Ano 12, No. 88, Março 2018
André Cezar Medici
Introdução
Como resultado do rápido processo de transição
demográfica e epidemiológica no Brasil, o avanço do peso das doenças crônicas
passa a ser um processo inexorável, trazendo como consequência aumentos nos
custos de tratamento destas doenças que só podem ser suportados financeiramente
por aquêles que tem alguma forma de proteção financeira. O SUS, apesar dos
esforços crescentes para melhorar a cobertura de diagnóstico e tratamento,
acaba protegendo, ainda que de forma incompleta, aquêles que vivem em Estados e
Municípios onde o SUS oferece melhores serviços para o tratamento destas
doenças. Como sempre, os grupos mais pobres são os mais desprotegidos.
De acordo com os dados do Sistema de Informação
de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, Em 2014, o câncer era a segunda
maior causa de mortalidade no país. Somente as doenças do coração e aparelho
circulatório apresentam maior mortalidade proporcional que o câncer. Naquele
ano, cerca de 202 mil mortes por câncer foram registradas no país, sendo os
principais aquêles relacionados a traquéia, brônquios, pulmões, cólon, reto,
mama (o primeiro entre as mulheres) e estômago.
O crescimento do pêso relativo do câncer na
mortalidade não ocorre somente no Brasil, mas sim ao nível global. De acordo
com a Sociedade Norte-Americana de Câncer (American
Cancer Society), o número de novos casos, ao nível mundial, passará de 14,6
para 20,2 milhões por ano, entre 2010 e 2030 e a maioria deles ocorrerá nos países
em desenvolvimento como o Brasil, onde os fatores de risco e os processos de
promoção e prevenção tem tido menor controle por parte das autoridades
sanitárias.
Porque Os Custos do Câncer são Crescentes
O volume de tratamento e os gastos com câncer
no Brasil aumentam exponencialmente, mas mesmo assim, estão aquém do
atendimento das necessidades. Entre 1999 e 2015, os gastos somente com
tratamento (excluindo promoção e prevenção) aumentaram de R$470 milhões para R$3,3
bilhões em valores nominais[1],
ou seja, um crescimento de sete vezes num periodo de 16 anos. Cerca de dois
terços destes gastos assistencias estão relacionados somente à quimioterapia.
As descobertas de novos medicamentos,
equipamentos, tratamentos e terapias tem aumentado muito as chances de cura do
câncer, mas muitos argumentam que estas inovações agregam custos crescentes
impossíveis de serem financiados pelos sistemas públicos de saúde. Será que
isso é verdade?
Considerando os atuais parâmetros de
tratamento, os custos do câncer aumentam exponencialmente, por ocorrerem em
idades relativamente jovens, serem detectados tardiamente, e necessitarem de
medicamentos e tecnologias caras. Muitos dos gastos estão associados a
tratamentos paliativos, onde as chances de cura em estágios avançados da doença
já são muito remotas. Considerando novamente as estimativas da Sociedade
Norte-Americana de Câncer, os gastos com tratamento de câncer, ao nível
mundial, aumentarão de US$290 para US$458 bilhões entre 2010 e 2030.
Mas boa parte do aumento destes gastos se
justifica pelos custos associados ao tratamento em estágios mais avançados da
doença. No Brasil, dado que a maioria dos casos é detectada nestes estágios
avançados e as estratégias de prevenção do câncer ainda tem uma cobertura muito
baixa, o número de pessoas que necessita de medicamentos e terapias (mesmo as
novas e mais caras) tende a ser proporcionalmente elevado. Portanto, no rítimo
atual de crescimento da doença, as necessidades de financiamento ficarão sempre
aquém das possibilidades de atender a todos os casos.
Os estágios (ou estadiamentos) do câncer são
definidos em função da gravidade da progressão da doença. Em geral, os custos
diretos do câncer são crescentes de acordo com sua gravidade, exigindo maior
intensidade no tratamento e portanto custos mais elevados. Em geral estes
estágios podem ser resumidos como:
- Estágio 0: Carcinoma em situ, ou seja, restrito a área inicial onde aparece.
- Estágio 1: Início de tumor na área inicial mas sem comprometimento linfático.
- Estágio 2: Espalhando-se no tecido inicial ou em mais de um tecido com comprometimento do sistema linfático.
- Estágio 3: Localmente avançado, espalhado por mais de um tecido e causando comprometimento linfático.
- Estágio 4: Metástase a distância, ou seja, espalhando para outros órgãos ou todo o corpo.
- Estágio 5: Fase terminal.
No Brasil, segundo pesquisa financiada pelo
Tribunal de Contas da União em 2010, 60,5% dos casos de câncer são
diagnosticados nos estágios 3 e 4. Nestes estágios, os custos de tratamento
costumam ser entre 60% e 80% maiores que nos estágios 1 e 2, com possibilidades
de cura sensivelmente menores.
Embora a incorporação de tecnologia de novos
medicamentos tenda a ocorrer em todos os estágios do câncer, o custo das novas tecnológias
tenderá a ser menor nos estágios iniciais do que nos avançados, minimizando o impacto
financeiro da incorporação tecnológica. Portanto, muitas economias poderão ser
feitas caso os diagnósticos sejam realizados nos estágios iniciais de
tratamento e, por outro lado, sejam aumentados os esforços de prevençao de
fatores de risco do câncer, através de medidas como a vacinação contra agentes patogênicos
que podem levar ao desenvolvimento do câncer. Por exemplo, a vacinação contra a
hepatite B poderá ser um fator importante de prevenção contra o câncer do
fígado, que se desenvolve com maior probabilidade entre as pessoas que tiveram
esta doença. Da mesma forma, a vacina contra o HPV entre meninas adolescentes é
um grande fator de prevenção do câncer cérvico-uterino.
