Ano 14, No. 101, Março de 2020
André Cezar Medici
A saúde no Brasil passa por um momento de dificuldades
como resultado da crise que se instalou no país desde 2014. Tem sido uma das
mais longas crises de nossa história com uma dimensão que vai além da economia,
dado que se reflete num comportamento atípico dos três
poderes de Governo e numa divisão política e ideológica sem precedentes na
sociedade brasileira que, em outros momentos, foi capaz de aceitar e conviver com
as diferenças.
Sem um acordo político mais amplo para implementar políticas econômicas necessárias para disciplinar o gasto público, atender
demandas sociais urgentes, combater a corrupção, garantir um clima de segurança
para investidores internos e externos e buscar reduzir os custos para realizar
negócios e gerar empregos de forma sustentável, tem sido difícil contornar esta
crise e não existem boas perspectivas no momento dada a fragilidade das
propostas em curso e o impasse na negociação de soluções.
Aliado a tudo isso,
existe um contexto internacional desfavorável que, desde o ano passado, já apontava
para um crescimento menos dinâmico em mercados importantes como os da China
e da Europa, ao lado das medidas protecionistas do Governo norte-americano que criaram grandes tensões no comércio mundial.
A situação torna-se pior com a pandemia do Covid-19
(125 mil casos confirmados e mais de 4500 mortes entre janeiro e 11 de março de
2020), que tem trazido fortes e rápidas quedas em mercados internacionais
importantes, rompendo rotas de viagem, indústrias domésticas e cadeias globais de
produção em importantes regiões como a Ásia (China, Coréia do Sul e Japão),
Europa (começando pela Itália, mas agora se extendendo a França, Alemanha,
Espanha e Inglaterra) e América do Norte.
Esta crise afeta os mercados de capitais, que já acumulam
fortes quedas nesse ano, derrubam os preços de importantes comodities como o petróleo, e
fragilizam as taxas de câmbio em países em desenvolvimento, como o Brasil, com
efeitos no encarecimento de insumos importantes para a sua produção doméstica.
As taxas de crescimento econômico global serão muito menores do que o esperado
ao final do ano passado em função deste processo.
Ao fim de 2019, o World Economic Report do FMI
estimava um crescimento do PIB global de 3.3% em 2020, mas no início de março,
a OCDE já havia reduzido essa estimativa de crescimento para 2.5% e, a depender
do que ocorrerá com a pandemia, o PIB mundial poderá ser ainda menor.
O Brasil, além de sofrer todos esses efeitos
negativos, teve em 2019 o menor crescimento do PIB dos últimos três anos (1,1%). Em 2020 as autoridades econômicas esperavam um crescimento de pelo
menos 2,3%, mas as perspectivas parecem demonstrar um desempenho pior. A OCDE
estima um crescimento do PIB brasileiro em 2020 de apenas 1,7%.
Como isto se reflete no setor saúde? Para
começar, ainda não se sabe como o Brasil enfrentará uma possível epidemia do Covid-19.
Hoje (12 de março de 2020) o número de casos confirmados no país já passa de 70,
quando um dia antes eram 52 casos. O Ministério da Saúde e algumas secretarias
estaduais estão tomando medidas para evitar o pânico e preparar o sistema de
saúde para hospitalizar um crescente número de idosos, que é a população com
maior risco de mortalidade. Se tomarmos como exemplo o que ocorreu na China, as
taxas de letalidade entre os que contrairam a doença até março foram de 14,8% para idosos com 80 anos e mais, comparadas
com 0,2%, 0,4% e 1,3% para as populações entre 30-39 anos, 40 e 49 anos e 50 e
59 anos, respectivamente.
Ontem o Ministério da Saúde emitiu uma Portaria
(publicada hoje no diário oficial) para regulamentar e operacionalizar medidas
de enfrentamento do Covid-19, com base em recomendações da Organização
Mundial da Saúde que validam a necessidade de isolamento (quarentena) de
pessoas sintomáticas para investigação clínica e laboratorial com vistas a evitar a
propagação da infecção e transmissão comunitária.
