segunda-feira, fevereiro 20, 2023

A quem prejudica o índice de reajuste dos planos individuais de saúde?

 Ano 18, No. 132, Fevereiro de 2023


André Cezar Medici

Claudio Contador

Introdução[1]

Em nossa última postagem, ficou evidente que existe um descompasso entre a recente retomada do crescimento do número total de beneficiários dos planos de saúde suplementar e o decréscimo do número de beneficiários de planos individuais de saúde. De fato, entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, o número de beneficiários dos planos de saúde suplementar no Brasil aumentou de 47,1 para 50,5 milhões, adicionando 3,4 milhões de novos beneficiários. Em compensação, os planos individuais de saúde perderam, no mesmo período, 147 mil beneficiários. Dessa forma, o número de pessoas protegidas pelos planos coletivos empresariais aumentou 10,9% ao longo do período, enquanto as protegidas pelos planos individuais e familiares se reduziu em 1,6%.

Os planos coletivos empresariais e os planos individuais representam as duas maiores categorias de beneficiários de planos de saúde no Brasil. Em 2018 essas duas categorias representavam 67.4% e 19,4% dos beneficiários da saúde suplementar no Brasil, mas em 2022 essa composição se alterou para 69,7% e 17,8%, respectivamente (ver gráfico 1).

Uma terceira categoria em importância se compõe dos beneficiários dos planos coletivos por adesão, mas estes compunham apenas 12,4% dos protegidos pela saúde suplementar. O crescimento dos beneficiários dessa categoria entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, foi de apenas 1,7%, ainda que sua proporção também tenha se reduzido no conjunto dos beneficiários, de 13,1% para 12,4%, respectivamente.

O pano de fundo é que a recente recuperação do crescimento de beneficiários da saúde suplementar, especialmente durante a pandemia, esteve associada aos planos coletivos empresariais, mas não aos planos individuais. Mas estes últimos são altamente relevantes para aqueles no grupo mais vulnerável da população beneficiária de planos de saúde, composta pelos que não contam com uma proteção de saúde pelo lado do empregador.

Gráfico 1 – Distribuição dos Beneficiários da Saúde Suplementar por Tipo de Plano: 2018-2022

 

     Fonte: ANS link: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor

 

Deficiências no Comportamento dos Atores

Uma análise, mesmo que superficial, demonstraria que deficiências no comportamento de todos os atores envolvidos - operadoras, beneficiários e reguladores públicos – tiveram alguma responsabilidade na redução da população beneficiária pelos planos individuais de saúde suplementar.

Do lado das operadoras, tem faltado transparência em demonstrar como tem crescido os seus custos, ao longo do tempo, e como isto afeta negativamente seus resultados financeiros, especialmente no que se refere aos planos individuais, onde as operadoras não têm tido bons resultados nestes últimos cinco anos.

As operadoras deveriam esclarecer, para a população, as razões pelas quais o valor dos prêmios dos planos individuais pode aumentar mais do que os orçamentos das famílias, ou ainda, porque os custos médico-assistenciais sobem, em geral, mais do que a inflação. Deveriam tentar explicar que os planos individuais, diferentemente dos planos coletivos, são impedidos de recuperar a integralidade do aumento de seus custos médico-assistenciais, através de reajuste nos prêmios, quando estes custos sobem mais do que o teto de reajuste unificado estabelecido pelos reguladores. Faltaria tentar explicar que, se estes planos começam a dar prejuízo, de forma sistemática, as operadoras não terão condições financeiras de mantê-los.  

Do lado dos beneficiários, faltaria seu entendimento do que é a materialidade da cobertura de um seguro de saúde, especialmente no que se refere ao seu rol de procedimentos. É claro que novas coberturas devem ser incluídas desde que melhorem a saúde e a qualidade de vida dos beneficiários, mas sempre que estiverem associadas a critérios de custo-efetividade. Também deverá haver a consciência e o consentimento de todos de que esta incorporação poderá elevar o valor do prêmio, dado que aumenta o espectro de utilização dos serviços e, consequentemente, poderá elevar os custos associados aos planos.

