quarta-feira, abril 15, 2020

Covid-19 – O que os países europeus estão fazendo em matéria de distanciamento social?


Ano 14, No. 104, Abril de 2020

André Cezar Medici

Conceitos de Distanciamento Social

Na ausência de vacinas e remédios eficazes para tratar da pandemia do Covid-19 até o momento, o distanciamento social tem sido (quase consensualmente) considerado como a forma mais adequada de enfrentar a pandemia por propiciar um menor número de mortes e, como vimos na última postagem deste blog, reduzir as consequências de longo prazo na profundidade e extensão da crise econômica que emergirá em 2020 e, eventualmente, nos próximos anos.

No entanto, existem muitas dificuldades em compreender e implementar o conceito de distanciamento social. Embora a maioria dos países venha crescentemente implementando medidas de distanciamento social como solução para o controle pandêmico, muitos o tem feito de forma incompleta com percentuais baixos de adesão da população e das atividades produtivas. Outros países, após iniciar a implementação das medidas de distanciamento social, voltam atrás por pressões sociais e econômicas dos setores informais da economia, de empresas, especialmente pequenas e médias, do comércio ou até por temas de ordem política ou ideológica, não tomando conhecimento das evidências da comunidade científica que amparam tais medidas.

O Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças publicou recentemente um guia para medidas de distanciamento social[i], propondo uma classificação dessas medidas e suas justificativas, as quais podem ser sintetizadas no quadro abaixo.

Descrição das Medidas de Distanciamento Social e sua Justificativa,
ao Individual e Coletivo
Medida
Descrição
Justificativa
Medidas de Carater Individual
Isolamento de casos
Casos confirmados ou suspeitos de COVID19 são isolados. Se graves são gerenciados em instalações dedicadas (hospitais) ou se leves, em casa.Em uma situação de transmissão comunitária, indivíduos com sintomas são instruídos a ficarem em casa de forma voluntária ou compulsória
Separar doentes ou suspeitos de pessoas saudáveis para evitar a transmissão
Quarentena
Pessoas saudáveis de grupos de risco (idosos, portadores de doenças crônicas, etc.) são instruídos a ficar em casa para não contactar pessoas contaminadas em ambientes públicos. Podem ser voluntárias ou compulsórias
Separar pessoas de risco saudáveis de eventuais portadores do virus
Recomendação para Ficar em Casa
Recomendação geral para que todos (setores não essenciais da economia) fiquem em casa e evitem aglomerações e contatos próximos com pessoas.
Reduzir a transmissão, evitar aumento da morbidade e, assim, diminuir a pressão sobre o sistema de saúde.
Medidas de carater coletivo
Fechamento de escolas
Fechamento de escolas em todos os níveis, incluindo creches, universidades e institutos de pesquisa
Prevenir o contato de crianças e jovens  expostos ao virus com adultos e portadores de risco desde o  início da fase de transmissão por ser mais eficiente. Deve ser complementada com medidas para evitar o encontro de jovens fora da escola, a fim de garantir a eficácia.
Fechamento ou flexibilização dos locais de trabalho
Fechamento de escritórios, fábricas, pontos de venda, produção agrícola, construção, restaurantes, cafés-bares, clubes esportivos, transporte, etc. Pode incluir: horários ou turnos de trabalho flexíveis, oportunidades para trabalho a distância, teletrabalho, incentivos a medidas físicas de distanciamento no espaço de trabalho; aumento do uso de e-mail e teleconferências para reduzir contatos próximos; contato reduzido entre funcionários e clientes; adoção de políticas flexíveis de licença e promoção e uso de medidas de proteção pessoal e ambiental
Evitar a transmissão entre um número médio e grande de pessoas em espaços confinados por longos períodos. Dependendo da proximidade das pessoas que trabalham em diferentes locais de trabalho, bem como da taxa e natureza de suas interações, diferentes indivíduos e grupos estarão em maior risco de infecção do que outros. Portanto, os fechamentos podem ser direcionados para essas áreas.
Proteção de Populações Especiais
Medidas para limitar visitantes e o contato entre os internos de instituições com pessoas em ambientes confinados, tais como instituições de longa permanência para idosos ou pessoas com necessidades especiais, Instituições psiquiátricas, abrigos para indigentes e prisões.
Essas instituições abrigam uma grande porcentagem de pessoas em grupos de alto risco, geralmente são densamente povoadas, e os surtos de COVID-19 podem levar a taxas de morbimortalidade significativas. As medidas devem ser aplicadas no início do surto e continuar até a circulação do COVID-19 diminuir na comunidade.
Cancelamento de eventos de grande frequência
Fechamento de teatros, cinemas, shows, eventos esportivos, festivais, eventos religiosos, conferências, reuniões, feiras comerciais, etc.
Evitar a transmissão entre um grande número de pessoas em espaços confinados ou mesmo ao ar livre (por exemplo, partidas de futebol) e seus desdobramentos como aglomerações na entrada e saída e uso de tansporte público.
Cordões sanitários em edifícios, bairros, cidades ou regiões
Se refere ao fechamento de áreas delimitadas onde a transmissão é considerada elevada e põe em risco outras áreas, mas pode ser também considerada em caráter de proteção de uma área em relação ao seu entorno.
Reduzir a possibilidade de transmissão entre áreas, bairros, cidades e regiões.
Fonte: European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC)

