terça-feira, abril 28, 2020

O Papel da Atenção Primária de Saúde (APS) na Pandemia do Covid-19: Entrevista com Erno Harzheim, Secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde para o blog Monitor de Saúde



Ano 14, Número 106, Abril de 2020

Erno Harzheim, além de ter sido Secretário de Atenção Primária de Saúde (SAPS) na gestão de Henrique Mandetta, tem uma intensa carreira na área de saúde, apesar de sua juventude. Possui graduação em Medicina pela UFRGS (1998), residência médica em Medicina de Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição (2001), doutorado em Medicina Preventiva e Saúde Pública pela Universidade de Alicante na Espanha (2004) e pós-doutorado em Epidemiologia pela UFRGS (2006).




É professor associado do Departamento de Medicina Social da UFRGS e professor pemanente do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da mesma instituição e tem mais de uma centena de trabalhos publicados em eventos e periódicos científicos do Brasil e do exterior em áreas como  medicina de familia e comunidade, epidemiologia, atenção primária, avaliação de serviços de saúde, telemedicina e telessaúde.

Mas ao lado dessa rápida e brilhante carreira acadêmica e de pesquisa em medicina, Erno tem uma grande experiência prática em temas gestão de saúde. Coordenou, durante dez anos, o exitoso programa de Telessaúde RS-UFRGS trazendo melhorias na qualidade do atendimento a milhares de pessoas no Estado. Foi Secretário Municipal de Saúde de Porto Alegre de janeiro de 2017 a dezembro de 2018 e foi convidado para o Ministério da Saúde, para ser Secretário de Gestão Estratégica e Participativa (janeiro-maio de 2019) e posteriormente Secretário da Secretaria de Atenção Primária (SAPS) do Ministério da Saúde na gestão Henrique Mandetta.

Nestes menos de dois anos a frente do Ministério da Saúde Erno e sua equipe formularam um programa de reformas com a perspectiva de aumentar a eficiência na entrega de serviços de atenção primária a saúde (APS) e reorganizar o fluxo de atenção dentro do sistema de saúde. A crise mundial trazida pelo Covid-19 atropelou os sistemas de saúde no Brasil e no mundo, mas a equipe da SAPS liderada por Erno já elencava algumas medidas para reforçar o papel da APS e dar respostas para o combate a pandemia no país, como será visto ao longo desta entrevista exclusiva ao blog Monitor de Saúde.
*********
Monitor de Saúde (MS) - A preparação para uma pandemia é um processo que está disseminado no Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde a década passada. Desde então muitos países têm se preparado, em maior ou menor grau, para dar respostas a pandemias, o que é um processo distinto de fazer funcionar um sistema de saúde em condições normais. Na sua visão, o SUS está suficientemente preparado para enfrentar a pandemia do Covid-19?

Erno Harzheim (EH) - Nenhum sistema de saúde estava preparado para a pandemia de COVID-19, nem o SUS. Temos um método de gestão muito lento, burocratizado. Essa lentidão não é exclusiva da gestão do SUS, é característica da gestão governamental brasileira em suas 3 esferas de governo. 

Uma pandemia exige agilidade, algo raro nos ambientes de gestão nacionais. Além disso, alguns equívocos do Sistema Único de Saúde ficam ainda mais evidentes: a dificuldade em adotar tecnologias inovadoras, a baixa confiabilidade dos dados de estrutura, processo e resultado em saúde, a presença de regulação normativa baseada em pactuações políticas e não em regulação clinica baseada em necessidades em saúde, entre outros motivos.

A pandemia exige mais do que nunca que o SUS inove em seu financiamento e em suas práticas de gestão e assistência. Mas, ao contrário, a voz mais corrente é aquela que apenas clama por mais recursos financeiros para o sistema de saúde. Mais recursos financeiros que, se não forem acompanhados por inovações no método de financiamento, de gestão e de assistência no SUS não o deixarão mais preparado para uma nova pandemia. Vejo essa discussão sobre se o SUS está preparado ou não para esta ou uma próxima pandemia muito superficial. A sociedade brasileira tem dificuldade em olhar de forma profunda para seus problemas. Enquanto o modus operandi do Estado brasileiro ainda for o patrimonialismo e o discurso público permanecer sequestrado pelo interesse de pequenos grupos e corporações teremos muitas dificuldades em avançar. Não basta trocar o grupo que se apropria do Estado, é preciso mudar a forma como a sociedade, os políticos, os gestores, os servidores e os cidadãos se relacionam com o Estado.

MS - Que papel pode ter a APS na preparação e na resposta a uma pandemia, para que possa achatar preventivamente a curva epidemiológica e evitar situações onde o sistema poderá esgotar sua capacidade de resposta e atenção aos casos agudos nos picos de infecção, como ocorreu na Itália, Espanha, França e Inglaterra nas últimas semanas, e poderá ocorrer em breve nos Estados Unidos?

