domingo, junho 30, 2013

A Saúde na Voz do Povo e as Manifestações de Junho 2013 (*)




Ano 7, No. 48, Junho 2013
André Medici
Introdução

Para os estudiosos dos BRICS, vale a pena assistir a palestra dada pelo Prêmio Nóbel de Economia, Amartya Sen, no último dia 20 de junho, na sede do Banco Mundial em Washington (1). Ao comparar  Índia e China, Sen pontificou que o atraso relativo da Índia repousa na baixa qualidade de suas políticas de educação e saúde. A entrevista leva à conclusão de que os países não deveriam esperar que a população alcançasse uma renda minimamente razoável (ou uma melhor distribuição de renda) para iniciar a reduzir o hiato nos níveis de educação e saúde entre os mais ricos e os mais pobres. 

Para ele é justamente o contrário. Estas duas políticas deveriam ser prioritárias nos investimentos e nas estratégias de desenvolvimento em qualquer país que queira alcançar equidade e crescimento de forma rápida e sustentável. Melhor educação e saúde são requisitos primordiais para o desenvolvimento econômico, melhoria do bem estar e crescimento da renda da população pobre, pois resolvem as desigualdades que estão na raís do subdesenvolvimento, refletidas na falta de oportunidades associada a baixa qualidade do capital humano. Educação e Saúde são os caminhos mais curtos para gerar uma sociedade produtiva e inovadora e vários países do Oriente, desde o pós guerra, como o Japão e Coréia, e mais recentemente China e Vietnã, são exemplos vivos do que se pode conseguir com o compromisso com estas políticas.

Enquanto isso, os governos dos BRICS do Ocidente parecem ainda estar longe de aprender estas lições. Preferem pregar para o seus eleitores que o principal caminho para o desenvolvimento é a transferência direta de parte dos impostos arrecadados para a renda monetária das famílias e acabam postergando inadiáveis investimentos em educação e saúde que poderiam ser feitos de forma adicional às políticas de transferência de renda. Procuram enganar os mais pobres ao faze-los pensar que a pobreza é um simples problema de falta de dinheiro, e roubam-lhes o direito a terem melhores condições para construir seu desenvolvimento sustentável e o caminho para a prosperidade como indivíduos e nação, através do aumento de seu capital social e humano e de investimentos em infra-estrutura social pública que melhorem as condições de vida e a produtividade da economia.

Governos populistas modernos, onde a mídia se tornou o meio de comunicação privilegiado e a classe política não tem compromisso com os problemas sociais da população que os elegeu, preferem usar hipocritamente a ilusão do pão e circo, ao invés de cultivar valores éticos, morais e sociais do desenvolvimento no seio de seus eleitores. Criam-se através da mídia, no imaginário popular, fábulas sobre investimentos públicos em infraestrutura financiados por fontes inesgotáveis de recursos para o desenvolvimento. Prometem que o mundo vai se curvar diante de um modelo de desenvolvimento baseado num Estado gigante e gastador. Mas as promessas não se realizam e, enquanto isso, a carga tributária aumenta na mesma proporção que a corrupção, a violência, a falta de serviços públicos dignos, a insegurança e a impunidade.

Mas ninguém pode enganar a muitos por muito tempo. Os movimentos populares de junho de 2013 podem ser só o começo de uma mudança que poderá ir muito além das reinvindicações imediatas que se observa. Estas começaram com protestos contra o caótico e humilhante sistema de transporte das metrópoles brasileiras, mas se extenderam à uma crítica feroz à falta de investimentos públicos em saúde, em educação, a impunidade dos crimes de corrupção e dos casos julgados e não resolvidos de políticos e autoridades que enriqueceram às custas de um orçamento público que é o reflexo de uma das maiores cargas tributárias do mundo, mas aonde os recursos não retornam com dignidade como benefícios aos contribuintes.

A desaprovação crescente das políticas de saúde praticadas pelo Governo nos últimos anos

A Constituição Brasileira de 1988, com grande mérito, prometeu à sociedade brasileira um sistema de saúde universal, igualitário e integral. Durante muito tempo a mensagem de que todos os brasileiros tem este direito esta no ar, atingindo progressivamente todas as classes e segmentos sociais da população. O Brasil foi um dos primeiros países latino-americanos a incorporar este direito social na Constituição, mas demorou muito para começar a honra-lo publicamente. Entre 1988 e 1994 nada se fez para cumprir a Constituição e somente a partir de 1995, com a estabilização econômica, o governo começou a se organizar para por em marcha as estruturas públicas necessárias ao cumprimento dos preceitos constituicionais. Entre 1995 e 2002 ocorreram as grandes inovações que marcaram avanços no sistema de saúde brasileiro: o programa de saúde da família (PSF), a estrutura de financiamento do SUS baseada na transferencia de recursos aos Estados e Municípios, a regulação da saúde suplementar, as normas operacionais que marcam o funcionamento e regulação do SUS, enfim, a máquina pública foi azeitada para funcionar.

Mesmo assim, as expectativas geradas eram muito grandes, ao ponto de que, nas pesquisas de opinião, a falta de acesso ao sistema de saúde era considerada o segundo maior problema do Brasil em 2002. Mas seria natural esperar nos anos subsequentes que, com a macroeconomia estabilizada e a economia mundial soprando a favor, o Brasil não precisasse mas dispensar grandes esforços para honrar os compromissos com a saúde dos brasileiros a partir de 2003. As estruturas básicas de sustentação da universalização da saúde já estavam com seus pilares construídos – tanto no plano econômico como no das políticas de saúde.

Mas as expectativas dos últimos anos não parecem ter sido cumpridas. E não é difícil saber porque. Vamos primeiros aos números da insatisfação e depois às causas. Desde meados década passada, o IBOPE (2) e a CNI (3) se associaram para produzir trimestralmente uma avaliação sistemática da opinião pública sobre o governo e suas principais políticas sociais entre eleitores com mais de 16 anos de idade. A partir de 2009, no bloco de avaliação das políticas de governo, esta pesquisa começou a divulgar opiniões separadas sobre saúde, que até então eram dadas de forma conjunta com o tema educação. A avaliação que se segue é baseada nestas pesquisas. Dado que opiniões também podem sofrer efeitos de sazonalidade nos distintos meses do ano, resolvemos considerar as opiniões do mês de junho entre os anos 2009 e 2013.

Os principais resultados dessas comparações foram os seguintes:

(a)    A saúde passou a ser o principal ítem de desaprovação das políticas públicas do governo desde 2009;

(b)   O nivel de desaprovação da saúde entre a população aumentou de 53% para 66% entre junho de 2009 e junho de 2013 (4);

(c)    Em junho de 2013, o nível de desaprovação era maior entre as mulheres (67%) do que entre os homens (66%);

(d)   Em junho de 2013, o nivel de desaprovação alcançou proporções maiores entre os jovens de 25 a 29 anos (70%) e de 30 a 39 anos (69%);

(e)   Em junho de 2013, a desaprovação das políticas de saúde alcançou níveis mais elevados entre as pessoas com nível superior de instrução (76%).

Desde 2009, portanto, as vozes insatisfeitas das ruas estão aumentando e dando mensagens claras, as quais os governos, nos níveis federal, estadual e municipal, deveriam estar escutando. E estas mensagens já vinham, de alguma forma, com a mesma composição daquelas vozes que explodiram nas ruas em junho de 2013: muita participação de trabalhadores jovens e universitários que pacificamente querem que o governo volte a gastar os recursos públicos de forma honesta e responsável, dando prioridade aos compromissos assumidos com as políticas públicas de transporte, educação e saúde e com os prometidos investimentos em infra-estrutura econômica e social que poderão gerar melhores oportunidades para o crescimento, resolvendo os estrangulamentos que hoje impedem o crescimento da economia brasileira e aumentam os riscos de estagflação.

As causas da insatisfação com o sistema de saúde

Mas porque tanta insatisfação com o sistema de saúde no país? Em janeiro de 2012, o IBOPE-CNI divulgou uma pesquisa em profundidade sobre as causas da insatisfação dos eleitores de 16 anos e mais com o sistema de saúde (5), realizada entre 16 e 20 de setembro de 2011. Algumas questões merecem destaque nesta pesquisa:

Sobre a situação de saúde no Brasil, 61% dos entrevistados consideravam o serviço público de saúde péssimo ou ruím; 54% consideravam os serviços públicos de saúde da sua cidade péssimos ou ruíns e 85% não perceberam avanços positivos no sistema de saúde público nos útimos três anos sendo que 43% consideram que o sistema piorou.

