quinta-feira, março 12, 2020

Crise Econômica e a Ameaça do Covid-19

Ano 14, No. 101, Março de 2020


André Cezar Medici

A saúde no Brasil passa por um momento de dificuldades como resultado da crise que se instalou no país desde 2014. Tem sido uma das mais longas crises de nossa história com uma dimensão que vai além da economia, dado que se reflete num comportamento atípico dos três poderes de Governo e numa divisão política e ideológica sem precedentes na sociedade brasileira que, em outros momentos, foi capaz de aceitar e conviver com as diferenças.

Sem um acordo político mais amplo para implementar políticas econômicas necessárias para disciplinar o gasto público, atender demandas sociais urgentes, combater a corrupção, garantir um clima de segurança para investidores internos e externos e buscar reduzir os custos para realizar negócios e gerar empregos de forma sustentável, tem sido difícil contornar esta crise e não existem boas perspectivas no momento dada a fragilidade das propostas em curso e o impasse na negociação de soluções. 

Aliado a tudo isso, existe um contexto internacional desfavorável que, desde o ano passado, já apontava para um crescimento menos dinâmico em mercados importantes como os da China e da Europa, ao lado das medidas protecionistas do Governo norte-americano que criaram grandes tensões no comércio mundial.

A situação torna-se pior com a pandemia do Covid-19 (125 mil casos confirmados e mais de 4500 mortes entre janeiro e 11 de março de 2020), que tem trazido fortes e rápidas quedas em mercados internacionais importantes, rompendo rotas de viagem, indústrias domésticas e cadeias globais de produção em importantes regiões como a Ásia (China, Coréia do Sul e Japão), Europa (começando pela Itália, mas agora se extendendo a França, Alemanha, Espanha e Inglaterra) e América do Norte.
 
Esta crise afeta os mercados de capitais, que já acumulam fortes quedas nesse ano, derrubam os preços de importantes comodities como o petróleo, e fragilizam as taxas de câmbio em países em desenvolvimento, como o Brasil, com efeitos no encarecimento de insumos importantes para a sua produção doméstica. As taxas de crescimento econômico global serão muito menores do que o esperado ao final do ano passado em função deste processo.

Ao fim de 2019, o World Economic Report do FMI estimava um crescimento do PIB global de 3.3% em 2020, mas no início de março, a OCDE já havia reduzido essa estimativa de crescimento para 2.5% e, a depender do que ocorrerá com a pandemia, o PIB mundial poderá ser ainda menor.

O Brasil, além de sofrer todos esses efeitos negativos, teve em 2019 o menor crescimento do PIB dos últimos três anos (1,1%). Em 2020 as autoridades econômicas esperavam um crescimento de pelo menos 2,3%, mas as perspectivas parecem demonstrar um desempenho pior. A OCDE estima um crescimento do PIB brasileiro em 2020 de apenas 1,7%.

Como isto se reflete no setor saúde? Para começar, ainda não se sabe como o Brasil enfrentará uma possível epidemia do Covid-19. Hoje (12 de março de 2020) o número de casos confirmados no país já passa de 70, quando um dia antes eram 52 casos. O Ministério da Saúde e algumas secretarias estaduais estão tomando medidas para evitar o pânico e preparar o sistema de saúde para hospitalizar um crescente número de idosos, que é a população com maior risco de mortalidade. Se tomarmos como exemplo o que ocorreu na China, as taxas de letalidade entre os que contrairam a doença até março foram de 14,8% para idosos com 80 anos e mais, comparadas com 0,2%, 0,4% e 1,3% para as populações entre 30-39 anos, 40 e 49 anos e 50 e 59 anos, respectivamente.

Ontem o Ministério da Saúde emitiu uma Portaria (publicada hoje no diário oficial) para regulamentar e operacionalizar medidas de enfrentamento do Covid-19, com base em recomendações da Organização Mundial da Saúde que validam a necessidade de isolamento (quarentena) de pessoas sintomáticas para investigação clínica e laboratorial com vistas a evitar a propagação da infecção e transmissão comunitária.

