Ano 14, No. 102, Março de 2020
André Cezar Medici
Introdução
Informações globais fidedígnas sobre casos
reportados e mortes associadas ao Covid-19 são ainda um desafio. Nem todos os
países tem atualizado seus sistemas de vigilância epidemiológica para contabilizar
a ameaça e as informações são limitadas, restringindo-se, em alguns países, aos
casos registrados nas regiões mais desenvolvidas ou áreas mais organizadas das
grandes cidades. Os dados tendem a ser subenumerados e, por outro lado, a
informação num quadro de pandemia global, evolui a cada momento de forma
defasada entre os diversos países. A fidedignadade das informações está associada
ao estado de preparação destes países para dar respostas às endemias e as
situações encontradas na América Latina e Caribe, como será discutido neste
artigo, refletem esta diferente realidade de estados de preparação.
Até o dia 16 de março de 2020, a América Latina
e Caribe (ALC) havia reportado 1042 casos de Covid-19 em 30 países (ou
territórios pertencentes a países situados em outras regiões) com 9 mortes acumuladas.
Como o número total de casos globais, neste momento, chegava a 185.041 mil em
155 países[1],
a proporção de casos registrados na ALC não chegava a um porcento (0.56%) dos casos
globais, mas poderá aumentar rapidamente na medida em que melhoram os registros
e os processos de vigilância epidemiológica para esta doença. A tabela 1, abaixo
mostra o número de casos e o número de mortes associados aos países (e territórios
de países de outras regiões) registrados neste momento na ALC.
1. Número de casos e mortes pelo Covid-19 reportados até 16-03-2020
nos países (e territórios de países de outras regiões) na América Latina e
Caribe
Países e Territórios
|
Número de Casos
|
Número de Mortes
|
Países e
Territórios
|
Número de Casos
|
Número de Mortes
Associadas
|
Antigua y Barbuda
|
1
|
-
|
Honduras
|
6
|
-
|
Argentina
|
65
|
2
|
Ilhas Cayman
|
1
|
|
Aruba
|
2
|
-
|
Jamaica
|
15
|
-
|
Bahamas
|
1
|
-
|
Martinica
|
16
|
-
|
Bolivia
|
11
|
-
|
Mexico
|
82
|
-
|
Brazil
|
234
|
-
|
Panama
|
69
|
1
|
Chile
|
156
|
-
|
Paraguai
|
8
|
-
|
Colombia
|
57
|
-
|
Peru
|
86
|
-
|
Costa Rica
|
41
|
-
|
Rep. Dominicana
|
21
|
1
|
Cuba
|
4
|
-
|
S. Lucia
|
2
|
-
|
Curacao
|
1
|
-
|
Suriname
|
1
|
-
|
Ecuador
|
58
|
2
|
S.V. Granadines
|
1
|
-
|
Guadalupe
|
18
|
-
|
Trinidad y Tobago
|
4
|
-
|
Guatemala
|
2
|
1
|
Uruguai
|
29
|
-
|
Guyana
|
7
|
1
|
Venezuela
|
33
|
-
|
Guyana Francêsa
|
11
|
-
|
Total
|
1042
|
9
|
Fonte: Elaborado pelo autor a partir
dos dados secundários do Coronavirus Resource Center da John Hopkins University
& Medicine – Center for Systems Science and Engineering. Países como Barbados,
El Salvador, Haiti, Nicaragua e outros do Caribe não reportaram casos até o
momento.
Os países e regiões que até o momento
registraram mortes pelo Covid-19 foram Argentina, Equador, Guatemala, Guiana,
Ilhas Cayman, Panamá e República Dominicana, os dois primeiros com duas mortes
cada e os demais com apenas uma. As mortes na Argentina e no Ecuador estão
associadas a pacientes idosos que regressaram de países europeus nos últimos
dias e na Guiana, reflete o caso de uma mulher idosa, diabética e hipertensa,
que regressou de Queens (New York) no início de março de 2020. Se supõe, no
estágio atual da doença, que todas as mortes estejam associadas a casos contraídos
no exterior, embora muitos países onde o número de casos é maior, como o Brasil,
Chile, Colômbia e Equador já tenham ingressado na fase conhecida como
transmissão comunitária.