Quanto à qualidade dos serviços para os que utilizaram a rede pública ou privada, 63% dos que utilizaram a rede privada consideraram o serviço como ótimo ou bom, comparado com apenas 48% dos que utilizaram a rede pública (6). Dos que utilizaram os serviços hospitalares, a nota recebida pelos que utilizaram os hospitais públicos foi de 5,7 comparada com 8,1 dos que se serviram dos hospitais privados, numa escala de zero a dez. Controlando-se esta questão pelo nível de renda, verifica-se que nos grupos com renda familiar mais baixa (menos de um salário mínimo por mês), a nota recebida pelos hospitais públicos foi 5,9 comparada com 8,0 nos hospitais privados, enquanto que nos que tem renda familiar superior a 10 salários mínimos, as notas atribuidas aos hospitais públicos e privados foram 5,3 e 8,1 respectivamente. Os profissionais de saúde que atendem nos hospitais públicos (7) receberam uma nota de 6,2 comparado com 8,2 atribuida aos que atendem nos hospitais privados. Controlando-se esta informação pelo nível de renda familiar, a nota atribuida aos hospitais públicos para os que ganham menos de um salário mínimo foi de 6,5 comparada com 8,2 nos que atendem nos privados. Para o grupo de mais de 10 salários mínimos as notas foram de 5,7 e 7,8 para hospitais públicos e privados, respectivamente. Fica claro, portanto, que independentemente do nível de renda familiar, a avaliação da qualidade dos hospitais privados tem sido sempre superior a dos hospitais públicos.

Quanto aos principais problemas do setor público de saúde, 55% da população brasileira considera a demora no atendimento como o principal problema da rede pública; Seguem em ordem de importância a falta de equipamentos, unidades e investimentos de saúde (10%) e em terceiro lugar, a falta de médicos (9%).

Quanto as opiniões sobre  políticas e ações para melhorar o sistema público de saúde no Brasil, 95% da população entrevistada concorda que é necessário que os governos invistam mais recursos na área de saúde. No entanto, quando perguntados de onde deveriam vir estes recursos, numa questão de múltiplas respostas, 82% acreditam que acabar com a corrupção é a principal forma; seguido de redução de disperdícios (53%). Muito poucos (18%) acham que deveriam ser transferidos recursos de outras áreas e quase ninguém (4%) acredita que se deveriam criar mais impostos para financiar o setor.

Quanto a principal ação para melhorar o serviço médico na rede pública de saúde, numa questão de múltiplas respostas, 57% acham que deveria aumentar o número de médicos, mas um percentual bastante próximo (54%) considera necessário equipar melhor os hospitais e postos de saúde.

A maioria dos brasileiros (62%) concorda totalmente que os hospitais privados são melhores que os hospitais públicos, mas 24% concordam parcialmente com esta afirmação. Somente 6% discordam parcialmente e 4% totalmente de que os hospitais privados são melhores do que os hospitais públicos. Seguindo este raciocínio, a maioria dos brasileiros 63% concorda totalmente ou parcialmente que a transferência de hospitais públicos para o setor privado vai melhorar o atendimento e somente 28% discordam totalmente ou parcialmente desta afirmativa.

A  grande maioria (83%) concorda que o governo tem a obrigação de oferecer serviços de saúde gratuitos a toda a população, adicionados de 12% que concordam parcialmente com esta afirmação. No entanto, perguntados se o sistema de saúde é injusto porque todos o financiam via impostos, independentemente de seu uso, a maioria (68%) concordou totalmente ou parcialmente e só 13% discordaram parcialmente ou totalmente da afirmação.

Essa pesquisa também demonstrou que embora existam diferenças regionais e socio-econômicas quanto as opiniões da população, elas não são significativas. Assim, enquanto 61% dos brasileiros consideravam que o sistema público de saúde era ruím ou péssimo, este percentual variava entre 54% na Região Sul até 65% no Sudeste. Em relação ao nível de renda mensal, os que consideravam ruim ou péssimo variavam entre 51% (até um salário mínimo) até 63% (mais de 10 salários mínimos).

As piores avaliações se encontravam nos municípios das capitais estaduais, onde 67% achavam que o sistema público de saúde era ruím ou péssimo, comparados com os municípios do interior, onde este percentual caia para 58%, mantendo-se na faixa de 62% nas periferias metropolitanas. Considerado o tamanho de cidade, dos que viviam em municípios com até 20 mil habitantes, cerca de 58% consideravam o sistema público de saúde péssimo ou ruím, comparados com 65% naqueles que vivem em cidades com mais de 100 mil habitantes. Muitas outras características e detalhes da opinião dos eleitores sobre a situação de saúde do Brasil e a sobre atuação do governo na área podem ser encontrados na publicação on line dos resultados da pesquisa.

Interpretando os resultados: o que a população quer?

Uma interpretação adequada dos resultados poderia levar o governo a reorientar suas ações para o que a população deseja e assim evitar boa parte das nefastas políticas setoriais que hoje respondem a interesses políticos, ideológicos, particulares ou corporativos. Vejamos como alguns desses resultados poderiam ser interpretados:  

a)    Financiamento, choque de ética e aumento da eficiência do Estado: A população acha, com razão, que o governo tem investido pouco em saúde e é necessário aumentar o financiamento para o setor. Mas acha que os recursos poderiam ser obtidos por um governo mais comprometido com a ética e a eficiência, seja reduzindo a corrupção, seja organizando melhor a gestão setorial e reduzindo o disperdício dos recursos. Muito poucos teriam tolerância a aumentar impostos para a saúde. E tem razão. Num sistema ineficiente de saúde, mas recursos, sem que se resolvam os problemas de corrupção e disperdício, seriam inócuos. Portanto, todo o cuidado é pouco aos que propõe secamente criar uma nova taxa ou imposto para a saúde. Mais recursos num sistema que não funciona certamente não trarão os benefícios esperados. Mas não resta dúvida que, com os recursos atualmente existentes, o sistema tem sérias limitações para realizar os investimentos necessários e prover uma atenção de saúde de qualidade.

b)  A saúde é urgente e requer respostas rápidas: A maior queixa da população é a demora no atendimento. Ela é que leva à dor, ao sofrimento e à morte. Problemas de saúde são urgentes e requerem respostas rápidas e oportunas. Se estas respostas não vem e a população tem que enfrentar longas filas, acaba passando pelo pior. É por este motivo que a população reclama das filas não atendidas nas urgências hospitalares. Algumas soluções estão a caminho, principalmente nos governos estaduais e municipais, como as AMES, UPAS e os sistemas expeditos de regulação da oferta voltados para o atendimento rápido da demanda, tendo como retaguarda o programa de saúde da família (PSF). Mas estas soluções ainda estão longe de serem completadas em todas as regiões e os mais pobres ainda são os que menos se beneficiam. O PSF ainda não conseguiu ultrapassar a meta de cobertura de 50% da população brasileira.

c)   Público ou privado: quem deve prestar os serviços? Ao avaliar os serviços de saúde e os hospitais, a maioria da população brasileira foi taxativa ao expressar que os serviços privados e os profissionais ocupados neste setor são melhores do que os do setor público. Mas o governo tem insisitido em uma estratégia de serviços que progressivamente se organiza através do setor público. Não existe nada contra o setor público prestador de serviços, desde que ele possa entregar serviços de qualidade a um custo razoável para os contribuintes com eficiência e, principalmente, sem corrupção. Isso ocorre em muitos países mas esta não é a realidade no Brasil. Diante disso, o governo tem duas opções: ou melhora a qualidade dos serviços públicos e passa a atrelar o financiamento aos resultados, adotando incentivos e punições àqueles que  se interpõe no caminho, ou passa a comprar os serviços do setor privado. Muitas pessoas de boa fé preferem a primeira opção, mas sabemos que ela é penosa e cheia de pedras no caminho. Como a população brasileira é pragmática, ela já fez a sua opção.  Cerca de 63% dos brasileiros acredita que transferir a atenção dos SUS dos hospitais públicos para os privados melhoraria a qualidade dos serviços. Mas se sabe que isto nem sempre é possível, especialmente nas áreas mais remotas e desprovidas onde a única opção seria a atenção pública. De qualquer forma fica a dica. Tentar fazer com que o Estado seja mais comprador de serviços do que prestador,  e tentar organizar a provisão de forma eficiente é a lição aprendida das ruas quanto a esse ponto. Mas existem vários problemas associados a isso, a começar pelo baixo valor pago pelo SUS aos serviços prestados tanto pelos hospitais privados como públicos (embora estes últimos tenham garantido pelo menos o pagamento da folha de salários). Aumentar a qualidade dos serviços exige que os serviços sejam remunerados adequadamente e isto também só poderia ser feito quando, após o fim da corrupção e da ineficiência, puder se separar o joio (maus hospitais) do trigo (bons hospitais). Um caminho curto seria remunerar os melhores hospitais por sua performance.