Mas existem algumas incertezas. Não se sabe, por exemplo, se o país tem ventiladores
mecânicos em quantidades suficientes nas unidades de terapia intensiva (UTI) para atender uma população
desproporcional de pacientes que necessite deste tipo de cuidado para sua
sobrevivência, como tem acontecido com a Itália, onde os equipamentos estão
tendo seu uso racionado, em alguns casos com consequencias fatais. Estima-se que 10% a 15% dos pacientes com
Covid-19 irão necessitar de internação em UTIs devido
ao quadro de falência respiratória aguda.
Apesar do Ministro de Saúde estar consciente sobre a
necessidade de mais recursos financeiros para enfrentar o Covid-19, tendo ontem
solicitado ao Congresso emendas que forneceriam cerca de R$5 bilhões adicionais para a
implementação de medidas contingenciais e emergenciais, não há muita garantia
de que recursos públicos suficientes para o setor saúde estarão disponíveis neste contexto
de crise.
O Ministério da Economia, no afã de equilibrar as
contas públicas, tenta, neste momento, passar no Congresso medidas que eliminem
os pisos de financiamento dos recursos para saúde e educação o que, num
contexto de restrição de recursos orçamentários, poderão dificultar atender as
demandas adicionais por serviços de saúde trazidas com a crise e com uma
eventual emergência sanitária.
Mas como a situação tem sido enfrentada no mundo? Dado seu elevado impacto econômico, a
OCDE tem orientado os governos membros, em documento publicado no início de março de 2020, a tomar um
conjunto de ações para evitar consequências catastróficas do Covid-19 em suas economias
baseada nos seguintes pontos:
(a) garantir medidas de saúde pública eficazes e
recursos orçamentários suficientes para prevenir infecção e contágio;
(b) implementar políticas direcionadas para apoiar os
sistemas de saúde e a seguridade social de modo a proteger a renda dos
trabalhadores e a atividade de empresas vulneráveis economicamente em função
da pandemia;
(c) implementar políticas macroeconômicas para
restaurar a confiança e ajudar na recuperação da demanda nos momentos em que a
epidemia for controlada;
(d) se a pandemia resultar em recessão prolongada, ações
multilaterais coordenadas para garantir políticas de saúde eficazes e medidas
para apoiar as economias de baixa renda a aumentar seus gastos fiscais, para
restaurar a confiança e para aumentar o nivel de renda.
Vários países já tem se movimentado para adotar
algumas medidas nesta direção. Nos Estados Unidos um pacote de estímulos
fiscais está sendo desenhado para eliminar ou reduzir impostos em até US$700
bilhões em 2020, incluindo a redução dos impostos pagos pelas empresas aéreas.
Outras medidas, como cortes nas taxas de juro, também tem sido praticadas, não
só nos Estados Unidos mas nos países europeus.
Na Coréia do Sul, o governo está considerando cobrir
custos adicionais de tratamento não pagos pelos seguros médicos que as pessoas eventualmente
incorrerem por conta da infecção pelo Covid-19.
A
Comunidade Européia iniciou em 10 de março (dois dias atrás) uma iniciativa (Corona Response Investment Initiative)
que vai mobilizar 25 bilhões de euros para fortalecer os sistemas de saúde, pequenas
e médias empresas, mercados de trabalho e outros setores econômicos afetados
pelo Covid-19.
No
caso do Brasil, os efeitos epidemiológicos do Covid-19 ainda não foram
suficientes para estimar o impacto que a pandemia terá na economia brasileira,
mas algumas medidas de estímulo já deveriam estar sendo pensadas pelo
Ministério da Economia, em conjunto com o setor privado, especialmente no
contexto de uma crise econômica, com seus nuances políticos e fortes impactos sociais, que já se arrasta a seis anos sem uma luz no fim do tunel.
Mas
uma coisa é certa. Penalizar o financiamento da saúde não é o
caminho mais indicado nem a saída que os países, em todas as partes do mundo,
estão encontrando para contornar a ameaça do Covid-19.
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