Ano 15, No. 115, Fevereiro de 2021
A Economia da Saúde é um campo novo
de conhecimento e, no Brasil, é ainda mais novo. Temas econômicos de saúde, não na academia, mas no cotidiano e na imprensa, começaram a ser discutidos ainda nos anos setenta, de forma muito embrionária,
por médicos como o Dr. Carlos Gentile de Melo.
Mas foi somente no final
dos anos oitenta que um grupo de economistas, conjuntamente com técnicos de
outras áreas e profissionais de saúde, do governo e da sociedade civil,
começaram a se estruturar para discutir estes temas e coloca-los como
relevantes no processo de como melhorar a atenção a saúde no Brasil e universalizar a cobertura, especialmente a partir dos preparativos da Constituição de 1988.
Um dos pioneiros neste tema foi o Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho Campino, o qual gentilmente nos agraciou com uma longa entrevista ao Monitor de Saúde que publicamos nesta postagem, falando sobre as origens do tema da economia da saúde no Brasil, sua evolução e a avaliação de como este campo de conhecimento se encontra hoje em dia e pode contribuir para a estrutura e funcionamento adequado do sistema de saúde no Brasil.
O Prof. Campino é titular de
Economia da Faculdade de Economia, Administração de Empresas e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA/USP), onde no momento ensina Economia da Saúde ao nível de pós-graduação, e Demografia Econômica, no nível de graduação, tendo
ensinado diversas disciplinas nesta instituição relacionadas à áreas de economia aplicada.
Entre as posições que ocupou no
Brasil, foi Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), entre 2000 e 2002, Diretor de Pesquisa (1983-1987) da
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), vinculada à FEA/USP. Foi chefe do Departamento de Economia da
Universidade de São Paulo - USP (1987/1989) e membro do Conselho Universitário da USP (1984-1988). Além desses
cargos, foi membro do
Conselho Curador da Fundação de Apoio a Faculdade de Educação (FAFE), entre 1998 e 2002, membro do Conselho Curador da Fundação
Oncocentro, pertencente ao Estado de São Paulo e dedicada a pesquisa na
área de oncologia (1984-1989) e Presidente do Conselho Curador da mesma
Fundação, entre 1986 e1988.
Dada sua experiência nas áreas de economia
da saúde e economia da alimentação e nutrição, o Prof. Campino ocupou relevantes
posições internacionais, destacando-se as de Fellow da Kellogg international
in Food Systems, entre 1986 e 1989 e Assessor Regional em Economia da
Alimentação e Nutrição (1989-1990). Foi também Assessor Regional em Economia da Saúde da Organização
Pan-Americana da Saúde - OPAS/OMS, em Washington, DC, entre 1990 e 1994.
Monitor de
Saúde (MS) - A economia da saúde tem, como marco de sua fundação,
nos anos 1960, o famoso trabalho de Keneth Arrow[1],
intitulado “Uncertainty and the welfare economics of medical care”,
publicado em 1963 na American Economic Review. Embora o tema deste
trabalho seminal de Arrow esteja vinculado a questões como riscos morais no
processo de asseguramento de saúde, decorrentes de assimetrias de informação
entre financiadores, produtores e consumidores de atos médicos ou detentores de
apólices de seguro de saúde, muitos outros temas foram acrescentados na
economia de saúde ao longo dos últimos 50 anos. Quais os temas que o Sr. Julga
mais relevantes para a economia de saúde atualmente, no contexto global e no
contexto brasileiro?
Antonio Carlos Campino (ACC) - A ocorrência do Covid-19 manifestou-se pela publicação de um grande número de artigos sem peer review, muitos em áreas que não são da Economia da Saúde, mas esta área, após o restabelecimento do processo normal de revisão de artigos, vai gerar o surgimento de um grande número de artigos acadêmicos sobre os impactos econômicos da quarentena, sobre o custo do tratamento dos pacientes do Covid-19 e sobre a perda de capital humano devida as mortes de pessoas por essa doença.
Chamo a isto de uma onda de curto
prazo. Mas ao lado desta, há uma onda
de longo prazo. É extremamente importante considerar a transição
demográfica vivida pelos países da Europa, pela Inglaterra, pelos Estados
Unidos, pelos países da América Latina e do Caribe e pelos países da Ásia. No
caso da América Latina é impressionante como essa transição se processou após
os anos 1970, de tal forma que hoje no Brasil, por exemplo, a taxa de
fecundidade total é da ordem de 1,7 filhos, ou seja, uma mulher em média tem
menos de dois filhos durante sua vida reprodutiva e, em consequência, a
população deverá decrescer, segundo as estimativas do IBGE, a partir de 2040. O
único continente em que a transição demográfica está se processando de maneira
mais lenta é a África.
A consequência desse processo de transição demográfica do ponto de vista
de saúde é o envelhecimento da população e a redução da população jovem. Do
ponto de vista dos profissionais de saúde, isto implica que haverá uma demanda
maior por geriatras e por especialistas em doenças crônicas não transmissíveis,
como diabetes e problemas coronarianos, e haverá uma demanda menor por
pediatras e ginecologistas.
Quando pensamos nas consequências para o setor saúde e nos aspectos
relevantes de pesquisa em saúde não existe, em realidade, essa situação do tipo
“público x privado”, porque mesmo um país em que a cobertura pelo setor público
é extremamente importante - e sempre é citado a Inglaterra com seu National
Health Service (NHS) - ainda assim há um pequeno segmento da população que
é atendido por seguradoras privadas de saúde. E os Estados Unidos,
frequentemente apresentado como o país em que a atenção de saúde é toda feita
através do setor privado, conta com uma cobertura importante dada pelo Medicare
e pelo Medicaid. No caso do Medicare, com o envelhecimento da
população e o desenvolvimento crescente de tecnologias mais caras por parte das
empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos, o custo desse programa deverá aumentar
significativamente.
Começarei a minha discussão por aqueles países em que o setor público é
o mais importante. Nesse caso situam-se o Reino Unido e países da União
Europeia. Nesses países é extremamente importante dedicar-se a estudos de como
melhorar o gerenciamento e a administração dos programas públicos de saúde, de
forma que eles sejam eficientes e que os recursos aplicados permitam a
manutenção dos equipamentos, melhor atenção aos pacientes e a redução de filas,
uma vez que a permanência de filas dos programas públicos é um elemento
de custo importante para a população.
