domingo, julho 11, 2021

Implicações do Uso de Distintos Tipos de Deflatores nos Gastos em Saúde no Brasil

 Ano 15, No. 121, Julho de 2021

André Cezar Medici[i]

 

Introdução

Inflação, como todos sabem, é uma média ponderada da variação de preços e quantidades compradas de bens e serviços, entre dois períodos de tempo, e sua utilização sempre apresenta distorções quando se comparam os índices de inflação com os gastos realmente incorridos por indivíduos, famílias e empresas. Isto porquê cada agente econômico (empresa, família ou governo), dependendo do que e de quanto gasta, tem uma inflação específica e diferenciada em relação àquela média. Por isso, a inflação real nunca é a mesma para cada setor de atividade, região ou família, e poderíamos citar uma miríade de variáveis que dificultam ter uma taxa de inflação que possa medir o que realmente se passa no bolso de cada um. 

As métricas de inflação buscam registrar variações de preços e quantidades de uma cesta de bens e serviços que são utilizados para a produção intermediária (insumos, bens de capital, etc.), para a venda no atacado, ou para a venda destinada ao consumo final das famílias[ii]. Os bens e serviços que compõe essa cesta, bem como as quantidades consumidas pelas empresas (para a produção), pelos revendedores (para a venda no atacado) ou pelos consumidores finais (varejo) são levantados periodicamente através de pesquisas de orçamentos das famílias ou da composição de custos das empresas para incluir novas preferências dos consumidores ou necessidades técnicas de produção e eliminar ou reduzir o peso dos bens e serviços que deixam de ser consumidos ou passam ser utilizados em menor escala pelas famílias ou pelos produtores.

Dadas estas características, existem vários índices de preços que foram construídos para atender diferentes finalidades. Neste particular, podemos classificar esses índices como: (i) aqueles relacionados ao consumo final ou os índices de preços ao consumidor; os quais medem a inflação para indivíduos ou famílias; (ii) aqueles relacionados à produção ou os índices de preços aos produtores, os quais refletem a variação nos custos para a produção de bens ou serviços em geral ou de um determinado setor de atividade e; (iii) os chamados Índices Gerais, que buscam combinar, de acordo com os pesos da demanda intermediária ou final, as variações de preços e quantidades que ocorrem simultaneamente na produção e no consumo .

(i)           Índices de Preços ao Consumidor - No Brasil, por exemplo, existem índices voltados para medir como a inflação afeta o consumo final dos indivíduos ou famílias. É o caso do índice de preços ao consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) da Universidade de São Paulo (USP), que foi criado há muito tempo pela Prefeitura Municipal de São Paulo[iii], com o objetivo de reajustar os salários dos servidores municipais. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula vários índices de preços relacionados ao consumo final, destacando-se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) o qual era, até pouco tempo, o índice que corrigia os reajustes de salários no Brasil, e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) o qual, mede a variação dos preços para quem tem renda de até 40 salários mínimos, e tem sido utilizado como o indice oficial da inflação no Brasil.

(ii)                Índices de Preços aos Produtores – Existem no Brasil vários índices setoriais de produção, ou índices de preços aos produtores, que calculam a inflação específica decorrente da produção geral ou em cada setor de atividade. Podemos dizer que, atualmente, cada setor de atividade calcula seu índice específico ao produtor. O Índice de preços por atacado da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o índice geral mais conhecido e, como exemplo de índices setoriais temos o Índice de Construção Civil (ICC) da FGV, que reflete as variações nos custos desse setor específico e tem 10% do peso no total do Índice Geral de Preços (IGP), também calculado pela FGV. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) produz, um Índice de Custo Industrial (ICI), de variação trimestral, que no momento se encontra em mudança de metodologia. Assim, cada setor de atividade busca ter seus próprios cálculos de inflação setorial e o setor saúde não foge a regra, dado que várias entidades privadas calculam Índices de Variação de Custos Médico Hospitalares (VCMH) para medir da produção de bens e serviços nesse setor. 

(iii)               Índices Gerais de Inflação. No Brasil, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da FGV, criado em novembro de 1947, é o exemplo mais claro de um índice para balizar o comportamento geral dos preços da economia brasileira[iv]. Outro índice geral produzido pela FGV é o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) o qual é tão antigo quanto o IGP-DI e tem sido utilizado na análise de operações financeiras de longo prazo[v]. Mas o índice geral de inflação recomendado internacionalmente é o chamado deflator implícito do Produto Interno Bruto (PIB), que considera um cálculo de variação de preços da economia de cada país em todos aspectos de consumo final, consumo intermediário, exportações menos importações, além de consumo e investimento do governo[vi]. 

Vale a pena comentar que o deflator implícito do PIB é calculado pelo IBGE em base trimestral, e tem a possibilidade de ser aberto para distintos setores de atividade, o que atualmente já ocorre em alguns setores. Isto não afeta a utilização deste deflator como base para uma correção anual dos preços praticados no Brasil. No entanto, em coordenação com o IBGE, esforços adicionais poderiam ser realizados para conseguir uma medição mensal do deflator implícito do PIB e, até mesmo, uma maior abertura deste indicador para setores específicos como o de saúde que vem aumentando sua participação no PIB brasileiro.

Há pouca discussão sobre como se deve deflacionar os gastos públicos, especialmente porquê, em países como o Brasil, parte das compras do governo não se destinam somente a adquirir bens e serviços de consumo final, mas também a produzir estes bens e serviços, como é ocorre nos setores de saúde e educação, utilizando como insumos bens e serviços intermediários. Mas o efeito preço no cálculo da inflação dos gastos do governo não se expressa no consumo final desses bens e serviços, dado que a maioria deles não é comprada pelos consumidores, os quais os recebem do Governo gratuitamente sem que possam expressar suas preferências através do mercado.  

