Ano 16, No. 123, Setembro de 2021.
André Cezar Medici
Introdução
O sistema brasileiro de
saúde suplementar já existe no Brasil há décadas como um conjunto de planos de
saúde voluntários, contratados por famílias ou por empresas, para oferecer
proteção à saúde da população que os necessite. Com a criação do Sistema Único
de Saúde em 1988, que garantia uma proteção universal e gratuita à toda a
população, seria esperado que a importância e a magnitude da cobertura do
sistema de saúde suplementar fossem reduzidas, mas isso de fato não ocorreu. Entre o
final dos anos oitenta e o início do século XXI, a cobertura da população pelo
sistema de saúde suplementar praticamente multiplicou por cinco.
Quais os fatores que levaram a manter a relevância do sistema de saúde suplementar na oferta de saúde para a população brasileira? O principal deles foi o fato de que a população que se beneficiava desse sistema tinha um nível de renda mais alto. O SUS foi essencial na expansão da cobertura para a população de renda mais baixa, mas como o nível de serviços oferecido pelo SUS necessitava melhorar a oferta, qualidade e conforto para conquistar os corações e mentes da população de média e alta renda, assim como dos trabalhadores do mercado formal e de suas famílias, a saúde suplementar continuou se expandindo, principalmente ao longo dos primeiros anos de funcionamento do SUS, quando a estrutura de saúde do antigo INAMPS foi destruída por volta de 1990, e nada de fato foi colocado imediatamente em seu lugar para cobrir as necessidades de saúde dos trabalhadores formais e suas famílias. Com isso, os planos de empresa, que já existiam embrionariamente através dos chamados convênios “INAMPS-EMPRESA”, se multiplicaram rapidamente.
O ambiente hiperinflacionário e a falta de políticas econômicas consistentes entre 1988 e 1994 impediram o funcionamento do SUS. Somente após o Plano Real[i], a posta em marcha das primeiras normas operacionais do SUS e o advento do programa de saúde da família, foi possível ao SUS dar uma real resposta para a cobertura da população brasileira menos favorecida que não contava com um sistema de saúde voltado para as suas necessidades básicas.
Os anos noventa ainda foram fundamentais para estabelecer os limites e possibilidades de funcionamento da saúde suplementar no Brasil, com o advento da Lei 9656 de 1998, que regulamentou este mercado, e posteriormente com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Lei 9961) em junho de 2000.
Mas passados mais de 20 anos da promulgação desta legislação básica de suporte da saúde suplementar no Brasil, o mercado do setor sofreu grandes transformações, através de processos intensos de concentração e diversificação de suas estratégias de gestão e risco. Assim, no dia 2 de setembro de 2021, o Conselho Nacional de Saúde Suplementar (CONSU), órgão colegiado do setor que aprova a política de regulação setorial, estabeleceu através de resolução o prazo de 60 dias para que ANS crie mecanismos para aumentar a transparência dos reajustes aplicados pelos planos de saúde empresariais, dado que a ANS somente regula até o momento os planos de saúde de indivíduos e famílias[ii]. Se espera dessa forma que empresas, famílias e trabalhadores possam ter uma maior regularidade na provisão dos serviços de saúde suplementar.
Na edição de Julho-Setembro de 2021, a Revista Visão Saúde, publicada pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo de Empresas (ABRAMGE) publicou, em suas páginas 22-27 uma matéria baseada em um conjunto de entrevistas acerca da necessidade de aprimoramento do marco legal da saúde suplementar no Brasil[iii]. Como fui um dos entrevistados, coloco nesta postagem a íntegra da minha entrevista dada à jornalista Camila Souza.
Entrevista
para a Jornalista Camila Souza (ABRAMGE)
Data: 5 de
Agosto de 2021
Camila Sousa (CS) - Em sua opinião, o papel da saúde suplementar no Brasil precisa ser revisto do ponto de vista da legislação? Qual é o maior desafio neste sentido?
André Medici (AM): A saúde suplementar tem uma função essencial que é prover e organizar os serviços de saúde Brasil para aqueles (indivíduos ou empresas) que voluntariamente desejam pagar por um plano de saúde. Graças a ela, quase um quarto da população brasileira tem um sistema de saúde que atende suas necessidades, aliviando fortemente as demandas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Imaginem se essa população não tivesse essa opção tendo que utilizar o SUS, e enfrentar os problemas de financiamento, eficiência, gestão, desvios de recursos por corrupção e resultados assistenciais do sistema público? Seria um caos, não apenas para os que atualmente tem planos de saúde, mas também para os beneficiários do SUS que teriam que dividir a estrutura precária desse sistema com o quartil mais exigente da população brasileira. Certamente a estrutura de financiamento e gestão do SUS não suportaria isso.
