segunda-feira, março 08, 2021

Os Custos Médicos Hospitalares e seus Efeitos nos Reajustes dos Planos de Saúde durante a Pandemia.

 

Ano 15, No. 116, Março de 2021

 

O ano de 2020 será conhecido, não apenas pela pandemia do Covid-19, mas também por seus efeitos em diversos setores da saúde, desde provedores de serviços até planos médicos oferecidos pelas operadoras da saúde suplementar. Mas será que os indicadores de variação dos custos médicos hospitalares (VCMH) tem refletido o que passa nos preços da saúde e influenciado corretamente o valor dos reajustes dos planos individuais ou coletivos? Como esse processo pode ser interpretado neste ano atípico de 2020 e quais os possíveis efeitos para 2021? O Monitor de Saúde, nesta postagem, publica um artigo de Luiz Feitoza, que tem uma larga experiência na gestão de planos de saúde e, através da Arquitetos da Saúde tem inovado nas métricas de custos médico-hospitalares no Brasil.

Luiz Feitoza é formado em Administração Hospitalar e tem um MBA em Gestão da Saúde pelo IBMEC. Sua experiência contabiliza mais de 20 anos em temas de gestão de riscos de carteiras e planos de saúde coletivos, análise de produtos e criação de indicadores de gestão, com trabalhos consagrados nas áreas consultiva e técnica. Luiz foi executivo de grandes corretoras de seguros e de uma operadora. Publicou, em coautoria, o livro “Boas Práticas de Gestão de Saúde Corporativa”, em 2019. Atualmente é sócio e cofundador dos Arquitetos da Saúde, uma empresa de consultoria na área de gestão de planos de saúde e saúde suplementar.

A variação dos custos médico-hospitalares antes e durante a pandemia: uma análise do VCMH da “Arquitetos da Saúde”

Luiz Feitoza

1.   Introdução

A Variação dos Custos Médicos Hospitalares (VCMH) é um indicador que mede o resultado das flutuações nos custos assistenciais totais da saúde suplementar, durante um determinado intervalo de tempo. Desde sempre este assunto é alvo de muitas polêmicas no setor, pois não existe no Brasil uma normativa em relação à medição do índice de inflação médica ou VCMH. Em geral as instituições que medem este índice sempre limitam sua análise a apenas uma parte dos beneficiários dos planos de saúde restringindo os dados ao universo representado pelos seus associados ou a certas modalidades de contratação.

Pode-se ainda acrescentar, como dificuldade de entendimento desse indicador, o fato de que mesmo que houvesse um índice único de VCMH para o mercado na modalidade de contratos coletivos por adesão ou empresarial, o reajuste seria determinado pela livre negociação entre as partes e não regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como ocorre no caso dos planos individuais que anualmente tem um teto de reajuste estabelecido pela agência. Cada operadora utiliza, de acordo aos contratos entre ela e a empresa contratante, um reajuste anual baseado em sua própria VCMH, calculada internamente, sem qualquer detalhamento de como se chegou a este número. No contexto de uma grande empresa contratante de plano de saúde, pode ser que sua VCMH seja totalmente distinta do informado pela operadora.

Outro fator que reforça a necessidade de um indicador mais amplo ou representativo do setor está na constatação da discrepância que existe nos índices disponíveis, pois costumam divergir, muitas vezes drasticamente, um do outro. Como não é possível detalhar a base de dados ou metodologia de praticamente todos os cálculos, a divergência acaba gerando desconfiança. Com tamanha divergência, a referência deste indicador no Brasil tem sido sempre cercada de certa polêmica.