EH - A APS tem o papel de apoiar fortemente a população na adoção de práticas preventivas, tanto individuais, como coletivas; em garantir a assistência dos casos leves de COVID-19, a coordenação do cuidado dos casos graves, a transição do cuidado desses casos graves, além de manter a assistência para os demais problemas de saúde. Tudo isso deve ser realizado no contexto do controle da pandemia de COVID-19, isto é, gerando a menor mobilidade possível das pessoas. Para tanto, é essencial lançar mão de estratégias de assistência remota. A Telemedicina e a Telessaúde devem ser centrais nesta estratégia, assim como a introdução de mecanismos de transição de cuidado, como telemonitoramento. Infelizmente, essas duas estratégias são pouco frequentes na APS brasileira. O país inovou na década passada em apostar em estratégias de Telessaúde, mas além de mantê-las centralizadas no Estado, as mesmas encontraram forte oposição de corporações que privilegiaram seus interesses privados no lugar do interesse público.  Essas dificuldades em expandir, descentralizar e integrar estratégias e ferramentas de telemedicina, telessaúde e de transição de cuidado baseadas em tecnologia, infelizmente, nos  deixaram menos preparados para enfrentar a pandemia do que poderíamos estar.

Neste contexto, a Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde ainda sob gestão do Ministro Luis Henrique Mandetta implantou e/ou desenvolveu treze passos para o enfrentamento da pandemia de COVID-19. São eles:

1-   Aumento dos repasses financeiros: com o Previne Brasil, desde janeiro de 2020, R$200 milhões a mais por mês são repassados parta custeio da APS aos 5.570 municípios brasileiros. Representa um incremento de 14% no financiamento da APS.

2- TeleSUS: é um sistema de Telemedicina criado para rastrear, diagnosticar, tratar e monitorar pacientes portadores de Síndrome Gripal e COVID-19. Por meio do monitoramento e envio dos dados de atendimento a cada secretaria municipal de saúde, constitui-se Sistema de vigilância de casos novos de síndrome gripal, assim como Sistema de transição de cuidado.

3-   Saúde na Hora: Em execução desde 2019, em 2020 o programa estendeu o repasse de recurso para estabelecimentos que tenham pelo menos duas equipes de Saúde da Família. No modelo anterior, o requisito eram três equipes, pelo menos. Com a pandemia, o programa lançou outra modalidade de incentivo em caráter emergencial para que os municípios mantenham as unidades de saúde funcionando em horário ampliado, de 12 a 15 horas ininterruptas diárias, ou seja, durante todos os turnos. Os valores variam de R$15.000,00 a R$30.000,00 mensais. A medida foi intitulada “Saúde na Hora Emergencial contra o Coronavírus” e prevê o repasse financeiro para as unidades com uma eSF ou eAP que realizarem consultas em horário estendido. Com essas medidas, 6 mil unidades já podem funcionar com horário ampliado.

4-   Ampliação da assistência: para reforçar as equipes de saúde da família, foram lançados três editais para ocupar vagas do programa Mais Médicos com 5.800 profissionais com CRM ou diploma revalidado no Brasil e 1.700 profissionais médicos cubanos que permaneceram no Brasil após o rompimento da cooperação internacional pelo Governo de Cuba (novembro de 2018).

5-  Teleconsultorias 0800 644 6543: Como medida de suporte clínico para atuação das equipes, o Ministério da Saúde ampliou a oferta de teleconsultorias que já existia. Por meio de serviço de 0800, discussões de caso entre especialistas auxiliam os profissionais de APS de todo o Brasil ao esclarecer dúvidas sobre diagnóstico e tratamento, além de apoiar o manejo de casos suspeitos do novo coronavírus. Mais de 3.000 casos clínicos estão sendo discutidos a cada semana.

6- TelePsico COVID-19: serviço de teleconsulta com psicólogos e psiquiatras para atendimento de profissionais de saúde da linha de frente do combate ao COVID-19, com potencial de atendimento de 8-10 mil profissionais, podendo ser escalonado a maior. É parceria com Hospital de Clínicas de Porto Alegre e especialistas internacionais. Inicia em maio de 2020.

7-  Inquéritos nacionais: são 2 inquéritos. Um de base domiciliar com sorologia para COVID-19 nas 133 regiões do IBGE, em três fases, incluindo mais de 99 mil pessoas a fim de medir a distribuição e a velocidade da epidemia de COVID-19 realizado pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel. O segundo é um estudo de coorte da parceira SAPS-IBGE aninhado à PNAD-Contínua, fruto de um Acordo de Cooperação, com estimativa da incidência de Síndrome Gripal e fatores associados em 200 mil pessoas, com possibilidade de testagem sorológica.

8-  Consultório Virtual da Saúde da Família (Teleconsulta na APS): parceria SAPS-Hospital Israelita Albert Einstein, por meio do PROADI-SUS, disponibilizará plataforma de teleconsulta para os profissionais da ESF manterem o cuidado de seus pacientes mesmo à distância, com foco nas condições crônicas, pré-natal e COVID-19. Os profissionais receberão gratuitamente a certificação ICP-Brasil e poderão emitir prescrições, atestados e solicitações de exames a distância.

