Ano 7, No. 38, Junho 2012
André Medici
André Medici
Introdução
No último dia 13 de junho, o prêmio nóbel de economia, Joseph Stiglitz, deu uma conferência em Washington no Auditório do International Finance Corporation – IFC (o braço do Banco Mundial dedicado a apoiar o setor privado) sobre o Preço da Desigualdade. Stiglitz mostrou como aumentou a desigualdade nos últimos anos, não apenas nos Estados Unidos, mas ao nível mundial. Ele mencionou que nos Estados Unidos, o percentual mais rico da população detém 40% de toda a riqueza nacional e que o salário médio atual de um homem com emprego de tempo integral é menor do que era em 1968 em termos reais. Um em cada sete norte-americanos recebe o benefício público de alimentação (food stamps) e a maior parcela do crescimento da renda nos últimos anos tem sido absorvida pelo percentual mais rico da população. Para ele, a desigualdade da riqueza nos Estados Unidos atingiu níveis nunca antes vistos desde a Grande Depressão de 1929 e o país é o mais desigual entre as economias desenvolvidas nos dias de hoje.
Para Stiglitz, somente uma melhor distribuição da riqueza poderia ajudar o país a sair mais rapidamente da crise econômica que se iniciou em 2008. A legislação existente permite maior remuneração e menor tributação para o capital especulativo, inibindo iniciativas para o capital produtivo. Com isso, investimentos em áreas como pesquisa, educação e saúde, que durante muito tempo foram a chave da inovação e do crescimento econômico, passaram indiretamente a ser desestimuladas.
Desta forma reduziu a geração de empregos de melhor qualidade em áreas que poderiam representar novos horizontes para a economia norte-americana. O sonho da mobilidade social, que durante décadas foi a matriz de uma longa fase de progresso da economia norte-americana, parece ter sido relegado a um plano inferior. Stiglitz citou o Brasil como um país que desde a metade dos anos noventa, tem gerado políticas sociais inclusivas e permitido algum progresso na distribuição de renda facilitando a mobilidade social e o crescimento econômico.
Saúde e Desigualdade
A literatura sobre desigualdade e saúde é bastante controversial e pouco conclusiva. No entanto, existem algumas evidencias que mostram que, se o aumento da desigualdade pode levar ao aumento da pobreza, ele também aumenta o risco de mortalidade prematura dos grupos mais pobres.
O aumento da desigualdade nos Estados Unidos tem sido certamente um dos fatores que fazem com que o país tenha uma das menores expectativas de vida entre os países da OECD ao gerar resultados assimétricos no estado de saúde das populações ricas e pobres. Independentemente dos programas que atuam para proteger riscos catastróficos para os idosos (MEDICARE) ou mecanismos de proteção social em saúde para os mais pobres (MEDICAID), uma parcela crescente da população, especialmente durante a crise, tem enfrentado grandes dificuldades para manter sua saúde em bom estado entre o conjunto da população norte-americana. Atualmente, mais de 50 milhões de norte-americanos declaram não ter cobertura de saúde.
Condições precárias de saúde poderiam levar ao aumento da pobreza por reduzirem a produtividade do trabalho, gerando uma espécie de círculo vicioso (1). Esta relação viciosa entre condições de pobreza e de saúde, já havia sido explorada teoricamente pelo economista desenvolvimentista Gunnar Myrdall no final dos anos 1950. Myrdal era um sueco que também ganhou o prêmio Nóbel (dividindo-o com Frederick Hayek) em 1974 e concentrou a maioria dos seus estudos em teoria do desenvolvimento lançando a conhecida idéia dos fatores que levavam ao ciclo vicioso da pobreza e a importância de trazer o tema da equidade para a teoria econômica.
Em sociedades onde a parcela de gastos em saúde que provém diretamente das familias é alta (como a brasileira), o efeito da desigualdade sobre a saúde pode ser ainda pior, dado que a forma gasto direto domiciliar não é a forma mais eficiente de gastar em saúde. As estratégias que permitem risk-pooling em saúde (como os seguros privados ou mesmo seguros públicos) levam a uma melhor eficiência do gasto e permitem amplificar os efeitos positivos do gasto em saúde sobre as famílias, ao mesmo tempo em que servem de colchão amortecedor aos efeitos catastróficos da saúde sobre a renda das famílias, nos momentos de crise.
