Ano 15, No. 114, Fevereiro de 2021
André Cezar Medici
Introdução
A pandemia do Covid-19, pela sua intensidade e pela
rápida expansão dos níveis de infecção, tomou de surpresa quase todos os países.
Mas desde 2005, a Organização Mundial da Saúde liderou os compromissos
internacionais que resultaram na adesão de 194 países ao Regulamento Sanitário
Internacional[i],
que define as regras básicas para a preparação dos países para emergências
sanitárias e pandemias, destacando os compromissos internacionais das nações
aderentes. Nesse sentido, com 15 anos de defasagem, era de se esperar que
todos, ou a maioria dos países, estivessem preparados para enfrentar pandemias
como a do Covid-19. Mas ao que parece, não foi o que aconteceu. Tal fato ficou evidente
depois do advento da pandemia do Covid-19, demonstrando a necessidade urgente de
aumentar os esforços na preparação pandêmica de todos os países nos próximos
anos.
Ao longo de 2020, este blog acompanhou o estado
de preparação e a performance dos países em relação a pandemia do Covid-19 em vários
momentos. Em nossa postagem No. 102, de março de 2020[ii],
apresentamos uma análise do Global Health Security Index (GHS) que
classificou 195 países através de um índice com 6 dimensões de risco e 34
indicadores investigando 140 questões. Este índice, publicado em Novembro de
2019 a partir de uma pesquisa realizada por um consórcio entre a Johns
Hopkins University, o The Economist Intelligence Unit e a Nuclear
Threat Inniative, revelou que o Brasil ocupava a 22ª. posição no ranking do
GHS, tendo sido considerado o mais preparado no ranking dos países da América
Latina.
Três meses após o início da pandemia (junho de
2020), o desempenho dos países em seu enfrentamento foi novamente objeto de uma
análise comparativa, desta vez, com base nas respostas reais que os países
deram ao enfrentamento da crise pandêmica. Esta análise, proveniente de um
relatório produzido pelo Deep Knowledge Group[iii],
utilizou 20 parâmetros selecionados de um conjunto de 130 parâmetros
qualitativos e quantitativos, combinando-os em características comparáveis para
um conjunto de 200 países e regiões. Nesta classificação, o Brasil passou a
ocupar a 91ª posição e, na América Latina, deixou de ser o mais preparado, já
que países como o Chile (41ª), Uruguai (51ª.), Argentina (62ª), Equador (74ª.)
e Panamá (90ª), passaram a frente do Brasil ao lograr melhor performance em
relação ao combate a pandemia.
Este informe destaca que a sofrível performance
do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia está relacionada com a
lentidão em adotar medidas de bloqueio e proteção pandêmica da população, com o
argumento do governo de que isso prejudicaria a economia, demonstrando um total
desconhecimento das orientações de organismos internacionais, como o FMI e o
Banco Mundial. Como resultado, o país não só reduziu sua performance econômica
(dado que a economia somente melhoraria se o risco pandêmico fosse controlado),
mas experimentou, desde o final de maio de 2020, rápidos aumentos em suas taxas
de infecção pandêmica, subindo no ranking mundial de países para a segunda pior
posição no número de casos e mortes.
Uma terceira avaliação global sobre o
desempenho dos governos em relação à pandemia do Covid-19 foi realizada pelo Lowi
Institute[iv],
que é uma instituição independente de pesquisa, fundada em 2003 e sediada na
Austrália. O informe avaliou a performance de 98 países utilizando dados
disponíveis e comparáveis sobre o gerenciamento da pandemia desde o momento em
que cada país alcançou seu centésimo caso até a primeira semana de janeiro de
2021, compreendendo, portanto, toda a duração da pandemia durante o ano de
2020. Os países foram analisados de acordo com as regiões, sistemas políticos,
tamanho populacional e grau de desenvolvimento econômico, para inferir se
existem variações significativas entre diferentes tipos de países e a gestão da
pandemia. Nesta classificação o Brasil alcançou literalmente a última posição
na gestão pandêmica entre um conjunto dos 98 países, o que mostra uma
deterioração em relação à posição de junho de 2020, quando foi publicado o
informe do Deep Knowledge Group. Nesta
classificação, o Brasil demonstrou, no contexto latino-americano, uma gestão pandêmica pior do que a de países
como Uruguai, Jamaica, El Salvador, Paraguai, Costa Rica, República Dominicana,
Guatemala, Chile, Panamá, Bolívia, Colômbia e México. A figura abaixo resume a
posição brasileira nos rankings de preparação e a performance na gestão pandêmica
entre novembro de 2019 e janeiro de 2021 de acordo com estas três diferentes
classificações.
Figura 1 – Posição do Brasil no
ranking de preparação e performance da gestão pandêmica em três momentos:
Novembro de 2019, Junho de 2020 e Janeiro de 2021
Elaboração: André Medici
Dado que este blog já realizou uma análise prévia do desempenho do Brasil no GHS, vamos dedicar esta postagem a análise de como o Brasil se situou nos índices do Deep Knowledge Group (DKG) e do Lowi Institute (LI), que estão associados ao Covid-19.
O objetivo do estudo realizado pelo
DKG foi assentar as bases para discussão de como os governos poderiam otimizar sua
performance durante a pandemia e alcançar melhores resultados no contexto pós-pandêmico,
através do estabelecimento de planos de ação possíveis para manter a saúde e o
bem-estar econômico de suas populações e reverter os danos colaterais causados pela
pandemia do COVID-19.
Dentro desta perspectiva, o RSAI é um índice
que varia de 0 a 1000, sendo composto por seis dimensões associadas aos seus
respectivos pesos: (i) Eficiência na Quarentena (220 pontos); (ii) Eficiência
do Governo na Gestão do Risco Pandêmico (220 pontos); (iii) Capacidade de Detecção
e Rastreamento dos Casos (150 pontos); (iv) Prontidão do Sistema de Saúde (130 pontos);
(v) Resiliência Pandêmica (130 pontos), e Preparação para Emergências (150
pontos). Os detalhes do que representa cada uma dessas dimensões se encontram
especificados a seguir.
Eficiência da Quarentena
Os governos usam quarentenas para impedir a
propagação de doenças contagiosas. Quarentenas são necessárias para pessoas ou
grupos que não têm sintomas, mas que foram ou podem ser expostas à doença. A
quarentena mantém o distanciamento e evita a infecção generalizada por cortar a
cadeia de transmissão. Governos eficientes são aqueles que conseguem
administrar adequadamente o uso de quarentenas durante as pandemias e assim
podem salvar milhares de vidas no caso de pandemias com alta mortalidade como o
Covid-19.