No Brasil, o Ministério de Saúde tem considerado uma classificação das medidas de distanciamento social em três categorias[ii], as quais tem mais a ver com a intensidade e a obrigatoriedade com a qual estas medidas devem ser implementadas, listando suas vantagens e desvantagens, como se vê no quadro abaixo. Adicionei uma coluna com algumas evidências alternativas que podem ponderar a decisão no uso destes tipos de distanciamento social.

Tipos de distanciamento social
Vantagens
Desvantagens
Evidências Alternativas
Distanciamento Social Seletivo:  (DSS) - Somente para grupos de maior risco (idosos, condições crônicas, etc.)
Menor impacto econômico e laboral, criação gradual de imunidade de rebanho controlada.
Pessoas de maior risco continuarão a ter contacto domiciliar com pessoas assintomáticas, aumentando o risco de infecção e utilização dos sistemas de saúde além da capacidade do sistema
Só funciona quando: (a) existem testes em larga escala (preferencialmente no inicìo da pandemia) para identificar os casos positivos e (b) mecanismos de rastreamento e indentificação de pessoas de risco.
Distanciamento Social Ampliado - DSA: Todos permanecem em residência por decreto, com exceção de setores essenciais.
Reduzir tempo de propagação, ganhar tempo para testar casos e aumentar a capacidade dos serviços de saúde.
Grande impacto econômico com aprofundamento da recessão, ruptura das cadeias de suprimento e aumento do desemprego.
Evidências com base em outras endemias mostram que os efeitos econômicos podem ser altos no curto prazo, mas a recuperação econômica é mais rápida e consistente do que nos casos de DSS.
Bloqueio Total (Lockdown):
Áreas identificadas de risco são bloqueadas e fiscalizadas por profissionais de segurança - punições
É a forma mais rápida de sair de uma situação pandêmica dada a necessidade de emergência nos serviços de saúde
Tem imenso impacto econômico no curto prazo, alto custo de implementação e necessita de uma fase de DSS ou DSA posterior para evitar uma segunda onda.
Experiências são recentes, como os casos da cidade de Wuhan (provincia de Hubei) na China. Os resultados na redução da curva pandêmica são muito rápidos.

O Ministério da Saúde também informa, considerando que o tema do bloqueio total (lockdown) seria difícil no contexto econômico e social brasileiro, que o distanciamento social ampliando (DSA) teria mais impactos na redução da curva pandêmica do que o distanciamento social seletivo (DSS), permitindo reduzir o número de casos e de mortes pelo Covid-19. O gráfico abaixo publicado pelo Ministério da Saúde, mostra o impacto hipótetico do DSA, DSS e da situação sem distanciamento social no achatamento da curva pandêmica no Brasil, desde a semana epidemiológica 4 da doença (em pleno verão de 2020) até a semana epidemiológica 39, no fim do inverno, em Setembro deste ano.



O Instituto de Métrica e Avaliação de Saúde da Universidade do Estado de Washington[iii], conhecido em sua sigla com IHME, desenvolveu um modelo de simulação para a projeção de casos da pandemia, que inclui, entre as variáveis de controle, medidas de distanciamento social implementadas pelo "primeiro nível administrativo" de governo. Este modelo de simulação tem sido utilizado pelo Governo Norte-Americano para as projeções oficiais do número de casos e de mortalidade pelo Covid-19 e para a adoção das medidas de distanciamento social que vem sendo utilizadas no país[iv].  
No caso de um país como os Estados Unidos, este primeiro nível de administração seriam os Estados[v]. No caso de países como o Brasil, poderiam ser os Estados ou Municípios, dado que nosso federalismo , como definido pela Constituição de 1988 é tripartite, envolvendo a União, os Estados e os Municípios como níveis de governo de igual relevância e independência[vi].

