segunda-feira, janeiro 30, 2012

A Saúde e o Preço do Desenvolvimento

Ano 7, No. 32, Janeiro 2012


André Medici
Kaizô I. Beltrão (1)


Os frutos do Desenvolvimento


Em entrevista ao Jornal O Globo em 28 de Janeiro de 2012 (dois dias atrás), o empresário e fundador da Microsoft, Bill Gates, participando do Fórum Mundial de Desenvolvimento Econômico de Davos (Suiça), declarou que o mundo de hoje está muito melhor do que outrora. Deu como exemplo o fato de que hoje muito menos crianças morrem antes de completar os 5 anos de idade e que a geração acelerada de renda faz alguns países em desenvolvimento reduzirem o hiato econômico que os separa dos países ricos de forma mais acelerada do que ocorreu no passado.

Sem sombra de dúvida, um dos melhores frutos do desenvolvimento é a possibilidade de viver mais e com mais saúde. O desenvolvimento econômico e social leva à redução da mortalidade precoce e a consequente extensão da expectativa de vida. Países pobres costumam ter uma expectativa de vida baixa, em função das precárias condições de saúde associadas ao baixo nível de desenvolvimento. Desnutrição, exposição às doenças transmissíveis, falta de condições de higiene domiciliar, precárias condições de trabalho, entre outros fatores, fazem com que a esperança de vida nos países mais pobres seja muito baixa, não somente pela elevada mortalidade infantil e durante os primeiros anos de vida, mas também por uma mortalidade precoce nas idades adultas. Considerando as distintas regiões mundiais, de acordo com dados de 2008 da Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a classificação internacional das regiões do Banco Mundial (2), verifica-se que a esperança de vida ao nascer dos países mais ricos estava em torno de 76 anos de idade, enquanto a média mundial se situava aos 54 anos. No entanto, nas regiões mais pobres, como a África Sub-Sahariana ela estava em torno dos 50 anos de idade (ver gráfico 1).




Os países mais pobres do mundo, em 2008, tinham esperança de vida inferior aos cinquenta anos de idade. É o caso da Afganistão, com 44 anos de idade, do Congo e da Guiné, ambos com 48 anos de idade. Neles, mais de 10% das crianças morrem antes de completar um ano de idade e a mortalidade adulta precoce é muito elevada.

As doenças que levam à mortalidade precoce estão associadas a desnutrição, às precárias condições assistenciais ao parto, a grande incidência de doenças transmissíveis (malária, tuberculose, AIDS) e a falta de vacinas, meios de prevenção, serviços de saúde e remédios para o tratamento destas doenças. Podemos dizer que na África Sub-Sahariana, o conjunto destas doenças (compostas pelas causas perinatais, maternas e doenças transmissíveis – conhecidas em epidemiologia como doenças do Grupo I) respondiam por 67% dos anos de vida saudáveis (AVISA) perdidos por mortalidade precoce ou por incapacidade física em 2008, de acordo com dados da OMS. Em compensação, as chamadas doenças crônicas não transmissíveis (conhecidas como doenças do Grupo II) representavam apenas 23% dos AVISA perdidos, por dois motivos: primeiro, porque a mortalidade pelas doenças do Grupo I era muito elevada e absorvia a maior proporção das mortes. Segundo, porque muitos não chegavam a viver o suficiente (ou não tinham padrões de consumo equivalentes) para estarem expostos aos fatores de risco que levam às doenças do Grupo II. Somente quando muitos escapam da mortalidade pelas doenças do Grupo I as doenças do Grupo II se tornam significativas, dado que passam a desfrutar, em geral, das etapas mais tardias do ciclo de vida. Mesmo assim, em muitos países pobres ou mesmo não tão pobres, a existência de guerras, a exposição aos riscos de violência social ou aos acidentes de trânsito levam as causas de mortalidade do grupo III, constituido por acidentes e mortes por homicídios e suicídios (3).