O objetivo desta postagem é analisar o impacto de distintos deflatores na análise dos gastos públicos federais com saúde no Brasil, com um exemplo concreto de como estes deflatores podem representar diferentes comportamentos no gasto público federal em saúde, entre 2012 e 2020.

 As distintas formas de medir a inflação no setor saúde

Assim como ocorre em outras áreas da produção humana, selecionar o índice certo para medir variações de preços não é trivial e a escolha pode acarretar em diferenças substanciais nas estimativas e resultados encontrados. Por exemplo, os resultados de estimativas da inflação, no setor saúde, podem ser muito diferentes quando se utiliza um índice geral de inflação ao invés de um índice que reflita a inflação específica do setor.

Diferentes índices de preços em saúde podem ser utilizados para finalidades distintas. Se o objetivo, por exemplo, é conhecer como a quantidade de serviços médicos mudou ao longo do tempo em função dos preços, se deveriam utilizar índices de preço dos produtores de serviços médicos. Os índices de preço ao produtor são, em geral, os preferidos para medir a variação das despesas totais de uma instituição de saúde (hospital, rede de saúde, seguro de saúde, etc.) porque refletem as tendências nos valores que se pagam aos distintos fornecedores de insumos e força de trabalho. No entanto, se o objetivo é avaliar os gastos diretos das famílias com saúde, os índices de consumo seriam os mais adequados, dado que refletem variações nos preços pagos por estas e, se o índice de consumo for específico para bens e serviços de saúde, este resultado ainda é mais fidedigno à realidade.

No entanto, quando se considera o gasto em saúde como parte do gasto total de um país ou região, os índices gerais, entendidos como média das variações de preços em todos os setores e de todos os agentes econômicos, podem ser os mais adequados pela necessidade de haver uma uniformidade no critério de mensuração da inflação em saúde com a dos demais setores.

Em artigo recente, Dunn et al (2016)[vii] considera que, ao nível macroeconômico, a melhor medida para avaliar os gastos com saúde em termos de poder de compra da sociedade é o deflator implícito do PIB. Como índice geral ele seria também, na falta de um indicador específico para acompanhar a inflação em saúde, o melhor indicador para medir gastos governamentais porque reflete a variação de um conjunto de bens e serviços voltados para o consumo intermediário e final, tendo inclusive a abertura para medir a variação dos gastos do governo.

No que se refere a medida do poder de compra das famílias, os índices de preço ao consumo são os mais indicados pois dão a dimensão da variação média da inflação na composição dos gastos da família. Mas se o objetivo é medir somente o gasto em saúde das famílias (sem compara-lo com o gasto em outros itens), se pode utilizar índices de preços ao consumo específicos para os gastos em saúde, como é o caso do IPC-saúde da FIPE.

Para conhecer a variação dos custos associados a uma doença específica, índices de preços ao produtor de serviço de saúde, ou índices de inflação médica relacionados àquela doença, seriam os mais adequados. Para saber como evoluíram os custos dos serviços de saúde gerais ou de partes específicas (internação, por exemplo), os índices de preços ao produtor de serviços de saúde (como os VCMH utilizados no Brasil) também seriam os melhores indicadores.

Índices como o VCMH podem ser desenhados para medir o custo de tratar pacientes com uma condição específica (diabetes tipo 2, por exemplo) ao longo de um período de tempo onde se estabelece um ano base, a cesta de bens e serviços relacionadas ao custo de tratar esta condição e o somatório da variação dos preços (multiplicados pelas quantidades) dos itens que compõe essa cesta ao longo do tempo.

Já a mensuração da inflação nos gastos públicos de saúde mereceria tratamento particular. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, os Centros de Serviços do Medicare e Medicaid (CMS) corrigiram os valores nominais das contas nacionais de saúde daquele país entre 2004 e 2011 através da utilização de um índice encadeado de preços que reflete os gastos de distintos financiadores públicos e privados. Este índice utiliza duas cestas combinadas para deflacionar os gastos: a de gastos pessoais de saúde e a de gastos institucionais de saúde. A primeira corresponde aos critérios de preços ao consumidor, medindo o valor total gasto para tratar indivíduos com condições médicas específicas, como cuidados hospitalares, serviços médicos e clínicos e medicamentos vendidos no varejo.

Já os gastos institucionais incluem o custo líquido da administração dos seguros de saúde, os gastos públicos com administração em saúde, os gastos do governo com saúde pública e os gastos com investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento. O critério de deflacionamento destes gastos é mais complexo, uma vez que estes não envolvem transações de mercado entre indivíduos e empresas. Assim, ao invés de utilizar um índice único de preços, os gastos institucionais são normalmente deflacionados pela simples variação dos preços dos insumos subjacentes à execução destes gastos, os quais refletem imperfeições no processo de formação de preços associados aos gastos públicos em saúde.

Dessa forma, os gastos administrativos do governo são deflacionados usando um índice composto de preços de insumos que pondera, em cadeia, índices de preços associados a salários, benefícios, honorários profissionais, serviços de processamento de reclamações, aluguéis de escritórios e outras despesas. Esses índices, no caso dos Estados Unidos, são agrupados separadamente para a administração de programas federais e programas regionais (de estados e governos locais), refletindo processos institucionalmente diferenciados de acordo com as esferas de governo. Mas em geral, não existe uma fórmula mágica que atenda a uma medida acurada da inflação dos gastos públicos em saúde, sejam eles agregados ou sub-setorialmente desagregados.