9-    Cuidado especial a idosos institucionalizados: em parceria com Casa Civil, Ministério da Cidadania e Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos, a SAPS elaborou um plano assistencial de idosos moradores de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) e idosos que recebem benefícios sociais governamentais e estão cadastros do CADUNICO. Este plano inclui medidas de prevenção, isolamento e atendimento clínico prioritário para os idosos a fim de garantir sua saúde e impedir transmissão do coronavírus no ambiente de moradia. Também foi definido fluxograma clínico-assistencial e sugerido incentive para internações de idosos institucionalizados com COVID-19 para evitar transmissão interna nas ILPIs.

10-  Cuidado a Populações Vulneráveis: a fim de destinar esforços especiais à população que vive em favelas, a SAPS propôs Centros Temporários de Atendimento Comunitário de COVID-19 nas áreas de favela com custeio adicional. Portaria Ministerial aguarda publicação.

11-  Testes sorológicos: SAPS em parceria com SVS definiu o escopo de aplicação dos testes sorológicos para COVID-19 com foco em indivíduos sintomáticos que fazem parte dos seguintes grupos: profissionais de saúde, profissionais de segurança, idosos, portadores de doenças crônicas e população economicamente ativa. São 10 milhões de testes sorológicos doados pela Vale do Rio Doce mais um pool de bancos privados, somados a 12 milhões de testes sorológicos de pregão eletrônico encerrado dia 22/04. Todos os testes devem ser notificados junto eSUS-VE. Aliado à testagem estratégica com exame PCR que iniciará no TeleSUS, com priorização de localidades com mais casos e em grupos populacionais prioritários, pretende-se promover isolamento domiciliar mais efetivo.

12- Empréstimos internacionais: está finalizada para avaliação do Gabinete do Ministro uma carta consulta com três bancos de desenvolvimento internacionais no valor de US$ 2,5 bilhões com parâmetros financeiros muito favoráveis. O foco é o reforço na contratação de recursos humanos, aquisição de equipamentos e insumos, aquisição de testes e fortalecimento dos sistemas de telemedicina e telessaúde, incluindo o TeleSUS.

13- Instituição da ADAPS: no último dia 24/4/20, o Conselho Deliberativo da ADAPS reuniu-se pela sua primeira vez. Os conselheiros tomaram posse, aprovaram o estatuo e elegeram a diretoria executiva. Desta forma, iniciou-se formalmente a Agencia com a tarefa de executar o Programa Médicos pelo Brasil, que alia provimento e formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade em larga escala.

MS - Como resposta a Covid-19, o Ministério da Saúde lançou o TeleSUS. Quais são as principais características desse sistema e como ele tem apoiado a população em geral e os sistemas locais de saúde a identificar casos suspeitos, fazer triagem e identificar pessoas para o distanciamento social, para os serviços de saúde ou para urgências de internação?

EH - É um ecossistema de Telemedicina e Telessaúde, baseado no uso intensivo de tecnologia de informação que envolve mecanismos automatizados e uma central de atendimento personalizado à distância criada para auxiliar o enfrentamento da COVID-19 pelo Ministério da Saúde por meio da SAPS e do DATASUS. Oferece quatro opções de acesso (136, chatbot na página do MS, APP e WhatsApp) para triagem de presença de sintomas clínicos com fluxo robotizado, teleconsultas com médicos e enfermeiros com diagnóstico, prescrição e atestado, e monitoramento de todos os casos de doença a cada 24 ou 48 horas. Além disso, faz rastreamento pró-ativo de COVID-19 para grupos selecionados de pessoas em maior risco (idosos e portadores doenças crônicas). Frente a cada situação de risco identificada, as melhores intervenções são oferecidas: orientações de prevenção; isolamento domiciliar para os casos e contatos domiciliares, com atestado; prescrição de medicamentos; encaminhamento ao melhor serviço de saúde e monitoramento de todos os casos sintomáticos.

Até 27/04/2020, com apenas 25 dias de funcionamento, o TeleSUS já havia atendido 13 milhões de pessoas. Em breve, caso o planejamento siga em execução, as pessoas identificadas com síndrome gripal e de grupo de risco receberão solicitação de exame de PCR para COVID-19 por telefone para confirmar diagnóstico nos laboratórios contratados e ampliar estratégia nacional de testagem aliada à tecnologia da informação. A incorporação da testagem ao TeleSUS pode possibilitar a oferta de testes em cidades ou localidades específicas, onde há concentração de casos, assim como em grupos populacionais prioritários, como idosos ou portadores de doenças crônicas. Possibilita ainda a geolocalização e o tracking da trajetória de mobilidade das pessoas que estão com síndrome gripal. Seu sistema de rastreamento ativo permite que se identifique cidades ou localidades com maior incidência de síndrome gripal, apoiando a definição de políticas populacionais.

