Ano 18, No. 132, Fevereiro de 2023
André Cezar Medici
Claudio Contador
Introdução[1]
Em nossa
última postagem, ficou evidente que existe um descompasso entre a recente
retomada do crescimento do número total de beneficiários dos planos de saúde suplementar
e o decréscimo do número de beneficiários de planos individuais de saúde. De
fato, entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, o número de beneficiários dos
planos de saúde suplementar no Brasil aumentou de 47,1 para 50,5 milhões, adicionando
3,4 milhões de novos beneficiários. Em compensação, os planos individuais de
saúde perderam, no mesmo período, 147 mil beneficiários. Dessa forma, o número
de pessoas protegidas pelos planos coletivos empresariais aumentou 10,9% ao
longo do período, enquanto as protegidas pelos planos individuais e familiares
se reduziu em 1,6%.
Os planos
coletivos empresariais e os planos individuais representam as duas maiores
categorias de beneficiários de planos de saúde no Brasil. Em 2018 essas duas
categorias representavam 67.4% e 19,4% dos beneficiários da saúde suplementar
no Brasil, mas em 2022 essa composição se alterou para 69,7% e 17,8%,
respectivamente (ver gráfico 1).
Uma terceira
categoria em importância se compõe dos beneficiários dos planos coletivos por
adesão, mas estes compunham apenas 12,4% dos protegidos pela saúde suplementar.
O crescimento dos beneficiários dessa categoria entre dezembro de 2018 e
dezembro de 2022, foi de apenas 1,7%, ainda que sua proporção também tenha se
reduzido no conjunto dos beneficiários, de 13,1% para 12,4%, respectivamente.
O pano de
fundo é que a recente recuperação do crescimento de beneficiários da saúde
suplementar, especialmente durante a pandemia, esteve associada aos planos
coletivos empresariais, mas não aos planos individuais. Mas estes últimos são
altamente relevantes para aqueles no grupo mais vulnerável da população
beneficiária de planos de saúde, composta pelos que não contam com uma proteção de saúde
pelo lado do empregador.
Gráfico
1 – Distribuição dos Beneficiários da Saúde Suplementar por Tipo de Plano:
2018-2022
Fonte: ANS link: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor
Deficiências
no Comportamento dos Atores
Uma análise,
mesmo que superficial, demonstraria que deficiências no comportamento de todos
os atores envolvidos - operadoras, beneficiários e reguladores públicos – tiveram
alguma responsabilidade na redução da população beneficiária pelos planos
individuais de saúde suplementar.
Do lado das
operadoras, tem faltado transparência em demonstrar como tem crescido os seus
custos, ao longo do tempo, e como isto afeta negativamente seus resultados
financeiros, especialmente no que se refere aos planos individuais, onde as
operadoras não têm tido bons resultados nestes últimos cinco anos.
As operadoras
deveriam esclarecer, para a população, as razões pelas quais o valor dos prêmios
dos planos individuais pode aumentar mais do que os orçamentos das famílias, ou
ainda, porque os custos médico-assistenciais sobem, em geral, mais do que a
inflação. Deveriam tentar explicar que os planos individuais, diferentemente
dos planos coletivos, são impedidos de recuperar a integralidade do aumento de
seus custos médico-assistenciais, através de reajuste nos prêmios, quando estes
custos sobem mais do que o teto de reajuste unificado estabelecido pelos
reguladores. Faltaria tentar explicar que, se estes planos começam a dar prejuízo,
de forma sistemática, as operadoras não terão condições financeiras de
mantê-los.
Do lado dos
beneficiários, faltaria seu entendimento do que é a materialidade da cobertura
de um seguro de saúde, especialmente no que se refere ao seu rol de
procedimentos. É claro que novas coberturas devem ser incluídas desde que
melhorem a saúde e a qualidade de vida dos beneficiários, mas sempre que
estiverem associadas a critérios de custo-efetividade. Também deverá haver a
consciência e o consentimento de todos de que esta incorporação poderá elevar o
valor do prêmio, dado que aumenta o espectro de utilização dos serviços e,
consequentemente, poderá elevar os custos associados aos planos.