A tecnologia é parte do processo de produção e consumo e as inovações na
pesquisa médica são influenciadas por forças de mercado e pelas descobertas
científicas. Portanto, é bastante importante a avaliação de tecnologias de
saúde com o uso de análise econômica, como análise de custo-efetividade,
análise de custo utilidade e análise de custo-benefício.
É importante que o setor público estabeleça claramente os critérios que
utilizará para a aprovação daqueles medicamentos e tecnologias que serão
financiados por esse setor. É emblemático o caso do NICE - National
Institute for Health and Care Excellence - no Reino Unido, para quem os
proponentes de novas tecnologias devem considerar como a qualidade de vida é
incorporada na análise econômica e os métodos necessários para avaliar a
efetividade clínica e o custo.
No Brasil e em muitos países não há uma especificação clara, nem da
metodologia a ser utilizada, nem dos limites a serem considerados. Países têm
considerado a sugestão da OMS de aprovar tecnologias que custem entre 1 e 3
vezes o PIB per capita do país, mas esse é um limite bastante debatido na
literatura após estudos feitos pela Universidade de York, que questionam esse
limite. Portanto uma área importante de estudo no futuro, por parte dos
economistas da saúde, é aquela que se refere a avaliação das tecnologias de
saúde.
As normas sociais afetam o comportamento do pessoal de saúde, incluindo
os médicos e, portanto, devem ser incluídas na análise econômica. Um aspecto
importante dessas normas sociais são as normas profissionais que devem ser
incluídas nos debates das vantagens da concorrência perfeita versus a regulação
do mercado. As questões relativas à regulação têm aparecido em trabalhos
acadêmicos no Brasil, no que se refere a regulação de preços de medicamentos e
regulação dos planos de saúde e atividades no setor de saúde suplementar, mas
falta ainda um avanço no que se refere a regulação no mercado de equipamentos
médicos.
A relação agente x principal também deve ser debatida, especialmente no
que se refere ao relacionamento entre o médico e o seguro de saúde ao qual ele se filia,
uma área importante e frequentemente pouco explorada no caso do Brasil.
Finalmente, nos estudos de economia de saúde tem havido pouco
desenvolvimento no que se refere às instituições. É muito interessante que os
economistas há algum tempo passaram a considerar o papel das instituições como
relevante, distinguindo-se nesta área os trabalhos de Norton e os de Coale,
mas no caso de saúde pouca atenção tem sido dada a este aspecto e seria
extremamente importante que os economistas da saúde o fizessem. Veja-se por
exemplo, no caso do Brasil, a CPMF, (Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira), foi criada em função dos esforços do Dr. Adib Jatene que então
era o Ministro da Saúde, com o objetivo de aumentar os recursos do setor saúde.
Porém esqueceu-se de qual instituição do setor público deveria controlar esses
recursos. No nosso caso, o controle ficou com o Ministério da Fazenda, o qual, vendo que o Ministério da Saúde não tinha projetos para utilização de todos os
recursos, passou a alocá-los em outras áreas.
Esse aspecto, embora em outra situação, é muito bem apresentado por Victor
Fuchs no seu livro “Who Shall Live?”. Ele coloca um exemplo
hipotético e diz que, nesse caso, o recurso extra pode ser alocado pelo
Ministério da Fazenda (nos Estados Unidos, o Treasury
Department) ou pode ser alocado por um Ministério voltado para área social
e afirma que as pessoas, dependendo do país em que vivem, tem mais confiança na
alocação do recurso extra pelo Ministério da Fazenda ou pelo Ministério da área
social. Isso mostra como o estudo das instituições é importante e como e
Economia da Saúde tem falhado em não considerar esse aspecto.
MS - O Sr. foi o terceiro presidente da Associação Brasileira
de Economia de Saúde (AbrES). Essa associação, fundada ao final dos anos 1980
por um conjunto de pessoas interessadas neste tema e, em grande medida,
incentivada por grandes nomes na área de Economia da Saúde, como Philip
Musgrove, foi o resultado de uma interação entre diferentes visões do que
seria interessante abordar no tema da economia da saúde. O Sr. poderia, em sua
visão, avaliar a contribuição da AbrES no desenvolvimento e relevância na
difusão da economia da saúde no Brasil. Quais foram as fortalezas e debilidades
da AbrES, no seu ponto de vista, para colocar questões relevantes do tema da
economia da saúde no Brasil, e o que poderia ser feito para corrigir estas
deficiências caso elas existam.
ACC - A ABrES expressa como seu objetivo "congregar técnicos,
docentes e outros profissionais com interesse na área da economia da saúde e,
nesse campo, contribuir para o desenvolvimento, a difusão e a aplicação de
técnicas, métodos e conhecimentos".
Entre os temas
que a ABrES tem debatido em muitos dos seus Encontros e Jornadas encontram-se o financiamento
e gestão financeira do SUS, tema ao qual a Associação tem se dedicado a longo
prazo. Mais recentemente a Associação tem se dedicado, mas com ênfase pequena a
meu juízo, à Avaliação Econômica em Saúde, e mais recentemente, à Relação
Público-Privada em Saúde e a Saúde Suplementar.
Nesse sentido,
creio que a ABrES poderá se aprimorar colocando em discussão e dando crescente
ênfase aos temas aos quais tem se dedicado pouco. Entre esses temas podemos
citar Avaliação Econômica em Saúde, Relação Público-Privada em Saúde, O Papel
da Saúde Suplementar, Judicialização da Saúde e o Envelhecimento da População e
suas consequências sobre saúde e previdência social. O Financiamento do SUS
será um desses temas, muito importante, mas não O tema.