Para dar uma visão sintética dos índices de inflação utilizados para medir objetivos específicos de análise do setor saúde, montamos a tabela abaixo:

Tabela 1 – Índices de inflação em saúde utilizados de acordo com diferentes finalidades

Objetivos da Análise de Preços

Índices Gerais

Índices de Preços ao Consumidor

Índices de Preços ao Produtor

Deflator Implícito do PIB

Índices Agregados

Geral

Bens e Serviços de Saúde

Variação de Custos Médico-Hospitalares

 Custos por Subsetor (Hospital, Atenção Básica, etc.)

Custos por Doença, Patologia ou Linha de Cuidado

Análise Global dos Gastos de Saúde

x

x

 

 

 

 

 

Análise dos Gastos Públicos com Saúde

x

 

 

 

 

 

 

Análise dos Gastos das Famílias com Saúde

 

 

x

x

 

 

x

Análise dos Custos de Hospitais e Redes

 

 

 

 

x

 

 

Análise dos Custos de Subsetores de Saúde

 

 

 

 

x

x

 

Análise dos Custos de Doenças Específicas

 

 

 

 

 

 

x

Fonte: Elaboração do Autor

Considerações sobre como deflacionar gastos públicos no Brasil

O governo brasileiro não utiliza explicitamente nenhum critério para deflacionar os gastos públicos, embora o Banco Central e o Ministério da Economia reconheçam o IPCA como o indicador oficial para dimensionar a inflação no país, inclusive no que se refere a reajustes governamentais. Mas seria essa uma decisão correta?  As experiências internacionais para deflacionar gastos públicos tendem a convergir no uso dos chamados índices de preços agregados (como o deflator implícito do PIB) não utilizando índices de preços ao consumidor (como o IPCA). Isto porque os índices agregados consideram não apenas o impacto da inflação no consumo, mas também na produção, sendo uma medida mais correta das variações ocorridas na economia e nos gastos do governo como um todo.

Existe uma preferência internacional pelo uso do deflator implícito do PIB, dado que este não é medido diretamente, mas sim a partir de outros indicadores da economia, como a variação dos custos dos bens usados pela administração pública (governo) e a formação bruta de capital fixo (investimentos). Outros índices de gerais de inflação, como é o caso do IGP-DI ou o IGP-M no Brasil, não contemplam para o cálculo da inflação os gastos públicos e os investimentos, atendo-se apenas às variações de preços para a compra de bens e serviços nos custos de produção e nos mercados de consumo.

Ao mesmo tempo, o deflator implícito do PIB, considera apenas o impacto das variações de preços no valor adicionado. Isso altera o tratamento que dá às importações, por exemplo, quando comparado ao Índice de Preços por Atacado (IPA), que tem um peso de 60% na composição do IGP-DI ou do IGP-M, já que, nestes índices, as variações cambiais são repassadas ao longo de toda a cadeia produtiva até o consumidor final. Se o objetivo, neste caso, é ter um índice de preço não afetado pela variação cambial que, no caso do Brasil, por ser flutuante, poderia injetar tendências especulativas na medição dos indicadores econômicos, a utilização do deflator implícito do PIB seria melhor do que do IGP-DI ou IGP-M para corrigir as variações inflacionárias dos gastos governamentais.

Mas o Banco Central tem utilizado o IPCA como indicador para a correção das metas de inflação. Isto faz, por exemplo, com que as correções do “teto de gastos” implementado pelo Governo desde 2017 tenha também utilizado o IPCA como índice de correção do orçamento nominal dos últimos anos, dado que as despesas, desde então, seguem sendo corrigidas por este índice por coerência com o que determina o regime de metas de inflação. Este critério pode, também, não ser o mais indicado.

Por ser mais abrangente em captar as transações de toda a economia, o deflator do PIB seria melhor para corrigir os efeitos inflacionários dos gastos públicos do que o IPCA. Mas ele tem apresentado, ao longo dos anos, variações maiores do que o IPCA (ainda que menores do que o IGP-DI) como pode ser visto no gráfico 1.

Fonte: FGV-IBRE, Banco Central do Brasil e IBGE.

Observa-se que entre 2012 e 2020 em apenas um ano (2015) as taxas de inflação medidas pelo IPCA foram superiores as do deflator implícito do PIB. Já no que se refere às taxas de inflação medidas pelo IGP-DI, pode-se observar que as maiores flutuações deste indicador, tanto em relação ao IPCA quanto ao deflator implícito do PIB, refletem fortes pressões nas taxas de câmbio, especialmente nos anos mais recentes onde, particularmente em 2020, a variação do IGP-DI foi de 23% comparada com 4,8% e 4,5% no deflator implícito do PIB e no IPCA, respectivamente.  No acumulado entre 2012 e 2020, o IGP-DI teve uma inflação acumulada de 83%, comparada com a de 56%, medida pelo deflator implícito do PIB e 54%, medida pelo IPCA, no mesmo período respectivamente.

Os gastos públicos federais em saúde no Brasil segundo distintos critérios de deflacionamento

Feitas estas considerações, caberia analisar como evoluíram os gastos públicos federais com saúde entre 2012 e 2020. A série de gastos públicos federais que será apresentada aqui corresponde ao conceito de Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS)[viii] e os dados básicos são da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Economia, embora tenham sido obtidos através da base de dados do Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos de Saúde (SIOPS) do Ministério da Saúde-DATASUS.  A tabela 2 e o gráfico 2 mostram a evolução destas despesas, em R$ bilhões médios de 2020 deflacionados pelo IPCA, pelo deflator implícito do PIB e pelo IGP-DI.