As principais ações do TeleSUS são: 


  • Rastreamento com busca ativa para identificar antecipadamente pessoas vulneráveis com sinais e sintomas: 60 milhões de ligações com atendimento automatizado para encontrar possíveis casos. Há possibilidade de escalar serviço e ampliar o público-alvo.
  • Cuidado com a saúde dos que estão em isolamento: monitoramento diário ou de 48/48 horas para pessoas mais vulneráveis em isolamento domiciliar.
  • Atendimento automatizado por telefone ou site para pessoas com sinais e sintomas do Coronavírus: acesso pelo 136 e direcionamento para atendimento automatizado que indica o que ela deve fazer. Capacidade de atendimento de cerca de 250 mil chamadas por dia. 
  • Atendimento por call center composto por técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos, com prescrição e atestado: direcionado através do 136 para as pessoas que têm casos que requerem cuidado maior. Capacidade de atendimento de 50 mil casos/dia, e emissão de receitas e atestados para isolamento domiciliar por via digital.

MS - Um dos problemas que vários países têm enfrentado, incluindo o Brasil, é a baixa capacidade de fazer testes para identificar pacientes positivos com Covid-19 e, com isso, ter elementos para o planejamento da rede de assistência em casos moderados ou graves da doença. Como a APS poderia contribuir nesse processo de logística e distribuição de testes para aqueles que realmente precisam, a começar pelos profissionais de saúde?

EH - A SAPS, junto a SVS e SE, organizou um chamamento de testes sorológicos que encerrou no último dia 24/4. Houve mais de 60 propostas comerciais, muitas delas oferecendo o quantitativo almejado de 12 milhões de testes. Resultado final deve sair nos próximos dias.
Além disso, a SAPS organizou a distribuição dos 10 milhões de testes sorológicos doados pela Vale do Rio Doce e bancos privados. Desse total de 10 milhões  de testes, cada município brasileiro recebe uma quantidade baseada no critério de taxa de incidência de síndrome gripal entre os grupos prioritários: profissionais de saúde, de segurança, idosos, portadores de doenças crônicas e população economicamente ativa.

O objetivo dos testes sorológicos é identificar a presença de COVID-19 entre pessoas sintomáticas para síndrome gripal a fim de aumentar o grau de alerta em relação ao manejo clinico, assim como possibilitar o retorno mais seguro dessas pessoas a suas atividades habituais após os 14 dias de isolamento. Com esse quantitativo de testes sorológicos será possível testar praticamente toda a população sintomática para síndrome gripal. O teste PCR ficaria reservado para testar os pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave, para os centros de vigilância da gripe e para a estratégia já citada do TeleSUS, associada a rastreamento ativo e tracking.

MS -  O TeleSUS permite fazer alguma lista de identificação das pessoas com maior risco a possibilidade de ter acesso a testes para saber se são positivos?

EH - Sim. Em 2019, a SAPS intensificou a cooperação do MS com o IBGE. Em 2020, esta cooperação bilateral trouxe um avanço inestimável à qualidade dos dados do SUS. O IBGE, devido a pandemia do COVID-19, realizou na primeira quinzena de abril a qualificação dos dados de cadastros individuais do SUS. Tanto na base do cadastro de usuários do SUS, o CADSUS, como dessa para o SISAB, a base de dados da APS. Com esta qualificação, pela primeira vez na história, temos dados completos de todos os cidadãos brasileiros, de forma unívoca, sob o manto de diversos sistemas de segurança e confiabilidade de acordo com a LGPD. Esta base cadastral qualificada permite que disponibilizemos ao TeleSUS uma lista não-identificada de telefones de pessoas de maior risco para que as mesmas sejam rastreadas com os algoritmos clínicos e, num segundo momento, sejam ofertados exames de PCR.

MS - O TeleSUS vai permitir criar uma base de dados e informações que, desidentificadas, poderão ajudar no mapeamento, análise e mitigação da pandemia do Covid-19 no Brasil? Como seria essa base de dados e como se poderá acessá-la?

EH - Sim, o TeleSUS já alimenta  um dashboard com dados não-identificados, georreferenciados que apoiam a tomada de decisão especifica para cada local. Em breve, esses dados serão disponibilizados pelo DATASUS. Além disso, para cada município brasileiro, contra um sistema de segurança do gestor municipal da saúde, a lista identificada de sujeitos é encaminhada a fim de que as equipes de APS possam apoiar o telemonitoramento executado pelo TeleSUS.

MS - Nestes poucos dias de funcionamento, já existe alguma avaliação do impacto do TeleSUS na organização da rede, identificação de casos e encaminhamento e atenção aos portadores do Covid-19?

EH - O TeleSUS, em menos de um mês de funcionamento, já apresenta números de grande magnitude. Na data de 28/4, já finalizaram atendimento mais de 14 milhões de pessoas, sendo 7% dessas identificadas com sintomas de síndrome gripal. Na mesma data, mais de 960 mil pessoas estavam em monitoramento. Entre as pessoas monitoradas clinicamente, 68% apresentaram melhora, 25% estavam estáveis e 7% haviam apresentado piora, sendo referenciadas para serviços de saúde para consulta presencial.