Outro ponto fraco
é que a ABrES reúne entre seus membros um número expressivo de pessoas que em
sua formação nada tem a ver com Economia. Mas Economia da Saúde, como é
expresso nos livros publicados sobre esse tema, é uma área de Economia
Aplicada. Isso não quer dizer que para o
desenvolvimento dos temas o economista possa prescindir da colaboração de
especialistas do setor. Ao contrário dependendo do tema vai precisar a
colaboração de um epidemiologista, de um clínico, de um neurocirurgião ou de um
oncologista. Aliás, um dos primeiros livros sobre a economia da saúde no
Brasil, que certamente marcou este campo de conhecimento, foi organizado pelos doutores Sérgio
Piola e Sólon Magalhães Viana[2],
que não são economistas, mas eram membros do IPEA, o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, cujo Presidente era um economista. E entre os autores dos
capítulos há um grande número de economistas. Nesse mesmo livro, no capítulo 1,
" O que é Economia da Saúde", seu autor, Carlos Del Nero, cita
o Dr. Antonio Correa de Campos, que mais tarde foi Ministro da Saúde de
Portugal, que afirmou que Economia da Saúde "...antes é um modo de
pensar que tem a ver com a consciência da escassez, a imperiosidade das
escolhas e a necessidade de elas serem precedidas da avaliação dos custos e das
consequências das alternativas possíveis, com vistas a melhorar a repartição
final dos recursos". E depois de citar Culyer (1978) "que
afirma que poucos conceitos econômicos não são aplicáveis ao setor saúde",
o Dr. Del Nero conclui que " Daí a economia da saúde não existir de
forma independente da economia" (pg.20).
Mas por outro
lado, o Dr. João Pereira, da Universidade Nova de Lisboa, no seu texto "Economia da Saúde: um glossário de
termos e conceitos''[3]
afirma que: " A Economia da Saúde é essencialmente um campo de
aplicação da ciência económica aos temas, problemas e fenómenos da saúde. No
entanto, não se poderá dizer que se trata de uma área fechada a não
economistas. Como afirma Victor Fuchs
(1987) no New Palgrave Dictionary of Economics: «boa parte do trabalho mais
útil da economia da saúde emprega apenas os mais elementares conceitos, mas
requer o conhecimento detalhado das tecnologias e instituições da saúde». Por esta razão, a economia da saúde está hoje
fortemente inserida não só na ciência económica, mas também nas ciências da
saúde, e em particular nas ciências da saúde pública.
Vale a pena
lembrar que a Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES) e a Associação Espanhola de Economia da Saúde (AES) foram importantes colaboradoras do I
Workshop Internacional sobre Economia da Saúde, realizado em Brasília em 1989 e
que inspirou a criação da ABrES. Em 1991 a ABrES organizou o II Workshop
Internacional sobre Economia da Saúde com a colaboração da AES e da Escola
Nacional de Saúde Pública de Lisboa, por meio de seus docentes Francisco
Ramos e João Pereira, citado acima. Desse II Workshop resultou o livro do Dr.
Piola e do Dr. Vianna.
Observe-se que a
APES admite como sócios pessoas com a seguinte formação:
Economia, Organização e Gestão de Empresas, Medicina, Enfermagem, Finanças,
Ciências Farmacêuticas e Direito. Mas não obstante essa amplitude das áreas de
formação o conteúdo em Economia dos trabalhos publicados por sócios da APES é
muito elevado.
MS - Desde que o Sr. saiu da Presidência da ABrES, o tema da insuficiência do
financiamento da saúde no Brasil passou a ser a tônica pela qual a associação
se movia. Mas muitos outros economistas, questionaram o fato de que questões
relevantes na área de economia da saúde não estavam sendo suficientemente
discutidas no âmbito nacional, tais como aquelas relacionadas a eficiência dos
processos de gestão, promoção, prevenção e tratamento da saúde, questões
vinculadas a equidade na distribuição dos recursos públicos de saúde no Brasil
e análises econômicas de tecnologias e terapias utilizadas no setor como forma
de orientar investimentos setoriais. Como o Sr. avalia esta debilidade de
instituições como a ABrES em discutir estes temas ou traze-los da periferia
para o centro das políticas de saúde no Brasil?
ACC - Esta pergunta está muito bem colocada. De
fato, a ABRES tem-se concentrado muito na discussão do financiamento do setor
público de saúde no Brasil, na falta de recursos para o SUS e como se poderia
obter mais recursos para esse sistema. Mas a ABrES tem mais recentemente tido
iniciativas em outras áreas relevantes de Economia da Saúde, porém de menor
frequência, que não caracterizam a linha principal de trabalho da ABrES.
Por outro lado, nem todos os economistas da saúde no Brasil concordam
que o principal problema do setor público de saúde no Brasil é de falta de
recursos. Por exemplo, no livro "Brasil:
A Nova Agenda Social" organizado por Edmar Lisboa Bacha e Simon
Schwartzman, o capítulo 1 "Propostas
para Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade no Setor Saúde"[4],
ao discutir o financiamento do
setor saúde no Brasil, mostra que: (i) o Brasil gasta o esperado em saúde de
acordo com o nível do seu PNB per capita, na comparação com os 192 países que
formavam o banco de dados do Banco Mundial e das Nações Unidas; (ii) o gasto público em saúde segue a mesma tendência
dos países com o nível de renda do Brasil e (iii) a expectativa de vida
saudável no Brasil está de acordo com nosso nível de gasto per capita em saúde.
Mas o capítulo também mostra que existem outros problemas que precisam ser atacados e resolvidos
como os de cobertura, qualidade e resolutividade dos serviços de saúde, sua
organização e eficiência além do importante problema da equidade. Concordo com
essa posição. Em Economia da Saúde no
Brasil, capítulo que escrevi para o livro O Brasil do Século XXI coordenado pelo Professor Antonio Delfim
Netto e organizado pelos Professores Pedro Garcia Duarte, Simão D.
Silber e Joaquim J. M. Guilhoto[5],
observei que quando se quer avaliar qualquer sistema, não apenas o de saúde,
uma primeira medida é comparar os insumos colocados no sistema e o que este
gera de produto. No caso do sistema de saúde, seria possível comparar os
recursos colocados no sistema em termos per capita com o produto deste em
termos de mortalidade, geral ou infantil.