Estado de preparação
dos países
Não há, até o momento, uma informação segura
sobre o grau de preparação dos distintos países de ALC para enfrentar a pandemia
do COVID-19, mas pode-se antecipar que nem sempre países com bons sistemas de
saúde para condições normais são aqueles que tem a melhor capacidade de
resposta para o situações emergenciais, como pandemias, as quais refletem processos
específicos de preparação. Nesse sentido, avaliar a capacidade de resposta para
endemias passa sempre por critérios diferentes daqueles utilizados na avaliação
geral dos sistemas de saúde, e os dois processos de avaliação não devem ser
confundidos, ainda que existam algumas áreas de intercecção entre eles. O
importante é que, em situações de pandemias ou emergência sanitária, os
sistemas de saúde tenham capacidade para responder rapidamente aos desafios de
flexibilizar a capacidade instalada existente (leitos, equipamentos), os
recursos humanos e os insumos estratégicos para concentrar-se, quando
necessário, em novos investimentos ou na contratação de recursos humanos e
aquisição de insumos, medicamentos e suprimentos para completar a capacidade
necessária ao tratamento daqueles que estão em condição de risco pandêmico.
Nos últimos anos, a partir de uma colaboração
entre o Nuclear Threat Inniative (NTI), Johns Hopkins Center for Health
Security e The Economist Intelligence Unit, foi criado o Global Health Security
Index (GHS) que classifica 195 páises através de um índice de 6 dimensões de
risco, 34 indicadores investigando 140 questões[2].
O índice ranqueia os países a partir de sua capacidade de: (i) prevenção para
emergências sanitárias, (ii) capacidade de detectar e reportar casos associados
a epidemias, (iii) capacidade rápida de resposta e mitigação de epidemias ou
pandemias, (iv) capacidade dos sistemas de saúde em tratar os enfermos por
epidemias e pandemias e em proteger os trabalhadores de saúde, (v) capacidade de
melhorar, a partir de recomendações e normas internacionais, a resposta do sistema de saúde e financiar os planos de investimento para reduzir
as brechas de recursos para a gestão eficiente e eficaz do risco pandêmico, e
(vi) reduzir o risco de vulnerabilidade do país para ameaças biológicas globais.
O GHS index varia de zero a 100, representando a
pior e a melhor situação, respectivamente, no cálculo ponderado destas 6
dimensões e 34 indicadores. De acordo com os surveys realizados em 2019, nenhum
país alcançou o escore máximo. Cinco países tiveram melhores escores no GHS-2019
(Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, Austrália e Canadá), os quais se
situaram entre 75 e 83. No caso dos países da América Latina e Caribe, o Brasil
foi avaliado com o melhor escore (59,7) e a Venezuela obteve o pior escore (23,0).
A tabela 2, abaixo mostra os escores de GHS em 30 países da ALC em 2019.
2 – Escores associados ao GHS Index em 2019 nos
Países da ALC
Países
|
Escore GHS
|
Países
|
Escore GHS
|
Brasil
|
59,7
|
Paraguai
|
35,7
|
Argentina
|
58,6
|
Santa
Lúcia
|
35,3
|
Chile
|
58,3
|
Cuba
|
35,2
|
México
|
57,6
|
S. Vincent e Granadines
|
33,0
|
Equador
|
50,1
|
Guatemala
|
32,7
|
Peru
|
49,2
|
Barbados
|
31,9
|
Costa
Rica
|
45,1
|
Belize
|
31,8
|
Colombia
|
44,2
|
Guiana
|
31,7
|
El
Salvador
|
44,2
|
Haiti
|
31,5
|
Panamá
|
43,7
|
Bahamas
|
30,6
|
Nicaragua
|
43,1
|
Antigua
e Barbuda
|
29,0
|
Uruguai
|
41,3
|
Honduras
|
27,6
|
República
Dominicana
|
38,3
|
Saint
Kitts e Nevis
|
26,2
|
Trinidad
e Tobago
|
36,6
|
Dominica
|
24,0
|
Bolivia
|
35,8
|
Venezuela
|
23,0
|
Fonte: ghsindex.org
Interessante notar, no caso da progressão do
Covid-19 na América Latina, que independentemente do fato de que muitas mortes
estejam associadas neste estágio preliminar a viajantes contaminados
regressando do exterior, países com baixo GHS, como Guatemala, Guiana e Bahamas
e República Dominicana, registram mortes ao lado de um número muito pequeno de
casos positivos registrados, dando margem a interpretações que poderão ser
verificadas posteriormente quando novas evidências sobre a existência de
subenuração possam ser geradas. Mas em geral, como era de se esperar, os países
que tem melhor preparação são aqueles que no momento estão registrando mais
casos de Covid-19.