Também faltaria, do lado dos beneficiários, um maior comprometimento com a sua própria saúde, ou seja, praticar hábitos saudáveis[2], realizar exames preventivos nas datas certas e evitar utilizar os serviços de saúde quando não há necessidade, ou ainda evitar impetrar ações judiciais para receber bens e serviços de saúde que não estão cobertos no rol de procedimentos.

Do lado dos reguladores públicos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)[3] vem praticando, desde 2018, uma inadequada regulação dos prêmios, refletida na aplicação do Índice de Reajuste dos Planos Individuais (IRPI), o qual limita o teto de reajuste do valor dos prêmios a percentuais inferiores à variação dos custos médico-assistenciais, levando as operadoras, por questão de sobrevivência, ou a não oferecer novos planos, ou a praticar um progressivo downgrade na cobertura dos serviços[4] nos planos existentes, ou ainda a buscar estratégias alternativas ao mercado de indivíduos e famílias onde tenham mais liberdade para recompor o aumento de seus custos, como é o caso dos planos coletivos por adesão ou dos planos para pequenas e médias empresas.

É necessário fiscalizar e impedir que os prêmios dos planos individuais incorporem, em seus reajustes, abusos econômicos, como ganhos extraordinários acima dos custos das operadoras, os quais são injustos para os beneficiários. Mas não parece ser isso que ocorre no setor de planos individuais de saúde. Desde o início da vigência do IRPI, a taxa de sinistralidade da saúde suplementar aumentou de 83,4% para 89,3% considerados os terceiros trimestres de 2018 e 2022, respectivamente.

Os dados da ANS apontam uma queda absoluta no valor das receita de contraprestações em 2022 em relação a 2021 e a tendência a ter prejuízos poderá aumentar no setor em 2023, na medida em que as futuras receitas de contraprestações não deverão acompanhar o crescimento dos custos assistenciais em função de mudanças regulatórias como a passagem do rol taxativo para o rol exemplificativo de benefícios, entre outros, num ambiente onde a ANS tenta evitar que as operadoras recuperem a totalidade dos seus custos assistenciais.

Além disso, a ANS, em que pese sua impecável atuação em outros temas de regulação da saúde suplementar, sempre atuou no sentido de uniformizar o tratamento dos mercados de planos de saúde suplementar, os quais são totalmente diferentes, seja do ponto de vista de sua estrutura organizacional[5], seja do ponto de vista regional.

Essa descoordenação entre operadoras, beneficiários e entidades reguladoras, acaba fazendo com que o mercado de planos individuais se esgarce e sucumba diante a percepções diferenciadas e falta de interesse em abrir o jogo para tentar buscar uma solução conciliatória que permita o entendimento das diferenças e o tratamento diferenciado de cada mercado.

A ANS tem se esmerado em focalizar sua regulação no valor dos prêmios de beneficiários dos planos individuais, com o objetivo de eliminar barreiras econômicas que permitam que esse segmento, supostamente mais desprotegido em termos de acesso, e composto por uma classe média com menor poder aquisitivo, venha a ser atendido em sua demanda reprimida por planos de saúde. Para este segmento, estes planos são encarados, não apenas como uma necessidade, mas também como uma das principais preferências de consumo, como apontam as pesquisas de opinião. Mas, apesar das “boas intenções” da ANS, o resultado tem sido justamente o oposto ao desejado.   

A reação das operadoras tem se dado no âmbito de algumas medidas como o relativo fechamento da oferta de planos para novos beneficiários individuais e familiares e o incentivo para que esta demanda reprimida, seja atendida através planos coletivos por adesão, ou para pequenas e médias empresas (de 1 a 5 vidas). Esses últimos, somente entre junho e novembro de 2022, passaram de 3,6 para 3,9 milhões de beneficiários dentro do conjunto dos planos empresariais.

Além disso, várias medidas de contenção de custo também vêm sendo tomadas pelas operadoras, tais como o aumento de beneficiários em planos com coparticipação e/ou franquia (entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022 aumentaram de 55,2% para 58,1% do total de beneficiários da saúde suplementar) onde parte dos aumentos de custos médico-assistenciais possam ser repassados através de cobranças, e/ou de restrições como a internação em planos de acomodação em enfermaria.