Chama a atenção o fato de a Costa Rica, embora ocupando o penúltimo
lugar em termos de gasto per capita em saúde em 2005, ainda assim ser o segundo
país entre os que apresentavam melhor estado de saúde na América Latina com
base na taxa de mortalidade infantil de 9,01 por 1000. Isto mostrava que a
magnitude da despesa em saúde não é o único fator para explicar o desempenho do
setor saúde, mas que existem outros fatores importantes que tem a ver com a
organização do sistema, entre eles a eficiência dos processos de gestão
(pg.394).
Nesse mesmo artigo mostrei que: em termos de despesa total em saúde como
percentagem do PIB, entre os países da América Latina classificados como de
renda média superior pelo Banco Mundial, o Brasil só apresentava valores
inferiores aos da Argentina e Uruguai e maiores do que os demais países
(México, Chile, Costa Rica, Panamá e Venezuela).
A eficiência dos processos de gestão é uma área em que a discussão da
eficiência na gestão privada poderia servir para o setor público mostrando
experiências novas, mas não tem sido um campo desenvolvido pela ABrES.
As questões relativas à equidade poderiam ser mais discutidas pela
ABrES. Entre suas realizações deve-se destacar a VI Jornada Nacional de
Economia da Saúde, realizada em Brasília de 17 a 19 de outubro de 2012,
cujo tema foi Eficiência e Equidade nos Sistemas de Saúde. A ABrES poderia
realizar outra jornada ou seminário sobre este tema, pois há trabalhos de
natureza acadêmica mostrando a iniquidade no uso de recurso no setor saúde no
Brasil, como o publicado em 2013 pela revista da
OPAS[6],. Esse artigo mostrou que no caso brasileiro a
iniquidade maior em saúde afeta sensivelmente os pobres, os quais têm menos acesso
aos serviços de saúde e sofrem mais de problemas de saúde Esse é um tema no
qual a ABrES pode ter um desempenho mais efetivo e importante, pois agora, com a
PNAD Contínua, é possível verificar como estava a situação de inequidade em 2013
e 2018, para manter a periodicidade quinquenal.
Outra área na qual seria importante a ABrES se dedicar é a da discussão
de como se pode diminuir essa iniquidade. É claro que parte da inequidade,
especialmente a que se refere ao acesso aos serviços de saúde, tem a ver com
fatores fora do setor saúde, como o nível de renda, emprego e acesso aos
serviços de educação. Mas parte da inequidade, especialmente aquela que está
ligada a situação de saúde, tem a ver com o gerenciamento e a administração do
setor saúde. Creio que o Programa de Saúde da Família (PSF) é uma chave muito
importante para melhorar a situação de saúde dos mais pobres. Uma discussão
sobre o PSF e como melhorá-lo seria uma contribuição importante que a ABrES
poderia dar.
Agora, com a COVID-19, ficaram claros os problemas de equidade que surgem no
que se refere ao acesso aos equipamentos de saúde que podem melhorar a situação
de saúde dos atingidos pela doença. Em muitos casos esse acesso implica em o indivíduo
sobreviver ou morrer. Essa questão precisa ser discutida com qualidade
acadêmica e não se trata de um problema brasileiro, mas poder-se-ia dizer
mundial. Recentemente a revista The
Economist (Nov 21-Nov 27, 2020) publicou um artigo (Race and Health Far from Equal, pgs 53-55) em que mostra esse problema nos Estados Unidos e na Inglaterra.
No caso da Inglaterra, por exemplo, a probabilidade de morte, por causas
envolvendo Covid-19, de um homem não branco, varia de pouco mais de uma vez até
4 vezes, em relação a probabilidade de morte de um homem branco. Interessante
que o único caso em que as probabilidades de morte são semelhantes às de um
homem branco, ou próximas, se refere a homens do grupo étnico chinês. Para os
outros grupos étnicos essa probabilidade chega a perto de 2 vezes para homens
classificados como de grupos étnicos mistos ou múltiplos; chega a pouco mais de
2 vezes para os indianos, 2,5 vezes para os paquistaneses, quase 3 vezes para
os negros do Caribe, 3,5 vezes para os descendentes de Bangladesh e quase 4
vezes para os negros africanos. Isso no caso de homens, mas o mesmo resultado é
apresentado para o caso das mulheres. Deve-se deixar claro que os valores que
apresentei referem-se a minha visualização do gráfico, mas se tivesse os
números poderia apresentar dados mais precisos. Adicionalmente deve-se deixar
claro que foram feitos ajustes por idade, área geográfica em que a pessoa vive
na Inglaterra, aspectos sócio econômicos e de estado de saúde.
O artigo do The Economist aborda o Brasil em alguns aspectos, mas superficialmente. Diz que a cor da pele é uma boa proxy para fatores sociais e entrevista uma senhora que vive em uma favela no Rio. Em relação à população indígena, afirma que muitos são relutantes em ir ao hospital devido à demora em conseguir uma consulta. Isso leva a pensar que é muito importante verificar como está a questão de equidade no que se refere ao combate da Covid - 19 em nosso País. Eis um tema que mereceria discussão em um fórum da ABrES.
A avaliação de tecnologia em saúde é uma área bastante importante e a
ABrES tem se dedicado muito pouco ao estudo e debate dessas questões. No caso
brasileiro a CONITEC não tem um limite explicito de valor a partir do qual as
tecnologias apresentadas por empresas privadas para aprovação e utilização nos
programas públicos de saúde não seriam aprovadas. Também não estabelece
claramente qual é o tipo de metodologia que deseja que seja usada pelos
produtores de medicamentos e de diferentes tecnologias, ao submeter os trabalhos
nos quais pedem aprovação de sua tecnologia ou medicamento. A discussão de
alguns desses casos tem sido feita em trabalhos de natureza acadêmica
publicados por revistas especializadas, como por exemplo o Jornal Brasileiro
de Economia da Saúde.
Verifica-se claramente que há várias áreas nas quais a ABrES poderia se
dedicar e que estão além dos problemas de financiamento do setor público de
saúde. Entre essas áreas encontra-se aquela de doenças raras e órfãs, uma área
bastante importante em termos do papel dos organismos sociais voltados para
esse tipo de doença.
Em termos acadêmicos é uma área bastante importante pois pela própria
definição de doenças raras não existe um número suficiente de casos para
utilização de algumas tecnologias de avaliação econômica em saúde.