O VCMH da Arquitetos da Saúde trabalha com a informação mais ampla possível, isto é, considera 100% dos beneficiários de plano de saúde e seus respectivos sinistros. A base de dados do VCMH foi organizada e coletada a partir de dados e informações públicas da ANS. Nosso objetivo é disponibilizar ao mercado um indicador que pode servir de benchmark sintético ou detalhado, trazendo um estudo com a maior isenção possível, dado que dentro da cadeia produtiva o modelo de negócios da Arquitetos da Saúde não é remunerado por comissionamento e não há qualquer ligação com entidades representativas do setor. Isso permite uma visão mais abrangente do mercado de planos de saúde, ao mesmo tempo que permite, pela amplitude de sua base de dados, de uma maior desagregação regional do índice, com dados exclusivos coletados pela ANS, permitindo ir além das carteiras de planos individuais As fontes mais recentes são o caderno Mapa Assistencial da Saúde Suplementar de 2019, versão de julho/2020, e o mesmo caderno de 2018, versão de julho/2019. Este caderno traz uma visão geral da demanda por procedimentos com uma abertura dos eventos monitorados pela ANS e dos custos assistenciais

Gráfico 1 – Comparações entre os índices existentes de preços ao consumidor e inflação médica: variação acumulada de 2014 a 2019

Fonte: Elaboração do Autor a partir de dados do IBGE, FIPE, ANS, IESS E Arquitetos da Saúde.

O gráfico 1 faz comparações entre os índices de preços ao consumidor (em preto), os índices de inflação médica no Brasil (em vermelho) e o VCMH da Arquitetos da Saúde (em azul). Observa-se que a variação acumulada entre 2014 e 2019 dos índices específicos de saúde (como o FIPE saúde) representam o dobro ou mais da variação dos índices específicos de inflação (como o INPC, IPC-FIPE e IPCA). No entanto, a variação acumulada dos índices que se propõe a ser uma referência para ajustar os prêmios dos planos individuais de saúde (como os da ANS-INDIV e o IESS-VCMH) são muito discrepantes entre si, certamente em função de critérios metodológicos diferenciados.  Em outras palavras, o IESS-VCMH, como será visto adiante, representa uma parcela dos chamados planos individuais do conjunto representado pela Federação Nacional de Empresas de Seguros de Saúde (FENASAUDE), enquanto que o da ANS tem como base a variação de custos dos planos de empresas de seguro coletivo de pequeno porte.

2.   Aspectos Metodológicos do VCMH da Arquitetos da Saúde

O VCMH da arquitetos da saúde se situa entre os dois índices de referência para medir a variação oficial de reajuste dos planos de saúde (dado pelo índice da ANS-INDIV) e o proposto pelo IESS-VCMH como base para medir a variação dos planos individuais de saúde. Para entender o porquê destas variações, serão explorados a seguir alguns aspectos metodológicos do VCMH.

Como já mencionado, o cálculo do VCMH da Arquitetos da Saúde utiliza exclusivamente os dados disponibilizados pela ANS, envolvendo 100% dos beneficiários de planos de saúde no Brasil. Desta forma, aumenta a amplitude da inflação que deveria ser medida para o reajuste dos planos de saúde, a qual pode ser desagregada para o segmento de planos individuais, planos coletivos ou carteiras específicas de modalidades de seguros oferecidas pela saúde suplementar. A fonte principal é o caderno Mapa Assistencial da Saúde Suplementar de 2019, versão de julho/2020, e o mesmo caderno de 2018, versão de julho/2019.

Este caderno traz uma visão geral da saúde suplementar no Brasil, destacando a demanda por procedimentos, com uma abertura dos eventos monitorados pela ANS e dos custos assistenciais, que, embora tenham uma abertura menor, permitem a representatividade para o cálculo do VCMH da saúde suplementar em todo o Brasil. A Arquitetos da Saúde acompanha os cadernos desde 2013, permitindo abrir uma janela de tempo importante para aprender sobre a evolução dos dados desta publicação, suas eventuais retificações ao longo do tempo e um comparativo da VCMH de seis anos consecutivos (2014 a 2019).

O caderno tem sido a principal fonte de informações, mas algumas outras fontes também tem sido utilizadas para o agrupamento das despesas, tais como o custo de outras consultas eletivas que não estão totalizadas no custo segmentado do caderno. Também foi decidido não calcular os indicadores de odontologia neste momento, (Variação dos Custos Odontológicos – VCO).