A dimensão “eficiência da quarentena” no RSAI
mediu as informações disponíveis nos países relativas a: (i) escala ou
abrangência da quarentena, buscando saber se um número significativo de pessoas
foi protegido através delas, (ii) linha do tempo da quarentena, buscando
conhecer se estas foram aplicadas nos momentos mais oportunos; (iii)
penalidades estabelecidas para os que violam as quarentenas, tendo em vista
garantir que não há impunidade para aqueles que não cumprem suas ordenanças e
requisitos legais; (iv) medidas para apoiar economicamente os cidadãos durante
a quarentena, tais como abonos emergenciais e transferências monetárias para
garantia ou manutenção de renda durante o desemprego ou redução de atividades;
(v) medidas de suspensão de atividades econômicas de alto potencial de
transmissibilidade da doença durante a pandemia e (vi) restrições a viagens
domésticas e internacionais, com eventual fechamento de fronteiras.
Eficiência do Governo na Gestão do Risco
Pandêmico
A pandemia do COVID-19 é um grande desafio para
os governos, pois requer, desde o suporte à perda de renda dos cidadãos e a
ajuda para a manutenção de empresas em dificuldades, até o fortalecimento dos
serviços de saúde para o enfrentamento da pandemia. Requer, ainda, um nível sem
precedentes de colaboração, diplomacia e negociação entre os países para rastrear
casos e garantir o planejamento e o provimento adequado de testes e vacinas.
A atual crise demonstrou que a performance dos
governos durante a pandemia está vinculada a capacidade estatal de gerenciar
uma crise dessa proporção, e isto depende dos investimentos cumulativos que o
Estado realizou sobre sua capacidade de governar, gerenciar e manter uma
diplomacia sanitária de elevado nível político, comercial e técnico. Embora a
crise seja séria para todos, é especialmente um desafio para os países que
ignoraram os investimentos necessários para tornar o estado ágil, eficiente em
sua gestão pandêmica, e o comportamento adequado na diplomacia comercial.
Também é importante que o governo esteja livre de corrupção, clientelismo
político e conluio entre os poderes na gestão da pandemia.
A dimensão “eficiência do governo na gestão do
risco pandêmico” no RSAI é medida através de: (i) nível de segurança e
capacidade de resposta; (ii) rápida mobilização para emergências; (iii)
eficiência da estrutura governamental; (iv) sustentabilidade econômica das
ações do governo; (v) eficiência do poder legislativo e (vi) estabilidade e
harmonia política da estrutura do governo.
Capacidade de detecção e rastreamento de casos
Detectar casos e rastrear contatos requer que
os governos mantenham serviços especializados para supervisão, registro,
processamento e divulgação de casos, bem como garantam acesso ao suporte social
e médico para a continuidade do cuidado dos infectados, a confiança dos
pacientes e o acesso aos contatos de suas redes sociais para identificar novos
casos e bloquear a transmissão. Os serviços de vigilância epidemiológica devem
ser capacitados para compreender os termos e os princípios médicos da
exposição, infecção, período infeccioso, interações potencialmente infecciosas
e sintomas da infecção pré-sintomática e assintomática, bem como a realizar
entrevistas com potenciais infectados, sem violar sua confidencialidade. Esses
serviços devem ter imensa capilaridade territorial e devem ser sensíveis aos
aspectos sociais e culturais dos indivíduos e famílias para construir relações
e manter a confiança com pacientes e sua rede de contatos. Ao mesmo tempo devem
deter habilidades básicas de aconselhamento de crise e a capacidade de
encaminhar pacientes, com confiança, para que realizem exames e cuidados
adicionais na rede de serviços de saúde quando necessário.
A dimensão “capacidade de detecção e
rastreamento de casos” no RSAI é medida através de: (i) resiliência da
capacidade social de lidar com a emergência; (ii) experiência da capacidade de
mobilização militar em situações de emergência; (iii) capacidade dos serviços
de vigilância epidemiológica (em termos de escala de cobertura, abrangência e
sofisticação tecnológica); (iv) experiência prévia acumulada em outros
contextos de emergência.
Prontidão do Sistema de Saúde
Os sistemas de saúde são considerados prontos
para a resposta pandêmica quando: (a) a prevenção, o controle e a segurança dos
profissionais e serviços de saúde é a primeira regra da organização pandêmica;
(b) as necessidades de cuidados da população
enferma pela pandemia são atendidas de forma escalar, com leitos e equipamentos
em quantidade e qualidade suficiente, com o objetivo de minimizar a perda de
vidas; (c) a continuidade dos serviços essenciais e urgentes de saúde para a
população por outras causas não associadas ao Covid-19 é mantida para não
criar uma carga duplicada de mortalidade pela pandemia e pela não-resposta a
outras necessidades de saúde.
Para cumprir com estes objetivos, o governo deve
ampliar de forma planejada, ao início da pandemia, a capacidade instalada emergencial
para o tratamento pandêmico, através do uso de hospitais de campanha e da coordenação
de fluxo de leitos para melhor atender a todos os pacientes. A organização do
cuidado deve estar baseada em coortes de pacientes, de acordo com o grau de
gravidade dos sintomas, para evitar uma sobre utilização desnecessária de
leitos hospitalares, assim como para garantir métodos alternativos de prestação
de serviços para pacientes não-graves, inclusive através de cuidados por meios
virtuais, como a telemedicina.
Protocolos éticos detalhados para a tomada de
decisão deverão ser preparados durante todas as fases da pandemia. Profissionais
de saúde deverão ser mobilizados de outras localidades onde a pandemia está
mais controlada para o exercício em áreas onde sejam mais necessários.
A dimensão “prontidão dos sistemas de saúde” no
RSAI é avaliada através dos seguintes aspectos: (i) disponibilidade de
equipamento para o tratamento do Covid-19; (ii) quantidade e qualidade suficiente
das equipes de saúde; (iii) nível de avanço tecnológico do sistema de saúde; (iv)
capacidade de mobilizar recursos adicionais quando necessário; (v) continuidade
do cuidado e progressividade do acesso aos distintos níveis do sistema de
saúde; (vi) sistemas de avaliação epidemiológica avançados para a organização
eficiente dos cuidados.
Resiliência Pandêmica
As pandemias, por sua natureza, têm a
capacidade de ruptura dos sistemas de organização social existentes. Portanto,
a resposta pandêmica deve ser liderada pelos governos e suas agências. A
prioridade destes esforços deve ser retardar o progresso da infecção pandêmica
através da identificação, tratamento e isolamento de casos individuais. Os governos devem liderar esforços para que
às organizações civis possam comunicar e implementar boas práticas em torno de
protocolos de higiene, uso de equipamentos de proteção individual e mudanças
comportamentais para a segurança pandêmica. Devem garantir que os líderes e
gestores em todos os níveis de governo e da sociedade sejam claros sobre as
atividades prioritárias de organização e funcionamento da economia de acordo
com o risco pandêmico. Devem garantir flexibilidade e bem estar para que os
funcionários possam cumprir a escala de suas atividades de acordo com a
segurança pandêmica, implementando desde trabalho a domicilio até a garantia de
que o local de trabalho tenha suprimentos adequados de produtos de limpeza e
higiene em locais acessíveis e visíveis. Deve garantir que funcionários,
clientes e fornecedores estejam cientes da estratégia de continuidade pandêmica
da organização e arranjos de trabalho alternativos, e de que entendam como
podem ser afetados e envolvidos, designando equipes de liderança para monitorar
fontes oficiais de informação, assessoria e assistência do governo, da saúde e
de outras agências relevantes. Devem promover o uso das mídias sociais como
fonte de informações confiáveis coibindo o uso de notícias falsas.
A resiliência pandêmica é medida no RSAI
através de: (i) risco de espalhar a contaminação, (ii) grau de consciência para
a proteção e disciplina social; (iii) uso de métodos modernos de desinfecção;
(iv) demografia regional, (v) carga de doenças crônicas e comportamento de
risco; (vi) vulnerabilidade geopolítica regional.
Preparação para Emergências
Preparação e execução precoces de atividades de
prevenção são essenciais para detectar, conter, responder rapidamente e mitigar
a propagação de doenças infecciosas emergentes potencialmente perigosas. A
preparação para emergências no âmbito do RSAI foi medida através de: (i) grau
de resiliência da sociedade para a pandemia; (ii) experiência militar do país
na mobilização para emergências; (iii) capacidade dos sistemas de vigilância sanitária
e epidemiológica, e (iv) Experiências prévias do país na preparação para
emergências em geral.
Razões para a Péssima Posição do Brasil no Ranking
do RSAI
A análise da posição relativa do Brasil no
ranking do RSAI foi feita, a nível de ilustração, em comparação com alguns
países selecionados em posições melhores no índice, com os pontos alcançados em
cada uma destas dimensões. Foram escolhidos para este fim a Suíça (1ª posição),
Coréia do Sul (10ª posição), Vietnam (20ª Posição), Chile (41ª posição) e Estados
Unidos (58ª posição) como comparadores do Brasil (91ª posição). Estas posições
refletem o avanço dos países até junho de 2020 nas seis dimensões consideradas,
conforme pode ser visto na figura 2 (abaixo).
Dimensões |
Países (Pontuação e Ranking na Dimensão Considerada) |
|||||
Suíça |
Coréia
do Sul |
Vietnam |
Chile |
Estados
Unidos |
Brasil |
|
Eficiência na Quarentena |
144 (3º) |
118 (22º) |
128 (9º) |
99 (64º) |
96 (71º) |
96 (70º) |
Eficiência do Governo na Gestão do Risco |
188 (4º) |
176 (9º) |
149 (21º) |
151 (18º) |
100 (97º) |
99 (99º) |
Detecção
e Rastreamento de casos |
131 (10º) |
133 (7º) |
124 (15º) |
92 (64º) |
86 (86º) |
82 (91º) |
Prontidão do Sistema de Saúde |
101 (3º) |
84 (11º) |
65 (63º) |
66 (63º) |
65 (62º) |
67 (52º) |
Resiliência Pandêmica |
93 (9º) |
89 (15º) |
72 (86º) |
80 (58º) |
80 (54º) |
77 (76º) |
Preparação para Emergência |
95 (21º) |
111 (8º) |
101 (15º) |
63 (60º) |
103 (13º) |
49 (98º) |
|
752 (1º) |
712 (10º) |
637 (20º) |
|
|
470 (91º) |
Fonte:
elaboração do autor baseada nos dados de Deep Knowledge Group (2020).
As razões para este fracasso estão descritas em detalhe em Medici (2020b)[v], que mostra qual era a situação do Brasil em meados de junho de 2020 em relação a gestão pandêmica. Desde o início da pandemia o governo brasileiro foi ineficiente por negar o risco pandêmico e por não criar um mecanismo de coordenação entre esferas de governo para agilizar os recursos e insumos necessários para a redução do risco pandêmico e atuar na promoção de comportamentos adequados e prevenção de novos casos. Com isso, não se implementaram mecanismos para uma efetiva capacidade de resposta aos agravos da pandemia que exigiam um expedito esforço de mobilização para o enfrentamento da emergência. Além do mais, a estrutura do sistema de saúde governamental foi débil para se movimentar nesta situação emergencial, dado que o sistema de saúde brasileiro necessita de reformas gerenciais que estão congeladas há pelo menos duas décadas, sendo caracterizado pela sua crônica ineficiência.
Embora tenham sido mobilizados recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia, a capacidade de execução do gasto público do Ministério da Saúde e de outras esferas governamentais estaduais e locais, além de muito lenta, tem grandes riscos associados à corrupção no uso dos recursos na ponta da linha, fazendo com que a efetividade do gasto não tenha sido adequada nos primeiros meses da pandemia, como refletem os casos notórios de corrupção na compra de insumos para o Covid-19 ocorridos nos governos do Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, entre outros.
As disputas entre os argumentos técnicos do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, favorável ao controle pandêmico, e a posição do Presidente do país (Jair Bolsonaro) de negar a pandemia e estimular a população a desconsiderá-la como fator de risco, levou à demissão do Ministro Mandetta ainda em abril de 2020. Seu sucessor no Ministério (Nelson Teich) também não ficou nem um mês no posto, pedindo demissão em maio pela falta de autonomia e por discordar da propaganda assumida pelo Presidente no uso de medicamentos ineficazes (como a cloroquina) para a prevenção e tratamento da pandemia.
Além disso, ocorreram conflitos entre os três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal) dado que o Governo Federal não queria implementar medidas de prevenção como uso de máscaras e distanciamento social obrigatório, fazendo com que a autoridade dos governos locais ficasse diminuída para gerenciar esses temas frente a uma população indecisa que também se tornou dividida em relação a informação contraditória que recebeu de distintos níveis de governo sobre qual seria o comportamento mais adequado frente à pandemia.
O Brasil historicamente foi um país que deteve uma capacidade razoável de vigilância epidemiológica em contextos passados, mas essa capacidade foi sendo progressivamente deteriorada ao longo dos últimos anos pela falta de financiamento e capacitação de quadros técnicos nas secretarias estaduais e municipais de saúde para o cumprimento destas finalidades.
Comparando os scores alcançados nas seis dimensões do RSAI entre o Brasil e os Estados Unidos, verifica-se que existem posições muito similares, com exceção da dimensão “Preparação para Emergências” onde os Estados Unidos, com muito maior experiência e capacidade de resposta do que o Brasil, alcançou a 13ª posição no ranking mundial, comparada com a 98ª alcançada pelo Brasil. Mas isso não impediu que os Estados Unidos alcançasse, como país, o maior número mundial de casos e mortes.
O ex-presidente norte-americano Donald Trump teve, ao longo de 2020, uma posição muito similar a do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia[vi]. Em muitos episódios, como o de estimular que a economia continuasse em marcha mesmo sob o risco pandêmico, e como o de estimular o uso de medicamentos ineficientes e inapropriados como a cloroquina, o presidente brasileiro atuou quase que como um espelho do presidente norte-americano. Assim como ocorreu no Brasil, o governo Trump não conseguiu, nos primeiros meses da pandemia, testes suficientes para evitar um grande surto de coronavírus nos Estados Unidos. Trump, assim como Bolsonaro, minou os próprios esforços de seu governo para combater o surto de coronavírus, resistindo às tentativas das autoridades de saúde em planejar a continuidade do combate à pandemia nos piores cenários, derrubando os planos de saúde pública a pedido de aliados políticos e repetindo falas negacionistas em relação aos efeitos da pandemia.
O Covid-19 Performance Index (C19PI)[vii]
O objetivo do estudo realizado pelo Lowi Institute foi avaliar qual o impacto que a geografia, os sistemas políticos, o tamanho da população e o desenvolvimento econômico tiveram nos resultados do COVID-19 em todo o mundo, com base nos dados disponíveis até 9 de janeiro de 2021.
Para medir o desempenho relativo dos países em diferentes pontos da pandemia, O C19PI rastreou seis indicadores em 98 países para os quais os dados estavam disponíveis. Esses indicadores foram: (i) casos confirmados; (ii) mortes confirmadas: (iii) casos confirmados por milhão de pessoas; (iv) mortes confirmadas por milhão de pessoas; (v) casos confirmados como proporção de testes realizados; (vi) testes por mil pessoas. O período examinado abrangeu as 36 semanas que se seguiram ao centésimo caso confirmado de COVID-19.
O C19PI calculou médias ponderadas dos rankings desses indicadores para cada país em cada período, as quais foram padronizadas para construir uma pontuação que varia entre 0 (pior desempenho) a 100 (melhor desempenho). Coletivamente, esses indicadores apontariam para o quão bem ou mal os países administraram a pandemia nas 36 semanas que se seguiram ao seu centésimo caso confirmado de COVID-19. O desempenho por tipo de países foi calculado tomando a pontuação média de todos os países que se enquadraram na categoria relevante, onde as categorias foram determinadas com base em:
a) Região: (i) Ásia-Pacífico, (ii) Europa, (iii) Américas
e (iv) Oriente Médio-África;
b) Sistemas Políticos (democráticos, autoritários ou
híbridos, baseados no índice de democracia utilizado pelo The Economist
Intelligence Unit),
c) Tamanho populacional (menos de 10 milhões de habitantes,
entre 10 e 100 milhões de habitantes e mais de 100 milhões de habitantes)
d) Grau de desenvolvimento, de acordo com a classificação do World
Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (Economias Avançadas e
Economias em Desenvolvimento).
Avaliação Geral do C19P1
As análises do C19PI revelam dados interessantes que podem ser vislumbrados na Figura 3. Ao nível regional, os países da Ásia-Pacífico mostraram-se os mais bem sucedidos em conter a pandemia, mas a Europa, seguida dos Estados Unidos, não foram no mesmo caminho e passaram a liderar as taxas de contaminação durante boa parte dos 36 meses de investigação do índice. A Europa melhorou mais rapidamente ao longo do tempo do que os Estados Unidos, antes de sucumbir a uma segunda onda mais severa da pandemia nos meses finais de 2020. Enquanto isso, a propagação da pandemia se acelerou na Américas do Norte e na América Central e do Sul, tornando-as as regiões mais afetadas globalmente pela pandemia. Muitos países do Oriente Médio e da África conseguiram deter o progresso inicial da pandemia com medidas preventivas robustas e tiveram baixos níveis de infecção relativa na média das 36 semanas.
A natureza dos regimes políticos foi considerada nas decisões relacionadas ao controle da pandemia. As ferramentas para conter a disseminação do COVID-19, como as ordenanças para ficar em casa, lockdowns e fechamentos de fronteiras, deveriam parecer mais fáceis de serem obedecidas em países com modelos autoritários, mas na verdade não foi o que se observou. Apesar de exceções, como os Estados Unidos e o Reino Unido, os países com regime democrático tiveram mais sucesso em suas estratégicas de contenção da pandemia durante as 36 semanas em tela. Mas por outro lado, muitos regimes classificados como híbridos, como a Ucrânia, foram os menos capazes de enfrentar o desafio.
Figura 3 – Pontuação Média
dos países participantes do C19PI durante as 36 semanas de acompanhamento do
índice de acordo com características como Região, Sistemas Políticos, Tamanho
Populacional e Grau de Desenvolvimento, a partir dos dados do Lowi Institute
|
Sistema Político |
(Milhões) |
Grau de Desenvolvimento |
||||
Nome |
Pontos |
Tipo |
Pontos |
Tamanho |
Pontos |
Grau |
Pontos |
Ásia-Pacífico |
58,2 |
Democráticos |
50,8 |
Até
10 |
56,5 |
Avançados |
57,4 |
Europa |
51,0 |
Autoritários |
49,2 |
De 10 a 100 |
47,2 |
Em Desenvolvim. |
44,5 |
Américas |
49,0 |
Híbridos |
41,6 |
Mais
de 100 |
31,7 |
- |
- |
O.Médio-África |
33,8 |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
Fonte: elaboração do autor
baseada nos dados do C19PI do Lowi Institute (2021).
O “tamanho populacional” de um país é um outro fator importante nos níveis de performance pandêmica, dado que as fronteiras internas (entre estados, departamentos ou regiões, a depender da divisão política utilizada em cada país) são muitas vezes mais abertas e porosas em países de grande dimensão do que as fronteiras internacionais, facilitando a disseminação do vírus dentro de países com populações maiores. Os dados revelam que, em média, quanto menor a população do país, maior a probabilidade de que sua performance pandêmica tenha sido melhor de acordo com a análise relacionadas a 36 semanas de comportamento dos indicadores selecionados pelo C19PI.
Por fim, quanto ao “grau de desenvolvimento”, os países avançados, com maior renda per capita, com mais recursos disponíveis e tecnologias médicas e de gestão para combater a pandemia COVID-19 apresentaram melhor desempenho na gestão da crise pandêmica. Mesmo assim, muitos deles tiveram dificuldades em lidar com o surto inicial da pandemia e com os desdobramentos da segunda onda da pandemia. Ao mesmo tempo, alguns países em desenvolvimento, conseguiram ter liderança e senso de urgência na performance de medidas preventivas após a escala e a gravidade da crise global se tornarem conhecidas. Como as medidas de prevenção básica – distanciamento social, uso de máscaras e lockdowns requerem baixa tecnologia, houve um certo nivelamento entre países avançados e em desenvolvimento na gestão pandêmica. Mas o processo desigual de acesso a vacinação para o Covid-19 poderá dar aos países mais ricos uma vantagem comparativa nos esforços de recuperação da crise deixando os países mais pobres lutando contra a pandemia por mais tempo.
Avaliação Específica do C19PI por País
Como visto anteriormente, durante as 36 semanas que decorreram após os 100 primeiros casos registrados de Covid-19 o Brasil foi classificado no C19PI como o país que se encontrou na pior posição entre os que detinham dados para calcular o índice. A figura 4 mostra o ranking, o país e sua pontuação média ao longo das 36 semanas de avaliação do índice. Verifica-se que o Brasil (98ª no ranking global) ficou muito próxima a de países ricos como os Estados Unidos (94ª posição) e Espanha (78ª posição).
Posição |
País |
Pontos |
Posição |
País |
Pontos |
Posição |
País |
Pontos |
1 |
Nova Zelandia |
94,4 |
34 |
C. do Marfim |
57,9 |
67 |
Bulgaria |
37,4 |
2 |
Vietnam |
90,8 |
35 |
Emir. Árabes |
57,5 |
68 |
Marrocos |
37,1 |
3 |
Taiwan |
86,4 |
36 |
Senegal |
55,9 |
69 |
Paquistão |
36,9 |
4 |
Tailandia |
84,2 |
37 |
Suécia |
55,5 |
70 |
Nepal |
36,6 |
5 |
Chipre |
83,3 |
38 |
Zimbabwe |
54,9 |
71 |
Costa Rica |
35,8 |
6 |
Ruanda |
80,8 |
39 |
R. D. Congo |
54,9 |
72 |
Bélgica |
35,6 |
7 |
Islandia |
80,1 |
40 |
Madagascar |
54,2 |
73 |
França |
34,9 |
8 |
Australia |
77,9 |
41 |
Ghana |
53,8 |
74 |
Turquía |
34,3 |
9 |
Latvia |
77,5 |
42 |
Austria |
51,8 |
75 |
Holanda |
33,5 |
10 |
Ceilão |
76,8 |
43 |
Irlanda |
51,3 |
76 |
Rússia |
32,0 |
11 |
Estonia |
76,4 |
44 |
Bahrain |
50,2 |
77 |
Libia |
31,7 |
12 |
Uruguay |
75,8 |
45 |
Japão |
49,2 |
78 |
Espanha |
31,2 |
13 |
Singapura |
74,9 |
46 |
Etiopia |
49,1 |
79 |
Filipinas |
30,6 |
14 |
Malta |
73,3 |
47 |
Cazaquistão |
49,0 |
80 |
Kuwait |
28,9 |
15 |
Togo |
72,8 |
48 |
Quênia |
48,2 |
81 |
Romania |
25,4 |
16 |
Malaysia |
71,0 |
49 |
Nigeria |
47,4 |
82 |
África do Sul |
25,4 |
17 |
Finlandia |
70,4 |
50 |
Qatar |
47,1 |
83 |
Iraque |
25,2 |
18 |
Noruega |
70,0 |
51 |
Servia |
48,0 |
84 |
Bangladesh |
24,9 |
19 |
Lituania |
69,7 |
52 |
Hungria |
46,3 |
85 |
Indonesia |
24,7 |
20 |
Coreia do Sul |
69,4 |
53 |
Suíça |
46,3 |
86 |
India |
24,3 |
21 |
Tunisia |
66,7 |
54 |
Croacia |
45,9 |
87 |
R. Dominic. |
23,8 |
22 |
Eslováquia |
64,5 |
55 |
Alemanha |
45,8 |
88 |
Guatemala |
22,6 |
23 |
Dinamarca |
62,9 |
56 |
El Salvador |
43,0 |
89 |
Chile |
22,0 |
24 |
Myanmar |
62,3 |
57 |
Namibia |
42,0 |
90 |
Ucrânia |
20,7 |
25 |
Maldivas |
61,0 |
58 |
Paraguai |
40,9 |
91 |
Oman |
20,3 |
26 |
Mozambique |
60,2 |
59 |
Italia |
40,4 |
92 |
Panamá |
19,7 |
27 |
Malasia |
60,2 |
60 |
Bielorussia |
39,7 |
93 |
Bolivia |
18,9 |
28 |
Trin. e Tobago |
59,8 |
61 |
Canadá |
39,5 |
94 |
USA |
17,3 |
29 |
Zambia |
59,8 |
62 |
Israel |
39,5 |
95 |
Iran |
15,9 |
30 |
Uganda |
58,7 |
63 |
Portugal |
38,9 |
96 |
Colombia |
7,7 |
31 |
Jamaica |
58,6 |
64 |
Arábia Saudita |
38,5 |
97 |
México |
6,5 |
32 |
Grecia |
58,4 |
65 |
Polonia |
38,4 |
98 |
Brasil |
4,3 |
33 |
Eslovênia |
58,1 |
66 |
Reino Unido |
37,5 |
|
|
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Fonte: Elaboração do autor baseada nos dados do C19PI do Lowi
Institute (2021).
Por todas as características anteriormente descritas, observa-se que não há um padrão claro entre países no que se refere à performance dos indicadores pandêmicos que possa estar associado à renda ou nível de desenvolvimento e muitas das características anteriormente analisadas rompem padrões esperados de comportamento pandêmico.
Porquê o Brasil foi tão mal na performance pandêmica?
Uma história detalhada de como o Brasil fracassou no combate a pandemia do Covid-19 ainda está para ser escrita. Mas em essência, ela pode ser sintetizada no que se encontra em Medici (2020b):
A essência do processo que levou ao rápido e sustentado crescimento dos
casos de Covid-19 no Brasil e em alguns outros países decorre de visões enraizadas
no comportamento desviante e beligerante de seus governantes frente a problemas
que necessitam, além de um enfoque humanista, de coordenação eficiente a partir
de uma base técnico-científica de resposta, cabendo destacar: (i) a falta de
governança e articulação entres as esferas públicas (níveis de governo e
instâncias federativas) sobre temas relacionados ao entendimento e à gestão da
pandemia; (ii) as falhas de comunicação entre os governos e a população, bem
como debilidades na elaboração e no cumprimento de normas de urgência pandêmica,
e; (iii) o entendimento equivocado de que há uma contradição entre desempenho
da economia e controle da pandemia, já que setores relevantes do governo
consideram que medidas de distanciamento social (mesmo de curto prazo) levariam
à crise econômica, quando na verdade, a não adoção ou a adoção parcial dessas
medidas produziria insegurança da população em voltar ao trabalho e consumir, e
dos agentes econômicos em investir, resultando na paralisia das atividades econômicas
por tempo indeterminado.
O Brasil, ao ser um país de grande porte, com fronteiras internas abertas (em nenhum momento voos domésticos ou estradas foram fechadas no Brasil durante a pandemia) deveria ter se antecipado com medidas de controle de comportamento pandêmico, como o distanciamento social, a obrigatoriedade do uso de máscaras, a aplicação precoce e massiva de testes, a triagem dos casos positivos, a criação de barreiras sanitárias entre estados e cidades nas maiores vias de acesso, o policiamento para evitar aglomerações em festividades em locais públicos, e o uso de medidas de desinfecção nos locais onde há maior exposição ao vírus. Mas a ausência e a falta de resiliência em manter pelo prazo necessário um conjunto coerente de medidas como essas levou o país a ser ainda mais duramente afetado pela pandemia entre junho de 2020 e janeiro de 2021.
Soma-se a isso tudo a gestão desastrada do Ministério da Saúde, principalmente após as trocas de ministro realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, colocando no comando da pasta um ministro militar, sem nenhum histórico de conhecimento sobre pandemias ou experiência na condução de emergências sanitárias. Pior ainda, um ministro sem nenhuma autonomia para contratar especialistas que pudessem ajuda-lo a tomar medidas acertadas, em geral contrárias às concepções superficiais e equivocadas do presidente da república em relação a pandemia[viii]. O novo ministro foi o primeiro a revisar os protocolos de utilização da cloroquina, recomendando oficialmente esse medicamento para o tratamento precoce da infecção pelo Covid-19 e indo na direção contrária de todos os estudos clínicos e protocolos internacionais. A recomendação de uso precoce da cloroquina no tratamento gerou um adesismo ao medicamento pelos adeptos do presidente e trouxe muitos riscos à população brasileira, principalmente por suas contra-indicações a pacientes com determinadas condições clínicas. Entre a coleção de equívocos na prevenção e tratamento da doença, ainda se destacam:
Falta de medidas de controle da pandemia como lockdowns e barreiras sanitárias
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF)
tenha determinado que governos estaduais e locais tenham a prerrogativa de
implementar as medidas necessárias ao controle pandêmico, ainda em maio de
2020, muito poucos estados e municípios aderiram de fato a estas modalidades
ou, mesmo aderindo retoricamente ou no papel, não tiveram condições reais de implementá-las
ou as implementaram em caráter parcial ou anedótico, não contando com
expressiva adesão da população.
Áreas que tiveram condições de implementar algum nível de controle pandêmico não são representativas do que ocorreu no país, como é o caso do arquipélago de Fernando de Noronha (pertencente ao Estado de Pernambuco) que foi a primeira localidade do país a decretar um lockdown a partir de 20 de abril de 2020, depois de terem sido confirmados 28 casos na localidade esgotando a capacidade de atendimento do único hospital do arquipélago.
Logo após a determinação do STF, algumas capitais estaduais como Recife, Fortaleza, Belém e São Luís iniciam em maio lockdowns parciais. O governador do Estado de Pernambuco decretou um lockdown parcial adicional em alguns municípios do Estados onde as taxas de contaminação estavam mais elevadas entre 16 de abril e 31 de maio, sendo a medida realizada também em outros municípios em 23 de junho.
No Estado do Maranhão foi realizado em quatro cidades um lockdown parcial entre os dias 2 e 17 de maio de 2020. No Estado do Pará, medida similar foi realizada na Região Metropolitana
de Belém e na ilha de Marajó e num total de 21 cidades durante 10 dias (entre 1º
e 10 de maio). No Rio de Janeiro o lockdown foi adotado no Município de Niterói
a partir de 10 de maio, que já contava com 93% dos leitos ocupados por conta do
Covid-19. Seguiu-se os Municípios de São Gonçalo e Campos dos Goitacazes, mas
todos eles por períodos inferiores a 10 dias.
No Amazonas o lockdown iniciou-se em 5 de maio com término em 15 de maio, mas somente no horário entre 15:00hs e 6:00hs da manhã, nas cidades de Tefé, Barreirinha, Silves e São Gabriel da Cachoeira. Em Minas Gerais ocorreram processos de lockdown em Barbacena e Jaboticatubas (neste caso somente no final de semana). No Mato Grosso do Sul, a cidade de Guia Lopes da Laguna anunciou um lockdown em 7 de maio, quando um frigorífico confirmou cinco casos e demitiu seus 300 funcionários. No Amapá foram determinados em sua capital (Macapá) rodízios de circulação de veículos e algumas barreiras sanitárias e lockdowns parciais em outras 16 cidades. No Estado de Tocantins foi decretado lockdown parcial em 33 cidades a partir de 16 de maio por sete dias. No Paraná, apenas a cidade de Campina Grande do Sul teve decretado um lockdown entre 13 e 29 de maio. Como retardatário deste processo esteve o Estado da Paraíba, onde foi decretado lockdown nos municípios da Região Metropolitana de João Pessoa por 10 dias a partir de 4 de junho.
A continua e prolongada baixa performance em testes para a identificação e rastreamento de casos
Entre um conjunto de 202 países, o Brasil era, em 18 de fevereiro de 2021[ix], o 35º com maior número de casos de covid per-capita, mas era também o 117º em número de testes per-capita. Sendo o terceiro país com o maior número absoluto de casos acumulados e o segundo com o maior número de mortes acumuladas por Covid-19 até fevereiro de 2021.
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados do Wordometers de 18 de fevereiro de 2021
A figura 5
mostra a posição do Brasil (ponto vermelho) na correlação entre o número de
casos de Covid-19 por 1 milhão de habitantes e o número de testes realizados
por um milhão de habitantes, entre os países com mais de um milhão de
habitantes.
Seguindo a média ajustada da distribuição
evidenciada no gráfico, era de se esperar que o país tivesse realizado pelo
menos um número de testes quase quatro vezes maior do que realizou (133946 por
milhão em 18-02-2021) durante todo o transcurso da pandemia para detectar, com
maior segurança, aonde os casos se originam e rastrear o transcurso da
população infectada como forma de evitar a propagação de novos casos, mas isto
foi negligenciado pelas autoridades de saúde pública no país.
Desde maio de 2020, profissionais da área da saúde alertaram sobre a falta de planejamento na compra dos exames de diagnóstico, dado que o SUS não foi equipado com os insumos necessários para obter capacidade de análise de todos os testes comprados pelo governo. Assim, embora o Brasil tenha importado, sob autorização da ANVISA, um maior número de testes RT-PCR para a detecção do coronavírus a partir do segundo semestre de 2020, estes, de acordo com os dados dos fabricantes, estariam com seus prazos de validade vencendo.
Mas, ao invés de realizar um tour-de-force para aplicar os 6,5 milhões de testes comprados em estoque e reduzir nosso “gap” em testagem para o Covid-19, o governo decidiu prolongar forçadamente o prazo de validade dos testes, passando, os que venciam em dezembro de 2020 para abril de 2021, e os que venciam em janeiro de 2021 para maio do mesmo ano. Os testes estão armazenados em um galpão do Ministério da Economia no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Além destes 6,5 milhões de testes do Ministério da Saúde, ainda se estima que existem cerca de outras três milhões de unidades de teste guardadas em posse dos Estados que igualmente não podem ser aplicadas pela falta de insumos necessários (como reagentes) e falta de capacitação de profissionais de saúde para a aplicação e análise dos testes.
Falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para profissionais de saúde
A segurança profissional do pessoal de saúde, através de EPI, é essencial para que se mantenha um fluxo de atendimento a pacientes de Covid-19 nas instituições de saúde. Mas o Brasil tem sido um dos recordistas na falta de EPI durante a pandemia. Estudos realizados pela UFRJ em abril de 2020 mostravam que, nos primeiros meses da pandemia, a falta de EPI entre profissionais de saúde no estado do Rio de Janeiro levou a taxas de infecção dos profissionais de saúde no tratamento do Covid-19 em até 25%, valores maiores do que o de todos os países que estavam em situações mais graves de contaminação naquele período, como Espanha e Itália. A situação não tem sido resolvida até meados de 2021.
Segundo informação registrada no Jornal O Globo, de 26 de janeiro de 2021, quase mil profissionais de saúde foram mortos pela Covid-19 em pouco mais de 10 meses da pandemia, de acordo com dados oficiais, representando uma média de três profissionais por dia desde o primeiro registro de óbito, ocorrido em 12 de março, segundo dados do próprio Ministério da Saúde.
O Conselho Federal de Enfermagem (COFEM) destacou, em matéria publicada pela Rede Brasil em 27 de janeiro de 2021, que as mortes de enfermeiros pela covid-19 cresceram 600% em menos de dois meses. Em todo o país, até 31 de dezembro de 2020, foram registrados 47.335 casos de Covid-19 entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e obstetrizes, dos quais 525 morreram. Segundo nota dos trabalhadores de enfermagem, “decorridos 11 meses de pandemia no país, permanecemos ocupando a primeira posição entre os países que mais matam profissionais de enfermagem no mundo, alcançando a triste proporção de um terço dessas mortes”.
Ainda que tenham ocorridos fortes disputas comerciais sobre estes EPI, como destacou o ex-ministro Mandetta em abril de 2020, o Brasil não foi eficiente até o final do ano em solucionar os gargalos de importação para estes equipamentos, ficando o conjunto de profissionais de saúde do país dedicado ao Covid-19 com um grau de desproteção acima do normal. Embora a vacinação dos profissionais de saúde possa garantir mais segurança, até meados de fevereiro de 2021 ela não tinha alcançado níveis muito significativos. Tomando como exemplo o caso da cidade de Manaus, epicentro de uma das maiores crises da pandemia no país, somente 1150 dos mais de 20 mil profissionais de saúde na cidade haviam sido imunizados até fins de janeiro do corrente ano.
Falta de insumos e equipamentos básicos para o tratamento do Covid-19
Na mesma direção da gestão caótica dos EPI, o sistema público de saúde no Brasil não fez a provisão necessária de equipamentos médicos e insumos para o tratamento da Covid-19, acarretando em problemas, como a falta de ventiladores e esgotamento da capacidade de leitos em muitos hospitais públicos, até os episódios recentes de falta de oxigênio em vários hospitais do país, principalmente no município de Manaus, com efeitos no aumento da mortalidade e na deterioração dos tratamentos dos casos graves de Covid-19.
A Resposta do SUS
Além da sobrecarga das redes de saúde trazidas pelos problemas anteriormente identificados, o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem dado boas respostas ao tratamento de casos do Covid-19, dado que, além de todos os problemas associados a pandemia, a gestão do SUS tem sido historicamente caótica, descoordenada e ineficiente, embora possa ser melhor em alguns Estados e Municípios do que em outros. Ao longo do tempo, tem sido difícil para os gestores do SUS, e para aqueles que recebem seus salários e pagamentos direta ou indiretamente desse sistema, dizer que há um problema de ineficiência. Preferem jogar toda a culpa na “histórica falta de financiamento ao sistema”. Mas não precisa ser um engenheiro hidráulico para saber que aumentar a pressão de água num sistema de tubulações cheio de vazamentos, somente aumenta o volume da água que se perde. Se há necessidade de mais recursos para o SUS, estes deveriam ser alocados, mas antes é necessário um plano de reformas para que o sistema seja consertado e deixe de ter vazamentos.
De acordo com Freitas, C.M et al (2020)[x], “a inexistência e a fragilidade dos sistemas públicos de saúde não oferecem a resiliência necessária para o enfrentamento da pandemia. Apesar do Sistema Único de Saúde (SUS) ser um sistema universal de saúde, com acesso previsto a todos os que necessitam, só dois governos estaduais incluíram nos decretos medidas para garantir atendimento público para todos que necessitarem em um contexto que exige o amplo acesso das populações aos serviços de saúde. Barreiras históricas como sub financiamento de décadas e ações para desestruturação do SUS nos últimos anos limitam a resiliência do SUS e sua capacidade de responder aos problemas e necessidades colocadas pela pandemia no âmbito da vigilância em saúde, da atenção primária em saúde, bem como da atenção hospitalar, urgências e emergências”.
Existem exemplos práticos de como essas ineficiências tem operado, inclusive nos recentes casos de atendimento à pandemia. Além dos casos caóticos de como o SUS do Amazonas respondeu ao Covid-19, registrando um número extraordinário de mortes pelo esgotamento da capacidade de tratamento dos hospitais, outros fatos devem ser destacados. Um estudo recente da médica sanitarista Lígia Bahia, de acordo com informações relatadas em reportagem publicada no Globo, de autoria de Ana Lucia Azevedo e Felipe Grinberg[xi], revela o paradoxo do Município do Rio de Janeiro, que deveria ter uma das melhores respostas a pandemia porque tem mais leitos e mais médicos por habitante do que São Paulo e Manaus, mas está pior do que ambos, por problemas de má gestão. Entre as capitais, o Rio de Janeiro é o município com a maior taxa de mortes por 100 mil habitantes por Covid-19 (256,31), seguido por Manaus (255,41) e Cuiabá (216,80). O município de São Paulo, apesar de ter maior número absoluto de casos, tem uma mortalidade por 100 mil habitantes sensivelmente menor (141,47).