Também
faltaria, do lado dos beneficiários, um maior comprometimento com a sua própria
saúde, ou seja, praticar hábitos saudáveis[2],
realizar exames preventivos nas datas certas e evitar utilizar os serviços de
saúde quando não há necessidade, ou ainda evitar impetrar ações judiciais para
receber bens e serviços de saúde que não estão cobertos no rol de
procedimentos.
Do lado dos
reguladores públicos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)[3]
vem praticando, desde 2018, uma inadequada regulação dos prêmios, refletida na
aplicação do Índice de Reajuste dos Planos Individuais (IRPI), o qual limita o
teto de reajuste do valor dos prêmios a percentuais inferiores à variação dos
custos médico-assistenciais, levando as operadoras, por questão de
sobrevivência, ou a não oferecer novos planos, ou a praticar um progressivo
downgrade na cobertura dos serviços[4]
nos planos existentes, ou ainda a buscar estratégias alternativas ao mercado de indivíduos e famílias onde tenham mais liberdade para recompor o aumento de
seus custos, como é o caso dos planos coletivos por adesão ou dos planos para
pequenas e médias empresas.
É necessário
fiscalizar e impedir que os prêmios dos planos individuais incorporem, em seus
reajustes, abusos econômicos, como ganhos extraordinários acima dos custos das
operadoras, os quais são injustos para os beneficiários. Mas não parece ser
isso que ocorre no setor de planos individuais de saúde. Desde o início da
vigência do IRPI, a taxa de sinistralidade da saúde suplementar aumentou de
83,4% para 89,3% considerados os terceiros trimestres de 2018 e 2022,
respectivamente.
Os dados da
ANS apontam uma queda absoluta no valor das receita de contraprestações em 2022
em relação a 2021 e a tendência a ter prejuízos poderá aumentar no setor em
2023, na medida em que as futuras receitas de contraprestações não deverão
acompanhar o crescimento dos custos assistenciais em função de mudanças
regulatórias como a passagem do rol taxativo para o rol exemplificativo de
benefícios, entre outros, num ambiente onde a ANS tenta evitar que as
operadoras recuperem a totalidade dos seus custos assistenciais.
Além disso, a
ANS, em que pese sua impecável atuação em outros temas de regulação da saúde
suplementar, sempre atuou no sentido de uniformizar o tratamento dos mercados
de planos de saúde suplementar, os quais são totalmente diferentes, seja do
ponto de vista de sua estrutura organizacional[5],
seja do ponto de vista regional.
Essa
descoordenação entre operadoras, beneficiários e entidades reguladoras, acaba
fazendo com que o mercado de planos individuais se esgarce e sucumba diante a
percepções diferenciadas e falta de interesse em abrir o jogo para tentar
buscar uma solução conciliatória que permita o entendimento das diferenças e o
tratamento diferenciado de cada mercado.
A ANS tem se
esmerado em focalizar sua regulação no valor dos prêmios de beneficiários dos
planos individuais, com o objetivo de eliminar barreiras econômicas que
permitam que esse segmento, supostamente mais desprotegido em termos de acesso,
e composto por uma classe média com menor poder aquisitivo, venha a ser atendido
em sua demanda reprimida por planos de saúde. Para este segmento, estes planos são
encarados, não apenas como uma necessidade, mas também como uma das principais
preferências de consumo, como apontam as pesquisas de opinião. Mas, apesar das
“boas intenções” da ANS, o resultado tem sido justamente o oposto ao desejado.
A reação das
operadoras tem se dado no âmbito de algumas medidas como o relativo fechamento
da oferta de planos para novos beneficiários individuais e familiares e o incentivo
para que esta demanda reprimida, seja atendida através planos coletivos por
adesão, ou para pequenas e médias empresas (de 1 a 5 vidas). Esses últimos,
somente entre junho e novembro de 2022, passaram de 3,6 para 3,9 milhões de
beneficiários dentro do conjunto dos planos empresariais.