Nos países ricos (ou desenvolvidos), o conjunto das doenças do Grupo I representava somente 6% dos AVISA perdidos. Atualmente o país com maior expectiva de vida é o Japão (83 anos), seguido da Suiça com 82 anos. Países nórdicos como a Suécia tem expectativa de vida em torno de 81 anos. No entanto, as doenças crônicas não transmissíveis (Grupo II) representavam 86% dos AVISA perdidos nos países ricos. O gráfico 2 mostra como a presença das doenças crônicas nos AVISA perdidos por mortalidade ou incapacidade aumenta com o nível de desenvolvimento. Na América Latina, por exempo, elas representavam 66% dos AVISA perdidos, valor próximo ao que representam no Brasil atualmente, estimado em 67%. No entanto, as estimativas da OMS é que estas doenças cheguem a representar 72% da carga de doença latino-americana em menos de duas décadas.

O processo de passagem da dominância das doenças do grupo I para as do grupo II, no perfil de mortalidade é conhecido como transição epidemiológica. Em geral esse processo também se associa a passagem de uma condição de altas taxas de fecundidade para taxas mais reduzidas e ao aumento da expectativa de vida – processo conhecido como transição demográfica - levando ao crescimento do número de pessoas com mais de 60 anos (ou de terceira idade) no conjunto da sociedade. O gráfico 3 mostra como os países mais desenvolvidos são aqueles que simultaneamente apresentam uma maior esperança de vida ao nascer ao lado de uma maior proporção de pessoas de terceira idade no conjunto da população. O tamanho das bolas representa a magnitude da população total destes páises.




O preço do Desenvolvimento

Portanto, o fato da mortalidade dos brasileiros estar associada cada vez mais às doenças crônicas, com uma redução sensível das mortes por doenças transmissíveis e causas maternas e perinatais, é alviçareiro, porque revela que conseguimos ultrapassar uma fase importante de alta mortalidade característica das regiões mais pobres do planeta. Mas o desenvolvimento tem um preço, que neste caso é a maior incidência relativa de doenças crônicas não transmissíveis (Grupo II). Os gastos per-capita com saúde, influenciados pelo crescimento das doenças crônicas, aumentam fortemente com a idade e isto depende de uma série de circunstâncias como a combinação de tratamentos baseados no uso maior de tecnologia e medicamentos sofisticados com técnicas de promoção e prevenção para evitar fatores de risco. Depende também da intensidade e valor dos benefícios que os indivíduos recebem para cuidar de sua saúde. O gráfico 4 mostra os gastos por idade em vários países da OECD como múltiplos e submúltiplos dos gastos com o grupo de idade de 50 a 64 anos.




O tratamento das doenças crônicas é muito mais caro do que o das transmissíveis e sua permanência na vida das pessoas persiste no longo prazo, desde que se manifestam os sintomas e em muitos casos até a morte. Em geral doenças ou condições crônicas são controláveis mas muitas não tem cura. O gasto é proporcional a gravidade da situação, de modo que pacientes crônicos que não previnem ou controlam seus fatores de risco, tem a possibilidade de gastar muito mais dos sistemas de saúde do que aqueles que mantem uma rotina de prevenção ou controle dos fatores de risco. Os custos das doenças crônicas, sem uma forte estratégia de promoção e prevenção, seja pelo lado dos Planos de Saúde, seja pelo Governo, podem se tornar proibitivos. O Governo e os planos deixam de exercer seu poder de comunicação para influenciarem os indivíduos a ter comportamentos saudáveis, levando a uma situação de insustentabilidade,seja pelo impacto na elevação dos custos dos planos de saúde ou dos programas públicos, seja pelo aumento do risco de gastos catastróficos pelo lado das familias.