Os economistas de saúde dizem, no entanto, que o efeito da renda sobre a saúde é positivo mas decrescente na medida em que aumenta a renda individual (2). Em outras palavras, cada unidade monetária adicional na renda de um indivíduo, melhora sua saúde média em uma razão decrescente segundo sua renda, fazendo com que a curva que correlaciona renda com saúde seja côncava em relação ao eixo horizontal. A melhoria marginal da saúde é decrescente segundo a renda. Portanto, uma melhor distribuição de renda traria efeitos positivos sobre a saúde média da população. Cada dolar de renda transferido de um rico para um pobre melhoraria a saúde desse pobre sem ter efeitos na piora da saúde deste rico, mesmo numa sociedade onde a totalidade do gasto de saúde seja feita diretamente pelas famílias.
Mas além dos efeitos positivos de uma melhor distribuição da renda pessoal sobre a saúde individual, alguns economistas afirmam que do ponto de vista macroeconômico, a saúde da população tende a ser pior em sociedades que são mais desiguais, em função de efeitos negativos da desigualdade que se propagam coletivamente, tais como doenças transmissíveis, violência, ambientes insalubres, stress e outras mazelas associadas à pobreza e a concentração de renda. Assim, a desigualdade de renda per se pode ser prejudicial para a saúde pública, acentuando ainda mais a concavidade da curva renda /saúde.
Saúde e Desigualdade no Brasil
Embora sejam necessárias mais evidências para demonstrar o efeito concavidade na correlação entre renda e estado de saúde da população no Brasil, procuramos fazer uma simples inferência sobre esta relação utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008. Para tal, utilizamos cinco classes de rendimento médio familiar em salários mínimos (até 1, de 1 a 2, de 2 a 3, de 3 a 5 e 5 ou mais), a renda média de cada uma dessas classes de renda e a proporção de pessoas que se declarou com estado de saúde bom ou muito bom sobre o total de pessoas associada a cada uma destas classes de renda (3).
Os dados, expressos no gráfico acima, mostram (apesar de poucos pontos que a conformam) a concavidade na curva de ajustamento do nivel de renda e estado de saúde. Assim, é possível que a redução da desigualdade de renda possa trazer mais benefícios na melhoria no estado de saúde dos mais pobres no Brasil, melhorando sua percepção sobre seu estado de saúde em proporção maior do que ocorreria com os ricos.
O fato da correlação ser positiva reflete algumas interpretações óbvias. Em primeiro lugar, uma renda melhor distribuida leva os mais pobres a gastarem mais com saúde. Em segundo lugar, aumetna seu acesso aos planos e outros meios de proteção à sua saúde. Em terceiro lugar, mesmo quando utilizam o setor público (SUS), uma melhor distribuição de renda traz melhores informações aos mais pobres sobre que serviços buscar, que medicamentos adquirir e que meios procurar no caso de seu acesso ser dificultado ou negado.
Mas o fato da correlação positiva ser decrescente, mostra que existem limites de melhoria de saúde em função da renda, e que gastar mais, a partir de um determinado ponto, não levaria a melhorias no estado de saúde. Mas o que se deve ressaltar é que, de um lado, uma melhor distribuição de renda traz maiores benefícios para a saúde dos pobres e de outro, que os mais ricos também não perderiam tanto em suas condições de saúde se a renda fosse melhor distribuida.
Notas
(1) Ver Subramanian, S. V. & Kawashi, I. Income inequality and Health: What we have learned so far? In Epidemiological Review, 2004; 26:78-91, Ed. Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, Baltimore (MD), USA.
(2) De acordo com Subranian e Kawashi, a relação entre distribuição de renda e saúde geraria o chamado efeito concavidade, numa alusão à curva que surge do cruzamento entre renda média e condição de saúde. Se a relação entre renda média e saúde fosse linear (não concava) a melhoria da distribuição de renda não levaria a melhoria do estado de saúde, dado que ganhos na saúde dos mais pobres seriam compensados por perdas na saúde dos mais ricos. Mas, como a existe a concavidade, se poderia dizer, desta forma, que a correlação entre renda percapita e condições de saúde poderia assumir a tendência de um modêlo genérico, onde Yi = Axi + B, onde Yi e Xi são a renda percapita e o estado de saúde do individuo i; A é a relação (não linear) que representaria a concavidade da relação entre Yi e Xi e B seria a um termo de disturbância querepresentaria as variações não explicadas pela renda per-capita na melhoria da saúde de uma dada população.
(3) Para as pessoas com idade inferior a 10 anos foi considerada a avaliação de saúde dada pela mãe ou responsável.