Dadas as deficiências do SUS, ter um plano de saúde, segundo pesquisa realizada pelo IBOPE-Inteligência em dezembro de 2020, é o 3° maior desejo de consumo do brasileiro, depois de ter mais acesso à educação e à casa própria. Boa parte dos brasileiros dependentes do SUS desejariam poder escapar dele e ter um plano de saúde, segundo as estatísticas, não só do IBOPE, mas de outros institutos de pesquisa de opinião. Mas a maioria da população brasileira não tem condições de pagar por estes planos e nem tem proteção institucional de um empregador para contar com este tipo de benefício.
Seria importante melhorar o SUS para ter um sistema público que pudesse ser a primeira opção dos brasileiros, mas isso parece ser uma tarefa tão difícil de fazer que muita gente boa desistiu de tentar consertar o sistema. É lógico que alguns Estados e Municípios fazem o melhor que podem para inovar e contornar as barreiras que existem no SUS, buscando parcerias públicas e privadas e inovações no sistema de pagamento aos provedores. Mas essas experiências ainda não são representativas do sistema e mudanças profundas deveriam ser implementadas para tornar o SUS um sistema eficiente e sustentável para os cidadãos brasileiros.
Mas a saúde suplementar também tem muitos desafios. O maior deles se reflete no elevado valor dos prêmios que a população brasileira tem que pagar para ter um plano de saúde, frente à sua renda. Isto continua a ser uma grande barreira para que mais brasileiros possam realizar este sonho. Boa parte dos custos associados aos prêmios cobrados pela saúde suplementar podem estar atrelados à estrutura rígida da Lei 9656 que estabeleceu as regras dos planos privados de assistência à saúde e, em 3 de junho passado, completou 23 anos de implementação. É lógico que em 23 anos muita coisa mudou nos requerimentos de gestão, organização, garantia de acesso e benefícios oferecidos pelos planos de saúde em todo o mundo, requerendo um arcabouço legal e normativo compatível com a nova realidade. Mas pouco foi mudado no Brasil. Com isso, uma reforma da Lei 9656 e também nas funções da ANS (Lei 9961, de junho de 2000) para torna-las compatíveis com os requerimentos assistenciais e tecnológicos dos dias de hoje é mais que necessária.
CS - Quais as principais medidas necessárias, do ponto de vista legal, para permitir a ampliação do acesso de mais brasileiros à saúde suplementar?
AM - Eu diria que a primeira delas seria mudar a lei para tornar os planos de saúde mais acessíveis, possibilitando prêmios menores e dando resposta às necessidades de diferentes grupos de indivíduos.
É verdade que, com a pandemia, o reajuste dos planos de saúde individuais foi suspenso pela ANS até dezembro de 2020 e a ANS está propondo reajustes negativos para os planos em 2021. Desde o início da pandemia, o número de beneficiários dos planos de saúde aumentou em quase um milhão, depois de uma queda contínua entre 2014 e o primeiro semestre de 2020. Mas tornar os planos de saúde mais adequados e mais acessíveis à população brasileira não depende apenas da regulação do valor dos prêmios e dos reajustes, dado que os problemas que levam aos custos elevados dos planos de saúde são estruturais.
A desconfiança com o sistema público e o medo de enfrentar filas e não ser atendido em situações de emergência tem sido um dos motores que levaram mais brasileiros, mesmo em condições financeiras precárias, a buscar um plano de saúde nestes anos difíceis de pandemia. Mas os elevados níveis de desemprego e a perda de renda durante a pandemia não permitem que o brasileiro médio, conjunturalmente, tenha recursos para aumentar o acesso aos planos de saúde.
Para tornar os planos de saúde mais acessíveis, do ponto de vista estrutural, é necessário desenha-los e negocia-los de acordo com as condições demográficas, sociais, financeiras e epidemiológicas de cada família ou indivíduo e não mediante um pacote uniforme e impessoal de serviços. Os artigos 10 a 12 da Lei 9656 incluem um conjunto de prestações que deveriam ser obrigatórias aos planos de saúde. Mas um conjunto fixo de prestações não responde por uma miríade de arranjos familiares que levam cada família a ter necessidades específicas de cobertura de saúde. Por exemplo, um casal de terceira idade sem filhos ou netos dependentes não necessita incluir, no cálculo atuarial dos prêmios que pagam, a cobertura de condições de gravidez, parto e puerpério, bem como cuidados pediátricos. No entanto, pode necessitar de itens que não estão cobertos no conjunto de prestações oferecidas, especialmente num contexto de aumento da expectativa de vida onde novos procedimentos de promoção, prevenção e diagnóstico precoce são fundamentais para evitar o aparecimento precoce de doenças crônicas. No entanto, o cálculo atuarial do prêmio (e de seu reajuste) acaba levando em conta os itens desnecessários e não incluindo aqueles que esse casal necessitaria.