Mas existem algumas incertezas. Não se sabe, por exemplo, se o país tem ventiladores mecânicos em quantidades suficientes nas unidades de terapia intensiva (UTI) para atender uma população desproporcional de pacientes que necessite deste tipo de cuidado para sua sobrevivência, como tem acontecido com a Itália, onde os equipamentos estão tendo seu uso racionado, em alguns casos com consequencias fatais.  Estima-se que 10% a 15% dos pacientes com Covid-19 irão necessitar de internação em UTIs devido ao quadro de falência respiratória aguda.

Apesar do Ministro de Saúde estar consciente sobre a necessidade de mais recursos financeiros para enfrentar o Covid-19, tendo ontem solicitado ao Congresso emendas que forneceriam cerca de R$5 bilhões adicionais para a implementação de medidas contingenciais e emergenciais, não há muita garantia de que recursos públicos suficientes para o setor saúde estarão disponíveis neste contexto de crise.

O Ministério da Economia, no afã de equilibrar as contas públicas, tenta, neste momento, passar no Congresso medidas que eliminem os pisos de financiamento dos recursos para saúde e educação o que, num contexto de restrição de recursos orçamentários, poderão dificultar atender as demandas adicionais por serviços de saúde trazidas com a crise e com uma eventual emergência sanitária.

Mas como a situação tem sido enfrentada no mundo? Dado seu elevado impacto econômico, a OCDE tem orientado os governos membros, em documento publicado no início de março de 2020, a tomar um conjunto de ações para evitar consequências catastróficas do Covid-19 em suas economias baseada nos seguintes pontos:

(a) garantir medidas de saúde pública eficazes e recursos orçamentários suficientes para prevenir infecção e contágio;

(b) implementar políticas direcionadas para apoiar os sistemas de saúde e a seguridade social de modo a proteger a renda dos trabalhadores e a atividade de empresas vulneráveis ​economicamente em função da pandemia;

(c) implementar políticas macroeconômicas para restaurar a confiança e ajudar na recuperação da demanda nos momentos em que a epidemia for controlada;

(d) se a pandemia resultar em recessão prolongada, ações multilaterais coordenadas para garantir políticas de saúde eficazes e medidas para apoiar as economias de baixa renda a aumentar seus gastos fiscais, para restaurar a confiança e para aumentar o nivel de renda.

Vários países já tem se movimentado para adotar algumas medidas nesta direção. Nos Estados Unidos um pacote de estímulos fiscais está sendo desenhado para eliminar ou reduzir impostos em até US$700 bilhões em 2020, incluindo a redução dos impostos pagos pelas empresas aéreas. Outras medidas, como cortes nas taxas de juro, também tem sido praticadas, não só nos Estados Unidos mas nos países europeus.

Na Coréia do Sul, o governo está considerando cobrir custos adicionais de tratamento não pagos pelos seguros médicos que as pessoas eventualmente incorrerem por conta da infecção pelo Covid-19.

A Comunidade Européia iniciou em 10 de março (dois dias atrás) uma iniciativa (Corona Response Investment Initiative) que vai mobilizar 25 bilhões de euros para fortalecer os sistemas de saúde, pequenas e médias empresas, mercados de trabalho e outros setores econômicos afetados pelo Covid-19.

No caso do Brasil, os efeitos epidemiológicos do Covid-19 ainda não foram suficientes para estimar o impacto que a pandemia terá na economia brasileira, mas algumas medidas de estímulo já deveriam estar sendo pensadas pelo Ministério da Economia, em conjunto com o setor privado, especialmente no contexto de uma crise econômica, com seus nuances políticos e fortes impactos sociais, que já se arrasta a seis anos sem uma luz no fim do tunel.

Mas uma coisa é certa. Penalizar o financiamento da saúde não é o caminho mais indicado nem a saída que os países, em todas as partes do mundo, estão encontrando para contornar a ameaça do Covid-19.

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