A base de dados que alimenta o modelo de simulação do IHME, especialmente no que se refere às medidas de distanciamento social, agrega alguns países europeus e os Estados Unidos. Páises como a  Itália, Espanha e Alemanha não apresentam dados sobre as medidas de distanciamento social implementada, mas para efeitos deste artigo, adicionamos dados correspondentes para completar a informação, ainda que os três países tenham também regiões autônomas responsáveis pela decisão final sobre as medidas de distanciamento social implementadas.

Medindo o Isolamento Social na Europa

O IHME classificou as medidas de distanciamento social adotadas pelos Governos em quatro áreas, todas mandatórias (compatíveis com o conceito de distanciamento social ampliado). Estas áreas são: (a) isolamento domiciliar (ficar em casa), (b) fechamento de escolas e instituições de ensino, (c) fechamento de estabelecimentos comerciais e serviços não essenciais e, (d) severas restrições a viagens aéreas. A tabela abaixo, com base nos dados do IHME de 10 de Abril de 2020 (última atualização realizada no momento em que este artigo foi escrito) mostra a data em que apareceu o primeiro caso de Covid-19 e as datas quando foram tomadas as medidas de distanciamento social para mitigar a doença.

Distanciamento Social em Alguns Países Europeus: Datas das medidas aAdotadas entre 
Março e Abril de 2020
País
Data de Registro do Primeiro Caso
Ficar em Casa
Escolas Fechadas
Serviços não Essenciais Fechados
Restrições Severas a Viagens Aéreas
Tempo decorrido entre o Primeiro caso e a medida "Ficar em Casa"
Austria
25/02/20
16/03/20
16/03/20
16/03/20
-
20 dias
Belgica
04/02/20
18/03/20
14/03/20
18/03/20
-
35 dias
Bulgaria
08/03/20
13/03/20
13/03/20
13/03/20
-
5 dias
Croacia
25/02/20
17/03/20
16/03/20
19/03/20
23/03/20
22 dias
Chipre
09/03/20
24/03/20
13/03/20
24/03/20
17/03/20
15 dias
Rep. Tcheca
01/03/20
16/03/20
10/03/20
14/03/20
-
15 dias
Dinamarca
27/02/20
-
12/03/20
-
-
-
Estonia
27/02/20
-
16/03/20
-
-
-
Finlandia
28/01/20
-
18/03/20
04/04/20
25/03/20
-
França
24/01/20
16/03/20
12/03/20
14/03/20
17/03/20
51 dias
Alemanha(*)
27/01/20
-
27/02/20
-
-
-
Grecia
26/02/20
23/03/20
11/03/20
22/03/20
30/03/20
26 dias
Hungria
04/03/20
28/03/20
16/03/20
16/03/20
-
24 dias
Irlanda
29/02/20
27/03/20
12/03/20
24/03/20
-
27 dias
Latvia
03/03/20
-
12/03/20
-
-
-
Lituania
28/02/20
15/03/20
16/03/20
15/03/20
-
17 dias
Luxemburgo
29/02/20
-
16/03/20
18/03/20
-
-
Malta
07/03/20
-
13/03/20
23/03/20
-
-
Holanda
27/02/20
-
15/03/20
-
-
-
Noruega
27/02/20
-
12/03/20
-
-
-
Portugal
02/03/20
19/03/20
16/03/20
19/03/20
09/04/20
17 dias
Polonia
04/03/20
24/03/20
12/03/20
-
-
20 dias
Romania
27/02/20
23/03/20
11/03/20
21/03/20
-
25 dias
Eslovaquia
06/03/20
-
12/03/20
16/03/20
08/04/20
-
Eslovenia
05/03/20
20/03/20
16/03/20
15/03/20
16/03/20
15 dias
Suecia
31/01/20
-
-
-
-
-
Suica
25/02/20
-
13/03/20
16/03/20
-
-
Reino Unido
31/01/20
23/03/20
23/03/20
20/03/20
-
52 dias
Italia (*)
31/01/20
09/03/20
04/03/20
11/03/20
-
38 dias
Espanha (*)
01/02/20
14/03/20
12/03/20
14/03/20
-
40 dias
(*) Paises onde as medidas, ainda que recomendadas nacionalmente, dependem da adesão de governos regionais