Tabela 2 – Gastos Federais em Ações e Serviços de Saúde Públicos de Saúde (ASPS) em R$ Bilhões de 2020 de Acordo a três critérios de deflacionamento

Anos

Gasto Federais com Saúde corrigidos pelo deflator implícito do PIB

Gastos Federais com Saúde corrigidos pelo IPCA

Gasto Federais com Saúde corrigidos pelo IGP-DI

2012

124.9

123.6

146.9

2013

123.2

121.1

144.4

2014

126.6

125.9

154.0

2015

128.1

123.8

151.5

2016

117.2

115.2

139.8

2017

131.0

129.7

162.8

2018

127.7

127.4

154.8

2019

128.1

127.8

150.5

2020

161.0

161.0

161.0

       Fonte: Dados do SIOPS- Ministério da Saúde

        Fonte: Dados do SIOPS- Ministério da Saúde utilizando dados primários do STN/Ministério da Economia.

  Deflator Implícito do PIB

A utilização do Deflator Implícito do PIB, como índice geral de inflação, mostra a ocorrência da conhecida queda dos gastos em saúde pelo critério ASPS em 2016, a qual representa o ponto mais baixo da série de gastos durante toda a década, alcançando R$117 bilhões naquele ano. Os gastos voltam a se recuperar em 2017, mas caem ligeiramente entre este ano e 2019. A maior volume de gastos em saúde na década passada ocorre em 2020, quando o gasto alcança R$161 bilhões, embora estes gastos estejam fortemente influenciados pelos recursos adicionais relacionados ao combate da pandemia do Covid-19. Vale lembrar que a dotação orçamentária inicial para os gastos em saúde pelo critério ASPS em 2020 foi de R$124,3 bilhões, mas os gastos efetivamente realizados naquele ano foram de R$160,9 bilhões, indicando um acréscimo de R$36,6 bilhões relacionados à pandemia[ix].

IPCA

A utilização do IPCA, como índice de inflação ao consumidor, leva a resultados no deflacionamento da série bastante similares ao uso do deflator implícito do PIB, embora os critérios associados aos dois índices sejam bem diferentes. Utilizando o IPCA, por exemplo verifica-se que a queda nos gastos em saúde registrada entre 2015 e 2016 não foi tão elevada quanto à relativa a utilização do outro deflator, da mesma forma que o crescimento dos gastos entre 2016 e 2017 também não foi tão acentuado. No entanto, as variações entre o IPCA e o deflator implícito do PIB foram praticamente as mesmas entre 2019 e 2020. Dessa forma, os gastos federais em saúde em 2020 também representam, no deflacionamento da série pelo IPCA, o ponto mais elevado da série dadas as mesmas razões associadas à pandemia.

IGP-DI

A utilização do IGP-DI, outro índice geral de inflação, no deflacionamento dos gastos federais de saúde levaria a resultados totalmente diferentes no comportamento da série quando comparado com dois outros deflatores. Neste caso, observa-se uma queda bem acentuada nos gastos federais em saúde entre 2015 e 2016 (de R$151 para R$140 bilhões) da mesma forma que uma forte elevação entre 2016 e 2017, onde o gasto federal chega a R$163 bilhões e passa a ser o ponto mais elevado da série, mesmo quando comparado com 2020, quando os gastos federais com saúde alcançaram R$161 bilhões.

Ao ter um grande componente de preços por atacado e, dessa forma, incluir o comportamento da variação de preços de produtos importados consumidos internamente, o IGP-DI parece estar muito associado às flutuações cambiais, o que aparentemente não ocorre com o deflator implícito do PIB, onde a variação de preços se atem ao valor adicionado. De fato, o coeficiente de regressão linear (R2) entre a variação do câmbio nominal (US$-R$) e a variação do IGP-DI entre 2012 e 2020 foi de 0,5469, enquanto que entre a variação do câmbio nominal e do deflator implícito do PIB o R2 foi de 0,0666, ao longo do mesmo período, indicando uma maior aderência entre as duas primeiras variáveis do que entre as duas últimas. Para exemplificar, a variação do câmbio nominal em 2020 foi de 31% e a do IGP-DI foi de 23%, enquanto que as do deflator implícito do PIB e do IPCA foram de 4.8% e 4.5%, respectivamente.

Mas qual seria o peso das importações nos gastos públicos de saúde no Brasil? Este é um tema difícil de responder pois envolve conhecer a magnitude das importações enquanto investimento e consumo final do setor público de saúde, além de seu peso nos custos intermediários dos bens e serviços de saúde produzidos no país. A Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (ABRAIDI), entidade que em 2017 detinha 304 associados gerando mais de 13.600 empregos, com uma receita de R$ 5,5 bilhões, registrou vendas de cerca de R$ 1,35 bilhão em produtos para saúde ao SUS, o que representa apenas 1% dos gastos federais em saúde naquele ano[x].

Como conclusão parcial dessa análise dos índices de inflação gerais e de consumo, pode-se dizer que o uso do deflator implícito do PIB pode ser o mais indicado conceitualmente para deflacionar a série de gastos federais com saúde, mas não há muita diferença entre utilizar este indicador ou o IPCA, quando se observa o comportamento recente destes dois índices. A grande discrepância nos resultados do deflacionamento existe entre o uso do IGP-DI e dos outros dois indicadores mencionados, dado que o IGP-DI reflete pressões cambiais que muitas vezes podem distorcer a análise do que ocorre efetivamente com os preços internos e, mas especificamente, com a demanda final. No entanto, o peso de produtos importados nos custos finais e intermediários do setor saúde poderá, em algum momento, levar a outras considerações, como a necessidade de utilizar índices específicos de inflação setorial. Isso foi determinante no comportamento dos preços em saúde em 2020 que foram largamente influenciados pela importação de equipamentos, insumos, medicamentos e vacinas para o combate ao Covid-19.