O caderno traz algumas considerações muitos importantes, tais como o fato de que são desprezados os sinistros em período de carência e que os dados colhidos são oriundos do Sistema de Informações de Produto (SIP) da ANS, que considera as despesas em regime de aviso, ou seja, as que foram realizadas, mas não necessariamente pagas no período de referência para a análise. O SIP coleta informações autodeclaradas pelas operadoras, porém muito consistentes com outros sistemas de coleta de informações da ANS, tais como o Documento de Informações Periódicas das Operadoras de Plano de Saúde (DIOPS). Ainda que eventuais sinistros não pagos parecem pouco relevantes no total geral se considerarmos o cruzamento com outros cadernos e controles da ANS.

Também foi utilizado para a verificação da consistência das informações outras fontes de dados da ANS, dentre elas, o painel dinâmico de informações Tabnet, cujos dados foram extraídos e tratados para a obtenção de segmentação por operadoras, de acordo com suas modalidades e todos os seus componentes de despesas e receitas. Também no Tabnet conferiu-se o total de vidas ativas no período e em dupla checagem com os Cadernos de Informações de Saúde Suplementar que tem o número de beneficiários com base no conjunto de dados do Sistema de Informações de Beneficiários (SIB).

A metodologia deste estudo poderia ser resumida na Figura 1, sendo organizada em 4 fases (i) definição de parâmetros; (ii) montagem dos indicadores a partir dos dados amplamente disponíveis sobre beneficiários (vidas) e montantes mensais desembolsados e sua utilização no cálculo do VCMH; (iii) tratamento estatístico dos dados e estruturação de um banco de dados e (iv) tratamento técnico dos dados para decidir critérios utilizados na segmentação do sinistro.

Figura 1 – Fases da construção do estudo



 

3.   O Cálculo da VCMH de 2019

As tabelas do estudo completo que deram base a este artigo podem ser encontradas no site da Arquitetos da Saúde em https://arquitetosdasaude.com.br/apresentacoes/vcmh-do-brasil/ porém, a base de cálculo pode ser sintetizada da seguinte forma:

Tabela 1

Cálculo do Custo Assistencial Per-capita segundo os dados da ANS de 2018 e 2019

Ano

Número de Beneficiários

Despesas Médicas (R$)

Custo Assistencial Per-Capita

2018

47227890

160072341642

282,45

2019

46499197

179444628390

321,59

NOTAS: sinistro por data de aviso conforme coletado do SIP, desconsidera eventos em regime de carência. Em 2019 foi considerado tempo de exposição em meses/ano de 11,862 que corresponde a taxa de rotatividade dos beneficiários de plano de saúde segundo a ANS em 2019 e 2018.

 

Considerando os totais per capita mensais do custo assistencial apurado na tabela 1, a VCMH de 2019 foi de 13,86% considerando os sistemas SIP e SIB e desconsiderando a frequência e custos assistenciais em período de carência, como indicado na Figura 2.

Figura 2 – VCMH 2019



Após o índice calculado, um passo importante é estabelecer o peso da frequência e do custo no índice total da VCMH. Para isto serão detalhados dos dados de frequência de utilização (demanda) e gasto por tipo de evento, como indicado na tabela 2.

Tabela 2 

Comparativo da frequência (demanda) per capita e custo do evento por episódio em 2018 e 2019

Descrição

2018

2019

Frequência

Custo (R$)

Frequência

Custo (R$)

Consulta Eletiva

4,6

86,93

4,7

87,74

Atendimento Pronto Socorro

1,2

112,41

1,2

112,54

Exames

18,2

38,96

19,7

39,26

Internação

0,172

9261,10

0,186

10231,54

Terapias

2

136,91

1,5

202,41

Atendimento Ambulatorial

3,5

80,93

3,4

92,59

 

Na tabela 2 se pode observar que, de maneira geral, a frequência variou menos que o custo dos eventos, porém é importante considerar o peso do sinistro em cada linha de grupo de eventos para obter maior precisão no impacto no índice geral da VCMH. Já a tabela 3 mostra a variação de 2019 em relação a 2018, de acordo com a natureza dos seus componentes indicados em cada linha para estabelecer a importância da variação total da frequência versus custo.