Os dados mostram que:

(a) Dos 30 países listados somente 6 tomaram todas as quatro medidas de distanciamento social; 13 adotaram três medidas;  4 tomaram duas medidas, 6 tomaram somente uma medida e 1 (Suécia) não tomou nenhuma medida;

(b) todos os países, com exceção da Suécia[vii], fecharam as escolas, tendo sido essa a primeira medida adotada em 27 dos 30 países listados na tabela acima. As medidas de distanciamento social nestes países foram tomadas entre 27 de fevereiro (Alemanha) e 23 de março (Reino Unido) do corrente ano;

(c) “ficar em casa”, foi uma medida adotada por 18 dos 30 países listados, mas sua eficácia é difícil de ser avaliada, dado que depende do grau de adesao social. Na Espanha, por exemplo, somente 36% das pessoas com mais de 65 anos aderiram a medida "ficar em casa" de acordo com pesquisas de opinião realizadas a fins de março de 2020, quando se esperava um mínimo de 70% de adesão;

(d) 22 dos 30 países adotaram o fechamento de serviços não essenciais, embora o conceito de essencialidade dos serviços pudesse ser interpretado diferentemente em cada país;

(e) Somente 8 dos 30 países adotaram severas restrições a viagens aéreas, embora com a redução da demanda, o número de viagens tenha despencado em todos os países.

A medida “ficar em casa” pode ser considerada como a medida de maior eficácia relativa, dado que tira de circulação um número significativo de pessoas consideradas como trabalhadores não essenciais, reduzindo com mais intensidade e rapidez a circulação do virus. Nesse sentido, vale a pena conhecer quanto tempo os países europeus demoraram para adotar a medida "ficar em casa" desde o registro do primeiro caso de Covid-19 nos respectivos países, conforme pode ser visto na última coluna da tabela acima. A tabela abaixo mostra os países que tomaram as medidas de “ficar em casa” de forma compulsoria, considerando o número de dias decorridos desde o primeiro caso registrado.

Países Europeus que Instituiram “Ficar em Casa” como Medida para a Redução da Expansão da Curva Pandêmica do Covid-19
Dias decorridos entre o Primeiro caso Registrado e a Medida “Ficar em Casa”

Países
Menos de 10 dias
Bulgaria
11 a 20 dias
Austria, Chipre, Rep. Tcheca, Lituania, Portugal, Polonia, Eslovênia,
21 a 30 dias
Croácia, Grécia, Hungria, Irlanda, Romania,
31 a 50 dias
Belgica, Italia, Espanha
Mais de 50 dias
França, Reino Unido
Não tomaram a medida
Dinamarca, Estonia, Finlândia, Alemanha, Latvia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Noruega, Eslováquia, Suécia, Suiça,
Fonte: Baseado nos dados do IHME, Covid-19

Impactos (indiretos) das medidas de isolamento social na modelagem da mortalidade pelo Covid-19

O modelo do IHME assume que, uma vez que seja instituido como política de estado, o distanciamento social seria contínuo até o final do período modelado (4 de agosto de 2020). O modelo também assume um nivel total de adesão da população às medidas de distanciamento social a partir de maio de 2020[viii].

O modelo assume que os primeiros níveis administrativos de governo, mesmo quando tornam obrigatório o distanciamento social em uma dessas medidas, poderiam tender a adotar as demais medidas em pelo menos sete dias, dado sua complementariedade. Também supõe que a implementação e adesão a essas medidas pela população seria completa. A cada atualização do modelo, a suposição de implementação completa das medidas de distanciamento social em cada país é reavaliada e redefinida, dado que qualquer atraso será refletido no aumento do número de mortes e no gap de recursos (leitos e ventiladores mecânicos) dos sistemas hospitalares de acordo com o que o modelo estima.