Além disso, várias
medidas de contenção de custo também vêm sendo tomadas pelas operadoras, tais
como o aumento de beneficiários em planos com coparticipação e/ou franquia
(entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022 aumentaram de 55,2% para 58,1% do
total de beneficiários da saúde suplementar) onde parte dos aumentos de custos
médico-assistenciais possam ser repassados através de cobranças, e/ou de
restrições como a internação em planos de acomodação em enfermaria.
Os
beneficiários vêm sendo duplamente prejudicados em algumas regiões
O IRPI, ao
ser um índice uniformemente aplicado a todos os planos individuais do Oiapoque
ao Chuí, impacta de forma diferencial as operadoras e os beneficiários em cada
mercado ou região, seja porque cada segmento de mercado atua de forma diferente
e tem custos assistenciais diferenciados, seja porque num país heterogêneo e
federativo como o Brasil, existem vários mercados de saúde suplementar, onde
custos assistenciais e receitas de contraprestação se comportam de forma
diferenciada.
A própria
ANS, na publicação de seu Atlas da Saúde Suplementar de 2018, reconheceu
a existência de pelo menos 96 mercados relevantes de saúde suplementar para
planos individuais. Mas ao invés de tratar esses mercados de forma diferenciada
para efeitos de calcular os reajustes dos prêmios, segundo as características
de cada mercado, a ANS optou em ter um percentual único, uniforme e nacional como
teto de reajustes dos prêmios dos planos individuais em todas as regiões do
país.
Esse tipo de
processo vem trazendo dois tipos de prejuízos que levam à redução dos beneficiários
de planos individuais e ao aumento dos reajustes dos prêmios acima variação dos
custos médico-assistenciais (VCMH). Primeiramente, ao desconsiderar que
em muitos desses mercados, a variação do VCMH foi superior ao IRPI, as
operadoras acabam restringindo a oferta de novos planos, ou buscam racionalizar
o acesso aos beneficiários aos planos existentes, como forma de evitar custos
maiores no próximo exercício. Já nos mercados onde a variação do VCMH é
inferior ao IRPI, os beneficiários acabam sendo prejudicados ao receber,
através do IRPI, reajustes maiores do que deveriam receber[6].
Portanto, os
mercados de saúde suplementar no Brasil são segmentados por tipo de seguro e
por estado ou região, não havendo nenhum sentido em utilizar um teto de
reajustes único dos planos individuais que seja válido para todo o país, dado
que a segmentação dos mercados leva a diferentes tipos de comportamentos na
variação de custos médico hospitalares, seja por região, seja por segmento de
mercado, levando a diferentes reações dos atores relevantes – operadoras e
beneficiários.
Por exemplo, variação
do número de beneficiários dos planos individuais de saúde entre 2020 e 2021 apresenta
uma grande heterogeneidade de resultados por Unidades da Federação (UF), como
pode ser visto no gráfico 2. Verifica-se, por exemplo que a queda de
beneficiários foi acentuada em Estados como Acre, Amazonas, Rio de Janeiro,
Tocantins, Ceará, Minas Gerais, Alagoas, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná,
Pará, Rio Grande do Sul, Rondônia, Goiás, Pernambuco e Bahia.
Fonte: ANS link: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor
No entanto,
houve um aumento de beneficiários de planos individuais no Mato Grosso,
Espírito Santo, Paraíba, Amapá, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Sergipe,
Piauí, Maranhão, Roraima e Distrito Federal, sendo que neste último o aumento
foi superior a 25%.
É
interessante notar que 2020 foi um ano que marcou o retorno ao
crescimento dos beneficiários da saúde suplementar, o qual vinha caindo desde a
gestão caótica da política econômica que levou à crise de 2014 e 2016. Essa
reversão se deu, não por conta de uma melhoria da economia em 2020, dado que
foi um novo ano de crise econômica, desta vez por conta da pandemia, mas sim
pela busca de proteção de saúde por parte das empresas e das famílias num
momento de grande instabilidade provocada pela pandemia e pelo caos em
conseguir atendimentos nos serviços médico-hospitalares do SUS.