Na minha opinião, planos de saúde devem ser desenhados de acordo com o que cada grupo familiar necessita. Isso tornaria esses planos mais acessíveis, por considerarem a essência do cuidado a saúde que é necessário, cortando custos atuariais supérfluos do cálculo dos prêmios, e desenhando planos de saúde mais inclusivos, ao respeitar as necessidades de saúde de todos de acordo com suas necessidades.
Por outro lado, o desenho dos planos de saúde considera a cobertura de procedimentos e não dos desfechos clínicos esperados. Essa visão deveria ser mudada. O desenho de um plano de saúde deveria levar em conta somente desfechos esperados, para evitar a realização, repetição ou crescimento do volume de procedimentos médicos desnecessários que fazem com que as contas a serem pagas aos prestadores pelas operadoras sejam maiores, aumentando seus custos. A situação atual de pagamento por volume leva as operadoras a negociarem, em alguns casos (e por defesa financeira), remunerações inadequadas às expectativas dos prestadores, o que leva, por sua vez, a uma perda na qualidade dos serviços. O pagamento por desfecho, resultado ou performance, ao invés do pagamento por procedimento ou volume, tornaria os planos mais eficientes na entrega de valor aos seus segurados e permitiria uma remuneração digna aos prestadores que tiverem melhor desempenho e qualidade assistencial.
O sistema de saúde suplementar, incluindo as empresas e indivíduos que voluntariamente os financiam, tem trazido historicamente economias enormes para o SUS, dado que gera serviços que deveriam estar sendo cobertos pelo sistema público, de acordo com o que obriga a Constituição, mas que na prática não estão sendo. Além do mais, com as mudanças previstas na reforma fiscal, que eliminam a dedução do imposto de renda dos planos de saúde, essas economias passarão a ser ainda maiores, dado que a aumentaria a arrecadação fiscal de recursos que supostamente poderia canalizados ao SUS.
As economias que o sistema de saúde suplementar proporciona ao SUS deveriam ter contrapartidas. Por exemplo, o SUS, se bem organizado e reestruturado, poderia atender os indivíduos que detém planos de saúde nas doenças de alto custo e elevadíssima complexidade, um mix público e privado de financiamento. Esquemas similares ocorrem em países como o Uruguai (através do Fondo Nacional de Recursos) ou em Singapura (Medical Savings Accounts) quando, por fatores inesperados pelas estatísticas atuariais, determinados eventos de alto custo não cobertos pelos planos regulares de saúde ocorrem. Uma forma de viabilizar isso seria criar um fundo de resseguro composto por recursos públicos e contribuições dos planos. Esse fundo financeiro seria gerenciado de forma efetiva e transparente pagando aos provedores privados ou públicos que fossem capazes de realizar esses procedimentos dentro de desenhos de linhas de cuidado e desfechos conhecidas e atualizadas e através de constantes avaliações de qualidade dos serviços prestados.
Com o desenho de planos de acordo com as necessidades de saúde de cada família, o rol de procedimentos a serem cobertos para cada família devem ser revistos periodicamente, porque as necessidades familiares mudam ao longo do ciclo de vida e isto influenciaria o valor dos planos.
Do lado dos planos de saúde, muitas mudanças gerenciais deveriam ser feitas. Entre elas, a criação de instrumentos de saúde populacional de seus membros baseados em big-data, no aumento das ações de promoção, prevenção e diagnóstico precoce custeadas pelos planos e de processos que aumentassem o conhecimento e o autocuidado dos segurados através do uso de IT e telemedicina e da maior interação entre os segurados e as equipes de saúde. Essas são apenas algumas sugestões, mas outros temas poderiam ser pensados, com base em experiências internacionais bem sucedidas.
CS - Quais as premissas para se rediscutir os modelos de precificação e reajuste dos planos de saúde, tendo em vista a sustentabilidade econômica dos contratos?