Também é muito importante estudar os efeitos da transição demográfica no
caso da saúde no Brasil. A transição demográfica tem como decorrência o
envelhecimento da população e as doenças sofridas por pessoas idosas implicam
em um aumento de custo a partir dos 60 anos e especialmente a partir dos 70
anos. Isso implica em um problema significativo para o SUS e para a Saúde
Suplementar. Com a transição nutricional e a transição epidemiológica há um
aumento na incidência e na prevalência de doenças crônicas, especialmente diabetes e
doenças coronarianas, também de custo importante para a saúde pública e a saúde
suplementar.
Quando fui presidente da ABrES fiz o encontro anual desta Associação junto com o
encontro da Associação Nacional dos Centros de Pós Graduação em
Economia (ANPEC). A ideia era justamente de que, durante o encontro da ANPEC, houvesse
uma reunião especial daqueles interessados em Economia da Saúde, e que alunos e
professores dos centros de pós graduação em economia pudessem também assistir
os debates dos interessados em Economia da Saúde. Os temas desse encontro devem
ser amplos, como por exemplo o são os da International Health
Economics Association (IHEA).
Ademais a ABrES poderia realizar, como o faz a APES, um Seminário
Virtual para pesquisadores em início de carreira, cujo público alvo seriam
pessoas que concluíram seu doutorado em Economia da Saúde e potenciais
empregadores. Como a APES, poderia ter em seu site uma área para a divulgação de
teses de doutorado na área de Economia da Saúde.
MS - Na visão de muitos, a ABrES
deixou de ser uma instituição comprometida com o pluralismo das opiniões,
debates e ideias na área de economia de saúde, e passou a ser uma instituição
centrada na defesa do monopólio do setor público na gestão e financiamento da
saúde no Brasil, com uma visão em certo sentido estreita dos artigos que
implementaram o SUS na Constituição de 1988. Temas associados aos papeis da
saúde suplementar ou a integração público-privada como um modelo de pluralismo
possível para trazer mais eficiência e equidade ao sistema de saúde brasileiro,
destinando mais recursos per capita para pobres e indigentes e aumentando a
possibilidade de ter sistemas de seguro de saúde eficientes para aqueles que
podem pagar, foram descartados das discussões e posições centrais da ABrES. Na
sua visão, que implicações históricas este posicionamento da ABrES,
especialmente a partir de 2003, tiveram nas discussões sobre a viabilidade e
oportunidades das políticas públicas destinadas a universalização de cobertura
à saúde no Brasil?
ACC: Como acontece em muitas outras situações, quando um ator deixa o campo, outros atores passam a preenchê-lo, e isto também ocorreu na viabilidade e oportunidade de políticas públicas destinadas à universalização da cobertura de saúde no Brasil. Cito abaixo alguns trabalhos publicados em 2020 pela representação da OPAS no Brasil e pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), além de um artigo publicado sobre medicamentos.
Entre os trabalhos que foram publicados em 2020, há um feito pela
Representação da OPAS no Brasil que tem o título muito interessante de "30
anos de SUS, o SUS que queremos para 2030 ". Neste Relatório a OPAS tem
uma visão positiva sobre o SUS, afirmando que o considera uma referência de uma
nação comprometida com a universalidade em saúde. Mas em 2020, ao comemorarmos
seus 30 anos, a OPAS, em seu relatório, observa situações que trazem consequências
negativas na saúde da população mais vulnerável do Brasil. Entre estas
situações, que indicam vulnerabilidades do sistema de saúde, temos: (i) O
aumento da mortalidade infantil e materna em 2016, após anos de queda
ininterrupta; (ii) a redução da cobertura vacinal para algumas enfermidades
imunopreveníveis; (iii) os surtos de febre amarela e sarampo e; (iv) o aumento
da incidência de doenças transmissíveis como a malária e a sífilis congênita. É
preciso discutir-se o que se deve fazer para vencer essas vulnerabilidades e
tornar o SUS mais efetivo.
O CONASS editou em fevereiro de 2020 um estudo sobre "Implementação
e Avaliabilidade das Intervenções em saúde: estudos de caso no Brasil''. O
livro oferece uma reflexão sobre a institucionalização da avaliação em saúde.
Isso deveria ser feito em todos os programas na área de saúde, uma vez que
monitoramento e avaliação tem um custo relativamente pequeno face ao custo total do
programa, e permite a melhoria do programa na sua implantação e na posterior
execução. O livro propõe ainda marcos que possibilitem também avaliar e
qualificar as avaliações. Esses dois trabalhos feitos por instituições do porte
da OPAS e do CONASS ilustram adequadamente o que disse acima, ou seja, outras entidades
passaram a preencher uma lacuna que foi deixada pela ABrES ao ela deixar de
lado fatores importantes que tem muito a ver com o gerenciamento do sistema de
saúde.
Não que se pretenda que a ABrES realize estudos e trabalhos, mas ela pode
e deve trazer esses temas para debates, especialmente agora na época dos
webinars. Por exemplo, o SUS que queremos para 2030 é um tema para o qual a
ABrES poderia promover debate trazendo apresentadores da OPAS, do
Ministério da Saúde e de entidades representativas dos consumidores. Da mesma
forma o trabalho do CONASS, que se refere a uma forma específica de avaliar
intervenções em saúde, merece uma apresentação para uma audiência mais ampla e
discussão.
E assim, uma série de temas como o acesso a medicamentos em sistemas
universais de saúde, a judicialização da saúde, que critérios e que limiares o
CONITEC deveria utilizar na avaliação econômica de medicamentos e equipamentos
que se apresentam para financiamento pelo SUS e outros temas poderiam ser melhor explorados.
MS - Em decorrência desse
estreitamento de posições da ABrES, ela deixou de ser encarada por outros
atores relevantes na discussão de questões econômicas da saúde no Brasil,
abrindo o espaço para que outras instituições passassem a discutir os temas de
economia de saúde no Brasil, tais como o Centro Paulista de Economia da Saúde
(CPES), o Jornal Brasileiro de Economia da Saúde (JBES), entre outros. Além
disso, muitos centros universitários, como o próprio Departamento de Economia da USP, onde o Sr. se
insere, tem produzido análises relevantes de temas de economia da saúde no
Brasil. Como o Sr. avalia a produção desses centros e o que eles têm
acrescentado para o tema da economia da saúde no Brasil?