MS - O governo autorizou recursos adicionais para que o MS possa dar resposta a pandemia do Covid-19. Estes recursos tem sido suficientes para que o SUS, incluindo nos Estados e Municípios, possam atender às suas necessidades de preparação, tratamento na área de APS? Que recursos adicionais poderiam ser necessários?

EH - O volume de recursos tem sido suficiente, mas a execução dos mesmos ainda é lenta para a velocidade que o momento exige. O modus operandi do Estado brasileiro, pouco baseado em tecnologia e métodos tecnicamente embasados, atrasa a execução dos recursos. As diversas camadas de controles normativos e  estatais tampouco permitem maior velocidade. Se essa lentidão ainda garantisse uso adequado e correto de recursos públicos, seria um benefício. Mas, fatos recentes da nossa história política nos mostram que as sucessivas e sobrepostas camadas de controle estatal não nos põem em salvaguarda de maus feitos no uso de recursos públicos. Se a sociedade brasileira quer realmente um Estado ético, mais efetivo e eficiente deveria se dedicar, no pós-COVID-19, a reformas política e administrativa profundas.

Outro ponto fundamental seria uma maior cooperação internacional. Já em 2001 eu escrevia sobre riscos transnacionais e o enfrentamento precário a esses riscos realizados por sistemas de saúde nacionais, hierárquicos e piramidais: a Armadilha das Pirâmides. Se os riscos são globalizados, as respostas devem ser globalizadas. Me sinto ainda mais pessimista quando vejo vários países enfrentando riscos globais com políticas e estratégias puramente internas e que, ainda por cima, reforçam o isolamento e a não-cooperação entre países. Quando os riscos são globais, é necessário um aparato de gestão e cooperação global. Múltiplas respostas nacionais e isoladas não enfrentarão a pandemia do COVID-19, nem os próximos agravos e riscos globais que já existem e que surgirão.

MS - Os sistemas de APS nos Estados e Municípios estão preparados para atender às recomendações do MS na implantação e seguimento do TeleSUS e outras medidas implementadas pelo MS? Qual a sua recomendação para que os Estados de Municípios se alinhem com as atuais diretrizes de preparação e atenção ao Covid-19 formuladas pelo Ministério?

EH - Sim, os municípios brasileiros possuem as condições para se alinharem a implementação do TeleSUS. O ecossistema do TeleSUS foi elaborado utilizando a estrutura e a dinâmica pré-existente do SUS, portanto, a mudança não será contraditória à atual operação dos Estados e Municípios. Além disso, um dos grandes objetivos do TeleSUS é diminuir o tamanho das filas de espera por consultas presenciais a UBS, UPAs e serviços de Emergência. Além disso, como dito acima, a lista de pessoas diagnosticadas e monitoradas com síndrome gripal é enviada confidencialmente às Secretarias Municipais de Saúde a fim de alimentar as ações locais de monitoramento e vigilância.

MS - Qual o papel da colaboração entre os setores público e privado de saúde na organização das redes de APS para a preparação e enfrentamento da pandemia?

EH - Essa é uma boa oportunidade que a tristeza da pandemia nos traz. Fica evidente, agora, que a segmentação entre público e privado no SUS é uma falácia. As pessoas e suas necessidades em saúde não reconhecem muros e cercas. A interdependência entre o segmento público e privado é evidente. Não se constroem sistemas de saúde com muros. É mais do que chegada a hora de terminar com as ‘cercas’ do SUS. A reforma da APS instituída em 2019 já caminha nessa direção. Temos que trazer tecnologia de informação para que as informações, os serviços/insumos/equipamentos e o financiamento sigam a trajetória clinica das pessoas. Inclusive quando elas atravessam as ‘fronteiras’ do segmento público e privado. Se não aproveitarmos a oportunidade para buscar um sistema de saúde realmente Único, em que os segmentos público e privado tenham  homogeneidade de princípios e cooperem na busca por resultados em saúde perderemos a oportunidade de evoluir como sociedade. Não estou otimista.


segunda-feira, abril 27, 2020

Covid-19 – Quais são os números da pandemia? Três perguntas para ajudar na resposta




Ano 14, Número 105, Abril de 2020

André Cezar Medici

Um dos grandes problemas que a maioria dos países, com maior ou menor intensidade tem enfrentado na pandemia do Covid-19, é como calcular a estimativa do número real de casos da enfermidade. O conhecimento desta informação passa a ser importante, dado que, quando a transmissão passa a ser comunitária, o não conhecimento do número real de casos impede que se tenham estratégias adequadas para sair do distanciamento social com segurança. Boa parte deste problema se associa a incerteza existente quanto a várias informações.

Qual a Capacidade de transmissão e contágio do Covid-19?

Existe uma grande incerteza sobre a real capacidade de transmissão e contágio do Covid-19. Estudos existentes indicam que a doença teria um período de incubação médio de 5 dias, (variando entre 2 e 14 dias[i]) até o aparecimento dos primeiros sintomas e que cada caso positivo poderia transmitir a enfermidade para quatro pessoas adicionais, sendo este relacionado em geral aos casos sintomáticos. 