O preço do desenvolvimento, portanto, se paga quando o país cria uma estrutura que permita atender os casos de maior complexidade e gravidade, investindo na tecnologia apropriada de saúde, insumos e medicamentos para o tratamento, mas também investindo em estratégias de conscientização e parcerias entre o setor público assistencial, os planos de saúde, empresas privadas e programas públicos de promoção e prevenção. É necessário investir em processos que permitam fazer com que o acesso a estes programas e processos de tratamento estejam acessíveis a todos independentemente de renda, idade ou região. Existe, portanto, uma imensa agenda pública e privada a ser preenchida para evitar a mortalidade precoce por estas doenças e previnir seus fatores de risco presentes na vida de grande parte dos brasileiros, como a obesidade, a hipertensão, o alcoolismo, o abuso de substancias tóxicas que criam dependência psíquica, o tabagismo e a falta de exercícios físicos.

Os programas públicos existentes no Brasil, como o Programa de Saúde da Família (PSF), desenvolveram protocolos e rotinas para acompanhar portadores de doenças crônicas, como os hipertensos e diabéticos. De alguma forma estes programas podem estar dando resultados positivos na redução de casos agudos precoces. No Brasil, entre 2007 e 2010, a taxa de internação por diabetes melitus e suas complicações entre a população de 30 a 59 anos se reduziu de 7,4 para 6,6 por 10 mil habitantes, o que poderia estar associado a um melhor nível de informação dos indivíduos sobre estas patologias, à detecção precoce de casos ou simplesmente à maior oferta de serviços de média complexidade (como AMEs e UPAs) que em geral são mais apropriados do que hospitais para atender a maioria dos casos de crises de diabetes que não podem ser atendidos ou acompanhados pelo primeiro nivel de atenção. Mas as taxas de internação por acidente cérebro vascular (AVC) permaneceram no mesmo patamar (ao redor de 6,6 por 10 mil, para a mesma faixa etária) entre 2007 e 2010, o que mostra que outros fatores de risco, associados a uma nutrição inadequada ou não balanceada e à vida sendentária, podem não estar sendo suficientemente monitorados ou remediados dentro das populações de risco.

Além do mais, existe grande inequidade de acesso aos programas como o PSF que sequer atinge a metade dos brasileiros, deixando de fora do programa parte significativa dos mais pobres. Se existe inequidade no acesso ao PSF, que dirá no que se refere ao acesso a tratamentos mais sofisticados, onde os medicamentos e equipamentos só estão disponíveis nos maiores centros urbanos, os processos de rastreamento, referência e contra-referencia são deficientes e as filas para obter tratamento nos serviços de saúde são de grandes proporções.

O aumento da expectativa de vida leva ao aumento do número de pessoas propensas a ter doenças crônicas não transmissíveis e, dessa forma, novos desafios como aqueles associados a promoção de uma vida saudável e a prevenção devem estar presentes no cotidiano dos brasileiros. Parte da tarefa dos sistemas de saúde é conscientizar as populações sobre como evitar ou mitigar os fatores de risco associados a doenças crônicas. Dado que muitas delas não tem cura, é necessário aprender a conviver com elas, controlando suas causas e evitando suas consequencias associadas a mortalidade precoce. Estilos de vida mais saudáveis dependem, no entanto, de políticas e ações intersetoriais, as quais não poderão ser feitas sem uma forte coordenação entre atores privados (operadoras de planos, empresas e indivíduos) e diferentes políticas públicas e esferas de Governo.

Notas

(1) Estatístico, residente no Rio de Janeiro (RJ), Brasil, professor e pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação CESGRANRIO.

(2) O Banco Mundial divide o mundo de acordo com uma mistura de níveis de desenvolvimento e pertinência regional. As Regiões utilizadas pelo Banco Mundial são: a) Países Ricos (independentemente de onde estejam) - HIC, b) Ásia Oriental e Pacífico - EAP; c) Europa Oriental e Ásia Central - ECA; d) América Latina e Caribe - LAC; e) Oriente Médio e Norte da África - MENA; f) Ásia Meridional – SA, e; g) África Sub-Sahariana – SSA.

(3) As doenças do Grupo III são as chamadas causas externas (acidentes, guerras, homicídios, suicídios, etc.)