ACC: O Jornal Brasileiro de
Economia da Saúde (JBES) é uma iniciativa bastante interessante que buscou
publicar no Brasil artigos por acadêmicos brasileiros, o que tem a grande
vantagem de trazer para debate assuntos relacionados à realidade brasileira.
Embora ainda tenha um tempo de existência pequeno, procura colocar à disposição
do leitor brasileiro temas do tipo dos abordados em revistas americanas como Health Economics ou Health Policy and Planning.
O Departamento de Economia da USP, por meio da FIPE, realizou, ao longo do tempo, muitas pesquisas sobre temas
diferentes de Economia da Saúde. Na área de custos estudou o "Custo de
tratamento dos pacientes aidéticos no Programa Nacional de Combate à AIDS"
e desenvolveu uma "Metodologia para o cálculo do custo-padrão de
tratamento de pacientes HIV/AIDS em seguimento".
Em Avaliação realizou a "Avaliação do processo de
municipalização dos serviços de saúde no Estado de São Paulo" e a
"Construção de metodologias de monitoramento, avaliação e indicadores
dos Programas do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome” e sua validação por meio de estudo piloto em dez municípios de cinco regiões
brasileiras.
Em Equidade, o grupo de Economia da Saúde fez parte do projeto
EQUILAC da OPS/OMS e nessa condição executou dois projetos: "Equidade na
atenção de saúde no Brasil 1996-1997" e
"Equidade na atenção de saúde no Brasil 2003-2008".
Em Financiamento da Saúde e Proteção Social a Fipe realizou para a Fundación
Mexicana de Salud/IDRC (Canadá) o estudo "Health financing and
social protection in Latin America: Catastrophic Expenditures in Health in
Brazil".
A preocupação com a saúde do Idoso, decorrente da transição demográfica, levou ao trabalho "Atenção à Saúde dos Idosos: Contraste entre a
cobertura universal e o sistema de saúde baseado em seguro".
Estes estudos sempre contaram com o financiamento do setor público, quer do Ministério da Saúde, quer da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo, da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e de organismos internacionais como a OPAS, Washington, D.C e o International Development Research Centre do Canadá (IDRC). Membros do grupo também se preocuparam com outros temas relevantes e os publicaram em revistas especializadas como é o caso da questão da judicialização da saúde.
Em relação ao Centro Paulista de Economia da Saúde (CPES) contatei o Dr. Marcos Bosi Ferraz que me forneceu uma atualização sobre este Centro. Esta atualização foi publicada por mim em um artigo[7]. Alguns pontos podem ser ressaltados dessa publicação. Em 2015 foi aprovada pela Congregação da Escola Paulista de Medicina a criação da Disciplina de Economia e Gestão em Saúde, dentro do Departamento de Medicina. Nesta mesma ocasião todas as atividades de ensino e pesquisa foram assumidas por esta Disciplina.
De 2000 até 2016 foram realizados 11 Simpósios Internacionais de Economia da Saúde, com temas variados tratados nos diversos anos e com 200 a 300 participantes nacionais e internacionais por simpósio. Neste período ainda diversos cursos de curta duração foram realizados abordando diversos temas da área de Economia da Saúde. Em termos de pesquisas realizadas pelos grupo do CPES, sob a liderança do Professor Marcos Bosi Ferraz, verifiquei um total de 18 pesquisas, das quais quatro sobre o custo do tratamento de doenças específicas, três versavam sobre avaliação, do ponto de vista clínico, do tratamento de doenças específicas, uma se dirigiu a aspectos da saúde suplementar, sete foram sobre análise econômica em saúde, algumas utilizando análise custo efetividade, duas avaliaram o desejo de pagar por tratamento (Willingness to Pay) e uma foi sobre projetos de lei em tramitação no Congresso referentes a saúde.
Além desses, há outros centros de excelência realizando cursos e pesquisas
em Economia da Saúde no Brasil. Entre esses
deve-se citar o CEDEPLAR da Universidade Federal de Minas Gerais, cujos
cursos e pesquisas na área de Economia da Saúde são liderados pela Dra. Mônica
Viegas Andrade, a Fundação Oswaldo Cruz/Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ-ENSP) cujo trabalho na área
de Economia da Saúde tem como expoentes as Dras. Maria Alicia Ugá e
Silvia Porto, a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, cujo programa Desenvolvimento Econômico e Saúde –
Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE/UFRGS) apresenta cursos e pesquisas liderados pelo Dr.
Giacomo Balbinotto Neto e a Universidade Federal de Pernambuco que tem o
Programa de Pós-Graduação em Gestão e Economia da Saúde –PPGGES, cujo trabalho
é liderado pela Dra. Tatiane Almeida de Menezes.
MS - A crise econômica instaurada
2014 pela má gestão da política econômica dos governos anteriores levou o
governo a criar, através da EC95, a ideia do teto de gastos no orçamento
público. Embora a crise econômica tenha levado, pela primeira vez desde o
início do plano real, a uma redução absoluta do orçamento da saúde em 2016, a
EC95 estabeleceu um teto de gastos no orçamento geral da União, mas tentou
proteger os gastos em saúde, antecipando recursos para o orçamento da saúde de
2017 que somente estariam disponíveis em 2021 de acordo com as regras vigentes[8]. Com a crise pandêmica que se institui a
partir de 2020, as regras do teto de gasto deverão ser removidas e novos
processos necessários para a proteção do gasto público em saúde no Brasil
deveriam ser instituidos. Como o Sr. vê o futuro dos gastos em saúde no Brasil
nos próximos anos e que sugestões o Sr. teria para que estes gastos atendessem
o necessário e fossem sustentáveis?