Índices de Variação de Preços ao Consumidor e dos Custos Específicos do Setor Saúde no Brasil

Em quase todos os países do mundo os custos e a inflação associada ao setor saúde tem subido mais do que a inflação média. Vários fatores contribuem para este sentimento, destacando-se as mudanças demográficas que trazem um aumento da esperança de vida e do contingente de pessoas de terceira idade como proporção da população, a extensão da proteção à saúde como parte das políticas de universalização de cobertura – que hoje fazem parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e a incorporação de tecnologia médica, não apenas na área de equipamentos médicos e terapias, mas também de medicamentos que, apesar de mais caros, trazem uma melhores resultados e o prolongamento da vida ativa e saudável das populações.

O Brasil, apesar de ter mergulhado nos últimos anos em mais uma década de crise e crescimento econômico pífio, também faz parte deste contexto de aumento da expectativa de vida e envelhecimento de sua população, assim como de suas consequências nos gastos de saúde. É de se esperar, portanto, que o efeito da inflação de saúde no bolso dos consumidores seja maior do que a inflação em saúde que tem impactado as famílias, como pode ser visto no gráfico 3, que compara as variações medias anuais IPC geral da FIPE para São Paulo com as relativas ao IPC específico do setor saúde da mesma instituição, entre 2013 e 2020.

 

          Fonte: Universidade de São Paulo (USP), Departamento de Economia, Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)

Verifica-se, em todos os anos, que a variação da inflação em saúde foi superior à inflação média. Segundo este indicador, a partir de 2017, a variação dos preços ao consumidor em saúde tem sido mais do dobro da variação dos preços em geral. Como o consumo de serviços de saúde é relativamente inelástico em relação aos preços, comparado com outros bens e serviços, a participação dos gastos em saúde no conjunto dos gastos das famílias tende a aumentar. Segundo as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, os gastos de saúde das famílias aumentaram de 7,2% para 8,0% do total dos gastos das famílias entre 2008/9 e 2017/8.

Mas do lado da produção, pode-se dizer que as variações dos custos de saúde também têm sido ainda mais elevadas. Nas últimas duas décadas variações nos custos em saúde, de empresas ou de planos de saúde, têm sido medidas através de índices do tipo VCMH. As operadoras de planos de saúde[xi] e algumas federações de seguros de saúde[xii] calculam seus próprios VCMH, assim como empresas consultoras como a “Arquitetos da Saúde” e outras.




Fonte: IESS, Arquitetos da Saúde e FIPE-Saúde. O índice do IESS corresponde ao mês de março de cada ano, enquanto que o da AQS e da FIPE são médias anuais

Embora a variação dos reajustes permitidos pela ANS para os planos individuais, acumulada entre 2013 e 2018, tenha sido de 100% - valor maior que a variação acumulada do IPC-saúde/FIPE no mesmo período (88%) - a diferença de variação entre estes dois índices foi muito pequena, o que mostra uma certa aderência entre o impacto da inflação da saúde nos consumidores e os reajustes dos planos individuais. No caso do VCMH da AQS, a variação negativa de 2020 coloca sua correção entre 2014 e 2018 (104%) praticamente idêntica à variação dos reajustes acumulados dos planos individuais permitidos pela ANS. Já no caso do VCMH do IESS, ainda não foi feita a revisão e correções relativas ao ano de 2020.

Ainda que os planos individuais representem apenas um quinto do total de beneficiários da saúde suplementar no Brasil em 2021, pode estar havendo um represamento dos reajustes dos planos individuais em relação aos custos assistenciais. Se isto é verdade, há uma tendência de longo prazo no aumento da sinistralidade, dado que as despesas estariam crescendo a níveis mais altos do que a receita das operadoras. Esse fato pode ser ainda mais preocupante se considerarmos que há uma tendência no Brasil à redução dos beneficiários de planos de empresa e um aumento nos planos individuais.

Embora a maioria dos planos de saúde sejam coletivos, vem crescendo a participação dos planos individuais entre o total de beneficiários da saúde suplementar, os quais já chegam a 20% no início de 2021. Como os planos individuais tem tido um reajuste máximo autorizado pela ANS inferior aos índices VCMH, é possível que parte da diferença entre o comportamento do VCMH e do IPC-FIPE saúde esteja associada a um possível represamento no valor dos prêmios (não nos planos coletivos, mas nos individuais) por não repassar a totalidade dos custos médico-assistenciais para o reajuste dos prêmios dos planos individuais. O gráfico 5 mostra como evoluiu a variação dos VCMH do IESS e da “Arquitetos da Saúde”, bem como do IPC-Saúde da FIPE e o reajuste máximo dos planos individuais permitido pela ANS, entre 2014 e 2020.

 

Fonte: IESS, Arquitetos da Saúde e FIPE-Saúde.