Dimensões do Estado de
Preparação do GHS para os dez países com melhor posição no ranking da ALC
Uma visão detalhada de cada uma das seis
dimensões do GHS ajudaria a conhecer melhor o que este indicador agregado reflete
para os países da ALC. O sumário das definições utilizadas se encontra abaixo:
·
Prevenção de Emergências Sanitárias – busca identificar como os países se
encontram na sua capacidade de prevenir a emergência ou reduzir a incidência de
agentes patogênicos, especialmente aqueles que constituem um grande risco para
a saúde pública e podem ser objeto de declaração de emergências sanitárias. Os
indicadores que medem essa dimensão incluem temas como resistência
antimicrobiana, zoonozes, biosegurança, utilização responsável e oportuna de
evidências científicas e compromisso com a extensão e utilização de vacinas para
populações de risco. O peso desta dimensão no GHS-2019 é 16,3%.
· Detecção Precoce, Registro e Comunicação de Casos – busca avaliar
a capacidade de detecção, registro e comunicação de epidemias de potencial preocupação
internacional que podem ultrapassar as fronteiras nacionais. Isto inclui a
capacidade dos sistemas laboratoriais, de vigilância e de comunicação de casos em
tempo real, a disponibilidade de uma força de trabalho dedicada a temas epidemiológicos e a
integração de dados entre os setores de vigilância humana, animal e ambiental.
O peso desta dimensão no GHS-2019 é 19,2%.
· Capacidade de Resposta Rápida e Mitigação – busca identificar
se os sistemas de saúde tem possibilidade de responder rapidamente à proliferação
de uma epidemia, incluindo o caso de emergências, preparando planos para resposta rápida e interligando autoridades sanitárias com as autoridades de
segurança, com infraestrutura adequada para comunicar o risco e impor restrições
ao comércio e a viagens domésticas e internacionais. O peso desta dimensão no
GHS-2019 é 19,2%.
· Capacidade dos Sistemas de Saúde – busca identificar se os sistemas de saúde
tem capacidade suficiente para dar acesso e tratar os doentes relacionados a
epidemias ou pandemias e para proteger os trabalhadores de saúde. Isto inclui a
capacidade existente em clínicas, hospitais e centros de saúde comunitários,
pessoal adequado para responder a emergências e proteger trabalhadores de saúde
contra a infecção por agentes patogênicos, acesso a testes, capacidade de
equipamentos de diagnóstico e tratamento (como o caso de ventiladores mecânicos),
etc. O peso desta dimensão é 16,7%.
· Capacidade de cumprir com normas internacionais – incluindo o compromisso em melhorar
a capacidade nacional e garantir o financiamento adequado para o cumprimento
das normas internacionais de segurança e tratamento de emergências sanitárias e
epidemias. Os indicadores utilizados incluem a capacidade de reduzir o risco de
desastres, acordos internacionais para a proteção de fronteiras contra a
transmissão de endemias e garantia para o financiamento das ações de preparação
para emergência e para a ampliação dos serviços de saúde, buscando assegurar medidas de promoção, prevenção e tratamento de endemias e casos de emergência pandêmica. O
peso associado a esta dimensão é 15,8%.
· Ambiente de Risco – avalia o risco do país e sua vulnerabilidade para ameaças biológicas. Os
indicadores neste caso buscam validar a capacidade de acessar o risco, a capacidade de
resiliência socioeconomica da população e do Estado e as vulnerabilidades das
políticas de saúde pública que podem afetar a habilidade do país em prevenir,
detectar ou responder a uma epidemia ou pandemia e aumentar o risco de aumento
repentino da incidência de doenças. O peso associado a esta dimensão é 12,8%.
Cada uma destas dimensões apresenta uma sequência
de indicadores, aos quais também se associam pesos pesos específicos distribuidos
no interior de cada dimensão, como se observa na tabela 3.
Tabela 3 – Indicadores
associados a cada uma das dimensões investigadas no GHS-2019
Dimensões
|
Indicadores e
Respectivos pesos
|
1.
Prevenção da Emergências Sanitárias
|
i.