O modelo considera a hipótese de que, com o distanciamento social, o final da primeira onda da epidemia poderia ocorrer no início de junho de 2020, e a questão de saber se haverá uma segunda onda da pandemia dependerá do que for feito para evitar a reintrodução do Covid-19 na população. Até o final da primeira onda, estima-se que a grande maioria da população ainda estaria vulnerável ao contágio pelo Covid-19 e, portanto, seriam necessárias medidas para evitar uma segunda onda da pandemia antes de haver a disponibilidade de uma vacina. A manutenção das medidas de distanciamento social pode ser complementada ou substituída por esforços em todo o país, como a testagem de população em massa, rastreamento de contatos a partir dos casos positivos e quarentena seletiva daqueles testados como positivos.

Dadas essas medidas, a última estimativa do modelo para os países europeus (em 10 de abril de 2020) mostra os seguintes resultados nas taxas de mortalidade (por 100 mil habitantes), de acordo com o número de dias desde o primeiro caso que o país tomou a medida compulsória de “ficar em casa".

Número de mortes estimadas no pico da pandemia, número de mortes totais estimadas até 4 de agosto e taxas de mortalidade estimadas (por 100 mil habitantes) pelo Covid-19 em 30 países europeus, de acordo com o modelo do IHME

Data estimada do pico no número de casos
Número de mortes  diárias de Covid-19 estimadas no pico
Número total de mortes estimadas de Covid 19 em 04-08-20
Taxa de Mortalidade estimada por Covid-19 em 04-08-20
(por 100 mil habitantes)
Países com medidas para “ficar em casa” nos primeiros 10 dias apos o primeiro caso
Bulgaria
08-05-2020
4
66
0.9
Países com medidas para “ficar em casa” entre 10 a 20 dias após o primeiro caso
Rep. Tcheca
09-04-2020
13
247
2.3
Lituania
10-04-2020
6
85
3.0
Eslovenia
07-04-2020
6
88
4.3
Austria
08-04-2020
30
421
4.6
Portugal
03-04-2020
37
625
6.1
Polonia
28-04-2020
72
2450
6.4
Chipre
30-03-2020
2
40
10.7
Croacia
18 a 24-04-2020
6
126
3.0
Grécia
19 a 27-4-2020
11
373
3.5
Hungria
22-04-2020
15
386
3.8
Romania
16-04-2020
33
758
3.7
Irlanda
07-04-2020
36
527
10.8
Países com medidas para “ficar em casa” mais de 30 dias após o primeiro caso ou que não tomaram esta medida
Eslováquia
27-04-2020
9
113
2.1
Finlândia
22-04-2020
8
229
2.4
Alemanha
13-04-2020
272
7332
8.9
Estonia
03-05-2020
15
499
9.4
Luxemburgo
11-04-2020
8
264
12.3
Malta
21-04 a 10-05-2020
2
62
12.8
Noruega
04-05-2020
19
811
16.5
Latvia
01-05-2020
12
337
17.4
França
05-04-2020
941
17448
26.0
Dinamarca
06-05-2020
45
1669
28.8
Itália
27-03-2020
969
21130
35.0
Reino Unido
13=04-2020
1156
23791
35.7
Espanha
01-04-2020
950
18713
40.0
Bélgica
10-04-2020
496
6041
52.6
Suiça
07-05-2020
130
5974
70.1
Holanda
06-05-2020
440
15834
91.8
Suécia
08-05-2020
560
18332
180.8

Fonte: Estimativas do IHME – Modelo de Simulação do Covid-19 e Jonhs Hopkins University – Coronavirus

Os dados desta tabela falam por si. As taxas de mortalidade acumuladas por 100 mil habitantes associadas ao Covid-19, em geral, aumentam na medida em que aumenta o tempo em que os países demoraram para promulgar a medida de “ficar em casa” durante a pandemia. Assim, a Bulgaria,  que tomou a medida em apenas 5 dias após o primeiro caso, chegaria a meados de agosto com uma taxa acumulada de 0.9 mortes por 100 mil habitantes por Covid-19.

Mas os países que tomaram medidas de “ficar em casa” depois de passados mais de 30 dias do primeiro caso, teriam taxas de mortalidade pelo Covid-19 sensivelmente mais elevadas. A Suécia, por exemplo, que não tomou nenhuma medida de distanciamento social extensivo, alcançaria uma taxa de mortalidade acumulada pelo Covid-10 de 180.9 por 100 mil. Algumas exceções, como os casos da Eslováquia, Finlândia, Alemanha e Estônia, estão associados a fatores de êxito em processos de distanciamento social seletivo (DSS).