 

Os beneficiários vêm sendo duplamente prejudicados em algumas regiões

O IRPI, ao ser um índice uniformemente aplicado a todos os planos individuais do Oiapoque ao Chuí, impacta de forma diferencial as operadoras e os beneficiários em cada mercado ou região, seja porque cada segmento de mercado atua de forma diferente e tem custos assistenciais diferenciados, seja porque num país heterogêneo e federativo como o Brasil, existem vários mercados de saúde suplementar, onde custos assistenciais e receitas de contraprestação se comportam de forma diferenciada.

A própria ANS, na publicação de seu Atlas da Saúde Suplementar de 2018, reconheceu a existência de pelo menos 96 mercados relevantes de saúde suplementar para planos individuais. Mas ao invés de tratar esses mercados de forma diferenciada para efeitos de calcular os reajustes dos prêmios, segundo as características de cada mercado, a ANS optou em ter um percentual único, uniforme e nacional como teto de reajustes dos prêmios dos planos individuais em todas as regiões do país.

Esse tipo de processo vem trazendo dois tipos de prejuízos que levam à redução dos beneficiários de planos individuais e ao aumento dos reajustes dos prêmios acima variação dos custos médico-assistenciais (VCMH). Primeiramente, ao desconsiderar que em muitos desses mercados, a variação do VCMH foi superior ao IRPI, as operadoras acabam restringindo a oferta de novos planos, ou buscam racionalizar o acesso aos beneficiários aos planos existentes, como forma de evitar custos maiores no próximo exercício. Já nos mercados onde a variação do VCMH é inferior ao IRPI, os beneficiários acabam sendo prejudicados ao receber, através do IRPI, reajustes maiores do que deveriam receber[6].

Portanto, os mercados de saúde suplementar no Brasil são segmentados por tipo de seguro e por estado ou região, não havendo nenhum sentido em utilizar um teto de reajustes único dos planos individuais que seja válido para todo o país, dado que a segmentação dos mercados leva a diferentes tipos de comportamentos na variação de custos médico hospitalares, seja por região, seja por segmento de mercado, levando a diferentes reações dos atores relevantes – operadoras e beneficiários.

Por exemplo, variação do número de beneficiários dos planos individuais de saúde entre 2020 e 2021 apresenta uma grande heterogeneidade de resultados por Unidades da Federação (UF), como pode ser visto no gráfico 2. Verifica-se, por exemplo que a queda de beneficiários foi acentuada em Estados como Acre, Amazonas, Rio de Janeiro, Tocantins, Ceará, Minas Gerais, Alagoas, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pará, Rio Grande do Sul, Rondônia, Goiás, Pernambuco e Bahia.

Fonte: ANS link: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor

 

No entanto, houve um aumento de beneficiários de planos individuais no Mato Grosso, Espírito Santo, Paraíba, Amapá, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Sergipe, Piauí, Maranhão, Roraima e Distrito Federal, sendo que neste último o aumento foi superior a 25%.

É interessante notar que 2020 foi um ano que marcou o retorno ao crescimento dos beneficiários da saúde suplementar, o qual vinha caindo desde a gestão caótica da política econômica que levou à crise de 2014 e 2016. Essa reversão se deu, não por conta de uma melhoria da economia em 2020, dado que foi um novo ano de crise econômica, desta vez por conta da pandemia, mas sim pela busca de proteção de saúde por parte das empresas e das famílias num momento de grande instabilidade provocada pela pandemia e pelo caos em conseguir atendimentos nos serviços médico-hospitalares do SUS.

Mas o crescimento da afiliação dos planos de saúde não foi acompanhado por uma taxa equivalente de utilização dos serviços na saúde suplementar, fazendo que ocorresse, pela primeira vez na história, uma VCMH negativa de -5,19% e um IRPI, igualmente negativo, de -8,19% para os planos individuais.