Resistência Antimicrobiana, ii. Zoonoses, iii. Biossegurança, iv. Bioproteção, v. Etica na pesquisa e cultura de ciência
responsável; vi. Imunização.
|
2. Detecção
Precoce, Registro e Comunicação de casos
|
i. Sistemas
laboratoriais; ii. Vigilância, Notificação e Registro em tempo real
(automática); iii. Força de trabalho dedicada à epidemiologia; iv. Integração
dos dados de vigilância sanitária humana, animal e ambiental.
|
3.
Capacidade de resposta ráida e mitigação
|
i. Preparação para emergencias e resposta planejada; ii. Exercicios práticos de
resposta planejada; iii. Operações de resposta a emergências; iv. articulação
entre saúde pública e autoridades de segurança; v. Comunicação do risco; vi.
Acesso a infraestrutura de comunicações; vii. Gestão das restrições de
comércio e de viagens
|
4.
Capacidade dos Sistemas de Saúde
|
i.
Capacidade das clínicas, hospitais e centros comunitários de saúde; ii. Guias
e protocolos médidos e capacidade e recursos humanos suficientes; iii. Acesso
aos serviços de saúde; iv. Comunicação com os profissionais de saúde durante
uma emergência sanitária; v. Práticas de controle de infecções e disponibilidade
de equipamentos; vi. Capacidade de testar e aprovar novas orientações e
protocolos
|
5. Capacidade de cumprir com
Normas Internacionais
|
i. Cumprimento
do Regulamento Sanitário Internacional e das medidas para redução do risco de
disastres; ii. Acordos internacinais sobre saúde pública e vigilância
sanitária e animal nas fronteiras; iii. Respeito aos compromissos
internacionais; iv. Avaliação externa conjunta e de performance dos serviços
veterinários; v. Financiamento
disponível para enfrentar emergências; vi. Compromissos de disseminar os
dados genéticos e biológicos, assim como amostras
|
6.
Ambiente de Risco
|
i.
risco político e de segurança; ii. Resiliência sócio-econômica; iii.
Adequação de infra-estrutura; iv. Riscos ambientais; v. Vulnerabilidades de
saúde pública.
|
Analisando os escores de capacidade das seis
dimensões do GHS para os 10 países que apresentam o melhor posicionamento no
ranking da América Latina e Caribe, encontramos os seguintes resultados,
expressos na tabela 4.
4. Escores para cada
uma das seis dimensões do GHS-2019, refletindo a capacidade dos sistemas de saúde para o controle e
tratamento de endemias nos 10 países da ALC com melhor desempenho (verde=melhor
posição, vermelho=pior posição entre os 10 países).
Ranking e País
|
Prevenção de
Emergências Sanitárias
|
Notificação, Registro
e Comunicação de Casos
|
Capacidade de Resposta rápida e mitigação
|
Capacidade dos
Sistemas de Saúde
|
Capacidade de Cumprir com Normas Internacionais
|
Ambiente de Risco
|
1. Brasil
|
59,2
|
82,4
|
67,1
|
45,0
|
41,9
|
56,2
|
2. Argentina
|
41,4
|
74,9
|
50,6
|
54,9
|
68,8
|
60,0
|
3. Chile
|
56,2
|
72,7
|
60,2
|
39,3
|
51,5
|
70,1
|
4. México
|
45,5
|
71,2
|
50,8
|
46,9
|
73,9
|
57,0
|
5. Equador
|
53,9
|
71,2
|
39,5
|
35,2
|
43,5
|
57,1
|
6. Peru
|
43,2
|
38,3
|
51,7
|
45,0
|
63,0
|
57,7
|
7. Costa Rica
|
44,2
|
56,0
|
36,6
|
24,8
|
43,1
|
71,7
|
8. Colombia
|
37,2
|
41,7
|
43,5
|
34,3
|
60,1
|
51,0
|
9. El Salvador
|
22,1
|
73,9
|
42,1
|
25,2
|
50,5
|
48,0
|
10. Nicaragua
|
41,7
|
39,9
|
39,2
|
45,9
|
51,8
|
41,0
|
Observa-se que o Brasil, que ocupa a melhor
posição no GHS-19 em LAC, responde pelo melhor desempenho em três das seis
dimensões (prevenção de emergências sanitárias, notificação, registro e
comunicação de casos e capacidade de resposta rápida e mitigação) mas ocupa a
pior posição no que se refere a capacidade de cumprir normas internacionais, o
que provavelmente está associado à baixa capacidade em promover avaliações externas
conjuntas, melhorar a gestão e controle das zoonozes, atender às necessidades de financiamento
para a resposta a emergências sanitárias e aumentar a transparência ao dar resposta aos
riscos epidêmicos. A Argentina detem a melhor resposta no que se refere a capacidade
dos sistemas de saúde, México é o melhor da Região no que se refere a
capacidade de cumprir com normas internacionais e Costa Rica é o que apresenta
o melhor ambiente de risco para o tema de manejo de endemias.