A Alemanha, aplicou testes em massa para selecionar populações de risco e desenvolveu técnicas de rastreamento de casos extremamente bem sucedidas. Desde fevereiro o país começou a realizar testes em massa e a ordenar o isolamento social dos casos positivos, além de fechar escolas e creches. Até o dia 2 de abril, este país já havia realizado mais de um milhão de testes, oferecidos de forma regular nos laboratórios descentralizados em todas as regiões do país.

Os testes foram fundamentais para detonar um processo de rastreamento de casos positivos e para implementar medidas seletivas de distanciamento social sem que houvesse a necessidade de confinar a totalidade da população, como fizeram outros países. Além disso, a Alemanha tem uma grande quantidade de leitos e de leitos de UTI, garantindo uma margem de segurança para um aumento desproporcional do número de casos nos picos da pandemia.

4. Estimativas das Necessidades de Leitos, Leitos de UTI e respiradores mecânicos

Um outro tema considerado no modelo de projeção de casos do Covid-19 do IHME é o risco de sobrecarga do sistema de saúde, dado pelas necessidades de leitos, leitos de UTI e ventiladores mecânidos no pico de número de casos da pandemia em cada país. Neste caso, se estima se haverá deficit de leitos e leitos de UTI, bem como qual seria o número (não o déficit) de ventiladores necessários neste dia. A tabela abaixo mostra o resultados destas estimativas (datadas de 10 de abril de 2020).

Déficits de leitos, leitos de UTI e necessidades de respiradores no pico da pandemia do Covid-19 em 30 países europeus, de acordo com o modelo do IHME
Países
Data estimada do pico no número de casos
Deficit de Leitos durante o pico do número de casos
Déficit de Leitos de UTI durante o pico do número de casos
Número de ventiladores mecânicos diários necessários no pico do número de casos
Países com medidas para “ficar em casa” nos primeiros 10 dias apos o primeiro caso
Bulgaria
08-05-2020
0
0
20
Países com medidas para “ficar em casa” entre 10 a 20 dias após o primeiro caso
Rep. Tcheca
09-04-2020
0
0
76
Lituania
10-04-2020
0
0
27
Eslovenia
07-04-2020
0
0
27
Austria
08-04-2020
0
0
165
Portugal
03-04-2020
0
150
238
Polonia
28-04-2020
0
0
557
Chipre
30-03-2020
0
0
9
Países com medidas para “ficar em casa” entre 21 a 30 dias após o primeiro caso
Croacia
18 a 24-04-2020
0
0
46
Grécia
19 a 27-4-2020
0
0
83
Hungria
22-04-2020
0
0
111
Romania
16-04-2020
0
0
239
Irlanda
07-04-2020
0
148
199
Países com medidas para “ficar em casa” mais de 30 dias após o primeiro caso ou que não tomaram esta medida
Eslováquia
27-04-2020
0
0
59
Finlândia
22-04-2020
0
2
56
Alemanha
13-04-2020
0
0
1619
Estonia
03-05-2020
0
83
111
Luxemburgo
11-04-2020
0
7
39
Malta
21-04 a 10-05-2020
0
0
15
Noruega
04-05-2020
0
65
147
Latvia
01-05-2020
0
39
92
França
05-04-2020
0
4754
5939
Dinamarca
06-05-2020
0
285
337
Itália
27-03-2020
0
4503
5939
Reino Unido
13=04-2020
16553
1862
7731
Espanha
01-04-2020
0
5584
6342
Bélgica
10-04-2020
0
1684
2282
Suiça
07-05-2020
0
890
969
Holanda
06-05-2020
0
2748
3279
Suécia
08-05-2020
15775
4511
4123
Fonte: Estimativas do Modelo de Simulação do IHME

As estimativas do IHME mostram que, no que se refere a necessidade de leitos comuns, somente dois países apresentarão défict: o Reino Unido, que decretou o distanciamento social extensivo com mais de 30 dias depois do primeiro caso de Covid-19 e a Suécia, que não tomou nenhuma medida de isolamento social extensivo como “ficar em casa”.

No que se refere aos leitos de UTI, somente dois países que tomaram a medida “ficar em casa” em menos de 30 dias depois do primeiro caso apresentariam déficits de leitos de UTI: Portugal e Irlanda. Mas a grande maioria dos países que tomaram esta medida com mais de 30 dias (ou que não tomaram a referida medida), terão déficits de leitos de UTI, como pode ser observado na tabela acima. Somente a Eslováquia, Alemanha e Malta, não apresentariam déficits de leitos de UTI nos picos de casos.