Mas o
crescimento da afiliação dos planos de saúde não foi acompanhado por uma taxa equivalente
de utilização dos serviços na saúde suplementar, fazendo que ocorresse, pela
primeira vez na história, uma VCMH negativa de -5,19% e um IRPI, igualmente
negativo, de -8,19% para os planos individuais.
Vale
destacar, no entanto, que em 2021, embora a maioria dos Estados tenha
encontrado uma VCMH negativa, esta, além de diferenciada por unidade federada,
foi positiva nos Estados de Amazonas, Pará, Minas Gerais, Goiás e Tocantins,
tendo sido negativa em todos os demais Estados, como pode ser observado no
gráfico 3. Verifica-se que em alguns Estados as variações da VCMH foram muito
elevadas, o que pode estar associado à baixa frequência do número de
beneficiários dos planos de saúde neste período e a erros eventualmente
existentes nas formas de registro das bases de dados[7].
Fonte: Estimativa da Arquitetos da Saúde, com base nos dados do TISS da ANS.
A VCMH entre
2019 e 2020 é a que é utilizada para a variação do IRPI 2020-2021 e, portanto,
seria a que potencialmente teria alguma relação com os possíveis efeitos do
IRPI na variação do número de beneficiários 2020-2021. Mas o cruzamento das
duas séries de dados (a da tabela 3 e da tabela 4), a partir de análises
estatísticas realizadas, mostra que não há correlação aparente entre a variação
do número de beneficiários de 2020-2021 e a variação da VCMH 2019-2020.
O que se pode
obter ao comparar estas duas séries de dados são as situações encontradas no
quadro 1, abaixo:
Quadro 1 –
Análise de situações possíveis por Estado ao se utilizar um IRPI único
|
Estados que tiveram variação negativa do
VCMH entre 2019 e 2020 maior do que o IRPI (-8,19%) de 2020-2021. |
Estados que tiveram variação positiva do
VCMH entre 2019 e 2020 ou variação negativa menor do que a variação do IRPI
(-8,19%) de 2020-2021 |
Estados que tiveram redução do número de
beneficiários de planos individuais entre 2020 e 2021 |
Quadrante 1: AC, AL, BA, CE, MS, PR,
PE, RJ, RS, SP |
Quadrante 2 AM, GO, PA, MG, RO, TO |
Estados que tiveram aumento do número de beneficiários
de planos individuais entre 2020 e 2021 |
Quadrante 3 AP, DF, ES, MA, PB, PI,
RN, RR, SC, SE |
Quadrante 4 MT |
Fonte: Elaboração dos autores a partir das
bases de dados utilizadas nos gráficos 2 e 3.
Ainda que a
variação do VCMH por Estado seja uma média que não reflete a situação
específica de cada operadora, o quadro acima demonstra que ocorreram, em média,
quatro situações:
a.
Os Estados situados no Quadrante 1
tiveram redução do número de beneficiários em seus planos individuais, mas, em
média, as operadoras podem ter sido contempladas por um IRPI que, ainda que
negativo, foi menor do que a variação negativa da VCMH média do Estado, levando,
portanto, a ganhos diferenciais no aumento de seus prêmios. Nestes casos, os
beneficiários tiveram seus prêmios reajustados com descontos menores do que
teriam, caso tivesse sido aplicada a VCMH média do Estado para a variação de
seus prêmios;
b.
Os Estados situados no Quadrante 2
também tiveram redução do número de beneficiários em seus planos individuais,
mas, neste caso, a variação média da VCMH dos Estados foi positiva ou, quando
negativa, foi menor do que a variação do IRPI, trazendo descontos nos prêmios
pagos pelos beneficiários que foram menores do que os que seriam pagos, caso
fosse aplicada a VCMH média do Estado. Neste caso, ganharam os beneficiários e
perderam as operadoras;
Uma outra
forma de mostrar a inadequação de ter um IRPI único para todas as operadoras de
planos individuais é a discrepância que existe entre a VCMH de distintas modalidades
de operadoras. O quadro 2 mostra a VCMH de 2019-2020 e 2020-2021 por modalidade de
operadora e as perdas de reajuste do prêmio, em pontos percentuais, estimadas em relação ao IRPI para 2021 e 2022.