Os melhores, a média e
os países da ALC.
Considerando a avaliação do índice nestas seis
dimensões, verifica-se que a melhor posição global no GHS-2019 é ocupada pelos
Estados Unidos em 5 das seis dimensões (Prevenção
de Emergências Sanitárias, Notificação, Registro e Comunicação de Casos,
Capacidade de Resposta Rápida e Mitigação, Capacidade dos Sistemas de Saúde e Capacidade
de Cumprir com Normas Internacionais). Apenas na dimensão Ambiente de Risco os Estados Unidos fica
numa situação muito inferior (19ª. posição), ocupando a primeira posição neste
processo o pequeno território de Lichenstein. Por outro lado, as médias dos índices
de preparação em cada uma das posições são
relativamente baixas. Nesse sentido, os Estados Unidos (o país melhor
ranqueado) alcança um GHS-2019 de 83.5, enquanto que a média é de 40.2 (menos
da metade do melhor ranqueado).
O pior escore encontrado entre os 195 países é
o da Guiné Equatorial (16.2). Se observarmos esses dados e compararmos com
aqueles oriundos da tabela 2, veremos que a maioria dos países da América
Latina e do Caribe (18 entre 30 ranqueados) apresentam um escore inferior a média
do GHS-2019. Ou seja, apenas Brasil, Argentina, Chile, México, Equador, Perú,
Costa Rica, Colômbia, El Salvador, Panamá, Nicaragua e Uruguai tem um GHS-2019 superior
ao verificado na média mundial.
Detalhando o nivel de
preparação do Brasil
Como demonstrado antes, o Brasil lidera o nível
de preparação para endemias medido pelo GHS-2019 entre o conjunto dos países da
América Latina. Ele também tem escores, associados a todas as dimensões
superiores aos verificados na média global de 195 países do GHS-2019, com
exceção de uma das dimensões - capacidade de cumprir com normas internacionais –
associado a falta de garantia de financiamento para situações emergenciais, entre
outros fatores. O gráfico 1 mostra os escores atribuidos ao Brasil, nas seis
dimensçoes do GHS-2019, comparados com os melhores escores encontrados entre os
195 países investigados e o escore médio global, com exceção da capacidade de
cumprir com normas internacionais, onde o país se encontra em uma situação mais
vulnerável que a média dos 195 países.
Fonte: ghsindex.org
Fonte: ghsindex.org
Outra dimensão onde o Brasil tem performance, neste caso não inferior, mas similar à média internacional do GHS-2019 é no ambiente de risco. Vale portanto detalhar um pouco mais porque o Brasil não apresenta boa performance nestas duas dimensões. No escore de capacidade de cumprir normas internacionais, o escore do Brasil é 41,9 enquanto a media global foi 48,5. A tabela 5 mostra as diferenças entre os escores atribuidos ao Brasil e a média global nos surveys realizados pela Jonhs Hopkins, The Economist e NTI.
5. Escores dos
Indicadores Associados ao Cumprimento das Normas Internacionas no GHS-2019 e
Ambiente de Risco: Brasil e Média Internacional
Indicadores Associados
a Dimensão Cumprimento de Normas Internacionais
|
Brasil
|
Média Global
|
i.
Cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional e das medidas para redução
do risco de disastres;
|
50,0
|
62,3
|
ii.
Acordos internacionais sobre vigilância sanitária e animal
nas fronteiras;
|
50,0
|
54,4
|
iii.
Respeito aos compromissos internacionais;
|
46,9
|
53,4
|
iv.
Avaliação externa conjunta e de performance dos serviços veterinários;
|
25,0
|
17,7
|
v.
Financiamento disponível para enfrentar emergências;
|
16,7
|
36,4
|
vi. Disseminação de dados genéticos e biológicos, assim como
amostras.
|
66,7
|
68,1
|
Indicadores
Associados a Dimensão Ambiente de Risco
|
Brasil
|
Média Global
|
i. Risco político e de segurança;
|
71,4
|
60,4
|
ii.
Resiliência sócio-econômica;
|
68,1
|
66,1
|
iii.