Tabela 3

VCMH aberto pelos componentes da variação

Descrição

Peso do Evento (%)

Variação da Demanda (%)

Variação do Custo (%)

VCMH (%)

Consulta Eletiva

11,25

3,15

0,93

0,48

Atendimento Pronto Socorro

3,79

1,23

0,12

0,05

Exames

20,49

8,06

0,77

1,86

Internação

48,16

8,19

10,48

9,16

Terapias

8,06

-21,66

47,85

1,26

Atendimento Ambulatorial

8,25

-1,77

14,41

1,03

TOTAL

100,00

3,50

10,36

13,83

NOTAS: Peso do evento é o percentual do sinistro no total do período. Variação da demanda é a frequência média de eventos realizados por beneficiário. Evento é o sinistro dividido pela quantidade. VCMH é o peso relativo à linha que compõe o índice total discriminado na linha “total”. A variação da demanda pode sofrer alteração no percentual em função da necessidade de ajuste relativo ao impacto da variação da demanda (indicador não financeiro) na variação total da VCMH (indicador financeiro). Embora se considerem no cálculo os ajustes necessários, estes não foram apresentados na tabela dado que são insignificantes e, também, para facilitar a explicação desta planilha de cálculo.

 

A demanda respondeu por 3,50 pontos percentuais da VCMH enquanto o custo do evento respondeu por 10,36 pontos percentuais. A questão que se abre é: se a variação do custo é mais importante que a variação da demanda e, caso afirmativo, se as operadoras estariam repassando toda esta variação de custo aos prestadores? É pouco provável que sim. A variação do custo do procedimento se dá também por outros fatores, tais como a criação de pacotes de procedimentos, a variação da complexidade que compõem o serviço médico de um ano para outro, o eventual incremento do rol de procedimentos, etc.

Da forma como os dados se apresentam é possível afirmar que a variação do custo foi mais importante que a variação da demanda no ano de 2019.

Ainda não foi possível, com base nos dados utilizados, segmentar a variação da complexidade embutida no custo para compreender qual a parcela dos 10,36% de variação se refere ao repasse médio de custo do procedimento e quanto seria a variação do nível de complexidade dos serviços médicos, ou seja, novos eventos que compuseram o grupo de despesas ou a maior variação de determinados eventos no grupo representando maior agravamento ou complexidade da demanda.

4.   A VCMH calculada em série histórica

Todo o cálculo demonstrado para o ano de 2019 (variação 2019/2018) foi realizado com o mesmo nível de detalhe para os demais anos da série. Assim, nas tabelas 4 e 5 se resume o cálculo e a análise da VCMH para o período 2014 a 2019.

Tabela 4 – análise sintética da série histórica da VCMH

Tabela 5 – série histórica da VCMH por demanda e custo


Buscando-se utilizar uma metodologia de cálculo transparente, com base em dados públicos, a VCMH calculada pela Arquitetos da Saúde tem forte correlação com o indicador da ANS para reajuste dos planos individuais, mas, a partir de 2019 essa correlação diminuiu em função de alterações na metodologia de cálculo da ANS para reajuste dos planos individuais. Essas alterações foram publicadas na RN 441 de 19/12/2018. A partir de 2019 a ANS passou a considerar apenas os dados dos planos individuais e não mais os dados de planos coletivos, o que diminuiu consideravelmente sua base de cálculo, além de incluir novos fatores distintos da variação de custos como, por exemplo, um fator de ganho de eficiência e outro de variação da faixa etária, que atenuaram a variação do índice.

Considerando os dados públicos da ANS que embasaram o trabalho da Arquitetos da Saúde, pode-se observar que a variação da demanda na VCMH tem uma relevância importante na composição do índice total, mas historicamente menor que a variação do custo médio do evento.

Dadas as explicações acima, a diferença apurada entre a VCMH e o índice autorizado para reajuste dos planos individuais de 2014 a 2018 era de 0,56% a.a. No entanto, com a elevação da VCMH no ano de 2019, este descolamento passou para 1,55% a.a., como pode ser visto na tabela 6.

Tabela 6 – série histórica da VCMH


É importante frisar que a correlação é diferente da proximidade entre os índices. A correlação apenas demonstra que as variações a cada ano são muito semelhantes entre os dois índices.