Mas estudos realizados em diversos locais revelaram que os períodos de transmissão para os sintomáticos podem ser mais dilatados, ainda que com taxas de transmissão menores do que nos primeiros dias de incubação.  Em fevereiro de 2020, um caso com 27 dias de incumbação foi verificado na Provincia de Hubei, cinco casos com até 19 dias e outro com 24 dias, também na China. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) levanta a hipótese de que estes períodos de incubação mais longos estão associados a reinfecção pelo virus[ii].

Para os sintomáticos, a transmissão é considerada maior entre o primeiro e o quinto dia a partir do momento em que os sintomas da doença se manisfestam. No entanto, estudos recentes[iii] mostram que a transmissão pode ser intensa em até dois dias antes da manifestação dos primeros sintomas, o que aumentaria o risco de transmissibilidade no caso de pre-sintomáticos. O Center for Diseases Control (CDC) dos Estados Unidos considera que o início e a duração da transmissão do Covid-19 ainda não são conhecidos[iv].

Em geral os sintomáticos tem acesso a testes ao buscar os serviços de saúde e, com isso, passam a ter acesso ao tratamento. Em locais onde há políticas de distanciamento social, estes tenderiam, dessa forma, a manter-se isolados em instituições de saúde ou em casa, minimizando os riscos de contágio.

Aqueles que são assintomáticos mas são testados positivamente também tenderiam a aderir ao distanciamento social, mas os assintomáticos não testados poderiam não cumprir as regras de distanciamento social. Estudos mostram que a transmissão da doença entre assintomáticos (ou pré-sintomáticos – aqueles que ainda não desenvolveram os sintomas da doença) existe, mas não se sabe ainda quanto ela representaria em termos do potencial de transmissão do Covid-19. Estudos preliminares realizados na China indicam que os assintomáticos ou pré-sintomáticos representaram 10% da transmissão de casos[v], mas não é claro se esta informação é suficiente robusta para indicar o papel que os assintomáticos ou pré-sintomáticos representam na transmissão do Covid-19. Estudos recentes realizados em asilos na California (Estados Unidos) mostram que casos assintomáticos, pelo fato de desenvolverem rapidamente uma grande carga viral nas vias respiratórias superiores (nariz e garganta) ao se tornarem pré-sintomáticos, tem um peso maior na transmissão de casos do Covid-19 do que o observado inicialmente na China[vi].

Quantos são os assintomáticos ou pré-sintomáticos?

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua seção de perguntas e respostas sugere que 80% dos casos de Covid-19 sejam leves ou assintomáticos. Ela usa como referência estudos realizados na China – primeiro país onde o Covid-19 se manifestou como epidemia. No entanto, uma pessoa testada como positiva mas assintomática, poderá tornar-se sintomática se o teste for realizado dentro do período de incubação da Covid-19. Portanto, a categoria assintomática pode ser uma categoria em transição. Se somente uma em cada cinco pessoas fossem assintomáticas e os assintomáticos não transmitissem a Covid-19, não haveria razão para tanta preocupação com a necessidade de distanciamento social. Mas a realidade parece não ser essa. Os assintomáticos positivos podem se transformar em sintomáticos e mesmo não se tornando sintomáticos, nada garante que não estejam transmitindo a doença, como vimos na seção anterior. Vários situações mostram que a relação em 4 assintomáticos para cada sintomático pode ser questionada, como vamos verificar a seguir.

Estudo realizado entre os passageiros testados positivos no navio de cruzeiro Diamond Princess, Yokohama no Japão revelaram que 52% eram assintomáticos[vii].  Outro estudo publicado em 23 de março de 2020 por Michael Day[viii] analisa o caso da cidade de Vo´Euganio (50 milhas de Veneza), onde toda a população foi testada para o Covid-19 através de testes de RNA, encontrando entre 50% a 75% dos que testaram positivo considerados assintomáticos segundo distintos grupos etários. Análises dos testes realizados em população de voluntários de Covid-19 na Islândia[ix] - um dos países que mais testaram em massa a população - revelaram que a proporção de positivos assintomáticos estaria em torno de 50% do total de casos.  Entre os japoneses evacuados de Wuham durante o inicio da pandemia, análises revelaram que menos da metade dos casos foram considerados assintomáticos[x]. Entre os casos positivos encontrados entre residentes do asilo de Idosos em King County Washington State, EUA, a proporção de assintomáticos foi de 57%[xi]. Muitos outros estudos estão mostrando que as proporções de casos assintomáticos podem ser menores que os considerados pela OMS.

Se de fato existe um número menor de positivos assintomáticos, isso poderia trazer maior segurança quanto aos números reais da contaminação e mostrar caminhos mais sólidos para sair das situações de distanciamento social. Mas para isso seriam necessários mais testes em uma amostra aleatória representativa da população para garantir qual a porcentagem que realmente seria positiva e permitir, ao lado do tratamento e isolamento dos positivos sintomáticos, manter os cuidados necessários para que os positivos assintomáticos deixassem de contaminar a população sem contacto com o virus, através de alguma forma de distanciamento social.