 

Embora a variação dos reajustes permitidos pela ANS para os planos individuais, acumulada entre 2013 e 2018, tenha sido de 100% - valor maior que a variação acumulada do IPC-saúde/FIPE no mesmo período (88%) - a diferença de variação entre estes dois índices foi muito pequena, o que mostra uma certa aderência entre o impacto da inflação da saúde nos consumidores e os reajustes dos planos individuais. Mas a variação destes dois índices foi inferior às variações do VMCH-ARQ (124%) e do VCMH-IESS (191%). Portanto, ainda que os planos individuais representem apenas um quinto do total de beneficiários da saúde suplementar no Brasil em 2021, o represamento dos reajustes dos planos individuais em relação aos custos assistenciais poderia representar uma tendência de longo prazo no aumento da sinistralidade, dado que as despesas estariam crescendo a níveis mais altos do que a receita das operadoras. Esse fato pode ser ainda mais preocupante se considerarmos que há uma tendência no Brasil à redução dos beneficiários de planos de empresa e um aumento nos planos individuais.

No entanto, a conjuntura de 2020-2021 tem sido bastante atípica em função da pandemia do Covid-19. As medidas para evitar o contágio e maiores precauções dos usuários trouxeram uma redução nas taxas de utilização dos serviços cobertos pelos planos de saúde em 2020. Ao mesmo tempo, a necessidade da classe média ampliar suas opções de tratamento e não cair no caos oferecido pelo SUS, trouxe uma expansão de quase um milhão de novos segurados entre 2020 e 2021, depois da continua redução do número de beneficiários (em quase 3 milhões) entre 2014 e 2020 provocada pelo fraco desempenho da economia brasileira desde 2014.

A redução nas taxas de utilização dos planos em 2020 (refletida nas taxas de ocupação de leitos não-Covid nos hospitais) foi o resultado do comportamento dos usuários em postergar visitas a hospitais e ambulatórios para consultas agendadas, exames preventivos e emergências não associadas ao Covid-19, levando inclusive à diminuição no número de cirurgias eletivas e trazendo forte queda nas margens de rentabilidade dos principais hospitais privados do país, como aponta o informe do Observatório da Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP) de 2021[xiv]. Assim, com um aumento nas receitas de contribuição e uma redução das despesas médico-hospitalares, as operadoras de planos de saúde tiveram, ao contrário dos provedores de serviço, um aumento de rentabilidade, propiciando forte queda na sinistralidade dos planos de saúde ao longo de 2020. Tal fato levou a ANS, no dia 7 de julho último, a declarar um reajuste negativo dos planos de saúde para 2021[xv].

No entanto, a redução da sinistralidade pelas condições especiais trazidas pela pandemia pode ser efêmera, dado que a tendência ao aumento da sinistralidade dos planos de saúde está estabelecida no longo prazo a pelo menos duas décadas. A maioria dos planos de saúde não incorporou inovações gerenciais e administrativas que possam aumentar sua eficiência. Por este motivo, os planos seguem inercialmente sem negociar com os provedores novos mecanismos de pagamento associados a resultados e compartilhamento de riscos.

Caso as operadoras não revertam esta tendência a curto prazo, a ameaça financeira ao sistema de saúde suplementar aumentará progressivamente nos próximos anos, num contexto de instabilidade do emprego formal e crescimento dos planos individuais em relação aos planos empresariais. A reversão desta tendência, se por um lado requer uma maior flexibilidade das operadoras para implementar planos desenhados de acordo com as necessidades e possibilidades financeiras dos beneficiários, requer também uma reforma na gestão das operadoras, para que estas implementem programas de promoção e prevenção que revertam as tendências de longo prazo na utilização dos serviços, comecem a implementar sistemas de gestão baseados em valor e pagamentos dos serviços por resultado. A implementação de uma nova relação que permita uma maior integração entre os programas públicos e privados de saúde também será altamente positiva para reverter estas tendências. Outro risco que sofrem os planos de saúde nesse momento é o aumento de uma judicialização legislativa que retire a pouca flexibilidade que ainda permite mecanismos de negociação mais abertos para o desenho de opções dos planos de saúde mais próximas às necessidades e possibilidades de financiamento dos usuários.   

A correção dos gastos federais de saúde por indicadores específicos de saúde.

Os gastos federais com saúde podem ser corrigidos, além dos indicadores de inflação gerais (deflator implícito do PIB) e do consumidor (IPCA) pelos indicadores específicos de saúde, tanto os de consumo (como o IPC-saúde da FIPE ou algo similar a ser obtido de tabulações do IPCA) ou de produção (como o VCMH). Existem argumentos pró e contra este tipo de iniciativa.

Os argumentos em favor se ligam ao fato de que o orçamento público federal de saúde tem um forte componente de compra ou prestação direta de serviços assistenciais, comprando insumos, remunerando trabalhadores e pagando diretamente ao setor privado ou filantrópico prestador de serviços. Neste sentido, o poder de compra do Ministério da Saúde ficaria reduzido quando aumentam os custos assistenciais e isso deveria ser levado em conta na elaboração anual dos orçamentos de saúde. Se os VCMH aumentam, eles não aumentam somente para os insumos comprados pelo setor privado, mas como resultado de todas as compras realizadas, tanto pelo setor público, como pelo setor privado.

Como argumento contrário, existe o fato de que o governo tem um grande poder de monopsonio ao comprar serviços ou insumos para o setor saúde e, sendo assim, pode ter a faculdade de determinar os preços e reduzir as margens dos fornecedores de insumos, equipamentos e medicamentos para preços que sejam favoráveis e, dessa forma, maximizar o resultado do orçamento público. Baseado neste argumento, se poderia dizer que índices gerais de inflação poderiam ser mais favoráveis para reajustar o orçamento de saúde.