Vale destacar, no entanto, que em 2021, embora a maioria dos Estados tenha encontrado uma VCMH negativa, esta, além de diferenciada por unidade federada, foi positiva nos Estados de Amazonas, Pará, Minas Gerais, Goiás e Tocantins, tendo sido negativa em todos os demais Estados, como pode ser observado no gráfico 3. Verifica-se que em alguns Estados as variações da VCMH foram muito elevadas, o que pode estar associado à baixa frequência do número de beneficiários dos planos de saúde neste período e a erros eventualmente existentes nas formas de registro das bases de dados[7].

 

      Fonte: Estimativa da Arquitetos da Saúde, com base nos dados do TISS da ANS.

 

A VCMH entre 2019 e 2020 é a que é utilizada para a variação do IRPI 2020-2021 e, portanto, seria a que potencialmente teria alguma relação com os possíveis efeitos do IRPI na variação do número de beneficiários 2020-2021. Mas o cruzamento das duas séries de dados (a da tabela 3 e da tabela 4), a partir de análises estatísticas realizadas, mostra que não há correlação aparente entre a variação do número de beneficiários de 2020-2021 e a variação da VCMH 2019-2020.

O que se pode obter ao comparar estas duas séries de dados são as situações encontradas no quadro 1, abaixo:

Quadro 1 – Análise de situações possíveis por Estado ao se utilizar um IRPI único

 

Estados que tiveram variação negativa do VCMH entre 2019 e 2020 maior do que o IRPI (-8,19%) de 2020-2021.

Estados que tiveram variação positiva do VCMH entre 2019 e 2020 ou variação negativa menor do que a variação do IRPI (-8,19%) de 2020-2021

Estados que tiveram redução do número de beneficiários de planos individuais entre 2020 e 2021

Quadrante 1:

AC, AL, BA, CE, MS, PR, PE, RJ, RS, SP

Quadrante 2

AM, GO, PA, MG, RO, TO

Estados que tiveram aumento do número de beneficiários de planos individuais entre 2020 e 2021

Quadrante 3

AP, DF, ES, MA, PB, PI, RN, RR, SC, SE

Quadrante 4

MT

     Fonte: Elaboração dos autores a partir das bases de dados utilizadas nos gráficos 2 e 3.

Ainda que a variação do VCMH por Estado seja uma média que não reflete a situação específica de cada operadora, o quadro acima demonstra que ocorreram, em média, quatro situações:

a.     Os Estados situados no Quadrante 1 tiveram redução do número de beneficiários em seus planos individuais, mas, em média, as operadoras podem ter sido contempladas por um IRPI que, ainda que negativo, foi menor do que a variação negativa da VCMH média do Estado, levando, portanto, a ganhos diferenciais no aumento de seus prêmios. Nestes casos, os beneficiários tiveram seus prêmios reajustados com descontos menores do que teriam, caso tivesse sido aplicada a VCMH média do Estado para a variação de seus prêmios;

b.     Os Estados situados no Quadrante 2 também tiveram redução do número de beneficiários em seus planos individuais, mas, neste caso, a variação média da VCMH dos Estados foi positiva ou, quando negativa, foi menor do que a variação do IRPI, trazendo descontos nos prêmios pagos pelos beneficiários que foram menores do que os que seriam pagos, caso fosse aplicada a VCMH média do Estado. Neste caso, ganharam os beneficiários e perderam as operadoras;

         Os Estados situados no Quadrante 3 tiveram um aumento de beneficiários, mas as operadoras foram contempladas por uma situação similar a ocorrida no Quadrante 1, ou seja, perdem os beneficiários e ganham as operadoras.

        Os Estados situados no Quadrante 4 tiveram um aumento do número de beneficiários mais, da mesma forma que o ocorrido no quadrante 2, os ganhos na relação entre a VCMH e o IRPI acabaram sendo favoráveis aos beneficiários e desfavoráveis para as operadoras.