AM – Creio que um modelo de precificação dos prêmios e reajustes dos planos de saúde antes que haja acordos entre as operadoras e os segurados não é a melhor forma de trabalho, uma vez que existe uma grande quantidade de fatores que podem influenciar no valor dos prêmios e reajustes. Sabemos que o aumento das margens de forma abusiva não é eticamente desejável e, em muitos casos, se deve punir aos planos que por razões de ganancia aumentam os prêmios para auferir lucros maiores do que os esperados.
Nesse sentido, a primeira premissa é ter a informação adequada sobre os determinantes dos custos e tendências anuais dos prêmios de seguro saúde. A melhor forma de agir, através de uma agência reguladora, como a ANS, é, em primeiro lugar, ter um sistema de informações que garanta o máximo de transparência nos dados financeiros e na determinação dos custos incorridos pelas operadoras. A ANS poderia eleger algumas operadoras representativas dos distintos segmentos do mercado da saúde suplementar para fazer um painel de acompanhamento de seus resultados financeiros em sintonia fina, bem como das projeções de elevação de custos no ano em curso.
A segunda premissa é comunicar abertamente e com transparência, para os segurados, empresas e operadoras, o que se espera no aumento dos prêmios e dos custos com saúde. Com base no comportamento dos custos e prêmios das operadoras acompanhadas pela ANS, ela deveria definir uma faixa de reajustes que seria “adequada”, a qual serviria de base para “instrumentar” os segurados e as empresas a negociar individualmente ou corporativamente o valor dos reajustes de seus planos.
A terceira premissa seria montar um sistema de acompanhamento e monitoramento dos desvios nos preços dos prêmios e custos das operadoras. Para tal passaria ser mandatório que todas as operadoras enviem anualmente seus balanços em formato definido pela ANS, quais foram as variações nos preços dos planos para todos os indivíduos, famílias e empresas, e dos custos que justificam o aumento dos prêmios. Prêmios reajustados acima das taxas recomendadas pela ANS seriam objeto de escrutínio e averiguação, e se não forem justificados pelos custos reais incorridos, deveriam levar as operadoras a ressarcir os valores para as empresas e segurados.
A quarta premissa seria criar instâncias de ouvidoria pública para que segurados que ficarem insatisfeitos com os resultados de seus processos de negociação e com o reajuste recebido possam registrar suas queixas na ANS e esperar que venha alguma notificação da agência de que os aumentos nos prêmios foram ou não adequados de acordo com as projeções e com o escrutínio feito pela ANS.
A “rationale” dessas premissas reside no fato de que a ANS deveria mudar um sistema mandatório de fixação “ex-ante” de reajustes dos prêmios por um sistema de definição de faixas de variação nos prêmios, com verificação “ex-post” do comportamento destes prêmios em função das condições de funcionamento e custos reais incorridos pelas operadoras.
Ao mesmo tempo, a ANS poderia criar um centro de inovações na gestão de planos de saúde (algo similar ao que a Kaiser Permanente fez ao criar o Garfield Center in Oakland, California) que tenha por objetivo disponibilizar soluções e instrumentos que permitam reduzir custos e aumentar os resultados alcançados pelos planos de saúde para a população segurada.
CS - Qual precisa ser o avanço do Brasil em relação à incorporação de novas tecnologias em saúde? Acredita que uma agência única para ATS seria um caminho acertado para o país neste sentido?
AM – Creio que agências de ATS são fundamentais para apoiar as políticas nacionais de incorporação de novas tecnologias, tratamentos e medicamentos com base em avaliações econômicas, revisões sistemáticas e meta-análise, estudos observacionais, ensaios clínicos. No entanto, não acredito em soluções únicas. O governo e a ANS deveriam utilizar estruturas já existentes ou estimular o desenvolvimento de novos institutos de ATS para que possa haver diversidade e concorrência nesta área. Creio que com base na diversidade de opiniões e análises (e também na experiência internacional) o governo e a ANS poderiam estar aptos a tomar decisões sobre o uso de tecnologias custo-efetivas no país.
O Brasil dispõe de alguns
institutos desta natureza, como o IATS (Instituto de Avaliação de Tecnologia em
Saúde), criado em Porto Alegre, que atua na produção de orientações e
avaliações críticas de tecnologias em saúde no Brasil. Tem também o IBTS
(Instituto Brasil de Tecnologias de Saúde), no Rio de Janeiro, financiado pela
Fundação Lemann, e que tem propósitos similares. Outro exemplo e o CCATES
(Centro Colaborador do SUS de avaliação de tecnologias e excelência em saúde),
somente para citar alguns exemplos.