Esses dados mostram claramente como o distanciamento social ampliado, tomado logo no início da ascenção da curva pandêmcia, é a melhor forma de evitar mortes associadas ao Covid-19, bem como evitar a sobreocupação de leitos de UTI durante uma crise pandêmica.

Considerações Finais

Numa situação de desconhecimento dos processos de transmissão do Covid-19 em função da escasses de testes para descobrir e isolar os positivos, bem como para rastrear os contactos destes, o Distanciamento Social Ampliado, medido pela eficácia de medidas como “ficar em casa”, parece ser a melhor solução para evitar um crescimento exagerado do número de casos e mortes pelo Covid-19, bem como para não sobrecarregar os níveis de utilização dos serviços de saúde nos picos da enfermidade.

Mas o momento onde há distanciamento social deve ser aproveitado para aumentar a capacidade de realizar testes para detectar casos positivos e, com isso, encontrar portas de saída nas regiões onde, após o pico, o decréscimo do número de casos positivos pode dar segurança para a retomada de atividades laborais pela população não infectada, num ambiente seguro para evitar o aparecimento de uma segunda onda da pandemia.

Países que “perderam o bonde” da testagem em massa no momento adequado não podem mais adotar estratégias como a que foi realizada na Alemanha, onde a pandemia foi enfrentada com um Distanciamento Social Seletivo. 

Mas tomemos o caso da Itália. As experiências da Lombardia e Veneto, duas regiões italianas vizinhas, tiveram estratégias diferentes para sua resposta ao coronavírus, obtendo também resultados diferentes. Até o dia 13 de Abril, a Lombardia, com 10 milhões de pessoas sofreu 35.000 casos Covid-19 que levaram a cerca de 5.000 mortes. Mas Veneto, com 5 milhões de pessoas, teve apenas 7.000 casos e menos de 300 mortes.

Porquê a diferença? Veneto, ao adotar uma estratégia de Distanciamento Social Ampliado, fez testes extensivos para pessoas com sintomas e pessoas assintomáticas também foram testadas sempre que possível. Veneto implementou um rastreamento proativo de casos, ou seja, se alguém testou positivo, todos com quem conviviam eram testados ou, se os testes não estivessem disponíveis, eles deveriam fazer isolamento social. A ênfase foi no diagnóstico e atenção domiciliar, utilizando profissionais de saúde que visitaram as casas de pessoas com suspeita de Covid-19 para coletar amostras para teste, impedindo-os de serem expostos ou expor o risco a outras pessoas ao visitar um hospital ou consultório médico. Além disso, Veneto fez um intenso monitoramento do risco de trabalhadores vulneráveis: médicos, enfermeiros, cuidadores em casas de repouso e até caixas de supermercado e farmacêuticos para evitar possivel infecção, disponibilizando equipamentos de proteção pessoal para limitar a exposição. A Lombardia, por outro lado, foi muito menos agressiva em todas essas frentes: testes, rastreamento proativo, atendimento domiciliar e monitoramento de trabalhadores. Mas, com o tempo, a Lombardia passou a adotar as mesmas estratégias que foram utilizadas em Veneto.

Uma abordagem eficaz em relação ao Covid-19 exigirá uma mobilização ampla - tanto em termos de recursos humanos e econômicos, como de coordenação de diferentes partes do sistema de saúde (instalações para teste, hospitais, médicos de atenção primária, etc.), entre diferentes entidades, tanto no setor público como no setor privado e na sociedade em geral. A resposta a esta crise exigirá processos de tomada de decisão diferentes dos usuais.



[i] European Centre for Disease Prevention and Control – ECDC (2020), Considerations relating to social distancing measures in response to COVID-19 – second update, Stockholm, 23 March 2020,

[ii] Brasil, Ministério da Saúde, Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública, Doença pelo Coronavirus 2019, Boletim Epidemiologico 07, 6 de abril de 2020, Semana Epidemiológica 15 (05-10/04), Brasilia (DF).