Há ainda outros argumentos que tornam a escolha do critério de deflacionamento dos gastos públicos ainda mais confuso. No Brasil, temas como corrupção, super faturamento e propinas associadas às compras públicas do governo brasileiro não são exceções, mas sim a regra, o que reduz o poder de comprar de forma eficiente e maximizar os resultados do gasto público. O Ministério da Saúde (não só atualmente, mas há décadas) está longe de ser uma exceção às práticas de corrupção. Além disso, os volumes de recursos que se perdem por desvios de conduta e enriquecimento pessoal dos que passam pelos cargos públicos não são nada desprezíveis e afetam em larga escala os resultados dos recursos disponíveis pela ação do Governo.

Feitas todas essas ressalvas, como ficariam os gastos públicos federais em saúde, entre 2012 e 2020 se utilizarmos o IPC-Saúde da FIPE e o VCMH do IESS? O gráfico 6 mostra que as diferenças seriam de grandes proporções. Em ambos os casos, os gastos federais de 2012 seriam os maiores, embora haja um crescimento dos gastos em 2020 em relação a 2019, como resultado do aumento das despesas extraordinárias relacionadas à pandemia do Covid-19.

 

                            Fonte: IESS, IBGE e FIPE/USP.

Embora a utilização do IPC-Saúde da FIPE não seja o critério mais adequado, dado que os gastos públicos federais em saúde não são gastos de consumo das famílias, o uso do VCMH pode indicar uma perda progressiva de capacidade das compras públicas desde 2012, dado que o crescimento dos gastos nominais a partir deste período não conseguiu recuperar a evolução dos custos e da inflação em saúde que tem sido historicamente maior do que a média e a de muitos outros setores de atividade econômica. Assim, apesar das ressalvas feitas anteriormente em relação à especificidade do gasto público, pode estar havendo não só uma redução da capacidade de compras em saúde do Estado, mas também uma deterioração da qualidade do gasto.

 Considerações finais

As principais conclusões dessa postagem permitem dizer que: (i) há diferentes critérios de deflacionamento dos gastos em saúde que podem ser utilizados para fins diferenciados; (ii) para uma comparação do comportamento dos gastos públicos em saúde com outros tipos de gastos públicos, seria mais adequado utilizar índices gerais de inflação e, entre estes, o deflator implícito do PIB é recomendado internacionalmente como o mais indicado; (iii) para uma análise do como os gastos em saúde afetam o orçamento das famílias, o melhor seria a utilização de índices de preços ao consumidor, mas isto não se aplica a avaliação dos gastos públicos em saúde; (iv) o uso do IPCA como deflator dos gastos públicos, ainda que não seja adequado, não traz muitas diferenças quando comparado com o comportamento do deflator implícito do PIB nos últimos anos; (v) para uma análise do poder de compra das instituições de saúde (hospitais, centros de saúde, etc.) o melhor critério de deflacionamento seria utilizar índices de variação dos preços de produção, como, no caso do setor saúde, os VCMH; (vi) caso as instituições públicas de saúde tenham suas estruturas de custos para a produção de serviços de saúde similares às instituições privadas, deveriam ser construídos VCMH específicos que possam medir a variação dos custos e avaliar o poder de compra dos orçamentos públicos de saúde.


NOTAS

[i] Este artigo se beneficiou das conversas e comentários recebidos de Cláudio Contador (Diretor Executivo da SILCON Estudos Econômicos), Marcos Mendes (Consultor do INSPER e assessor legislativo licenciado do Senado Federal), Adriano Londres e Luis Feitoza (Empreendedores da Arquitetos da Saúde).

[ii] As três principais fórmulas utilizadas no cálculo de índices de inflação de uma série histórica de variação de preços e quantidades são as de Laspeyres, Paasche e Fisher. O índice de Laspeyres é uma média aritmética da multiplicação dos preços e das quantidades de uma cesta de bens e serviços, ajustada periodicamente para refletir as mudanças na padrões de consumo e de produção. O índice de Laspeyres mantem as quantidades do ano base fixas ao longo da série e pode, com isso, não refletir totalmente a mudança nos padrões de consumo. Por isso, tende a superestimar a inflação, dado que as pessoas, podem trocar bens e serviços que tem alta elasticidade de substituição por outros mais baratos quando os preços dos primeiros aumentam rapidamente. Já o índice de Paashe se baseia no uso de uma cesta de bens e serviços do período mais recente e, desta forma, acaba subestimando mudanças nos preços de itens que foram substituídos no passado por terem tido seus preços elevados. O índice de Fisher é uma média geométrica dos índices de Laspeyres e de Paasche, e, desta forma, leva em consideração tanto as mudanças dos preços no ano base como as realizadas no período mais recente. Ao assim fazer, ele tende a reduzir o viés de substituição. Outro conceito importante na análise de índices de preços é o de "encadeamento". Um índice encadeado não tem um ano base, e atualiza continuamente os pesos da cesta de bens e serviços que estão tendo seus preços avaliados, refletindo uma sequência de “fotografias” dos preços e quantidades a cada movimento da série. A vantagem do encadeamento também é reduzir o viés de substituição, deslocando os itens que compõe o conjunto de bens e serviços na medida em que os padrões de consumo vão mudando ao longo do tempo.

[iii] O IPC de São Paulo foi criado nos anos 1960, sendo transferido em 1968 para o Departamento de Economia da USP, e em 1973 para a FIPE.

 [iv] O IGP-DI é uma média ponderada de três índices: o Índice de Custo de Vida (ICC) que tem um peso de 30% na composição do IGP-DI e serve para medir a variação dos preços finais que incidem sobre o orçamento das famílias, o Índice de Preços por Atacado (IPA) que mede a variação dos preços intermediários e vendas aos mercados produtores e atacadistas, com o peso de 60%, e o Índice de Construção Civil (ICC) que mede os preços dos materiais, insumos e força de trabalho utilizada na construção civil e que tem um peso de 10% na composição geral do IGP-DI.