O grande problema do país é
que se criou uma estrutura de processos burocráticos e de consulta que ainda é
muito lenta e a tecnologia em saúde avança a passos cada vez mais rápidos.
Portanto, dinamizar essa estrutura e impor um certo ritmo de produtividade e
decisões é uma questão fundamental para aumentar a confiança nos processos de
consulta e o resultado nas escolhas feitas.
CS - Quais
são as questões prioritárias em que a legislação precisa ser modernizada no que
diz respeito à relação dos planos e seguros com a cadeia produtiva da saúde
(hospitais, médicos, laboratórios, etc)?
AM – Do meu ponto de vista, a principal modernização deve-se dar através da
mudança dos sistemas de pagamento, abandonando o pagamento baseado em volume de
serviços prestados e avançando em pagamentos baseados em resultados ou em
valor. É muito importante que as operadoras possam definir uma relação com os
prestadores baseada no compartilhamento de riscos.
No setor saúde, prestadores
de serviços, vendedores de insumos e de medicamentos historicamente tendem a
ser avessos ao risco. É por esta razão que preferem receber seus ganhos
associados à venda de seus produtos e serviços, independentemente dos
resultados alcançados para o paciente. Os hospitais, ambulatórios,
laboratórios, etc., preferem receber um valor fixo previamente acordado como
base de remuneração por serviços médicos ou laboratoriais prestados (fee-for-service).
Mas ao assim fazer, o risco dos serviços médicos é transferido para o pagador,
que pode ser o paciente, o seguro médico, ou outro como um fundo de
filantropia. Em outras palavras, o paciente pode não ser curado e, mesmo assim,
ele ou seu seguro médico irão pagar pelo serviço independentemente do resultado
(positivo ou negativo) alcançado.
Este processo de
transferência de risco para os pacientes ou para os seguros é um entre vários
dos fatores responsáveis pela escalada de custos em saúde e tal situação tem
sido agravada nos últimos anos pelo envelhecimento da população e o consequente
crescimento do peso das doenças crônicas na carga de enfermidade. Para evitar
que a concentração de risco reduza os incentivos aos pagadores, novos processos
de pagamento de bens e serviços de saúde, associados aos resultados, começaram
a surgir nas últimas duas décadas e parecem ser a principal tendência futura
dos processos de gestão em saúde. Estas novas formas de pagamento por resultado
vieram para ficar e exigem modelos de compartilhamento de risco aonde
prestadores, seguros (operadoras), pacientes e fornecedores de insumos,
laboratórios e empresas farmacêuticas sejam colocados na equação, exigindo sua
integração e participação no desenho dos processos e sua responsabilidade nos
desfechos em saúde, de acordo com sua respectiva contribuição para a cura do paciente.
No caso da indústria
farmacêutica, por exemplo, o espaço aberto pelo uso de medicamentos de alto
custo como os biológicos e as terapias gênicas em tratamentos de maior eficácia
para doenças crônicas e doenças raras, tem trazido a discussão sobre seu uso
apropriado e a gestão dos seus custos nos processos de assistência médica. A
percepção das operadoras de que estes medicamentos apresentam custos muito
elevados deve tomar em conta a confiança da indústria farmacêutica na validade
de seus produtos e no desejo de que paguem por eles. Portanto, um ponto de
equilíbrio entre estas duas percepções também é o compartilhamento de risco
entre a operadora e a empresa farmacêutica. Dessa forma, acordos de
compartilhamento de riscos para produtos farmacêuticos significariam, para a
operadora, que os custos não seriam reembolsados caso os resultados não sejam
alcançados. Embora possam haver dificuldades na elaboração de esquemas de
compartilhamento de risco para cada produto, esses esquemas vêm se tornando um
recurso básico para a utilização das terapias baseadas em medicamentos de alto
custo nos países desenvolvidos e podem ser a chave para o funcionamento futuro
do mercado farmacêutico com as terapias gênicas.
NOTAS DE FIM
DE TEXTO
[i] Ver Medici, A.C., “O Plano
Real e a Viabilidade do SUS” in https://monitordesaude.blogspot.com/2019/07/o-plano-real-e-viabilidade-do-sus.html
[ii] Esses planos tem tido reajustes anuais de até 200% como resposta a elevada inflação do setor saúde no Brasil, mas a falta de uma revisão ou definição de parâmetros para esses reajustes pode levar muitas vezes algumas operadoras a realizar inadvertidamente reajustes abusivos que podem prejudicar as empresas, especialmente as menores que não tem capacidade de negociação de seus contratos e precisam manter a regularidade saudável de sua força de trabalho.