demais países com saúde, como porcentagem do PIB. Como parte deste crescimento tem aumentado fortemente a participação dos programas públicos – Medicare e Medicaid – na composição do gasto em saúde nos Estados Unidos. Atualmente o gasto público como proporção do gasto total em saúde nos Estados Unidos é maior do que no Brasil.

Nos  países Europeus, o gasto em saúde como % do PIB em 2010 variou entre 7,0% (Polonia) e 11,6% (França). Como resultado da crise, a maioria dos países europeus reduziu o gasto em saúde como % do PIB entre 2009 e 2010, sendo as exceções Holanda, Hungria, Espanha, Itália e Suiça. Mas a maioria dos países europeus aumentou o gasto percapita em saúde entre 2009 e 2010. As exceções foram República Tcheca, Estonia, Finlandia, Grecia, Islândia, Irlanda, Italia, Eslovênia e Espanha onde o gasto percapita se reduziu, em alguns casos, em grandes proporções. Os países mais afetados pela crise -  Grecia, Irlanda, Itália e Espanha - foram os que tiveram cortes recentes nos gastos percapita com saúde, alguns deles já iniciando em 2008. A crise, portanto, tem trazido um cenário de gastos em saúde que muito raramente ocorreu no contexto europeu do crescimento do Estado de Bem Estar. Mas quais perspectivas podem estar associadas à tênue recuperação da economia mundial que se inicia em 2013, liderada pelos Estados Unidos?
As Perspectivas do Mercado em Saúde para 2014

O ano que se inicia poderá trazer novas perspectivas para o mercado de saúde, tanto no setor público como no privado, associado basicamente ao comportamento das famílias. A reportagem do The Economist estima que o crescimento do consumo privado em saúde em 2014 poderá variar dos módicos 0,7% nos países da Europa Ocidental, aos 9% nos países da Ásia e Oceania (incluindo a Austrália). O consumo de saúde na América Latina poderá crescer uns 6,6% e nos Estados Unidos o crescimento é estimado em 4,8%, neste caso estimulado pelo Plano Obama.

Como os Governos são cada vez mais os grandes compradores de produtos farmacêuticos, especialmente nos países em desenvolvimento, continuarão buscando acordos comerciais para a redução dos preços de remédios e fármacos, obrigando estas empresas a cortar custos e negociar com os laboratórios a produção de remédios com flexibilização das patentes dos medicamentos de grande necessidade. Este processo poderá afetar basicamente a indústria farmacêutica tradicional de base química, dado que os ramos baseados na biotecnologia e na genética continuarão a crescer com o mercado de novas drogas, estimulados pelos sucessos recentes em áreas como o combate ao câncer. Estes novos segmentos da indústria tem uma enorme quantidade de investimentos para amortizar e provavelmente os países desenvolvidos que são os mercados preferenciais para estas novas drogas, continuarão a ser os primeiros a pagar a conta.

Os cortes nos custos da indústria farmacêutica tradicional poderão estar associados a áreas não operacionais, dado que estas indústrias costumam gastar entre 20% e 30% dos custos finais de seus produtos com propaganda. Em contrapartida, tentarão buscar mercados mais institucionais, como o setor público, onde as estratégias de venda não se concentram tanto no varejo mas sim em acordos e negociações comerciais com Planos de Saúde, Seguros Públicos e Governos, os quais crescentemente passam a incluir medicamentos como parte de seus custos, antes externalizados para os pacientes. Mesmo assim, se estima que as vendas na indústria farmacêutica crescerão 9% em 2014, segundo a reportagem do The Economist.

Nos mercados públicos, no entanto, a perspectiva não parece ser de aumento nos gastos para os países desenvolvidos. Na Europa, a necessidade de ajustes fiscais de curto prazo, sem muitas mudanças nos esquemas de cobertura, poderão reduzir o volume de gastos em governos ávidos por estratégias de racionalização e detenção do aumento de novos benefícios. Haverá uma busca generalizada por medidas que aumentem a eficiencia na entrega dos serviços e racionalizem os gastos com pessoal, insumos e medicamentos. A isto se associam medidas severas contra migração e a extensão de direitos sociais às poulações migrantes.
As Perspectivas do Plano Obama no seu Primeiro Ano Real de Funcionamento

No caso dos Estados Unidos, a grande novidade é a entrada em vigor, em 1º. de janeiro de 2014, das principais medidas de aumento de cobertura associadas ao Patient Protection and Affordable Care Act, aprovado pelo Congresso Norte-Americano em 2010, conhecido como Plano Obama. As fontes oficiais preveem cortes nos gastos no MEDICARE, reestimados em US$ 760 bilhões entre 2014-2022. Tais cortes estariam associados a gastos desnecessários com hospitais (US$260 bilhões), com o Programa Medicare Advantage (US$ 156 bilhões), com saúde domiciliar (US$ 66 bilhões), com enfermagem especializada (US$39 bilhões) e com serviços comunitários (US$17 bilhões). Todos esses cortes seriam compensados com programas preventivos e promocionais mais efetivos que possam manter os 50 milhões de idosos dependentes do MEDICARE mais ativos e saudáveis no longo prazo e com medidas que estimulem os distintos atores do sistema (hospitais, empresas de saúde domiciliar, enfermeiras especializadas, etc) a serem mais eficientes.