Referências

Cotlear, D. “Population Aging: Is Latin America Ready?”, The World Bank, Washington DC, 2011. (ver especialmente capítulo 4 - How Age Influences the Demand on Health Care in Latin America). O livro se encontra disponível eletronicamente e pode ser baixado da internet. É só clicar: http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2011/01/07/000356161_20110107011214/Rendered/PDF/588420PUB0Popu11public10BOX353816B0.pdf - O livro foi também traduzido e publicado em espanhol pelo Banco Mundial.

Kotlikoff, L. J., and C. Hagist. 2005. Who Is Going Broke? Comparing Health CareCosts in Ten OECD Countries. National Bureau of Economic Research,Working Paper No. 11833, Cambridge, MA

segunda-feira, janeiro 16, 2012

A Regulamentação da EC-29 e o Financiamento da Saúde no Brasil

Ano 7, No. 31, Janeiro de 2012


André Medici


Enfim, a regulamentação...

Em 7 de dezembro de 2011, a regulamentação da Emenda Constitucional No. 29 (EC-29) foi aprovada pelo Senado. Foram mais de 10 anos de vai-e-vem, envolvendo o Senado, a Câmara, os Ministérios Econômicos, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios. Discussões apaixonadas se realizaram entre várias correntes de pensamento e a questão do financiamento virou uma espécie de “samba de uma nota só”.

A proposta de regulamentação aprovada não foi aquela que as autoridades econômicas queriam. O Senado sabiamente evitou a criação de mais um imposto ou contribuição social que, inicialmente vinculado à saúde, acabaria indo pouco a pouco para a vala comum da imensa carga fiscal brasileira, através dos já conhecidos processos de desvinculação das receitas da União. Também não foi a que o Câmara enviou ao Senado, a qual aumentaria anualmente em R$31 bilhões (com base no orçamento de 2011) os gastos federais com saúde, através de sua vinculação a 10% das receitas fiscais da União. No entanto, no dia 16 de janeiro de 2012, a Lei Complementar que regulamenta a EC-29 foi sancionada pela Presidência da República vetando 15 trechos do texto aprovado pelo Senado no início de Dezembro.

O que prevaleceu na decisão do Senado foram critérios para uma alocação orçamentária da saúde próxima aos patamares atualmente existentes. O mais importante, no texto da regulamentação, foi a definição do que se deve considerar como gasto em saúde, a fim de evitar que os Tribunais de Contas acabassem por julgar procedentes definições oportunistas de gasto em saúde utilizadas pelos Estados e Municípicios para reduzir às transferências ao setor.

O que prevaleceu nos vetos da Presidência foi a eliminação da correção dos recursos federais em conformidade com a variação do PIB e o uso de contas separadas para o setor, de acordo com as fontes de receita. Com isso, o Governo manteve sua disposição em controlar os recursos através da Conta Única do Tesouro, evitando que ganhos financeiros (extra-orçamentários) fossem transferidos ao setor saúde. Ao por um freio no aumento dos recursos federais, .o governo implicitamente aumenta a responsabilidade dos Estados e Municípios no financiamento da saúde, o que está sendo alvo de críticas fundadas de governadores e secretarios estaduais de saúde. Afinal de contas, boa parte do que estava sendo feito pelo Congresso era para aumentar os recursos federais para o setor.

No entanto, foi mantido na Lei Complementar o texto do Senado que define o conceito de gastos com saúde, evitando que os Estados e Municípios pudessem mascarar outros gastos, classificando-os como gastos com saúde. Além das definições impróprias de gasto em saúde, alguns governos sub-nacionais não alocavam os percentuais de 15% e 12% das receitas correntes dos Municípios e Estados e com isso, os recursos não aumentavam como deveriam. De acordo com os dados do SIOPS/MS para 2009 (os últimos disponíveis), dos 27 Estados brasileiros, apenas quatro não aplicaram o mínimo de 12% das receitas próprias em saúde em 2009. Eram eles Paraná (9,8%), Espírito Santo (11,8%), Rio Grande do Sul (7,2%) e Mato Grosso (11,7%). No entanto, uma análise mais acurada feita pelo Ministério da Saúde mostrou que, além destes, sete Estados não haviam alcançado o percentual por classificarem erroneamente suas prestações de contas junto ao sistema (São Paulo, Goiás, Ceará, Pará, Minas Gerais, Maranhão e Rio de Janeiro). Dentre as despesas classificadas erroneamente como gastos em saúde estão gastos com hospitais de servidores públicos, saneamento básico, abastecimento de água com cobrança de taxas, restaurantes populares e programas de transferência de renda, como o bolsa família. Este problema não ocorre com os municípios, onde apenas 11 (dos mais de 5.500) não conseguiram aplicar o mínimo de 15% em 2011, segundo os dados do SIOPS.