d)    Mais médicos e mais infra-estrutura: De acordo com a pesquisa IBOPE-CNI, a população associa a má qualidade do sistema de saúde à falta de médicos e de infra-estrutura adequada das unidades de saúde. Quanto a infraestrutura, não cabe dúvida. São investimentos gigantescos que deixaram de ser feitos em obras, equipamentos, sistemas de diagnóstico, logística e de gestão em saúde. Mesmo nas unidades novas, recém-construidas, a falta de planos de manuntenção leva a deterioração rapida das instalações existentes. Mas vejamos o tema da falta de médicos. Em algumas partes do país, é fato consumado que os médicos não estão lá. Muitos municípios, bairros da periferia e regiões rurais são vazios demográficos de profissionais de saúde. Mas nas regiões urbanas e metropolitanas, será que a percepção da população se associa realmente à falta de médicos ou ao fato de que, mesmo contratados, os médicos não estão lá? Muitos médicos não aparecem em seus empregos, com a conivência dos chefes e secretários de saúde. O setor público carece de estudos sobre a distribuição dos médicos e profissionais de saúde, mas o pior é o vazio de estudos e propostas para melhorar a organização e gestão das equipes de saúde, valorizando o conteúdo de outras profissões (muitas igualmente escassas, como enfermeiros) que poderiam desempenhar trabalhos erroneamente atribuidos aos médicos. Quem tiver a chance, deveria ler o artigo recente A Importação de Médicos e o Ato Médico, no blog de de Simon Schwartzman   (http://schwartzman.org.br), onde  se fala sobre a Lei do Ato Médico, recém aprovada pelo Senado Brasileiro, que restringe a atividade profissional de enfermeiros, psicólogos e outros profissionais de saúde, seguindo na contra-mão ao movimento realizado nos demais países em valorizar o trabalho de equipes multi-profissionais.

Considerações Finais

A maioria da população acha que melhorar os serviços de saúde no Brasil exigiria maiores compromissos com uma gestão eficiente, eliminando disperdícios e a corrupção, mas também mais recursos. Nem sempre isso seria possível de realizar de imediato num sistema que pouco se tem dedicado ao planejamento e a priorização dos gastos em saúde. Por não ser claro em suas prioridades, o sistema tem sido vilipendiado pela judicialização da saúde que, ao cobrir demandas judiciais por atendimentos caros com recursos limitados, acaba desfinanciando os serviços de qualidade que deveriam ser destinados a população mais pobre.

Há muito ainda o que fazer para melhorar a saúde no Brasil, mas as mensagens de insatisfação da população estão aí ha muito tempo. Melhoramos nossos indicadores de saúde nos últimos vinte anos, mas não tanto como deveríamos. Mais do que isso, as vozes da maioria não foram ouvidas e, como um rio, elas tem que passar em direção ao mar. O que realmente importa é fazer com que o desenvolvimento seja o espelho da democracia. O populismo tenta infantilizar a sociedade através de soluções aparentemente fáceis mas que não trazem nem desenvolvimento nem igualdade de oportunidades. E a sociedade inexoravelmente cresce, e se não for reprimida, mostra a sua cara e reinvindica o que é seu.

 Notas

           (*) O autor agradece aos comentarios de Simon Schwartzman.
           (1) Amartya Sen: Why is China Ahead of India? Ver: http://blogs.worldbank.org/developmenttalk/developmenttalk/amartya-sen-india-and-china

          (2)   O IBOPE é a maior empresa privada de pesquisa da América Latina e a 12ª maior do mundo. Tem mais de 70 anos de experiência e se dedica majoritariamente as pesquisas de medição de audiência da televisão, pesquisas eleitorais e de opinião pública.

          (3) A Confederação Nacional da Industria (CNI) é a instituição representativa das empresas industriais brasileiras.
 
          (4) O accesso à pesquisa IBOPE-CNI de junho de 2013 pode se dar na página web: http://www.portaldaindustria.com.br/cni/publicacoes-e-estatisticas/publicacoes/2013/06/1,4053/pesquisa-cni-ibope-avaliacao-do-governo.html

          (5) O accesso a esta pesquisa pode ser obtido na página: http://www.cni.org.br/portal/data/pages/FF80808134CE91AD0134D2267E4E09D3.htm

          (6) Esta nota é uma média das notas obtidas em 11 ítems sobre qualidade dos hospitais que foram pesquisados separadamente, os quais são: disponibilidade de medicamentos; limpeza e manutenção; roupas, toalhas e roupas de cama; material e medicamentos; relação do hospital com pacientes e parentes; facilidade de acesso ao hospital; segurança do hospital; alimentação oferecida; infra-estrutura e equipamentos médicos; tempo médio para a realização dos exames; e tempo de espera para o atendimento e internação.

             (7) Esta nota é uma média das notas obtidas em oito ítens associados a qualidade dos recursos humanos do hospital: competencia e conhecimento dos médicos; relacionamento do médico com os pacientes; frequência e presença dos médicos no hospital; quantidade de médicos; competência e conhecimento dos enfermeiros; relacionamento dos enfermeiros com os pacientes; frequência e presença de enfermeiros no hospital; e quantidade de enfermeiros.

domingo, junho 09, 2013

Brasil, Tabaco e Câncer de Pulmão: O que dizem os Números



Ano 7, No. 47, Junho 2013


André Medici
Kaizô Beltrão

Introdução

O dia 31 de Maio é celebrado como o Dia Mundial Sem Tabaco pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Porquê? (a) Porque o tabaco é um dos principais fatores de risco para uma série de doenças crônicas, como as cardiovasculares, o câncer de pulmão, traqueia e brônquios, problemas respiratórios e muitas, muitas outras, e; (b) Porque 20% da população mundial é usuária de produtos derivados do tabaco.

Cerca de dois terços destes usuários se encontram concentrados em quinze países.  São eles China (27,2%), Índia (10,4%), Indonésia (4,5%), Rússia (4,1%), Bangladesh (2,3%), Brasil (2,2%), Paquistão (2,0%), Polônia (1,9%), Filipinas e Turquia (cada um com 1,5%), Vietnam (1,4%), México e Tailândia (cada um com 1,1%), Egito e Ucrânia (cada um com 1%) (1). De acordo com estes dados, os BRICS (2) (sem contar a África do Sul) concentram quase 44% do total dos fumantes, o que mostra que o futuro da saúde deste grupo de países ainda é um tanto nebuloso.

Estima-se que em 2011, 6 milhões de mortes estavam diretamente associadas ao consumo de tabaco, das quais 80% ocorreram nos países de renda média e baixa. Mas os problemas do tabaco não ocasionam danos somente para os que fumam por livre e espontânea vontade. A exposição ao tabaco deixa muitas seqüelas para aqueles que, mesmo sem fumar, convivem diariamente com fumantes, nos domicilios, nos locais de trabalho, nos espaços de convivência social, como restaurantes, bares, mercados, e em outros espaços públicos e privados. Ainda com base nas estimativas de 2011, cerca de 600 mil pessoas (um adicional de 10% ao número de mortes diretamente associdas ao tabaco) morreram em decorrência da exposição cotidiana ao tabaco sem nunca terem fumado, das quais 75% eram mulheres e crianças (3).   Por outro lado, mesmo deixando de fumar, as seqüelas à saúde derivadas do tabaco permanecem na carga de doença dos ex-fumantes. Portanto, o melhor seria investir em campanhas que incentivem que os jovens a não fumar ou, se o fazem, que deixem de fumar o mais rápido possível, dado que quanto mais cedo isto ocorrer, menores serão as sequelas à saúde da humanidade no futuro decorrentes do tabaco. Com base neste argumento, muitos governos e operadoras de planos de saúde, ao nível mundial, tem investido em políticas econômicas e sociais contra o tabaco.