Mas ao mesmo tempo se esperam investimentos no mesmo período – especialmente em atenção primária, promoção e prevenção e sistemas de informação e gestão – da ordem de US$1,7 trilhões, as quais poderão gerar uma economia de US$ 2,7 trilhões nos custos gerais do sistema entre 2014 e 2022. Isto porque os novos planos de saúde terão que cobrir exames e medidas preventivas sem co-pagamentos e dedutíveis. Os velhos planos de saúde terão que adotar as mesmas práticas a partir de 2018.

No entanto, as fontes não oficiais não são tão otimistas. Ainda que esteja previsto que o número de pessoas sem seguro de saúde poderá se reduzir de 55 milhões em 2013 para 44 milhões em 2014 e 37 milhões em 2015, este número alcançará um patamar de 30 milhões em 2018, podendo se estabilizar ou até aumentar até 2022, segundo a reportagem do The Economist.

Algumas medidas do Plano já entraram em vigor desde 2013, como a extensão até 25 anos de idade da proteção dos filhos solteiros pelos planos de saúde mantidos pelos seus pais. Atualmente os planos de saúde podem aumentar os prêmios de seguro quando aumenta a sinistralidade dos indivíduos ou expulsá-los da cobertura. Mas a partir do corrente mês, nenhum plano poderá mais cobrar adicionais ou rejeitar pacientes em função de doenças pre-existentes.

A partir de janeiro de 2014 todos os indivíduos são obrigados a ter um plano de saúde, sob a pena de pagar uma multa no imposto de renda. E aqueles com renda entre um e quatro vezes o nível oficial de pobreza (que hoje é de US$ 11,5 mil per-capita por ano) receberão créditos fiscais para poder afiliar-se a um plano de saúde. Estas pessoas são aquelas que não tem, pela legislação em vigor, cobertura do MEDICAID – o seguro de saúde para aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza, criado com as reformas sociais de Eisenhower no final dos anos sessenta. Ainda que esta medida seja de aplicação imediata, ficará difícil sua adoção, dado que depende de que muitos estados façam os acordos necessários com o governo federal norte-americano e atualizem suas bases de cobertura do MEDICAID que se encontra defasada, não tendo incorporado, em muitos casos, os novos pobres que surgiram com a crise econômica iniciada em 2008.

Muitas outras dificuldades ainda tem que ser resolvidas para que o Plano Obama seja implementado. Entre elas, o aumento e atualização do valor da multa por não ter o Plano na declaração de ajuste do Imposto de Renda. Em 2014 a penalidade foi estipulada em somente US$95 (menos de 1% da renda correspondente a linha de pobreza), o que não constitui nenhum incentivo material para que uma pessoa venha a se afiliar ao Plano Obama.

Por outro lado, como o estímulo a se afiliar a um plano de saúde está associado ao nivel de saúde que os indivíduos tem, é provável que os mais jóvens não tenham incentivos para se afiliar e com isso, somente os doentes e mais velhos nas condições de renda estipuladas se afiliarão aos planos, aumentando o risco atuarial médio, o que pode a levar a aumentos indesejados nos custos. Este tem sido um fantasma que ronda o Plano Obama desde sua concepção.

Outro problema é a obrigação das empresas com mais de 50 empregados em organizar o processo de afiliação de seus trabalhadores a um plano. Inicialmente prevista para entrar em vigor em janeiro de 2014, esta medida foi postergada para o ano de 2015, em função de pressões de distinta natureza. Neste ínterim, muitas empresas de pequeno porte estão estudando a possibilidade de converter seus trabalhadores de tempo integral para parcial (os quais não entram na contagem dos 50 empregados) ou mesmo tercerizar seus trabalhadores para que organizem pequenas empresas vendedoras de serviços. Com isso, a obrigatoriedade se dilui e o aumento esperado na afiliação poderá não se realizar na proporção necessária.

O início do processo de afiliação ao Plano foi conturbado, em função de problemas na página web do Governo para acessar o sistema, gerando muitas críticas e ceticismo em relação a eficiência dos mecanismos de gestão pública para a implementação do Plano. No entanto, estes problemas se resolveram e, no início de 2014 já se registraram cerca de 2 dos 11 milhões esperados para se inscreverem ao longo do presente ano.

Por todas estas incertezas, as expectativas do setor são de que o gasto com saúde salte dos 18% para 18,3% do PIB, entre 2013 e 2014, permanecendo neste patamar até 2018, mas saltando para os quase 20% do PIB em 2022.

Um dos maiores focos de resistência ao Plano, neste momento, são os médicos (incluindo os clínicos gerais e médicos de família) que estão organizando seus próprios esquemas de atendimento aos seus clientes e propondo processos mais personalizados de atendimento que não seriam cobertos pelos Planos de Saúde. Passariam a funcionar dessa forma, como uma fonte permanente de contacto para os pacientes quando necessário mas limitariam o número de pacientes e receberiam deles uma espécie de premio anual por este tipo de serviço personalizado.

Mas de qualquer modo, não resta dúvida de que muitas soluções ainda estão a caminho. O Plano Obama, mesmo com todo o debate que tem gerado sobre os problemas que pretende resolver, é sem vias de dúvida um grande avanço para alcançar progressivamente a cobertura universal em um país que tem os maiores gastos e as maiores desigualdades na cobertura de saúde entre as nações desenvolvidas.