Estudos realizados pela ABRALE sobre alguns
tipos de câncer, usando dados do DATASUS, revelam diferenças substancias no
custo de tratamento destes distintos estágios para alguns tipos de câncer no
Brasil, como pode ser visto nos gráficos que se seguem, que analisam os custos em
diferentes estágios de desenvolvimento, dos cânceres de reto, cólon, mama pré-menopausa
e mama pós-menopausa.
Pode-se observar que os gastos do SUS nos
estágios dois e três são bem maiores que no estágio 1 para os casos de câncer
de reto, colon e mama. No caso do câncer de mama pré-menopausa, por exemplo, o
custo no estágio 3 por paciente era seis vezes maior: R$65.125, comparado com
R$ 11.373 no estágio 1. Investir em diagnóstico precoce do câncer, além de
aumentar as possibilidades de cura, poderá trazer muitas economias ao SUS,
principalmente por evitar gastos muitas vezes paliativos elevados com pacientes
em estágios mais avançados da doença.
A primeira resposta a esta pergunta é investir
mais em promoção e prevenção, principalmente nas ações que minoram ou evitam os
fatores de risco do câncer. Em segundo lugar, se deve investir muito mais em diagnóstico
precoce para o câncer, porque permite salvar vidas e gastar menos com
tratamento e porque se detectada a doença, estará em estágios preliminares de
seu desenvolvimento, fazendo com que os custos de seu tratamento sejam muito
menores.
O tratamento do câncer em estágios mais
avançados é mais complexo, incerto e caro, trazendo gastos mais elevados com medicamentos,
terapias e hospitalização. Um estudo realizado pela UNIMED de Belo Horizonte em
447 pacientes com câncer detectados em estágio avançado e em estágio inicial,
entre 2008-2010, revelou que o custo de tratamento dos pacientes em estágio
avançado, acumulado em US$35 milhões, seria de apenas US$ 5 milhões caso a
doença fosse detectada na fase inicial.
Pesquisas internacionais relelam que um terço
das mortes por câncer poderiam ser evitadas se os casos fossem detectados
precocemente e tratados nos estágios iniciais e um terço de casos adicionais
poderiam ser evitados com a modificação de exposição aos fatores de risco já
conhecidos, como o tabaco, o alcool, dietas inadequadas, falta de atividade
física, exposição a poluição ambiental e a ambientes de trabalho insalubres,
além de outros. Nos países onde há maior promoção, prevenção e detecção
precoce, os casos de câncer aparecem mais tarde do que em países onde os níveis
de promoção, prevenção e detecção precoce são mais baixos, como o Brasil.
Considerações Finais
Portanto, culpar as inovações tecnológicas
pelos altos custos do tratamento do câncer, não parece ser o foco mais
adequado. As inovações tecnológicas tem seu custo e portanto, em casos onde
estas são necessárias ser utilizadas para salvar vidas, os custos devem ser
pagos, quando adequados, através de comprovações realizadas por análises
econômicas sérias que avaliem o custos do tratamento vis-a-vis sua efetividade.
Os medicamentos biológicos, a imunoterapia e outras inovações, apesar de seu
custo, são uma importante promessa para avançar na cura de determinados tipos
de câncer (incluindo em estágios mais avançados), a um custo que, embora mais elevado,
deverá ser pago quando não há alternativas. Mas se o número de casos que
necessita estes tipos de tratamento diminui, em função da prevenção e
diagnóstico precoce, os custos do tratamento com estas inovações poderão ser
financiados para quem precisa.
O dever de casa dos governos, como parece ser o
caso dos gestores do SUS, é minimizar os riscos dos pacientes através dos eforços
de prevenção e diagnóstico precoce e de financiar o tratamento através de novas
tecnologias quando estas são comprovadas como custo-efetivas, para os casos não
evitados. Os governos deveriam se esforçar para aumentar a promoção de hábitos
saudáveis, prevenção de fatores de risco e diagnóstico precoce do câncer,
buscando reduzir as mortes e aumentar a expectativa de vidas daqueles que tem
ou tiveram esta doença.
Estudos recentes realizados pela terceira
edição do Programa de Controle de Doenças
Prioritárias (DCP3) publicaram, no volume relacionado ao câncer[2],
um conjunto de medidas que teriam grande efeito na redução dos casos de câncer.
Estas medidas incluem ações como a taxação do tabaco, a eliminação da
propaganda, a proibição do uso do tabaco em locais públicos, a vacinação obrigatória
contra o HPV (escolas) e hepatite B (incluindo dose ao nascer); exames e
tratamento de lesões pre-canceríginas de câncer cervical e tratamento precoce
quando identificado; cirurgias desobstrutivas e tratamento precoce de câncer
colo-retal; identificação e tratamento curativo contra câncer de mama em
estágio precoce e identificação e tratamento precoce de alguns tipos de câncer
infantil. O custo per-capita anual destas medidas seria estimado em US$ 5,72 em
países de renda média como o Brasil, que já avançou significativamene em áreas
como a taxação, eliminação da propaganda e proibição do tabaco em locais
públicos e a vacinação contra a hepatite B e o HPV. Mas o grande investimento
estaria realmente em aumentar a capacidade de nossa rede pública para fazer
diagnóstico precoce de câncer e em regular a exposição da população a fatores
de risco, incorporando para aqueles que precisam, o tratamento através de novas
tecnolgias e medicamentos de comprovada eficácia.