Não mais desculpas...

A falta de financiamento tem sido sempre o bode espiatório para justificar os problemas do sistema de saúde brasielrio. E como é conhecido, estes problemas não param de crescer. Entre dezembro de 2002 e outubro de 2011, de acordo com a Pesquisa IBOPE-CNI, a questão da saúde passou da segunda para a principal preocupação dos brasileiros. Uma pesquisa de opinião especial do IBOPE-CNI(1) recém publicada (janeiro de 2012), mostrou que 61% da população brasileira considera o serviço público de saúde péssimo ou ruím E 85% da população não percebe avanços no sistema público de saúde do país nos últimos três anos. Cerca de 55% considera a demora no atendimento o principal problema do sistema público de saúde em sua cidade.

A desculpa tem sido a de que o sistema de saúde poderia ser melhor se houvessem mais recursos para seu financiamento. Mas, embora na pesquisa IBOPE-CNI a esmagadora maioria da população (95%) considere importante destinar mais recursos para a saúde, 82% acham que recursos adicionais poderiam ser obtidos se o governo acabar com a corrupção e somente 4% endossariam a proposta do governo de criar novos impostos para financiar a saúde. A maioria atribui melhores notas aos serviços privados do que aos públicos e 63% concorda com a transferência da gestão dos hospitais públicos para o setor privado.

Com a nova Lei complementar que regulamenta a EC-29, a definição dos recursos federais para o setor e o fim da pressão diária para sua votação, os governos em todas as esferas, vão ter que arregaçar as mangas e não buscar mais desculpas para justificar o descontentamento da população. Terão que gastar melhor os recursos que tem, se quiserem melhorar os resultados. Terão que saber quanto precisam gastar a mais para cumprir com os direitos constitucionais da população e dar valor a cada centavo que recebem do orçamento. Terão que acompanhar milimetricamente o que esta sendo feito com os recursos destinados para as emendas parlamentares na saúde e vão ter que buscar saídas para gastar melhor.

Ao final das contas, o Ministério da Saúde acabou recebendo em 2012 mais do que esperava. A proposta do Orçamento da União para 2012, aprovada em 23 de dezembro de 2011 pelo Plenário do Congresso, vai destinar ao Ministério R$ 92,1 bilhões; ou seja, R$11,2 bilhões adicionais aos recursos aprovados em 2011 (13,8% a mais). Nada mal para quem esperava receber um adicional de R$31 bilhões escalonado em 4 anos, caso fosse aprovada a proposta de 10% das receitas da União. Se esse adicional, proposto pela Câmara, fosse parcelado entre 2012 e 2015, o Governo receberia somente R$7,6 bilhões em 2012.

O que fazer com os recursos adicionais?

Não é pela existência de cortes nos gastos federais que a saúde no Brasil apresenta problemas. A tabela 1 mostra que entre 2007 e 2011, os recursos orçamentários autorizados para a pasta da Saúde aumentaram de R$53 para R$81 bilhões. Muitos argumentam que a participação do Ministério da Saúde no orçamento federal vem decrescendo, o que é verdade. Mas isso tem a ver com aumento dos gastos públicos em outras áreas em proporções maiores que o aumento dos gastos em saúde (2).