Os governos tentam aumentar os impostos contra o tabaco para evitar o hábito precoce de fumar entre os jovens e os mais pobres, muitas vezes, com bons resultados. Mas como corolário, os Ministérios da Fazenda ficam reféns das receitas oriundas dos impostos cobrados pelo tabaco e as vezes são os primeiros a resistir a medidas mais radicais que venham a reduzir o consumo ou a produção de tabaco através de outras vias, como a proibição de fumar em espaços públicos, a proibição da propaganda de cigarros ou mesmo os incentivos para substituir a produção de áreas de tabaco por outras formas de agricultura menos rentáveis, usando subsídios públicos aos produtores (dada a alta rentabilidade econômica da ´produção agrícola do tabaco, que normalmente se dá em condições oligopsônicas e as compras são precificadas pelas multi-nacionais do setor).

Além do mais, para os grupos de renda média, especialmente aqueles de menor escolaridade como “as novas  classes medias afluentes”, o consumo de cigarro é relativamente inelástico à alta de preços e com isso, o aumento da tributação repassada aos preços de consumo acaba deixando de ser eficaz como política de redução do consumo.

No que se refere aos planos de saúde, as estratégias que tem funcionado melhor são baseadas no uso de apólices de seguro-saúde mais caras para aqueles que são fumantes, vinculadas a subsídios ao tratamento para os que querem deixar de fumar e reduções no valor das apólices, para os que abandonam o vício. Operadoras de saúde norte-americanas, como a Kaiser Permanente, tem usado muito este expediente. O que gastam adicionalmente com os subídios ao tratamento e com a redução no valor das apólices dos que deixam de fumar, economizam no fluxo de caixa futuro, ao evitar os custos hospitalares dos casos crônicos e agudos, especialmente de pacientes terminais com sequelas incuráveis derivadas do consumo de tabaco.

Associado a tudo isso, a melhor solução, seja para governos, seja para planos de saúde, é conscientizar a população para deixar de fumar. Uma das vias exitosas para evitar o aumento do consumo de tabaco são as campanhas na mídia televisiva, impressa, falada ou mesmo as advertências à saúde dos fumantes, colocadas nas embalagens de cigarro, como tem sido feito no Brasil. Muitos países tem se utilizado desse recurso e reduzido o consumo de tabaco ao longo dos últimos anos, em função de conseguir plantar uma semente anti-tabagista nos corações e mentes dos fumantes e de toda a sociedade.

O Consumo de Tabaco no Brasil

Como visto anteriormente, o Brasil é o sexto país com maior consumo de tabaco no mundo, em termos absolutos. Países como os Estados Unidos, com uma população 50% maior que a brasileira, consome menos tabaco que o nosso país.

Mas o Brasil tem sido alvo de campanhas públicas (do Ministério da Saúde ou dos Governos Estaduais e Municipais) bem sucedidas para a redução do tabaco, que passam pela  restrição ao uso dos espaços públicos para prática do tabagismo (bares, restaurantes e ambientes de trabalho) e pela redução das áreas plantadas de tabaco e sua substituição por outros cultivos, através de um programa implementado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) (4) , além de um grande esforço de propaganda anti-tabaco, financiada pelo Governo, em várias formas de mídia. .

Do ponto de vista da educação e promoção de campanhas anti-tabagistas, o Instituto Nacional do Câncer (INCA –autarquia vinculada ao Ministério da Saúde) gerencia o Programa Nacional de Combate ao Tabagismo que, entre outras ações, capacita profissionais das Secretarias de Estaduais e Municipais de Saúde para orientar a população sobre os males do tabagismo em escolas, empresas, hospitais e comunidades, com ações desenvolvidas em parceria com as três esferas de Governo (União, Estados e Municípios).

Além do mais, os níveis de tributação do tabaco no Brasil são bastante elevados. Em algumas áreas do país, este fato leva ao aumento do contrabando e a entrada ilegal de produtos do tabaco em território brasileiro, oriundos de outros países, como é o caso do Paraguai.

Mas, mesmo em que pesem todos os riscos em contrário, ações como estas se intensificaram nos últimos vinte anos, levando o número de pessoas que fumam no Brasil a se reduzir. Entre 2003 e 2008, de acordo com os dados das PNADs-IBGE, a percentagem de fumantes no Brasil se reduziu de 18% para 17% da população com mais de 15 anos, situando-se em cerca de 25 milhões de pessoas em 2008, invertendo a tendência ao crescimento que ainda prevalecia na década anterior. As taxas de participação de fumantes por sexo em 2008 eram bastante diferenciadas: 21% entre os homens e 13% entre as mulheres. A gráfico 1 um mostra a porcentagem de pessoas de 15 anos e mais que usam tabaco fumado no Brasil, de acordo com as Regiões.


Os dados mostram que, em todas as Regiões a prevalência de tabagismo é maior entre os homens do que entre as mulheres. Também indica que em duas Regiões (Norte e Sul) a prevalência entre os homens é maior do que em outras Regiões, enquanto que entre as mulheres, a maior prevalência de tabagismo se verifica no Sul e Sudeste. De todos os modos, destaca-se que a Região Sul é a que apresenta a maior parcela de fumantes comparada com as demais, tanto para homens (23%)  como para mulheres (16%). As menores taxas de prevalência de tabagismo entre os homens se verificam no Sudeste e no Centro-Oeste (21%) e as menores para as mulheres na Região Norte (10%). No entanto, as diferenças regionais na prevalência de tabagismo entre os homens não são grandes, enquanto que entre as mulheres são significativas.

Um outro dado importante, que se verifica na tabela 1, é o fato de que o número de fumantes no Brasil é maior do que o número de ex-fumantes, indicando que ainda não ocorreram mudanças de comportamento massivas que tenham levado grandes contingentes de fumantes a abandonar o vício. De acordo com os dados da tabela 1, a proporção de pesssoas com mais de 15 anos que abriu mão de fumar era de 17% (19% para os homens e 14% para as mulheres).

 Tabela 1: Porcentagem de Pessoas com mais de 15 anos que deixaram de usar tabaco fumado por Região: Brasil  (IBGE: PNAD 2008)




Mas, alguma esperança começa a surgir. Em algumas regiões do país, a proporção de mulheres que abandonaram o hábito de fumar foi maior do que a proporção de mulheres fumantes, como é o caso do Norte, Nordeste e Centro Oeste, mas isso não ocorre entre as mulheres do Sul e Sudeste e entre os homens de todas as Regiões. O gráfico 2 mostra a razão entre fumantes e pessoas que deixaram de fumar. Nas Regiões onde esta razão é inferior a 1, existe uma tendência menor ao abandono do cigarro, enquanto que naquelas onde esta é maior do que um, o número de ex-fumantes já supera o de fumantes.



Um outro fator relevante é a intensidade do hábito de fumar. A PNAD 2008 pesquisou, quanto a este aspecto, o hábito diário ou ocasional de fumar, não só para fumantes como para ex-fumantes. A tabela 2 mostra a percentagem de fumantes assíduos e de ex-fumantes que fumavam diariamente.

 Tabela 2: Porcentagem de Pessoas com mais de 15 anos que fumam diariamente e de ex-fumantes que fumavam diariamente por Região: Brasil (PNAD - 2008)


Os dados revelam que o número de fumantes assíduos é maior do que o de ex-fumantes assíduos, tanto para homens como para mulheres. Verifica-se que o número total de mulheres fumantes assíduas era menor do que o número de mulheres ex-fumantes assíduas em 2008 (5).

Dados mais recentes sobre fumantes e não fumantes no Brasil se encontram no VIGITEL (6), que é uma pesquisa de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, realizada pelo Ministério da Saúde. Os dados do VIGITEL 2011, tem muitas diferenças metodológicas e conceituais em relação aos pesquisados pela PNAD e portanto não podem ser comparados. Eles pesquisam o hábito de fumar entre a população maiorde 18 anos (não de quinze anos e mais, como a PNAD) e tem diferentes formas de agregação regional dos dados. A representatividade da PNAD é nacional, enquanto que a do VIGITEL é restrita às capitais estaduais. O VIGITEL investiga também a questão dos fumantes passivos e o grau de sua exposição ao tabaco.

Segundo os dados do VIGITEL 2011, a proporção de adultos que fumam nas capitais variou entre 8% em Maceió e 23% em Porto Alegre. As maiores proporções de fumantes foram encontradas, entre homens, em Porto Alegre (25%), Curitiba (24%) e São Paulo (22%); e, entre mulheres, em Porto Alegre (21%), São Paulo (17%) e Curitiba (17%). As menores proporções, no sexo masculino,  ocorreram em Salvador (11%), Maceió (11%) e Recife (13%); e, no sexo feminino, em Aracaju (4%), Maceió (5,) e João Pessoa (6%).