Quadro
2: Variação dos Custos Médico Hospitalares (VCMH) dos Planos de Saúde
Individuais por modalidade de operadora de plano de saúde: 2021 e 2022
Modalidade de Operadoraa |
VCMH – 2019-2020 (%)b |
Perda Média das Operadoras em Relação ao
IRPI 2021 (pontos percentuais)c |
VCMH – 2020-2021 (%)b |
Perda Média das Operadoras em Relação ao
IRPI 2022 (pontos percentuais)c |
Cooperativa Médica |
-3,71 |
4.48 |
16,45 |
0,95 |
Filantropia |
-8,91 |
-0,90 |
17,12 |
1,62 |
Medicina de Grupo |
-7,80 |
0,39 |
23,60 |
8,09 |
Seguradora |
5,42 |
13,61 |
20,08 |
4,57 |
TOTAL |
-5,19 |
3,00 |
19,61 |
4,10 |
IRPI |
-8,19 |
- |
15,51 |
- |
Fonte:
Arquitetos da Saúde. a Não foi incluída na tabela a modalidade
autogestão, dado que em 2020 e 2021 somente existiam 272 e 310 vidas na
modalidade individual, respectivamente, ocasionando variações elevadas na VCMH.
b O ano base é sempre o ano anterior. Dessa forma a VCMH DE 2021 é a
variação de 2020 em relação a 2019 e a VCMH de 2022 é a variação de 2021 em
relação a 2020. c Perdas negativas equivalem a ganhos em pontos
percentuais.
Observa-se
que a VCMH varia bastante segundo a modalidade da operadora. Considerando o
IRPI aplicado em 2021, somente o segmento filantropia teve ganhos em relação a
variação do VCMH. Todos os demais segmentos perderam, podendo estas perdas
terem chegado até 13,6% no que se refere ao segmento das seguradoras. Já em
2022, todos os segmentos de mercado de planos individuais perderam em relação
ao IRPI, sendo que as maiores perdas concentradas no segmento de medicina de
grupo e as menores na área de cooperativas médicas.
Conclusões
Portanto, respondendo
a questão colocada no título deste artigo, o IRPI, por ser um índice único e
não levar em conta as diferenças entre mercados regionais, pode estar
prejudicando, primeiramente, os beneficiários da saúde suplementar, seja
através de levar a reajustes maiores do que a variação de custos do setor em
alguns estados, seja porque, onde isto não ocorre, pode estar estimulando as
operadoras à fecharem às portas para novos planos individuais. Em segundo lugar,
as operadoras menores e mais débeis são também prejudicadas, dado que mesmo que sejam importantes em
seus mercados regionais, não resistem, a médio e longo prazo, aos reajustes de prêmios menores do que os
custos médico-assistenciais que incorrem. Isso pode estimulá-las a praticar políticas
que são prejudiciais aos beneficiários (como o downgrade no acesso ao plano,
fechamento de novas vagas, estímulo a planos coletivos não empresariais), especialmente nas regiões com poucas concorrentes, e, até mesmo, ao seu fechamento, alavancando o
movimento de concentração dos mercados de saúde suplementar nestas regiões.
Como os
mercados de saúde suplementar no Brasil são segmentados por tipo de operadora e
por estado ou região, acarretando variações diferenciadas de custos por segmento de
mercado ou por região, não há nenhum sentido em utilizar um teto de reajustes único
dos planos individuais que seja válido para todas as operadoras em todo o país.
A melhor
aproximação para o percentual de reajuste de um prêmio é a variação específica
da VCMH de cada operadora, desde que obedecendo a parâmetros estabelecidos de
transparência e auditoria dos dados. Nesse sentido, como a ANS vai rever o IRPI
em 2023, seria uma boa oportunidade buscar opções que permitam corrigir estas
distorções no processo de reajuste dos prêmios dos planos individuais, as quais atualmente prejudicam os beneficiários, não apenas de forma direta, mas também de forma indireta, ao aumentar a instabilidade do mercado de planos individuais de saúde.