[iii] O Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME) é uma das mais importantes instituições de produção de dados e avaliações dos sistemas de saúde ao nível mundial. O IHME foi criado em junho de 2007 com base em doações financiadas majoritariamente pela Fundação Bill & Melinda Gates. É composto por um conjunto de pesquisadores líderes nas áreas de saúde pública internacional, os quais se notabilizaram no passado por inovações metodológicas em medidas epidemiológicas, como os conceitos de carga de enfermidade e esperança de vida saudável. Tem contribuido continuamente com estudos essenciais sobre mortalidade, morbidade e sistemas de saúde ao nível mundial e tem uma das maiores bases de dados nestes temas cruzados com determinantes econômicos e sociais da carga de doença. O Conselho do IHME inclui vários nomes de destaque, entre eles, Julio Frenk, ex-Ministro de Saúde do México, ex-Diretor da Organização Mundial da Saúde, ex-decano da Escola de Saúde Pública de Harvard e atual Presidente da Universidade de Miami; Harvey Fineberg; Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega e ex-Presidente da Organização Mundial de Saúde; Tedros Adhanom Ghebreyesus, ex-Ministro da Saúde da Etiópia e atual Presidente da Organização Mundial da Saúde, entre muitos outros. O IHME é presidido, desde sua criação pelo médico e economista de saúde Christopher J.L. Murray.

[iv] Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). United States COVID-19 Hospital Needs and Death Projections. Seattle, United States of America: Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), University of Washington, 2020.

[v] Os Estados Unidos não tem o conceito de Município, mas se organiza através de dois níveis de governo mais próximos das populações locais: o Condado (County) e a Cidade (city). Algumas cidades são capitais de condados. Na maioria dos condados, o administrador é indicado por um Conselho do Condado, cujos membros são eleitos. Em outros condados, o executivo (county executive) é diretamente eleito para esta função, também podendo ser chamado de oficial administrativo (CAO) ou juíz do condado. Um condado pode conter várias cidades, mas grandes cidades costumam ser independentes, não estando associadas a nenhum condado. As mega-cidades, como New York, Los Angeles, etc. tem outros tipos de divisão administrativa com seus administradores, em alguns casos eleitos e outros não. As cidades, em geral tem prefeitos (mayors) que podem ser conceituados como "fortes" (quando eleitos diretamente pela população) ou prefeitos fracos, escolhidos entre os membros de um Conselho da Cidade (City Council). No primeiro caso, o prefeito escolhe os chefes de cada departamento da organização administrativa da cidade e o City Council funciona como uma espécie de poder legislativo. No segundo caso, o Prefeito é uma espécie de primeiro ministro de uma estrutura de city council parlamentarista.   

[vi] Aliás, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), por determinação do Ministro Alexandre de Moraes,  determinou que a decisão última sobre as medidas de distanciamento social para questões relacionadas ao Covid-19 são de ordenamento dos Estados e Municípios, não podendo ser bloqueadas pelo Governo Federal.

[vii] Embora a maioria dos governos tenham adotado medidas de distanciamento social ampliadas para tentar para impedir a disseminação do coronavírus, a Suécia vem aplicando uma estratégia de distanciamento social seletivo para grupos de risco e, com isso, tem permitido a realização de eventos coletivos, mantido escolas para crianças abertas, e permitindo que os estabelecimentos, incluindo os não essenciais, permaneçam abertos. As razões pelas quais as autoridades suecas adotaram esta estratégia é a resiliência. Segundo, Peter Lindgren, diretor do Instituto Sueco de Economia da Saúde, o Covid-19 poderá exigir do governo um perído prolongado de enfrentamento da pandemia e se todo o arsenal de medidas para evitar a disseminação do virus é utilizado de uma só vez, será muito difícil manter essa situação a longo prazo. Nesse sentido, eles preferem colocar medidas seletivas em prática que teriam um impacto negativo menor na atividade econômica e poderiam manter a evolução da pandemia sob controle. Mas os resultados demonstram uma situação preocupante. Em 9 de abril, as taxas por 100 mil habitantes de mortes confirmadas por coronavírus da Suécia eram superiores a de seus pares escandinavos Com hospitais superlotados e funcionários sobrecarregados, hospitais de campanha começam a ser erguidos nas principais cidades, e o governo começa a estudar a adoção de medidas de distanciamento social mais restritivas.

[viii] Esta hipótese pode não ser plausível, dado que dado que nem todos os países fazem pesquisas ou medições sobre o grau de adesão a estas medidas como as indiretamente feitas por deslocamentos dos telefones celulares e monitoradas pelas companhias de telecomunicações em alguns países. 

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