Adequação de infra-estrutura;
|
33,3
|
49,0
|
iv.
Riscos ambientais;
|
54,8
|
52,9
|
v.
Vulnerabilidades de saúde pública.
|
52,7
|
46,9
|
Fonte: ghsindex.org
De acordo com os dados, o Brasil tem menores
capacidades que a média internacional em questões como o cumprimento do
Regulamento Sanitário Internacional e redução dos riscos de desastres. Provavelmente
as inúmeras vítimas de desastres previníveis no país (como os ocorridos com as
barragens de Mariana e Brumadinho e centenas de outros desastres similares sem
uma resposta rápida de prevenção estejam associados a isto). A insuficiente resposta
do país a temas como o controle e prevenção do dengue, sarampo e outras doenças
transmissíveis cujo o número de casos e a mortalidade tem aumentado no ano
passado podem estar associados também.
O Brasil também apresenta uma pontuação mais
baixa que a média mundial em temas como cumprimento dos acordos internacionais
de saúde pública e vigilância sanitária animal nas fronteiras, bem como um
menor respeito a compromissos internacionais na área de saúde pública e
vigilância.
A questão do financiamento disponível para
enfrentar emergências sanitárias foi outro ponto availado como de muito baixa
performance no caso brasileiro, provavelmente em função da instabilidade do
financiamento da saúde no contexto do ajuste fiscal que o país necessita fazer.
No que se refere à dimensão ambiente de risco, o Brasil só se encontra abaixo da média mundial em questões relacionadas a adequação de infra-estrutura, dado que os outros indicadores se encontram em patamares relativamente similares.
Considerações Finais
Quando há uma pandemia, os dados andam mais
rápido do que se imagina e todos tem que andar depressa para ficar no mesmo
lugar (como na fábula de Alice, de Lewis Carrol) ou até mesmo atrás. Ao iniciar este artigo hoje pela manha, o número de casos de
Covid-19 era de 188384, com 7,499 mortes acumuladas. Ao terminá-lo, hoje
a noite, a contabilidade de casos já chegava a 197,140 com 7916 mortes. O
Brasil contabilizava 321 casos com uma primeira morte pela Covid-19. As
notícias da imprensa já mostravam uma forte disposição do governo em prover os
recursos financeiros necessários para o financimento das medidas emergenciais
de saúde pública e o Ministério da Economia anunciava um pacote de R$ 147
bilhões para combater a pandemia de Covid-19, incluindo R$ 83,4 bi para a
população mais vulnerável e R$ 59,4 bi para mitigar o desemprego que
eventualmente seria trazido pela crise. Neste sentido, poderão haver perspectivas para financiar a emergência sanitária, o que não estava sendo apontado
em avaliações anteriores.
É verdade que uma avaliação mais específica
sobre as capacidades para combater o Covid-19 no país deve ser
feita a cada minuto neste contexto de crise e muitos estão se dedicando a planejar,
propor medidas e dispor de recursos para tal fim. O Ministro Mandetta tem tido uma atuação
exemplar em liderar o processo de resposta ao Covid-19 e muitos secretários
estadudais e municipais de saúde, especialmente nos dois Estados mais
afetados - São Paulo e Rio de Janeiro - se comprometem igualmente com ações,
iniciativas, regulamentos, leis e recursos.
No entanto, o Informe do Global Security
Index, analisado nesta postagem, pode ser uma excelente ferramenta para entender as fraquezas e debilidades dos sistemas de saúde na Região e seu nível de
preparação para o combate a endemias, podendo contribuir para melhorar o estado
de preparação desta e de outras pandemias no Brasil e na América Latina.
Um resumo dos dados desse informe mostra que, ao final de 2019, a maioria dos países da ALC estava menos preparada que a média
global para enfrentar o risco pandêmico e, mesmo os países mais avançados nas
capacidades de preparação, como o Brasil, ainda tem muito chão para, em
curto espaço de tempo, estar preparado para o que vem pela frente nos próximos
meses.
[1] Estatísticas do site Worldmeters
registravam, na manha de 17 de março de 2020, 188384 casos com 7499 mortes, mas
sem detalhes para a América Latina.
[2] Cameron,
E.E., Nuzzo, J., & Bell, J.A, editors (2019), Global Health Security Index – Building a Collective Action and Accountability,
Ed. NTI, Johns Hopkins School of Public Health-Center of Health Security and
The Economist Intelligence Unit, October 2019.