Tabela 1
Recursos Autorizados, Pagos e Porcentagem de Execução Orçamentária dos
Recursos do Ministério da Saúde: Brasil: 2007-2011

Fonte: http://www8a.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=20705

Portanto, não é de hoje que o Governo vem aumentando os gastos federais com saúde e a regulamentação da EC-29 vai somente consolidar esta tendência. Mas como o governo vai gastar este adicional de recursos? O Congresso, ao que parece, já tem algumas propostas. Segundo o Deputado Tarcísio Perondi, da Frente Parlamentar de Saúde, os municípios com menos de 50 mil habitantes poderão receber até R$2,2 bilhões para a construção de postos de saúde. As emendas parlamentares da saúde também tiveram aumentado seu teto, dado que cada deputado e senador passaria a destinar (dos R$15 milhões de recursos discricionários do orçamento a que tem direito) no mínimo cerca de R$2 milhões para o fortalecimento do SUS. Segundo os cálculos do Deputado Perondi, a soma total das emendas ligadas a saúde chegará em 2012 a R$6,3 bilhões (ou seja, quase 7% do total do orçamento da saúde).

Por outro lado, ainda que os recursos venham aumentando, o gasto real do Ministério da Saúde tem sido muito aquém do autorizado pelo Orçamento. A Tabela 1 mostra, na última coluna, a porcentagem de execução orçamentária dos recursos do Ministério da Saúde entre 2007 e 2011. Nos últimos anos sistematicamente mais de 10% dos recursos deixam de ser pagos, o que representa um valor muito elevado frente ao clamor pela falta de recursos para o setor que frequentemente é usado como desculpa.


Em matéria publicada no Jornal Valor Econômico de 28 de outubro de 2010, o reporter Ribamar Oliveira relata que o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o governo federal não honrou com o gasto mínimo em saúde nos anos de 2007 e 2008 , em função do cancelamento das despesas, empenhadas nesses dois anos incluídas como restos a pagar. Antes da regulamentação da EC-29, vigorava a regra definida no artigo 77, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nas quais as despesas mínimas com saúde deveriam ter como parâmetro o valor efetivamente empenhado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o jornalista, a aplicação deste critério aos gastos com saúde em 2007 e em 2008 levou o TCU a estimar que R$ 785 milhões de recursos empenhados como restos a pagar não foram gastos nos exercícios posteriores. Por causa disso, os ministros do TCU decidiram, em acórdão aprovado no dia 6 de outubro de 2010, determinar que os Ministérios da Saúde, Fazenda e Planejamento deveriam garantir, mediante dotação específica, o montante equivalente aos valores de restos a pagar que foram cancelados, ou cuja vigência tenha expirado e que foram considerados para fins de cumprimento do limite mínimo com saúde. Essa decisão dos ministros do TCU valeria até que fosse regulamentada a Emenda Constitucional 29, mas na prática não foi aplicada.

Em síntese, apesar de ter contado com mais recursos e clamar por mais financiamento, o setor público de saúde no Brasil não tem gasto a totalidade do orçamento disponível nem dado prioridade ao que deve ser priorizado em matéria de gasto com saúde. Muitos continuam culpando o sub-financiamento pelos problemas de saúde apontados pela população. Mas como revelam os dados da última pesquisa IBOPE-CNI, a população brasileira parece estar descobrindo que, com os recursos públicos disponíveis, se poderia fazer mais ao se buscar soluções de gestão mas eficientes ou reduzir a corrupção setorial. Está na hora de abandonar o discurso monotônico do financiamento e buscar alternativas e soluções para apoiar o Governo na melhoria da eficiência e da equidade na saúde, o que traria maiores beneficios aos cidadãos brasileiros, especialmente os mais pobres, que dependem do SUS.


Notas


(1) Pesquisa CNI-IBOPE, Retratos da Sociedade Brasileira: Saúde Pública, Ed. CNI, Brasilia, Janeiro de 2012.

(2) A participação do Ministério da Saúde no Orçamento Federal se reduziu de 8,0% para 6,8% entre 2000 e 2010, enquanto as despesas assistenciais capitaneadas por programas como o bolsa-familia, passaram de 4,2% para 7,9% dos gastos federais.