Uma outra forma de mostrar a inadequação de ter um IRPI único para todas as operadoras de planos individuais é a discrepância que existe entre a VCMH de distintas modalidades de operadoras. O quadro 2 mostra a VCMH de 2019-2020 e 2020-2021 por modalidade de operadora e as perdas de reajuste do prêmio, em pontos percentuais, estimadas em relação ao IRPI para 2021 e 2022.

Quadro 2: Variação dos Custos Médico Hospitalares (VCMH) dos Planos de Saúde Individuais por modalidade de operadora de plano de saúde: 2021 e 2022

 

Modalidade de Operadoraa

VCMH – 2019-2020 (%)b

Perda Média das Operadoras em Relação ao IRPI 2021 (pontos percentuais)c

VCMH – 2020-2021 (%)b

Perda Média das Operadoras em Relação ao IRPI 2022 (pontos percentuais)c

Cooperativa Médica

-3,71

4.48

16,45

0,95

Filantropia

-8,91

-0,90

17,12

1,62

Medicina de Grupo

-7,80

0,39

23,60

8,09

Seguradora

5,42

13,61

20,08

4,57

TOTAL

-5,19

3,00

19,61

4,10

IRPI

-8,19

-

15,51

-

Fonte: Arquitetos da Saúde. a Não foi incluída na tabela a modalidade autogestão, dado que em 2020 e 2021 somente existiam 272 e 310 vidas na modalidade individual, respectivamente, ocasionando variações elevadas na VCMH. b O ano base é sempre o ano anterior. Dessa forma a VCMH DE 2021 é a variação de 2020 em relação a 2019 e a VCMH de 2022 é a variação de 2021 em relação a 2020. c Perdas negativas equivalem a ganhos em pontos percentuais.

 

Observa-se que a VCMH varia bastante segundo a modalidade da operadora. Considerando o IRPI aplicado em 2021, somente o segmento filantropia teve ganhos em relação a variação do VCMH. Todos os demais segmentos perderam, podendo estas perdas terem chegado até 13,6% no que se refere ao segmento das seguradoras. Já em 2022, todos os segmentos de mercado de planos individuais perderam em relação ao IRPI, sendo que as maiores perdas concentradas no segmento de medicina de grupo e as menores na área de cooperativas médicas.

 

Conclusões

Portanto, respondendo a questão colocada no título deste artigo, o IRPI, por ser um índice único e não levar em conta as diferenças entre mercados regionais, pode estar prejudicando, primeiramente, os beneficiários da saúde suplementar, seja através de levar a reajustes maiores do que a variação de custos do setor em alguns estados, seja porque, onde isto não ocorre, pode estar estimulando as operadoras à fecharem às portas para novos planos individuais. Em segundo lugar, as operadoras menores e mais débeis são também prejudicadas, dado que mesmo que sejam importantes em seus mercados regionais, não resistem, a médio e longo prazo, aos reajustes de prêmios menores do que os custos médico-assistenciais que incorrem. Isso pode estimulá-las a praticar políticas que são prejudiciais aos beneficiários (como  o downgrade no acesso ao plano, fechamento de novas vagas, estímulo a planos coletivos não empresariais), especialmente nas regiões com poucas concorrentes, e, até mesmo, ao seu fechamento, alavancando o movimento de concentração dos mercados de saúde suplementar nestas regiões.

Como os mercados de saúde suplementar no Brasil são segmentados por tipo de operadora e por estado ou região, acarretando variações diferenciadas de custos por segmento de mercado ou por região, não há nenhum sentido em utilizar um teto de reajustes único dos planos individuais que seja válido para todas as operadoras em todo o país.

A melhor aproximação para o percentual de reajuste de um prêmio é a variação específica da VCMH de cada operadora, desde que obedecendo a parâmetros estabelecidos de transparência e auditoria dos dados. Nesse sentido, como a ANS vai rever o IRPI em 2023, seria uma boa oportunidade buscar opções que permitam corrigir estas distorções no processo de reajuste dos prêmios dos planos individuais, as quais atualmente prejudicam os beneficiários, não apenas de forma direta, mas também de forma indireta, ao aumentar a instabilidade do mercado de planos individuais de saúde.