 [v] Apesar de atender a objetivos diversos, a diferença entre o IGP-M e o IGP-DI é basicamente o período de referência, ou seja, enquanto o primeiro mede a variação dos preços entre os dias 21 do mês anterior e 20 do mês em curso, o segundo mede a variação dos preços ocorrida dentro do mês de referência.

 [vi] O deflator implícito do PIB tem o objetivo de refletir a variação de preços no valor adicionado da economia entre um ano e outro. Diferencia-se dos índices de preços pela sua abrangência e pelo tratamento dado às importações. Assim, o aumento nos preços das importações leva ao crescimento dos índices de preços devido ao encarecimento dos produtos transacionados internamente, tanto no segmento atacadista como no varejo. O efeito desse aumento é diferente sobre o deflator pelo fato de que as importações não se constituírem valor adicionado. Se o aumento dos preços das importações for integralmente repassado aos agentes finais, o impacto sobre a variação do deflator será nulo. Entretanto, se parte dessa elevação for absorvida pelos agentes produtivos significando redução de margens, o impacto sobre a variação do deflator será negativo.

 [vii] Dunn, A., Grosse, S. D & Zuvekas, S.H. (2016), Adjusting Health Expenditures for Inflation: A Review of Measures for Health Services Research in the United States, in Health Services Research, pp.175-196, DOI: 10.1111/1475-6773.12612.

 [viii] São consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS), conforme a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012 (LC 141/2012), aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes: (I) - sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito; (II) - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e (III) - sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população. No art. 3º da referida lei, são listadas como sendo referentes a: (I) - vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária; (II) - atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais; (III) - capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS); (IV) - desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS; (V) - produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos; (VI) - saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar; (VII) - saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos; (VIII) - manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças; (IX) - investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde; (X) - remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais; (XI) - ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e (XII) - gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde.

 [ix] Vale lembrar que os gastos efetivamente relacionados à pandemia podem ser maiores do que os R$ 37 bilhões adicionados por conta da crise pandêmica, dado que os gastos regulares em saúde foram extremamente reduzidos durante a pandemia, em função do cancelamento de cirurgias eletivas e da redução do movimento nos postos de saúde e nos ambulatórios dos hospitais públicos e privados contratados pelo SUS nas causas ou doenças não relacionadas à pandemia.

 [x] Além disso, a maior parcela dos gastos do SUS é incorrida por governos estaduais e municipais, onde somente parte dos recursos federais aparecem como transferências para as esferas loco-regionais de governo. No entanto, a ABRAIDI informou que cerca de 45% dos produtos, materiais e equipamentos consumidos, tanto no SUS quanto na saúde suplementar, vem do exterior, especialmente de países como Estados Unidos, Alemanha e China, os quais respondem por 57% das compras realizadas. Por outro lado, com a relativa desindustrialização do Brasil nos últimos anos, a importação de produtos para a saúde, como materiais, implantes ortopédicos, equipamentos médicos, medicamentos e produtos para diagnóstico in vitro tende a crescer. Entre 2005 a 2015, a importação de medicamentos e insumos farmacêuticos teve aumento de 182% no Brasil, com a participação dos importados no mercado nacional desses produtos passando de 33% para 58%.

 [xi] Várias operadoras e seguradoras de planos de saúde calculam seus VCMH específicos para servir como base para o reajuste de seus planos de empresa baseados em livre-negociação. Operadoras como a AMIL, Bradesco, Central Nacional da UNIMED, Notre Dame/Intermédica, Seguros UNIMED e Sul-América, calculam seus próprios VCMH.  Já os planos individuais devem seguir as orientações de reajustes estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, portanto, não tem seus reajustes baseados no VCMH. Os mecanismos de negociação dos planos coletivos acrescentam à base de seu reajuste, além do VCMH, um percentual de sinistralidade, o qual corresponde a um ajuste entre o que foi pago aos prestadores de serviços e o que foi recebido como receita dos prêmios pagos pelas operadoras. Em geral, o índice de sinistralidade ideal seria definido por uma margem onde os custos médicos assistenciais cheguem a 70% das receitas operacionais. Dados divulgados pelo Jornal O Globo de 10 de junho de 2021, indicam que em 2020 o reajuste dos planos coletivos chegou a ser mais do dobro daquele relativo aos planos individuais.

 [xii] A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENSAÚDE), através do Instituto Brasileiro de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) calcula, desde 2009 um IVCMH mensal.

 [xiii] Ver https://arquitetosdasaude.com.br/apresentacoes/vcmh-do-brasil/# - Os dados do VCHM da AQS, quando publicada esta postagem, ainda estavam aguardando atualização do mapa assistencial da ANS referente a 2020. Como será visto mais adiante, a ANS considerou negativo o reajuste dos planos de saúde para 2021. Portanto, é possível que os dados de 2020 sejam revistos para apresentarem variação negativa. Fato similar ocorreu nos Estados Unidos, onde os planos de saúde tiveram variação negativa em 2021, em função da retração das taxas de utilização dos serviços em 2020. A esse respeito, ver minha apresentação em https://www.researchgate.net/publication/350055001_A_variacao_dos_custos_da_saude_nos_Estados_Unidos_-_Licoes_da_Pandemia

 [xv] Ver em O Globo, “ANS define hoje reajuste negativo dos planos de saúde, que podem cair até 8%.” https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/ans-define-hoje-reajuste-negativo-dos-planos-de-saude-que-podem-cair-ate-8-entenda-25096894