A regulação
da saúde suplementar deveria ser precisa, baseada em evidências, e na confiança
mútua entre os atores que fazem parte deste mercado – operadoras, beneficiários
e reguladores. Ao invés de adotar um índice unificado nacional para o reajuste
dos prêmios, a ANS deverá buscar processos que definam critérios sólidos de
variação dos custos médico-assistenciais e metodologias transparentes de
apuração e disseminação de dados das operadoras, que levem a reajustes dos
prêmios precisos para cada mercado, de forma a respeitar suas características
de organização e sua relação com os atores do setor.
[1] Cláudio Contador é CEO da SILCON, Estudos Econômicos - Empresa de Consultoria Econômica do Brasil. Os autores agradecem aos comentários
de Luiz Feitoza e Adriano Londres, empreendedores da Arquitetos da Saúde.
[2] O governo, incluindo a ANS, deveria investir mais em campanhas sobre os benefícios de praticar hábitos saudáveis ou até mesmo de dar incentivos materiais, como descontos em academias de ginástica. Alimentos saudáveis, por exemplo, deveriam ser isentos de impostos para serem mais facilmente incorporados à dieta das famílias, mas o governo brasileiro sequer cogita esse tema e, provavelmente, não está nos planos da reforma fiscal que será implementada pelo governo.
[3] A ANS tem tido um papel imprescindível na regulação da saúde suplementar e seu caráter independente na regulação do mercado de saúde suplementar deve ser mantido e preservado, assim como o das demais agências que foram criadas para regular setores importantes da sociedade como vigilância sanitária, energia elétrica, água, saneamento e telecomunicações. O Congresso discute atualmente uma emenda para reduzir o poder das agências reguladoras – que hoje desfrutam de relativa autonomia – e submeter suas decisões à aprovação de conselhos vinculados ao governo federal, o que praticamente aniquila seu caráter independente e aproxima a antes elogiada gestão pública brasileira daquela existente em governos autocráticos.
[4] Ver artigo de Luiz Feitoza, “O
Estranho Movimento do VCMH em 2022, publicado no site da Arquitetos da Saúde,
em 01/02/2023 – Link: https://www.linkedin.com/pulse/o-estranho-movimento-da-vcmh-em-2022-luiz-feitoza/
[5] Cooperativas médicas operam de forma diferente das seguradoras de saúde, que atuam de forma diferente dos seguros médicos, os quais, por sua vez, são administrados de forma diferente das empresas de medicina de grupo, as quais operam de forma diferente dos planos autoadministrados pelas empresas as quais, também são gerenciadas de forma diferente das instituições filantrópicas que oferecem planos de saúde. Estas diferenças operacionais se refletem obviamente, em diferenças na composição dos custos, no processo de formação de preços do setor e nas necessidades de reajuste do valor dos prêmios. Ter um teto único de reajuste para mercados tão diferentes é, no mínimo, uma bizarrice.
[6] Embora a ANS fixe um teto único de reajuste para planos individuais de saúde, as operadoras que quiserem reajustar o valor de seus prêmios por debaixo do teto estabelecido tem plena liberdade para fazê-lo, mas em geral esta prática não ocorre.
[7] Os dados estimados a partir
da base de dados do sistema de troca de informações da saúde suplementar (TISS)
da ANS ainda não são perfeitos, pois apresentam um sub registro médio de 18% e
22% de informações dos sinistros necessários ao cálculo do VCMH para os anos de
2019 e 2020, em termos médios nacionais. A base de dados do TISS relacionada
aos sinistros ao nível estadual e municipal podem ter sub registros maiores do
que os relativos à média nacional. Os dados da TISS relacionados aos sinistros levam
em conta o município de domicílio do beneficiário e não o município de seu
local de tratamento. Por este motivo, alguns Estados podem apresentar uma
despesa assistencial outlier muito elevada para o tamanho de sua população, já
que alguns beneficiários possam ter se tratado em Estados com maior estrutura
de saúde e centros de referência. Uma forma de corrigir esse problema seria
utilizar a UF onde o tratamento foi feito ao invés da UF de domicílio do
beneficiário.