Qual a real magnitude do número de casos de Covid-19?

O virus do Covid-19 se espalhou pelo mundo em questão de meses e os sistemas de saúde tem tido grande dificuldade para monitorar e reportar os casos existentes. Dada a falta de testes em massa para identificar positivos ao longo do tempo, mapear suas redes de contacto e calcular quanto eles representam da população, a estimativa do número de infectados tem sido difícil de se realizar. Considerando que o número de assintomáticos pode ser muito grande e que os casos graves que levam a mortalidade podem representar apenas a ponta do iceberg,  o número real de positivos que representa o denominador das taxas de letalidade associadas ao virus está provavelmente subenumerado na maioria dos países cujo os sistemas de saúde são capazes de atender aos casos graves sem sobreocupação do número de leitos e respiradores.

Mas nos países onde os sistemas de saúde não estão atendendo adequadamente aos casos graves, existe uma grande probabilidade de mortes não identificadas como Covid-19, e nestes casos, o numerador das taxas de letalidade também pode estar subestimado. Como não se tem uma idéia clara tanto do comportamento do numerador como do denominador das taxas de letalidade, várias das estatísticas associadas ao Covid-19 (número de positivos, número de mortes, etc.) são imprecisas e, portanto, ter uma boa estimativa de qual a porcentagem da população que contraiu o virus é bastante improvável.

Além do mais, não se sabe qual tem sido a eficácia das medidas de distanciamento social para produzir o achatamento da curva, embora se tenha uma visão geral de que em muitas partes do mundo elas tem sido eficazes.  O grande dilema da maioria dos países do mundo, interessados em reduzir os processos de distanciamento social que podem retardar a retomada do crescimento econômico e evitar níveis elevados de pobreza a curto prazo, é saber com precisão o número esperado de casos que necessitarão de tratamento, como isolar os casos positivos ainda remanescentes e como incluir os negativos em atividades econômicas sem riscos para um eventual contágio e a aceleração de uma segunda onda da pandemia.

Alguns estudos tem buscado metodologias para corrigir o número de casos reportados e óbitos relacionados ao Covid-19 e com isso ter estimativas mais próximas da realidade sobre o número de infectados. Um estudo recente[xii] buscou utilizar como parâmetro os dados da Coréia do Sul, considerado um país com cobertura quase ótima de testes. Estes parâmetros foram utilizados para corrigir as mortes e hospitalizações esperadas em alguns países, na data de 28 de março de 2020.

Os países cujo o número de casos seriam reestimados ajustariam o número de casos positivos de acordo com parâmetros da Coréia do Sul, a partir do cálculo de um fator de vulnerabilidade que leva em consideração a estrutura etária da população, dado que a mortalidade é proporcionalmente maior em países com estrutura etária mais elevada, e de um fator de correção da estimativa, considerando a representatividade e extenção dos testes e ametodologia de correção utilizada na Coréia do Sul. Os resultados para 7 países, tendo como base os casos reportados em 28 de março de 2020, aparecem na tabela abaixo.

Covid-19: Número de Casos Reportados e Ajustados em 28 de março de 2020 em 7 países, com base em modelagem tendo como parâmetro os resultados da Coréia do Sul
Países
Casos Reportados em 28-03-2020
Casos Ajustados para 28-03-2020
Multiplicador de casos reportados
China
82198
325452
3,96
França
45170
676839
14,89
Itália
101739
965113
9,49
Espanha
87956
1421505
16,16
Estados Unidos
162807
1417635
8,71
Alemanha
66885
222068
3,32
Reino Unido
22453
316556
14,10
Fonte: Kathleen M. Jagodnik, Forest Ray, Federico M. Giorgi and Alexander Lachmann. Correcting under-reported COVID-19 case numbers - estimating the true scale of the pandemic.

Os dados mostram que o número de casos ajustados pode ser de 3 a 16 vezes maior do que o número de casos reportados, dependendo de como as variáveis que determinam a estrutura etária e os fatores de correção da estimativa se comportaram. Atualmente, quase um mês depois dos dados apresentados nesse estudo, o número de casos reportados é muito maior, mas não seria apropiado utilizar o mesmo multiplicador para encontrar o número de casos ajustados atual, dado que os valores relacionados às variáveis que compõe os fatores de correção da estimativa podem também ter se modificado ao longo do tempo. Neste caso, os autores deveriam revisitar suas estimativas e refazer os cálculos, se possível, considerando também um número maior de países. Afinal, todos os brasileiros gostariam de saber, diante da precariedade das estimativas, quais seriam os fatores de correção e o  multiplicador de casos reportados do país.