 

A grande questão a ser buscada em futuras análises deste material ou em complementos antecipados é quanto às razões detalhadas do custo médio dos eventos com alta variação, muito acima do reajuste da tabela de preços dos procedimentos. Para isto estamos estudando e consolidando os dados detalhados na ANS no Portal Brasileiro de Dados Abertos.

A VCMH deveria ser aberta em três componentes: (1) variação da demanda, (2) variação do custo médio do evento e (3) variação do custo da complexidade. Os componentes (1) e (2) já estão contemplados nesse estudo, porém, o componente (3) só poderá ser calculado com a depuração dos dados de contas médicas detalhado.

5.   O incrível crescimento dos beneficiários de plano de saúde durante a pandemia

É impressionante que, em plena pandemia, tenha ocorrido uma recuperação no número de beneficiários dos planos de saúde bem maior do que a perda destes, chegando a representar quase um milhão de novos egressos no sistema de saúde suplementarem plena crise econômica e alta do desemprego.

Desde o seu início, a pandemia trouxe para o setor de saúde uma grande expectativa de perda e, para os planos de saúde, uma expectativa de aumentos de sinistralidade, afetando a VCMH em 2020. O primeiro grande impacto foi o represamento de despesas médicas e o segundo a saída de 384.605 beneficiários do sistema de saúde suplementar até o mês de setembro do ano passado. A partir daí ocorreu uma recuperação e um forte crescimento do setor, compondo um saldo de 47.564.363 beneficiários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Um aumento surpreendente, conforme pode ser verificado na tabela 7.

Tabela 7 – Alterações no Número de Beneficiários dos Planos de Assistência Médica

entre 2019 e 2020 

NOTAS: Movimentação cadastral ANS base: graf 2 do caderno de informações da saúde suplementar + sala de situação em fevereiro 2021 para o dado de dez/2020.

 

Impressiona o fato de que, em 2020, para ter ocorrido uma perda tão grande, seguida de uma recuperação maior ainda, foram necessários 909.240 beneficiários novos! Basta somar os números positivos da coluna Variação de Beneficiários, já que essa coluna representa o número de entradas e saídas de beneficiários de cada trimestre. Essa recuperação e crescimento no número de beneficiários só foi possível, em parte, pelo medo da pandemia e pela crença de que ter um plano de saúde naquele momento significava uma proteção maior em relação a eventuais contaminações pelo vírus da Covid-19, ainda que boa parte dos novos segurados estivessem sujeitos a um período de carência e cobertura parcial temporária para doenças e lesões pré-existentes.

Para se ter uma ideia da complexidade desse cálculo, especialmente em 2020, é necessário avaliar o tempo de exposição. Se uma pessoa adquiriu um plano médico em janeiro, ela contribuiu com 12 meses de receita, embora ela possa ter utilizado recursos do plano com assistência médica durante o mesmo período. Mas como nem todos utilizam o plano médico durante todos os meses, chamaremos este período de tempo de exposição (possibilidade de ter utilizado o plano). Assim, uma pessoa que entrou em março, tem exposição igual a 10 meses, ao longo do ano, a partir do próprio mês do seu ingresso. Se uma pessoa entrou em janeiro e saiu em junho, ela teve uma exposição igual a seis meses, e assim por diante.

Neste sentido, em 2020, ainda que de forma preliminar, houve uma exposição média inferida em 11,89 meses. Dessa forma, a exposição permaneceu quase plena, ou seja, próxima a 12 meses do ano, pois o “estoque” de beneficiários que vieram de 2019 e permaneceram representa algo próximo a 98% e as perdas durante o ano de 2020 foram repostas e superadas, como pode ser visto na tabela 8.

Tabela 8: 

Análise Preliminar do Tempo de Exposição dos Beneficiários de Planos de Saúde em 2020

NOTAS: Movimentação cadastral ANS base: graf 2 do caderno de informações da saúde suplementar + sala de situação em fevereiro 2021 para o dado de dez/2020. Enquanto a ANS não divulgar o fechamento oficial do número de beneficiários de dezembro/2020 (edição março/2021 aguardada do seu Caderno de Informação da Saúde Suplementar),

 A não ser que os dados consolidados de dezembro/20, a serem divulgados pela ANS, apresentem grande variação, nota-se que a pandemia não afetou sensivelmente o tempo médio de exposição. Historicamente o estoque (base mínima de beneficiários no início do período) tem sido sempre estável, mesmo com toda a oscilação em torno do número inicial, pois o estoque de beneficiários que permanece no sistema geralmente tem sido relativamente constante e próximo a 47 milhões ao longo de vários anos.

Deve-se aguardar o número consolidado de dezembro/2020 a ser divulgado pela ANS para considerações definitivas, pois a dificuldade de estabilizar o número de beneficiários divulgado pela Agência é sistêmica, pois ela sempre faz correções retroativas em números já divulgados a cada nova versão do seu Caderno de Informação da Saúde Suplementar.

A Arquitetos da Saúde tem avaliado todas as edições do Caderno desde 2011 para analisar o tamanho dessas retificações. Para dar um exemplo, nas versões dos Cadernos publicados entre março/19 e junho/20 o número de beneficiários, em dezembro/18 teve retificações que geraram uma diferença de 46 a 219 mil beneficiários, como pode ser visto no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Ratificação do Número de Beneficiários de acordo com diferentes versões dos Cadernos da ANS


Levando em conta o contexto de 2020 e nossa estimativa do tempo de exposição já apresentada aqui, o próximo passo foi realizar o cálculo preliminar da VCMH de 2020, considerando que até aqui só é possível estima-lo com dados acumulados até o terceiro trimestre do ano passado, conforme indica a Figura 3.

Figura 3 - Status da Sala de Situação em 04/03/2021

NOTA: print da sala de situação da ANS disponível em https://ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/sala-de-situacao

 

Considerando os dados preliminares demonstrados pela ANS, a análise pode indicar dois cenários para a VCMH. O primeiro leva em conta as despesas assistenciais acumuladas até o terceiro trimestre de 2020 versus 2019. Um tempo de exposição de 8,976 meses de janeiro a setembro de 2020, e o número de vidas, conforme o Caderno de Informação da Saúde Suplementar (edição de dezembro/20), conforme indicado na tabela 9:

Tabela 9 - Estimativa da VCMH no Terceiro Trimestre de 2020 (Cenário 1)


O segundo considera os mesmos períodos, mas apenas com as informações da Sala de Situação que tem um número muito maior de beneficiários até setembro/20 e um ajuste no tempo de exposição para 8,91 meses de janeiro a setembro, conforme indicado na Tabela 10:

Tabela 10 – Estimativa da VCMH no Terceiro Trimestre de 2020 (Cenário2)


Em ambos os casos, a VCMH é negativa e com certeza gerará uma série de impactos políticos e técnicos. Para complemento e detalhamento dos impactos de uma VCMH negativa em 2020 sugere-se a leitura do artigo publicado em https://arquitetosdasaude.com.br/bonanca-ou-tempestade-perfeita/.

Por fim, se analisa a evolução histórica da VCMH-Brasil segundo cálculo exclusivo feito pela Arquitetos da Saúde (Tabela 11 e Gráfico 3)

Tabela 11: Evolução Histórica da VCMH-Brasil da Arquitetos da Saúde: 2014-2020


Gráfico 3

VCMH Brasil x Teto de Reajuste da ANS para Planos Individuais


De todas as formas, mesmo diante de quaisquer eventuais retificações retroativas dos dados a serem divulgados pela ANS, não existe grande potencial para alteração do índice negativo da VCMH-Brasil em 2020, que ocorre, pela primeira vez, em toda a sua série histórica.

O impacto histórico deixado pela pandemia do novo coronavírus, com certeza, afetará em algum grau o índice médio de reajustes dos planos coletivos, ainda que a data base do VCMH das operadoras que servirão de base para o reajuste de 2021 não considera necessariamente o período de janeiro a dezembro. É mais previsível, pela experiência passada, o uso de um período “quebrado” como, por exemplo, de julho/19 a junho/20. Não há uma regra fixa de data base das operadoras para divulgação da sua VCMH e muito menos o detalhamento da variação de cada uma delas.

 

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