Segundo a autora do estudo, a situação é ainda mais absurda porque o Rio tem 5,99 médicos por mil habitantes, comparado com 2,30 em Manaus e 5,61 em São Paulo. O Rio também tem mais leitos por habitantes do que Manaus e São Paulo: 8,72 por dez mil habitantes contra 4,86, e 6,90 nas duas outras cidades, respectivamente. O município do Rio de Janeiro abriga uma das maiores redes do SUS, ao nível nacional, mas paradoxalmente entrega menor cobertura e uma saúde de menor qualidade para a sua população. Segundo o estudo, a desarticulação entre as redes municipal, estadual e federal do SUS no Rio ajudou a amplificar a letalidade do coronavírus na cidade, mas outros fatores como a má gestão do último prefeito – Marcelo Crivella - que desmontou redes de atenção básica, e deixou de financiar recursos humanos e leitos hospitalares, podem ter contribuído para esta situação de caos na gestão do tratamento da pandemia no Município. O novo secretário municipal de saúde – Daniel Soranz – tenta contornar o problema através de soluções já utilizadas em outros municípios, como a unificação das centrais de regulação de leitos e a reabilitação de leitos desativados, como os do Hospital de Bonsucesso.
Aonde estamos e para aonde vamos?
Como foi discutido ao longo desse texto, são muitos os motivos que fazem a performance da gestão pandêmica no Brasil ter atingido recordes de maus resultados, os quais são conhecidos e lamentados por todos, ano nível mundial, mas que os brasileiros não levam muito a sério.
No dia 18 de fevereiro de 2021, o Brasil era o segundo país no número de novos casos diários (51050) e no número de novas mortes diárias (1155), seguindo os Estados Unidos que, apesar da rápida queda nos níveis de infecção observados nos últimos dias, continua liderando as estatísticas de infecção pelo Covid-19. Para um país que detém apenas 3% da população mundial, o Brasil alcançou 13,4% do número de novos casos diários e 11,3% do número de novas mortes diárias, naquele dia.
Com um número ainda elevado de casos, o Brasil tem sido um dos locais apropriados para a geração de novas variantes do vírus, as quais podem ser transmitidas de forma mais rápida e serem mais letais, gerando desafios para as novas vacinas que estão sendo preparadas para a imunização pandêmica.
A figura 6 mostra a comparação entre a evolução do número de novos casos diários do Covid-19 ao nível mundial e ao nível do Brasil.
Figura 6 – Evolução do número de casos
diários de Covid-19 no Mundo (gráfico à esquerda) e no Brasil (gráfico à direita) – 22-01-2020 a 15-02-2021 (Média Móvel de 7 Dias)
Fonte:
Wordometers, acesso em 19-02-2020.
Pode-se verificar que desde 7 de janeiro de 2021 começa a ocorrer, ao nível mundial, uma redução mais intensa no número de novos casos diários, o que representa o desinflar da segunda onda pandêmica em muitos países, especialmente na Europa e Estados Unidos. Mas o Brasil parece estar ainda na crista da segunda onda pandêmica, com reduções muito tênues no número de casos diários a partir da terceira semana de janeiro de 2021.
O crescimento sem freios governamentais da pandemia no Brasil, faz com que o país apresente, desde o início de janeiro de 2021, novas variantes do coronavírus já identificadas em nove estados, entre eles, Rio de Janeiro, Ceará, Espírito Santo, Pará e São Paulo. No Município de Araraquara (SP), por exemplo, a nova variante já impacta um número significativo de casos que trouxeram a ocupação de todos os leitos disponíveis na cidade e, por isso, foi decretado lockdown por 15 dias em fevereiro de 2021. Essas novas versões do vírus – mais transmissíveis ou mais letais - poderão reduzir o ritmo esperado da saída da segunda onda e prorrogar a manutenção de um grande número de casos diários, com efeitos na mortalidade, na morbidade, na economia e na necessidade de continuar com medidas intensas de distanciamento social. Somente uma vacinação em massa poderia garantir uma redução segura das taxas de infecção pandêmica, mas isso também está difícil de ocorrer.
Quem sabe, a pandemia poderia ter
sido atenuada nos últimos dois meses se o país tivesse se antecipado às
necessidades, hoje urgentes, de compra de vacinas? Conforme mostra a Figura 7, o Brasil, até 18
de fevereiro, havia vacinado quase 3% de sua população. Se não houvesse o
ímpeto do governo estadual de São Paulo em se antecipar, conveniar, comprar vacinas
e insumos e começar a produzir a CoronaVac da China no Instituto Butantã, o
país não teria sequer iniciado o processo de vacinação que ainda caminhava
lentamente em meados de fevereiro de 2021. Iniciativas como a da produção da
Vacina Oxford-AstraZeneca vem a reboque, dada a ineficiência nos processos de
compra dos insumos necessários para sua produção, fazendo com que só esteja disponível,
provavelmente, para fins do primeiro trimestre de 2021. Uma rápida e eficiente
vacinação da população brasileira, até fins de junho de 2021, com as duas doses
aplicadas, poderia ser um fator de renovação das esperanças de que o país
poderá acelerar sua saída do ciclo recessivo da pandemia.
[i] Ver WHO, International Health
Regulations, link https://www.bing.com/search?q=international+health+regulations&form=WNSGPH&qs=AS&cvid=f05a5b685ff045c4a6ff551612a68b28&pq=International+Health+Regulations&cc=US&setlang=es-MX&PC=LCTS&nclid=171C0B9088BC6DC8B25468727163266B&ts=1613079151484&elv=AY3%21uAY7tbNNZGZ2yiGNjfOUx4JQau*jBnhxVGBapZltu9EBmCIQNxYRXPnJ3UQcuwT4kAW59oviJKj*KQ2AJ2mNlHBoKh21GPwK7l6y8bmJ&wsso=Moderate
[ii] Ver Medici, A.C. (2020a), Informações preliminares sobre o estado de preparação para o Covid-19 e outras eventuais pandemias na América Latina e Caribe, in Blog Monitor de Saúde, Ano 14, No. 102, Março de 2020, Link: https://monitordesaude.blogspot.com/2020/03/informacoes-preliminares-sobre-o-estado.html.
[iii] Deep Knowledge Group (2020),
COVID-19 Regional Safety Assessment: Big Data Analysis of 200 Countries and Regions,
COVID-19 Safety Ranking and Risk Assessment. Link: http://analytics.dkv.global/covid-regional-assessment-200-regions/full-report.pdf
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