Estudos com propósitos similares, baseados em amostragem populacional via testes, foram realizados no Brasil na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Estado do Rio Grande do Sul[xiii]. A testagem ocorreu entre 11 e 13 de abril de 2020. De acordo com o orgão de imprensa desta Universidade, o teste revela as pessoas que possuem os anticorpos para o Covid-19 e os dados se referem a duas semanas atrás, tendo em vista que as pessoas contaminadas podem levar até 14 dias para desenvolver os anticorpos. Neste sentido, o número de casos confirmados no dia 1º de abril na área pesquisada era de 384, mas o resultado da pesquisa mostra que o contágio foi de 5650 pessoas (um número 14.7 vezes maior) indicando que cerca de 0.05% da população do Estado poderia estar contaminada por Covid-19 ao início do mês de abril de 2020.

Outros estudos[xiv] levantaram a hipótese de que  em vários países, o número de casos confirmados subestimou as taxas reais de infecção no início da pandemia, por um fator que pode varia de 50 a 100 vezes, como resultado do rápido crescimento do número de casos vis-a-vis atrasos relacionados ao início dos sintomas, falta de testes e atrasos na notificação de casos. Isso sem considerar outros fatores, como as elevadas taxas de falsos negativos relacionadas a testes previamente realizados.

Conclusão

Os países que iniciaram intervenções para conter a pandemia do Covid-19 utilizaram o  número reportado de casos como principal determinante no nível de ameaça percebida. O número de casos confirmados foi o valor de face utilizado para a tomada de decisão dos governos. Este número, além de sub-enumerado, ainda teve que subir a um nível muito alto para sensibilizar as autoridades a tomar decisões para conter a pandemia e para que a população se tornasse disposta a aderir as restrições trazidas pelo distanciamento social. Se o número de casos estava largamente sub-enumerado, especialmente ao início da pandemia, as taxas de expansão do número de infectados parecem ter sido muito maiores do que realmente foram.

O aumento da capacidade de testagem de casos pode ser uma das formas de corrigir os rumos da epidemia e ter intervenções mais precisas fazendo com que o distanciamento social ampliado possa ser substituido por um distanciamento social seletivo, mas de alta precisão. A testagem tem que ser ampla, ou seja, incluir de forma aleatória o maior número de pessoas possível sem se limitar a casos de pessoas que, por sua natureza, já tem uma maior probabilidade de estar infectadas e evitar atrasos no resultado dos testes. Análises realizadas no caso da California, relacionada a atrasos de 10 dias para obter os resultados de testes, além de protocolos rígidos restringindo os testes àqueles com sintomas graves, podem ter resultado em uma subnotificação de casos de até 15 vezes segundo alguns dos estudos previamente mencionados nesta postagem.

De todos os modos, é importante ressaltar que nenhuma das estimativas até agora realizadas indicam que o total de pessoas contaminadas chega a percentuais de população infectada muito altos. Casos extremos, como os da Itália e Espanha, onde as curvas de contaminação já estão descendentes, indicam percentuais corrigidos no número de casos que eventualmente não ultrapassariam os cinco por cento de suas populações. Com percentuais tão baixos, a eminência de uma segunda onda da doença bate em nossas portas e todo cuidado é pouco ao passar de medidas de distanciamento social amplo para distanciamento social seletivo. Sem a existência de uma vacina e de tratamentos eficazes, cuidados preventivos, protocolos de distanciamento e de isolamento tem que ser seguidos à risca durante um processo de flexibilização para que os ambientes de trabalho, logradores públicos e estabelecimentos comerciais e de serviços não sejam os locais de confirmação do temido presságio de uma segunda onda da pandemia.

Notas


[i] De acordo com o Center for Diseases Control (CDC). Ver https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/faq.html#Transmission. Outros estudos desenvolvidos pela University of Massachussets Amherst (https://www.sciencedaily.com/releases/2020/03/200317175438.htm) demonstraram que 97.5% dos casos de pessoas que desenvolvem sintomas de Covid-19 o fazem entre o 11º e 12º dia de contágio.

[iii] Xi He et al,  Temporal dynamics in viral shedding and transmissibility of COVID-19, in Nature Medicine (brief communication), publicado em 15 de abril de 2020 (link https://www.nature.com/articles/s41591-020-0869-5).

[vi]Monica Gandhi, M.D., M.P.H., Deborah S. Yokoe, M.D., M.P.H., and Diane V. Havlir, M.D., Asymptomatic Transmission, the Achilles’ Heel of Current Strategies to Control Covid-19, New England Journal of Medicine, April 24, 2020, DOI: 10.1056/NEJMe2009758.

[xii] Kathleen M. Jagodnik, Forest Ray, Federico M. Giorgi and Alexander Lachmann. Correcting under-reported COVID-19 case numbers - estimating the true scale of the pandemic. Este artigo é um pre-print, publicado em 18 de março de 2020. Link - https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.14.20036178v2

[xiv] Peter Richterich, Severe underestimation of COVID-19 case numbers: effect of epidemic growth rate and test restrictions. Este artigo também é um prerpint postado em 17-04-2020. Link: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.13.20064220v1.full.pdf