ACC: O gasto em saúde no Brasil é adequado ao nível de renda do País, como se pode observar em comparações internacionais. Usando os dados do Banco Mundial para 193 países no ano de 2007, André Medici mostrou que a correlação entre o logaritmo neperiano do PNB per capita e o gasto per capita em saúde indicava que o Brasil gastava o esperado em saúde dado o seu PNB per capita. Para 2010, os dados de Gapminder mostram que para o nível de PIB per capita do Brasil nenhum país tinha um dispêndio total per capita em saúde maior do que o nosso. Os dados mais recentes da despesa corrente per capita em saúde, em PPC (internacional corrente) [Current health expenditure per capita, PPP (current international $)] para 2018 e da renda nacional bruta per capita, para 2019, para 193 países, são os do World Bank Data. A regressão despesa corrente per capita em saúde função da RNB per capita tem um R2 ajustado de 0,6969 e apresenta o resultado abaixo. Os coeficientes são estatisticamente significantes:
|
Coefficients |
Standard Error |
t Stat |
P-value |
Lower 95% |
Upper 95% |
Intercept |
309.293459 |
104.7255213 |
2.95337235 |
0.0035805 |
102.589227 |
515.997691 |
GNI per capita |
0.0899238 |
0.004490435 |
20.0256335 |
6.3462E-47 |
0.08106071 |
0.09878689 |
Alguns autores chegaram a afirmar que o nosso gasto total em saúde é adequado, mas que o gasto publico em saúde não tem um nível adequado considerando-se nosso nível de renda. Para verificar essa possibilidade levantei os dados para 181 países, para o ano de 2018, das despesas do governo em saúde, per capita, em dólares PPP em 2018, e da Renda Nacional Bruta (GNI) per capita, levantada segundo o Atlas method, em dólares correntes de 2018 (dados do World Bank Data).
O Brasil que tinha uma renda nacional bruta per capita de US$9080 e despesas do governo em saúde, per capita, em dólares PPP em 2018 de US$637,92, situa-se no primeiro quadrante do gráfico e bem próximo da linha de tendência, ou seja, nosso País não está naquela situação de ter um gasto público em saúde baixo dado o nosso nível de renda. Nosso País gastava 9,5% do seu Produto Interno Bruto em Saúde, conforme se pode ver da tabela abaixo.
Países e Regiões |
% GDP em 2018 |
GDP per-capita |
|
Em US$2018 |
Em US$ PPP 2018 |
||
Brasil |
9,5 |
848,40 |
1530,80 |
América Latina
e Caribe |
8,0 |
666,90 |
1251,60 |
Países de Renda Média Alta |
5,7 |
486,40 |
1006,90 |
World Development Indicators, THE WORLD BANK - Last updated date 12/16/2020
Na tabela 1 compara-se o Brasil com outros países da América Latina,
média que inclui o nosso País, com os países classificados pelo Banco Mundial
como de renda média alta, que é o caso do Brasil. Verifica-se que o Brasil que
apresentava uma despesa corrente em saúde correspondente a 9,5% do PIB,
situava-se acima da média dos países da América Latina e do Caribe (8%) e dos
países de renda média alta (5,7%). Quanto a despesa corrente per capita em
saúde, quer medida em dólares correntes de 2018, ou medida em dólares PPP de
2018, o Brasil apresentava valores superiores aos dos países da América Latina e do Caribe e os países de renda média alta.
Portanto quer estejamos
considerando nossa despesa per capita em saúde total (pública + privada), quer
estejamos considerando nossa despesa pública per capita em saúde, os gráficos
mostram que nossos níveis de despesa são adequados relativamente à nossa renda
nacional bruta per capita. A nossa despesa per capita em saúde era mais elevada
do que a obtida para o conjunto dos países da América Latina e Caribe e a
obtida para os países de renda média alta, o que também se verifica quando se
considera essa despesa como percentagem do PIB.
Considerando-se os gastos de capital em saúde, o Brasil estava gastando
em 2018 praticamente 10% do seu PIB em saúde, se somarmos os gastos correntes
(9,51%) com os gastos de capital (0,43% em 2017). Os gastos privados (incluindo
os da saúde suplementar e os gastos do próprio bolso das pessoas (out of
pocket) eram mais significativos do que os do governo (5,55% do PIB contra
3,96% do PIB). Comparando-se com 2010 os gastos do governo cresceram de 3,58%
do PIB em 2010 para 3,96% do PIB em 2018, mas cresceram menos do que os gastos
privados que passaram de 4,37% do PIB em 2010 para 5,55% do PIB em 2018.
Tabela 2 – Brasil - Despesas em Saúde como Porcentagem do PIB
(2010-2018)
Tipo de Despesas (% PIB) |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
Despesas
Correntes em Saúde |
7.949 |
7.788 |
7.735 |
7.977 |
8.396 |
8.870 |
9.207 |
9.469 |
9.514 |
Despesa Doméstica do Governo em Saúde |
3.578 |
3.465 |
3.354 |
3.551 |
3.698 |
3.806 |
3.955 |
3.965 |
3.964 |
Despesa
Doméstica do Setor Privado em Saúde |
4.370 |
4.322 |
4.381 |
4.425 |
4.697 |
5.064 |
5.251 |
5.503 |
5.549 |
Despesa de Capital em Saúde |
0.308 |
0.263 |
0.305 |
0.282 |
0.373 |
0.275 |
0.272 |
0.429 |
.. |
Data from database: Health Nutrition and Population Statistics. Last Updated: 12/18/2020.
Os gastos em saúde no
Brasil em 2018, que são aproximadamente 10% do PIB são suficientes para atender
as necessidades de saúde do nosso país, se o compararmos com outros países
emergentes de renda média como o nosso. Ou seja, nosso problema no momento não
é dos recursos destinados à saúde, mas do uso desses recursos. O grande
problema no Brasil é de gerenciamento e organização. A recente falta de
oxigênio em Manaus e pessoas em UTIs sendo tratadas da Covid-19 e morrendo
asfixiadas por essa falta é bem ilustrativo desse problema.
O Ministério da Saúde deveria se concentrar mais na formulação de uma
estrutura bem gerenciada e que permitisse com rapidez atender as necessidades
das várias áreas em que atua. O
Ministério pode dispor de programas que podem ser instalados em cada hospital
público federal, para determinar exatamente qual é o custo do hospital, o custo
das suas várias áreas e o custo para o atendimento de diferentes moléstias,
como o SIGH Custos, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Ministério da Saúde poderia, ao longo do
tempo, desenvolver um instrumental que permita um controle mais eficiente dos
custos e, portanto, ser um instrumento muito importante para a direção dos
hospitais. O Ministério tem, também, um bom conjunto de informações sobre o
preço de medicamentos, que é usado no caso de licitações e pode ser utilizado na
projeção de gastos futuros.