Considerando o agregado das capitais estaduais e Distrito Federal pesquisados pelo VIGITEL, se observa que a proporção de fumantes foi de 15%, sendo maior no sexo masculino (18,%) do que no sexo feminino (12%). Em ambos os sexos, a proporção de fumantes tendeu a ser menor antes dos 25 anos de idade ou após os 65 anos. A proporção de fumantes foi particularmente alta entre homens e mulheres com até oito anos de escolaridade (23% e 15%, respectivamente), excedendo em quase duas vezes a proporção observada entre indivíduos com 12 ou mais anos de estudo. Assim, na medida em que aumenta a escolaridade média da população, existe uma grande chance de redução do hábito de fumar. Maiores investimentos em educação, ao aumentar a consciência e a capacidade de discernimento da população, poderiam reduzir a proporção de fumantes na população.

No que se refere aos ex-fumantes, os dados do VIGITEL mostram que a proporção de adultos que declararam ter fumado no passado variou entre 16% em Aracaju e 29% em Rio Branco. As maiores frequências de ex-fumantes foram observadas, entre os homens, em Manaus, Rio Branco e Boa Vista (todas as tres cidades com 33%); e, entre as mulheres, em Rio Branco (26%), Porto Velho (23%) e Curitiba (22%). As menores frequências de ex-fumantes, entre os homens, foram observadas em Salvador, Aracajú e Recife, todas com 20%; e, entre as mulheres, em Aracaju (14%), Distrito Federal (14%) e Goiânia (15%).

Outro tema importante é a intensidade do hábito de fumar. O VIGITEL pesquisou a proporção de indivíduos que declararam fumar 20 ou mais cigarros por dia, a qual em 2011 variou entre 1% em Salvador e 11% em Porto Alegre. Entre os homens, as maiores frequências foram observadas em Porto Alegre (13%), Curitiba (9%) e Campo Grande (8%); e, entre as mulheres, em Porto Alegre (9%), Rio de Janeiro (6%) e São Paulo (4,%). As menores frequências do consumo intenso de cigarros, entre os homens, foram observadas no Distrito Federal, Maceió, Salvador e Belém ( todas estas cidades com 2%). Entre as mulheres, as menores frequências ocorreram em Salvador (0,6%), Boa Vista (0,9%), Teresina e São Luís (1,1%).

O VIGITEL também introduziu questões associadas a fumantes passivos, ou seja, aquelas pessoas que moram ou trabalham com fumantes, estando expostos involuntariamente ao tabaco. A proporção de pessoas consideradas fumantes passivas, nos domicílios, variou entre 9% em Maceió e 17% em Macapá. Entre os homens, as maiores frequências foram observadas em João Pessoa (15%), Boa Vista (15%) e Macapá (14%); e, entre as mulheres,em Macapá (19%), Recife (17%) e Teresina (17%). As menores proporções, entre os homens, foram observadas em Maceió (6%), Goiânia (7%) e Rio de Janeiro (8%); as menores frequências, entre as mulheres, ocorreram em Vitória (10%), Distrito Federal (10%) e Curitiba (11%).

Quanto aos fumantes passivos nos ambientes de trabalho  os dados do VIGITEL  mostram que, em 2011, a proporção de fumantes passivos, no local de trabalho, variou entre 8% em Florianópolis e 19% em Porto Velho. Entre os homens, as maiores proporções foram observadas em Porto Velho (28%), Belo Horizonte (23%) e Palmas (22%); e, entre as mulheres, em Belém (11%), Macapá (10%) e Boa Vista (10%). As menores proporções, entre os homens, foram observadas em Florianópolis (11%), Curitiba (14%) e São Paulo (15%) e entre mulheres, ocorreram em Manaus (4%), João Pessoa (5%) e Porto Alegre (5%).

Ao imaginar estes dados, podemos levantar um grande conjunto de hipóteses a respeito das consequências do tabagismo na saúde da população brasileira. No entanto, nem sempre é possível ter todas as evidências para produzir estatísticas confiáveis baseadas em modelos causais. O que se sabe é que uma das consequências diretas do tabagismo é o câncer de pulmão, laringe, exôfago e outros. Como será que ele incide no Brasil?

As Consequências do Tabagismo na incidência de Câncer no Brasil

O câncer de pulmão, traqueia e brônquios  é o segundo mais incidente entre os homens e o 5º mais frequente entre as mulheres no Brasil. Dos 27,6 mil novos casos esperados em 2012, 65% poderão ocorrer entre os homens e 74% se concentrarão na Região Sudeste, de acordo com as estimativas do Instituto Nacional do Câncer - INCA (7).  Ainda que sua incidência esteja correlacionada com a idade, se estima que 80% dos casos se associam ao consumo do tabaco. Portanto, evitá-lo seria a melhor forma de reduzir a incidência. Os demais casos de câncer do pulmão podem estar associados à qualidade de vida, como ambientes domésticos e ocupações profissionais insalubres, favorecendo o surgimento de alguns tipos de câncer nas vias respiratórias.

Tabela 3: Taxas de incidência de câncer do pulmão, traqueia e brônquios por Região: Brasil 2008


Observa-se que, em 2012, a incidência de câncer de pulmão, traqueia e brônquios para ambos os sexos foi maior na Região Sul, onde também é maior a proporção de fumantes entre a população com mais de 15 anos. A Região Norte apresenta-se como tendo a segunda maior participação de fumantes na população masculina, ao lado da menor participação de fumantes na população feminina, mas suas estimativas de incidência de câncer para ambos os sexos são as menores de todas as regiões. O Sudeste é a segunda Região com as maiores taxas de incidência de câncer, as quais se associam também a uma elevada participação de fumantes na população.

De posse de todos esses dados, mesmo correndo o risco de cair em falácia ecológica (8) buscamos tentar construir correlações entre fumantes e ex-fumantes (de acordo com os dados da PNAD 2008) e estimativas de incidência de câncer do pulmão, traqueia e brônquios (de acordo com os dados do INCA 2012) . A tabela 4 mostra os coeficientes de regressão (R2) associados às distintas correlações realizadas.

Tabela 4 – Coeficientes de Regressão para Distintas Correlações entre Variáveis ligadas a dados populacionais sobre o hábito de fumar (PNAD 2008) e Estimativas de Incidência de Câncer de Pulmão, Traquéia e Brônquios no Brasil (INCA 2012) segundo Sexo e Região

Ainda que o intervalo entre as variáveis de habito de fumar e de incidência de câncer de pulmão seja de 4 anos, vale destacar que os dados da PNAD são coletados em setembro de 2008. Por outro lado, as estimativas de incidência de câncer para 2012 foram construídas em 2011 com base nas séries históricas de incidência até 2010. Neste sentido, não há uma grande distância real entre os dados de hábito de fumar e incidência de câncer do pulmão, traqueia e brônquios.

Os dados demonstraram que as correlações entre incidência de câncer e ex-fumantes não são altas. Algumas explicações podem estar associadas ao fato de que os dados sobre ex-fumantes das PNADS não contem a informação sobre o momento em que a pessoa deixou de fumar. As correlações mais fortes foram encontradas entre  a porcentagem de fumantes assíduos e a incidência de câncer das vias respiratórias.  Mesmo assim, dado que as Regiões tem diferentes estruturas etárias, a variável idade poderia estar afetando o cruzamento das variáveis de incidência de câncer e hábito de fumar. Isto porquê Regiões com o perfil etário mais envelhecido (como o Sul e o Sudeste) tem um número maior de pessoas que fumam há mais tempo, sendo mais propícias a contrair os casos de câncer de pulmão que também estão associados à idade.



Para corrigir este problema construiu-se o gráfico 3, onde se ajusta a variável porcentagem de fumantes assíduos com a idade média da população de cada Região por sexo, permitindo encontrar uma correlação (no modelo exponencial) próxima a 0,8, o que coincide com a evidência internacional que diz que 80% dos casos de câncer do pulmão se relacionam ao hábito de fumar. O gráfico tem 12 pontos (Brasil e 5 Regiões para homens e mulheres, respectivamente). 




Considerações Finais

A luta contra o tabagismo ainda tem que enfrentar um longo percurso para que venha a reduzir a incidência de câncer. Fatores socio-econômicos, como a baixa escolaridade da população, o efeito aumento da renda e a rápida transição demográfica e epidemiológica poderão impedir, nos próximos anos, reduções mais rápidas do que as desejadas no consumo de tabaco entre os usuários do SUS, mantendo consequências em saúde, em que pesem os esforços do Governo, especificamene nos programas de promoção e prevenção, nas campanhas televisivas e na legislação e fiscalização sobre a redução dos espaços públicos para o uso do tabaco.

Já entre os usuários de planos de saúde, o uso de medidas mais efetivas, como incentivos ou prêmios de seguro-saúde diferenciados entre fumantes (mais caros) e não fumantes, poderia acelerar a redução no consumo de tabaco.

Mas tanto entre os usuários do SUS como para aqueles que usam os planos, resta a esperança de queo consumo se reduza para fazer com que o dia nacional de contra o tabaco não seja apenas um, mas todos os dias do ano. Sabe-se que economia política para implantar estas medidas não é tão fácil de implementar, dado que mesmo a proibição de tabaco nos espaços públicos apresenta riscos de não dar certo dado os altos custos e a falta de pessoal para sua devida fiscalização. Para estes casos, a forma mais efetiva é contar com a consciência de cada um no processo de respeitar a Lei e de fiscalizar seu cumprimento.

Notas

(1) De acordo com Bloomberg Philantropies Website, 2012.

(2) Grupo de Países composto pelo Brasil, Russia, India, China e África do Sul, considerados como os futuros impulsores do desenvolvimento econômico mundial.

(3) Estimativas da área central de saúde, população e nutrição do Banco Mundial.

(4) Ver Brazil, Ministério do Desenvolvimento Agrário: Actions of the Ministry of Agrarian Development for the Diversification of Production and Income in Areas of Tobacco Cultivation in Brazil, MDA-SAF, 2010.


(5) Os dados da PNAD 2008 permitem uma análise mais detalhada das condições de fumante e não fumante que poderiam explicar melhor as transições entre o hábito de fumar para a condição de não-fumante.


(6) Os dados do VIGITEL investigam a população das capitais estaduais e do Distrito Federal.

(7) Ministério da Saúde-INCA, Estimativa 2012 – Incidencia de Câncer no Brasil, Ed. INCA, Rio de Janeiro (RJ), 2011, 118p.

(8) Em epidemiologia, a falácia ecológica ocorre quando se realiza análises com resultados derivados de agregação de valores por unidade de área, inferindo que estes valores correspondem ao nível individual. Este tipo de análise pode gerar resultados que podem dar margem a análises incorretas sobre determinado fenômeno.

domingo, junho 02, 2013

Progressos e Desafios na Luta Contra a Tuberculose: O Contexto Mundial e a América Latina

Ano 8, No. 46, Junho 2013


André Cezar Medici

Introdução

A tuberculose (TB)[1] é uma velha inimiga da sociedade humana. Tem sido reportada como uma das doenças  com maior mortalidade ao longo da história. Estimativas indicam que, no século XIX, chegou a ser responsável por 25% das mortes na Europa[2].  Boa parte das causas do crescimento da doença estavam associadas ao rápido processo de urbanização em condições de vida insalubres (alta densidade domiciliar, falta de saneamento básico, de higiene e desnutrição). A melhoria das condições de vida urbanas e o crescimento econômico arrefeceram o rítmo de crescimento da tuberculosis no século XX, mas mesmo assim, o número de casos absolutos da doença continuou a crescer até 2005, com uma estimativa de 9,2 milhões de casos. Em 2011, a Organização Mundial da Saúde (OMS)[3] reportou 6,2 milhões de casos notificados pelos programas nacionais de controle de TB, mas o número de casos estimados chegava aos 8,7 milhões, indicando que cerca de 25% dos episódios não foram notificados, dado o caráter ainda precário dos sistemas de vigilância epidemiológica associados a TB, especialmente nos países em desenvolvimento.

Mesmo assim, se pode notar uma redução, tanto nas taxas de mortalidade como nas taxas de incidência de TB, ao longo dos últimos anos. As taxas de mortalidade, que estavam em 24 por 100 mil ao redor de 1990, cairam para 14 por 100 mil em 2011 e o número absoluto de mortes, ao nível mundial, se reduziu de 1,4 milhões para 990 mil, entre 2000 e 2011. Progressos também se verificam na redução das taxas globais de incidência, que depois de alcançarem 148 por 100 mil em 2000, cairam para 125 por 100 mil em 2011, de acordo com as estimativas da OMS.

O Contexto Mundial

Cerca de 22 países respondiam por 82% dos casos de TB em 2011, e os cinco países com maior número absoluto de casos, absorviam mais de 50% dos casos: São eles Índia (26%), China (12%), África do Sul (6%), Indonésia (5%) e Paquistão (4%)[4].  As Regiões com maior incidência são a África Sub-sahariana com alta incidência de HIV-AIDS, a África Sub-sahariana com baixa indicidência de HIV-AIDS, o Sudeste Asiático, o Pacífico Oeste, o Oriente Médio e a Europa do Leste. Na América Latina e Caribe (ALC), na Europa Central e nos Países De Renda Alta, as taxas são  entre seis e oito vezes menores que aquelas registradas nos países da África Sub-Sahariana com alta incidência de HIV-AIDS.

A primeira vacina para TB, criada em 1921 (a Bacille Calmette-Guérin - BCG), e os primeiros medicamentos dedicados ao tratamento da tuberculose (década de 1950), foram importantes para a redução da doença nos países desenvolvidos e entre as populações de maior renda nos países em desenvolvimento. Se estima que cerca de 4 bilhões de indivíduos e 90% das crianças, ao nivel mundial, tenham sido vacinados pela BCG.

Mas algumas cepas de virus da TB, especialmente aquelas não eliminadas devido a sequencia de tratamentos incompletos ou pela administração equivocada de medicamentos, ficaram resistentes às drogas comumente utilizadas para o tratamento da TB, gerando um dos grandes desafios de nosso século, que é a TB multidrogo resistente (TBMDR). Por todos estes motivos, a redução da incidência de tuberculose entre 1990 e 2015 foi considerada uma das metas de desenvolvimento do milênio[5].

Muitos tem sido os avanços na descoberta de pesquisa e tecnologia para o diagnóstico e tratamento da TB, mas o controle da doença está fortemente associado a existencia de mecanismos de rápido diagnóstico, seguidos pelo tratamento oportuno em todas as etapas, com uma administração rígida de medicamentos e a promoção de comportamentos adequados entre os pacientes como forma de evitar à exposição aos fatores de risco, promovendo dieta adequada e repouso. Há algumas décadas atrás, a tuberculose era tratada em hospitais, isolando os pacientes pela sua alta transmissibilidade e baixa taxa de cura. Estes eram confinandos, muitas vêzes, até a morte. A idéia de hospitais especializados em tuberculose (ou sanatórios)  – muito comum nos países latino-americanos nos anos cinquenta – hoje é considerada ultrapassada, na medida em que o tratamento da doença pode ser realizado ambulatorialmente, com o paciente vivendo em seu  domicílio, desde que se mantenha a estrita vigilância de novos casos e o monitoramento, administração medicamentosa e controle dos casos identificados através de centros de saúde ou equipes de saúde da família. 

A forma de gestão clínica da tuberculose – conhecida como DOTS[6] - iniciada nos anos noventa, tem se provado eficiente e inspirou o plano global para estancar a TB (2006-2015), o qual inclui a deteção precoce e o tratamento, inclusive, da TBMR.

Se estima que, através de DOTS, a meta de reversão no crescimento da incidência de TB foi alcançada em 2004. Mas ainda que a deteção de casos tenha aumentado substancialmente, ela só atinge 60% das estimativas existentes, o que ainda está longe dos 70% fixados como meta para 2011. A taxa de declínio da incidência tem sido estimada em apenas 1% ao ano, ao nivel mundial, e maiores progressos dependem de melhorias socio-econômicas que possam reduzir  os fatores de risco associados tuberculose, cujos principais são  moradia inadequada, com alta densdidade de habitantes por cômodo, falta de higiene domiciliar e pessoal e elevadas taxas de  desnutrição entre as populações mais pobres.  Em regiões como a África, estratégias como DOTS são inócuas se não houverem maiores progressos na prevenção e tratamento de HIV-AIDS, a través do acesso a anti-retrovirais (ART), especialmente entre os portadores de HIV que contraem a TBMDR[7], a qual geralmente é fatal entre eles. Estima-se que 13% dos casos de TB estavam associados a portadores de HIV-AIDS, ao nivel global, em 2011. Isto representa cerca de 1,1 milhão de casos, dos quais 79% estavam situados na África. Cerca de 400 mil mortes por AIDS em 2011 ocorreram em função da TB.

Além do mais, fatores como o estigma trazido pela doença, a necessidade dos portadores continuarem trabalhando para sobreviver, os custos de deslocamento para o tratamento e dos medicamentos, entre outros, fazem com que os pacientes, mesmo iniciando o tratamento, o abandonem por falta de recursos econômicos e apoio familiar, ou pela não disponibilidade de drogas. O abandono do tratamento é uma das principais razões para o crescimento da TBMDR. Neste sentido, aumentam as estratégias dos governos para subsidiar os pacientes de TB para que não abandonem o tratamento, seja através de doação de alimentos e custeio do transporte para obter e administrar os medicamentos, seja através de programas de transferência de renda aos portadores de TB e suas familias. Países como o Ecuador e cidades como o Rio de Janeiro (Brazil) estão iniciando algumas estratégias neste sentido.

O crescimento da TBMDR faz com que a BCG e os medicamentos existentes percam a eficácia para a imunização e o tratamento da doença, trazendo a necessidade de pesquisar novas vacinas e medicamentos mais eficazes. No caso das novas vacinas, existem algumas iniciativas de pesquisa patrocinadas pela Fundação Gates, entre outras[8]. No caso das novas drogas é necessário que se utilizem os chamados medicamentos  de tratamento secundário com qualidade assegurada[9]. Hoje em dia, estima-se que cerca de 10 novos medicamentos para a TB estão em desenvolvimento, inclusive alguns para a TB multi-resistente[10]), e novas vacinas vem sendo pesquisadas para as formas bacteriais multi-resistentes. 

Por outro lado, o tratamento via DOTS exige maiores progressos na detecção precoce, além da existência de pessoal qualificado e em quantidade suficiente para disciplinar e acompanhar intensivamente os pacientes até a cura total dos casos, o que é difícil e custoso nos páises de renda media e baixa. Casos não curados ou curados parcialmente são os maiores inimigos para o surgimento da resistência medicamentosa e da TBMDR.

Embora tenha sido estabelecido o plano global para estancar a TB 2011-2015, o maior desafio enfrentado para lograr as metas desse plano é de ordem financeira. Entre 2013 e 2015 serão necessários US$ 8 bilhões por ano nos países de renda média e baixa para tratamento e controle da TB, dos quais US$ 5 bilhões para a TB normal, US$ 2 bilhões para TB multi-resistente e US$ 1 bilhão para  o tratamento de pacientes com HIV e TB.

Embora o gasto com tuberculose nos 22 países com maior número de casos tenha aumentado de US$1,2 para US$ 2,6 bilhões anuais entre 2002 e 2010, a brecha anual para o financiamento das necessidades de tuberculose nestes países aumentou de US$ 145 para US$500 milhões, no mesmo período. Os recursos globais para o financiamento da TB em 2013 nos países de renda média e baixa deverão alcançar US$4,8 bilhões, deixando a descoberto o financiamento de cerca de US$3,2 bilhões.

Em termos financeiros, TB parece ser a menos aquinhoada entre as três principais doenças transmissíveis que fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milenio, recebendo menos recursos que HIV-AIDS e malaria, não apenas para pesquisa e desenvolvimento, mas também para o tratamento. Tomando por exemplo os recursos  acumulados financiados pelo Fundo Global (GFAMT) entre 2002 e 2010, veremos que US$5,7 bilhões foram destinados a HIV-AIDS, US$ 2,8 bilhões para malária e somente US$1,5 bilhões para a tuberculose. De todos os modos, os recursos do GFAMT representam uma pequena parcela dos recursos destinados a TB. Tomando como base 2010, se pode dizer que quase 85% dos recursos para a promoção, prevenção e tratamento da TB provém diretamente dos governos e 15% de empréstimos e da filantropia internacional[11]. Mesmo assim, em 2009, The Global Drug Facility(GDF), realizou 2,4 milhões de tratamentos contra a TB com recursos provenientes de doações.

Os Progressos na Redução da Incidência da Tuberculose nos países da América Latina e Caribe

Nos últimos anos, as taxas de incidência de tuberculose na ALC tem sido decrescentes, fazendo com que a Região figure entre as que detém taxas mais baixas entre as Regiões que abarcam os países em desenvolvimento (ao redor de 70 por 100 mil habitantes). Somente um país (Brasil) está entre os 22 que apresentavam maiores números absolutos de mortes (ao redor de 7 mil por ano), de acordo com os dados da OMS[12], ainda que a incidencia relativa do Brasil seja considerada moderada no contexto mundial.



O gráfico 1 apresenta as taxas de incidência de TB na ALC em 2011, conforme dados da OMS. Para efeitos de classificação, podemos dividir os países de acordo com sua incidência em TB em quatro grupos: os de incidência alta (mas de 99 por 100 mil), moderada alta (de 40 a 99 por 100 mil) , moderada baixa (de 20 a 39 por 100 mil) e baixa (entre 0 e 19 por 100 mil)[13].



Analisemos o grupo de países de maior incidência (gráfico 2). Em 2011 estes países eram Haití, Bolivia, Guiana e Perú, ordenados de forma decrescente. Podemos notar que esta situação em 2011 era radicalmente distinta da que existia em 1990, quando a ordem era Perú, Bolivia, Haití e Guiana. O que está por traz dessa mudança foi o fato de que Perú, seguid da Bolivia, tiveram um melhor desempenho na redução da incidência de tuberculose, o que não ocorreu com Haiti e Guiana, ao longo do período, as taxas inicialmente se elevevaram, decrescendo posteriormente. As taxas de incidencia de TB na Guiana em 2011, por exemplo, eram maiores que as vigentes em 1990, demonstrando que o problema se agravou, mesmo considerando que a luta contra a TB fazia parte da agenda mundial dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), onde a Guiana é signatária.

No caso do Peru, um boa implementação de DOTS, consubstanciada por uma aliança entre o Governo Central (Ministério da Saúde) e organizações não-governamentais, como Sócios em Saúde (Partenrs in Health - PIH), geraram um conjunto de inovações capazes de reduzir drasticamente as taxas de incidência de TB entre o início dos anos noventa e a primeira metade da década passada. No entanto, a partir de 2006, com a descentralização dos programas de controle da TB, o progresso na redução das taxas se reduziu e o risco de aumento da tuberculose multi drogoresistente aumentou. Na Bolívia, em que pesem os progressos, existem grandes dúvidas com relação as reais taxas de incidência, dado que a proporção de novos casos reportados ao sistema de vigilância de tuberculose é muito baixa.

Do conjunto de países da ALC, Guiana, Panama, Trinidad & Tobago, Antigua & Barbuda e Saint Ketis & Nevis foram os que aumentaram a incidência de TB entre 1990 e 2011, embora nos dois últimos isto não tenha grandes implicações dado que as taxas ainda são muito baixas e suas populações pequenas, o que leva a conclusão de que poucos casos podem levar a grandes variações no indicador. Boa parte deste aumento poderia estar associada a epidemia de HIV-AIDS. Nos casos de Guiana, Panamá e, em certo sentido de Trinidad & Tobago, o baixo desempenho indica a existência de problemas na condução das estratégias de prevenção da doença e podem estar associados a vários fatores como o crescimento da incidência de VIH-AIDS.

Uma outra forma de avaliar os progressos na luta contra a TB é verificar quais países já cobriram a meta de reduzir a incidência da doença em 50% entre 1990 e 2015 (ODM 6c). Neste caso, os dados indicam que  de 39 países da ALC, 12 já alcançaram a meta em 2011[14]. De acordo com as tendências estabelecidas, é possível que pelo menos dois países adicionais (Bolivia e Colombia) possam alcançar a meta em 2015. Mas os demais dificilmente a alcançariam, sejam porque suas taxas já são por demais reduzidas (no caso dos países de baixa incidência) seja porquê não há tempo para que os programas de combate a TB possam aumentar sua eficiência ao ponto de alcançar esta meta. Por outro lado, pairam dúvidas quanto as estatísticas de Bolívia e Colômbia, em função da elevada proporção de casos não registrados.



As taxas de mortalidade por TB refletem, em certo sentido, os dados de incidência. As maiores taxas de mortalidade por TB  (por 100 mil habitantes) em 2011 foram igualmente registradas nos quatro países com maior incidência desta doença na Região: Haiti (30), Guyana (27), Bolivia (21) e Peru (7,4). Pode-se verificar, no entanto, que Haiti, Guyana e Bolivia apresentam taxas muito superiores às do Peru. O gráfico 3 mostra os países da ALC que apresentaram taxas de mortalidade por TB superiores a 1 em cada 100 mil habitantes na ALC.


Um dos principais desafios para melhorar o combate a tuberculose na América Latin é a baixa capacidade de registro e informação de casos novos. O melhor indicador para avaliar a capacidade de reportar casos é a relação entre o número de casos reportados e casos estimados através de métodos indiretos, em geral dado em percentual. Podemos classificar os países quanto a este indicador, de acordo com os dados da OMS, em tres grupos: aqueles que tem capacidade de reportar em torno da totalidade dos casos (Uruguai, Perú, Nicaragua, Montserrat, México, El Salvador, Bermuda, Barbados e Aruba); aqueles que reportam entre 75 e 100% dos casos (Antigua e Barbuda, Honduras, Panama, Brasil, Argentina, Costa Rica, Bahamas, Turks and Kaikos, Guiana, Paraguai, Chile, Trinidad and Tobago, Santa Lucia, Domenica e Cuba), e aqueles que não reportam nem 75% dos casos (Colombia, Republica Domenicana, Venezuela, Saint Vicent and Granadines, Haiti, Bolivia, Jamaica, Belize, Equador, Suriname, Granada, Saint Ketis and Neves e Guatemala).


A Tuberculose no Brasil

Em 2011,de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil era o 12o. país da América Latina em incidência de TB. Apresentava uma incidência maior do que a maioria dos vizinhos do Cone Sul - Argentina, Uruguai e Chile - e tinha taxas próximas as existentes no Paraguai. No entanto, o Brasil tem tido progressos na redução da indicidência da TB, em que pese o fato de que tais progressos tem sido timidos, dada a persistência de taxas elevadas em algumas áreas urbanas e metropolitanas, inclusive no Sudeste. O gráfico 4 mostra a evolução das taxas de redução da TB no Brasil que chegam em 2012 a uma estimativa de 36 por 100 mil habitantes de acordo com os dados do Ministério da Saúde.




Como a TB se associa a más condições de vida, como é o caso das favelas do Rio de Janeiro e das palafitas onde vive a população ribeirinha de Manaus, existe uma grande disparidade quanto a incidência de TB no Brasil. Os estados com menor incidência, como o Distrito Federal e Tocantins, apresentam taxas de incidência de 12,9 e 13,1 por 100 mil habitantes, as quais são melhores que as do Chile e México. No entanto, Estados como Amazonas e Rio de Janeiro, apresentam taxas de 68,3 e 65,1 por 100 mil habitantes, respectivamente. 

Em que pese a aderência ao uso de DOTS (o qual demorou muito a ser implantado no Brasil, em comparação a outros países latino-americanos), se pode dizer que não tem havido grandes progressos recentes na redução da incidência de TB no Brasil, como ocorreram entre a segunda metade da década de noventa e o início do novo milênio. Entre 2006 e 2012, as taxas de incidência cairam muito pouco: de 38 para 36 por 100 mil habitantes. Progressos em estados com maior incidência, como o Rio de Janeiro (que caiu de 74 para 65) foram contra-restados por retrocessos em outros, como no Amazonas (que aumentou a incidência de 65 para 68, no mesmo periodo). 

As limitações não estão somente nas condições sócio-econômicas associadas a incidência de TB, mas também na falta de suporte federal às políticas de combate a TB em estados que não dispõe de pessoal capacitado e recursos para fazer o diagnóstico rápido. Para o controle da transmissão, o governo deveria investir na implementação e assistência técnica aos estados na implementação da estratégia DOTS e em esquemas de tratamento completos e de curta duração, de modo a previnir o surgimento das formas resitentes. Para melhorar o diagnóstico, é crucial melhorar a confiabilidade dos testes de sensibilidade disponíveis e o controle de qualidade dos resultados fornecidos. Para o tratamento, se deveria aumentar a validação de testes de sensibilidade de fármacos mais novos e a redução dos preços dos medicamentos de segunda linha.


NOTAS



[1] Tuberculose (TB) é uma doença transmissível por bacteria, que afeta normalmente os pulmões, sendo transmitida pelas vias respiratórias dos portadores que tem ativa a doença. Os principais sintomas  da contração da doença são tosse, algumas vezes seguidas de dispinéia (sangue na muco proveniente dos pulmões, dores no peito, fraqueza, perda de peso e febre. A falta de tratamento pode levar a morte da pessoa qie contraiu a doença. O tratamento da TB normal (não resistente) pode ser alcançado em seis meses, através do uso de antibióticos, mas se interropmpido poderá levar ao surgimento da TB multi-resistente e a morte.

[2] Lawn, S.D & Zumba, A.I., Tuberculosis, in The Lancet, Vol. 378, July 2, 2011 (published on line on March 18, 2011, in www.thelancet.com, DOI:10.1016/S0140-6736(10)62173-3.

[3] Ver WHO, Global Tuberculosis Report 2012, Geneva, 2012.

[4] Além destes cinco países, a lista dos 22 inclui Afganistão, Myanmar, Bangladesh, Brasil, Nigéria, Cambodia, Filipinas, Federação Russa, República Democrática do Congo, Etiopia, Tanzania, Tailândia, Uganda, Kenia, Viet Nan, Moçambique e Zimbabwe. No entanto, somente um único país latino-americano (Brasil) figura entre os 22 maiores detentores da doença.

[5] Várias metas foram instituidas nos últimos anos para o combate mundial à tuberculose. Na Assembléia Mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2011, se instituiu alcançar a meta de 70% de detecção de casos de TB (para 2000, inicialmente, e posteriormente para 2005). Neste mesmo ano se fixou a meta de alcançar a cura de 85% dos casos detectados da doença. A meta 6 (item c.) dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM ou MDG pela sua sigla em ingles) era alcançar uma redução de 50% dos casos de tuberculose em 2015, em relação a 1990 e em 2011 se fixou como meta global reduzir a incidência mundial a menos de um caso por milhão de habitantes por ano até 2050.

[6] Direct Observed Treatment Short-Course Strategy (DOTS) focalizada em detecção precoce e tratamento eficiente. Entre 1995 e 2008, 43 milhões de pessoas foram tratadas através de DOTS e se estima que 36 milhões foram curadas, reduzindo a fatalidade dos casos de 8% a 4% evitando cerca de 6 milhões de mortes por tuberculose.

[7] A interrupção da transmissão de HIV-AIDS através do tratamento de ARTs tem sido responsável por 67% da redução dos casos de TB entre populações que detém HIV.

[8] AERAS – uma empresa Americana sem fins de lucro, radicada no Estado de Maryland, tem se dedicado ao desenvolvimento de uma nova vacina com estas características, recebendo da Fundação Bill & Melinda Gates a soma de US% 220 milhões a serem gastos em 5 anos para tal finalidade. Assim, se espera que até o final da década uma nova vacina possa estar disponível, reduzindo os riscos de TB, especialmente entre crianças que padecem quando suas mães são portadoras de HIV-AIDS, como acontece em algumas regiões mundiais como a África.

[9] Do ingles quality-assured second-line anti-TB drugs (SLDs). O maior problema associado à produção desses medicamentos é que sua demanda é restringida pela pouca capacidade de diagnóstico de TB multi-resistente nos países onde ha maior incidência e os mecanismos de monitoramento da demanda dificilmente conseguem medir as necessidades reais. Além do mais os mercados não são transparentes, os preços são muito elevados, e barreiras a entrada existem, impedindo o surgimento de novos competidores. Muitas vêzes os países não recebem os medicamentos no tempo certo, impedindo o tratamento e desestimulando novas encomendas dos serviços de saúde.

[10] Entre eles TMC-207 e diarylquinolone.

[11] The Financial Times, Combating Tuberculosis, Special Report, March 24, 2010.

[12] WHO, Global Tuberculosis Report 2012, Geneva, 2012.

[13] O primeiro grupo, é composto porHaiti, Bolivia, Guyana e Peru. O segundo por Republica Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Suriname, Honduras, Brasil, Nicaragua e Belize. O terceiro por Colombia, Venezuela, Turks e Caicos, El Salvador, Argentina, Saint Vicent and Granadines, Uruguai, Trinidad e Tobago e Anguila. O útlimo grupo é composto por Chile, México, Domenica, Bahamas, Costa Rica, Cuba, Jamaica, Antigua e Barbuda, Saint Kitty and Nevis, Aruba, Santa Lucia, Montserrat, Granada, Bermuda e Barbados.

[14] São eles Perú, República Dominicana, Equador, Honduras, Brasil, Nicaragua, El Salvador, Argentina, Chile, México, Costa Rica e Cuba