A regulação da saúde suplementar deveria ser precisa, baseada em evidências, e na confiança mútua entre os atores que fazem parte deste mercado – operadoras, beneficiários e reguladores. Ao invés de adotar um índice unificado nacional para o reajuste dos prêmios, a ANS deverá buscar processos que definam critérios sólidos de variação dos custos médico-assistenciais e metodologias transparentes de apuração e disseminação de dados das operadoras, que levem a reajustes dos prêmios precisos para cada mercado, de forma a respeitar suas características de organização e sua relação com os atores do setor.  


NOTAS DO TEXTO 

[1] Cláudio Contador é CEO da SILCON, Estudos Econômicos - Empresa de Consultoria Econômica do Brasil. Os autores agradecem aos comentários de Luiz Feitoza e Adriano Londres, empreendedores da Arquitetos da Saúde.

[2] O governo, incluindo a ANS, deveria investir mais em campanhas sobre os benefícios de praticar hábitos saudáveis ou até mesmo de dar incentivos materiais, como descontos em academias de ginástica. Alimentos saudáveis, por exemplo, deveriam ser isentos de impostos para serem mais facilmente incorporados à dieta das famílias, mas o governo brasileiro sequer cogita esse tema e, provavelmente, não está nos planos da reforma fiscal que será implementada pelo governo.

[3] A ANS tem tido um papel imprescindível na regulação da saúde suplementar e seu caráter independente na regulação do mercado de saúde suplementar deve ser mantido e preservado, assim como o das demais agências que foram criadas para regular setores importantes da sociedade como vigilância sanitária, energia elétrica, água, saneamento e telecomunicações.  O Congresso discute atualmente uma emenda para reduzir o poder das agências reguladoras – que hoje desfrutam de relativa autonomia – e submeter suas decisões à aprovação de conselhos vinculados ao governo federal, o que praticamente aniquila seu caráter independente e aproxima a antes elogiada gestão pública brasileira daquela existente em governos autocráticos.

[4] Ver artigo de Luiz Feitoza, “O Estranho Movimento do VCMH em 2022, publicado no site da Arquitetos da Saúde, em 01/02/2023 – Link: https://www.linkedin.com/pulse/o-estranho-movimento-da-vcmh-em-2022-luiz-feitoza/

[5] Cooperativas médicas operam de forma diferente das seguradoras de saúde, que atuam de forma diferente dos seguros médicos, os quais, por sua vez, são administrados de forma diferente das empresas de medicina de grupo, as quais operam de forma diferente dos planos autoadministrados pelas empresas as quais, também são gerenciadas de forma diferente das instituições filantrópicas que oferecem planos de saúde. Estas diferenças operacionais se refletem obviamente, em diferenças na composição dos custos, no processo de formação de preços do setor e nas necessidades de reajuste do valor dos prêmios. Ter um teto único de reajuste para mercados tão diferentes é, no mínimo, uma bizarrice.

[6] Embora a ANS fixe um teto único de reajuste para planos individuais de saúde, as operadoras que quiserem reajustar o valor de seus prêmios por debaixo do teto estabelecido tem plena liberdade para fazê-lo, mas em geral esta prática não ocorre.

[7] Os dados estimados a partir da base de dados do sistema de troca de informações da saúde suplementar (TISS) da ANS ainda não são perfeitos, pois apresentam um sub registro médio de 18% e 22% de informações dos sinistros necessários ao cálculo do VCMH para os anos de 2019 e 2020, em termos médios nacionais. A base de dados do TISS relacionada aos sinistros ao nível estadual e municipal podem ter sub registros maiores do que os relativos à média nacional. Os dados da TISS relacionados aos sinistros levam em conta o município de domicílio do beneficiário e não o município de seu local de tratamento. Por este motivo, alguns Estados podem apresentar uma despesa assistencial outlier muito elevada para o tamanho de sua população, já que alguns beneficiários possam ter se tratado em Estados com maior estrutura de saúde e centros de referência. Uma forma de corrigir esse problema seria utilizar a UF onde o tratamento foi feito ao invés da UF de domicílio do beneficiário.