Parece-me que já existe uma consciência de que é preciso gastar com mais
eficiência e existem instrumentos desenvolvidos por alguns setores do
Ministério, mas falta uma direção com esta visão de que maior eficiência
implica em menores custos para a produção de melhor saúde para a população.
Ao especificar que o Ministério da Saúde deve se concentrar, em primeiro
lugar, nos aspectos relativos a gerenciamento e organização do sistema de
saúde, não estou ignorando a necessidade de maiores recursos para o sistema.
Estou falando em uma linha do tempo em que a primeira atividade deve ser organizar
o sistema, eliminar as redundâncias, concentrar-se em aprimorar as ações que
permitam a redução de custos. Ou seja, o primeiro objetivo deve ser "pôr a
casa em ordem".
Aumentar os recursos para a área de saúde será o segundo objetivo. Não
sou contrário à cobrança de um imposto cuja arrecadação se destine totalmente a
saúde. Vários países da OCDE têm imposto específico para saúde. Mas esse
imposto não pode ser a CPMF nem um imposto parecido com ele. Economistas de
renome, como o Professor Affonso Celso Pastore, mostraram os
inconvenientes desse imposto para a economia.
Por outro lado, a aplicação dos recursos de um imposto específico para a
saúde exige uma sensibilidade dos responsáveis dessa aplicação. Em um estudo
que tive oportunidade de participar com o Dr. Sergio Piola mostramos que
parte dos recursos da CPMF tiveram aplicação em outras áreas que não saúde,
embora o grande responsável pela aprovação deste imposto tenha sido o Dr.
Adib Jatene, então Ministro da Saúde.
A área de economia do governo tem que ter essa sensibilidade, não pode
dizer que Saúde não tem capacidade de formular projetos que permitam aplicação
de todos esses recursos e, portanto, os recursos não utilizados devem ser
destinados a outras áreas. NÃO. A área econômica deve ajudar a área de saúde na
formulação de novos projetos e dar-lhe um tempo para isso e inclusive para
formar quadros tecnicamente capazes.
MS - Quais os desafios e oportunidades que se colocam sobre o futuro do campo da economia de saúde no Brasil e que sugestões o Sr. teria para configurar melhor esta área no plano acadêmico e no seu papel de ser relevante e influenciar, tanto as políticas públicas, como o desempenho dos mercados em saúde no Brasil para que possam ser compatíveis com os objetivos de universalização da cobertura e equidade?
No que se refere aos desafios que se colocam sobre o campo de economia da saúde no Brasil, deve ser ressaltado o processo de transição demográfica, com diminuição da fecundidade e consequente diminuição da taxa de natalidade e aumento gradativo da população idosa, de 60 anos e mais, que chegará a 23,8% da população total em 2040. Esse aumento da população idosa implicará na necessidade de mais recursos para a área de saúde, tanto os que serão necessários para o SUS quanto os que serão necessários para a Saúde Suplementar. O aumento significativo da população idosa implicará em um aumento do número de casos de diabetes, de doenças coronarianas, de câncer, doenças de custo de tratamento elevadíssimo. A inclinação da curva de custo para a população de 60 a 70 anos é significativa e de 70 a 80 anos é quase infinitamente inelástica.
Para configurar melhor a área de Economia da Saúde no plano acadêmico é
importante deixar bem claro que Economia da Saúde é uma área aplicada de Teoria
Econômica, como o explicitam os livros de Economia da Saúde.
O economista Keneth Arrow no artigo seminal a que o Monitor de
Saúde se referiu, afirmava que a principal característica do atendimento médico
é a incerteza. A incerteza ocorre em primeiro lugar porque não sabemos quando
ficaremos doentes, de quais cuidados de saúde precisaremos, quando, ou a que
custo. Em segundo lugar, há incerteza sobre como qualquer estado de doença,
responderá aos cuidados de saúde. A recuperação de uma doença é tão incerta
quanto sua incidência.
Entretanto para influenciar políticas públicas de saúde é necessário a
união com outras áreas profissionais, como por exemplo o faz a Associação
Portuguesa de Economia da Saúde - APES, cujos sócios individuais podem ter
formação básica em Economia, Organização e Gestão de Empresas, Finanças,
Medicina, Enfermagem, Ciências Farmacêuticas e Direito.
A APES foi inspiradora da criação da Associação Brasileira de Economia
da Saúde e é interessante verificar-se no site da APES que as teses desenvolvidas
por estudantes sócios da Associação apresentam muito bom nível em Economia.
[1] Um artigo sobre Keneth Arrow e sua
contribuição à Economia da Saúde foi publicado na postagem de No. 82 (Ano 11)
deste blog em 6 de março de 2017. Veja o link https://monitordesaude.blogspot.com/2017/03/kenneth-arrow-1921-2017-e-economia-da.html
[3] Livro publicado pela APES - Associação
Portuguesa de Economia da Saúde, 4a. edição, Fevereiro de 2004, disponível em: https://www.researchgate.net/publication/323561316 , acessado em 30 de dezembro de 2020
[4] Medici, A.C. (2011), Propostas para
Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade do Setor Saúde no Brasil, in
Bacha, E. & Schwartzman, S., Brasil: A Nova Agenda Social, Ed.
LTC, Rio de Janeiro, 2011.
[5] Delfin Neto, A. organizador, (2011), Brasil Século XXI, Ed. Saraiva, São Paulo, 2011.
[7] Campino, ACC, (2017) “Trajetória da Economia
da Saúde no Brasil" Revista de Gestão em Sistemas de Saúde - RGSS,
vol. 6 No 1, Porto Alegre, Janeiro/Abril de 2017.
[8] Este tema pode ser visto em artigo deste blog
intitulado Gastos Federais em Saúde Durante a Crise (2014-2017): Desafios
para o Próximo Governo (Ano 12, No. 89, Outubro de 2018: link - https://monitordesaude.blogspot.com/2018/10/gastos-federais-em-saude-durante-crise.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário