quarta-feira, dezembro 01, 2021

A Vacinação Global e a Variante Omicron: Teremos novamente que postergar as expectativas?

Ano 16, Número 125, Dezembro de 2021

André Cezar Medici

Os progressos na vacinação contra a Covid-19

Apesar do crescimento de casos de Covid-19 na Europa e Estados Unidos ao longo dos últimos meses, e da resistência irracional de parte da população destes países contra as vantagens cientificamente comprovadas pela imunização, o avanço nos processos de vacinação contra o vírus da Covid-19 trouxe uma luz no fim do túnel para os governos e para a sociedade que ainda sofrem o stress trazido pela pandemia e pela ansiedade em retomar as atividades econômicas, sociais, educacionais e a “liberdade de ir e vir”, as quais garantem o crescimento econômico sustentável numa sociedade cada vez mais globalizada.  

Observando os dados, podemos dizer que a vacinação contra a pandemia, que começa logo no início de 2021, interrompeu um período de crescimento quase exponencial do número de casos de Covid-19 ao longo de 2020, ainda que tenha inaugurado uma espécie de “roller-coaster” na dinâmica global da pandemia nos últimos meses. Em outras palavras, os novos casos diários de Covid-19, ao nível global, deixaram de crescer de forma contínua, como ocorreu em 2020, e passaram a se configurar como um movimento cíclico de vai e vem ao longo de 2021, como pode ser visto no gráfico 1.


Nos países mais ricos e com instituições sólidas, o crescimento da vacinação teve rápido crescimento entre os segmentos da população com melhores níveis educacionais e mais informação. Eles acreditaram que a imunização era a chave para reduzir o risco pandêmico e retornar à normalidade. Mas, na medida em que esses segmentos se vacinaram e os níveis reduzidos de contaminação trouxeram o retorno progressivo de atividades econômicas, educacionais e de convivência social, começou a ficar visível a resistência à vacinação entre determinados segmentos menos conscientes, criando barreiras para evitar a expansão do número de infectados. Se soma a isso tudo o descontrole da expansão pandêmica entre os países mais pobres, sem disponibilidade de recursos ou organização logística para vacinar seus habitantes. O negacionismo e a pobreza são hoje os dois grandes desafios para universalizar a vacinação e, dessa forma, prever o fim da pandemia.


Os Desafios na Vacinação Contra a Covid-19

 

Desde outubro de 2021 o mundo registra um novo crescimento dos casos diários de Covid-19, associado a expansão das Variantes Delta e Delta-Plus, em crescimento na Europa e nos Estados Unidos[i], e à resistência prolongada de setores da população nestes países em aceitar como necessária a vacinação, seja por motivos religiosos, ideológicos ou mesmo por acreditar em notícias falsas veiculadas nas redes sociais. Novas variantes do vírus numa sociedade com dificuldades de expandir rapidamente a cobertura vacinal tem sido elementos que fazem com que os avanços trazidos pelas vacinas contra o Covid-19 não tenham alcançado ainda plenos resultados.

Em 27 de novembro de 2021, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 42,8% da população mundial tinha completado o processo de vacinação contra o Covid-19, apesar de já terem sido administradas quase 8 bilhões de doses de vacina, ao nível mundial. A cobertura de vacinas varia desde 100% da população, em micro países ou localidades ricas como Aruba, Bahrain, Ilhas Cayman, Gibraltar, Malta, Turks & Caicos e Emirados Árabes Unidos, até menos de 2% em países muito pobres como Burundi, Chad, Congo, Etiópia, Guine Bissau, Haiti, Madagascar e Sudão do Sul.

O gráfico 2 mostra a evolução do processo de vacinação contra o Covid-19 entre os distintos grupos de países, segundo o nível de renda, na classificação do Banco Mundial, demonstrando que há uma forte correlação entre a renda per-capita e o progresso nos níveis de vacinação.

Os dados revelam que, em fins de novembro de 2021, os níveis de vacinação permanecem críticos entre os países de renda baixa, com valores médios inferiores a 10 vacinas para cada 100 habitantes, enquanto que os países de renda alta e de renda média alta alcançaram taxas de vacinação superiores a 140 para cada 100 habitantes. Há ainda um hiato razoável para que seja completado o processo de vacinação, inclusive nos países de renda alta, ao se considerar que, em geral, são necessárias pelo menos de duas doses para cada habitante (com exceção da Jensen) para uma imunização total. Se soma a isso, a necessidade de reforço ou terceira dose para determinados segmentos da população (idosos, pessoas com condições crônicas, etc.), o qual se tornou premente com os resultados de estudos científicos que acompanham os níveis de anticorpos entre populações vacinadas, evidenciando que há um declínio ou perda de imunidade entre vacinados num período de 6 a 8 meses a partir da segunda dose. Adicionalmente, o advento de variantes onde a eficácia da vacina é menor, como as Delta e Delta-Plus tem sido outros fatores que aumentam a necessidade de doses de reforço.

A necessidade de mais vacinas também aumenta pelo fato de que muitos países, como os Estados Unidos, já estão autorizando a aplicação de vacinas para crianças a partir dos cinco anos de idade e já cogitam a terceira dose imediata para os maiores de 18 anos com mais de 6 meses de distância da segunda dose, processo que certamente se repetirá em todos os países.


O gráfico 2 mostra também a trajetória do processo de vacinação desde dezembro de 2020.  Fica evidente que os países de renda alta (Estados Unidos, Europa, Japão, etc.) saem na frente no processo de vacinação, mas são alcançados pelos países de renda média alta (como Brasil, Rússia, China, África do Sul, etc.) a partir de outubro-novembro de 2021 que aceleraram o ritmo de vacinação de suas populações na mesma fase em que desacelera o ritmo de imunização nos países de renda alta[ii].

Pode-se ainda dizer que, por razões que necessitam maiores estudos sociais e comportamentais, os países de renda alta, mesmo tendo uma ampla disponibilidade de vacinas para sua população, tem apresentado, como já mencionado, forte resistência de parte substancial de seus habitantes, em se vacinar, especialmente aqueles sob influência de lideranças políticas ou religiosas radicais ou grupos de menor escolaridade, por questões não só de desinformação ou por informações falsas veiculadas em redes sociais de mídia que são, atualmente, o principal acesso comunicacional de parte expressiva dessas populações.

No caso dos países de renda média alta, ao contrário dos países ricos, há uma ampla aceitação de sua população às vacinas e o nível de vacinação avança de acordo com a disponibilidade das empresas farmacêuticas nacionais e internacionais em produzir ou exportar vacinas para estes países. Essa diferença comportamental é importante para explicar algum sucesso na redução de casos e mortes pela pandemia nos países de renda média alta, especialmente em determinadas regiões como a América Latina.  

Os Casos do Brasil e dos Estados Unidos

 

Vejamos, por exemplo, o que ocorre na comparação entre os Estados Unidos e o Brasil - dois populosos países, um de renda alta e outro de renda média alta - que detiveram, por algum tempo, os maiores quantitativos de casos e mortes por Covid-19. O gráfico 3 mostra a evolução do número de vacinas aplicadas por 100 habitantes entre janeiro e novembro de 2021. 

Fonte: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations

 

Observa-se que nos Estados Unidos, há substancial crescimento das taxas de vacinação entre janeiro e junho de 2021, como resultado das promessas de campanha de Joe Biden em vacinar a maioria dos habitantes no primeiro semestre de 2021, após vencer as eleições contra Donald Trump. O uso de estímulos econômicos do governo federal e dos governos estaduais para que a população jovem ou mais pobre se vacinasse, como pagamentos de bônus monetários aos que se dispunham a vacinar, prêmios de loterias e outro, foram importantes incentivos para adesão da população relutante e para o progresso da imunização, que alcançou níveis aparentemente confortáveis até a festa da independência, quando muitos norte-americanos, confiantes na vacinação e observando a redução de casos após a primeira onda pandêmica, lotaram os espaços públicos para comemorar a queima de fogos de artifício no dia 4 de julho.

No entanto, entre julho e novembro de 2021 se iniciou uma redução no ritmo de crescimento das vacinas administradas, demonstrando que existe um teto para o número de norte-americanos que aceitam ser incluídos no processo de vacinação contra o Covid-19. Atualmente, o número de pessoas totalmente vacinadas nos Estados Unidos se aproxima ao número de pessoas que receberam a primeira dose, demonstrando um espaço de rejeição substancial entre os que ainda não se vacinaram.

O uso de regulações restritivas para os não-vacinados tem sido tímido e o governo tem estudado meticulosamente se vale ou não a pena tomar medidas mais drásticas, como proibir a circulação de pessoas em espaços públicos fechados, ambientes de trabalho, estabelecimentos comerciais e templos religiosos, sob a pena de perder a popularidade entre aqueles que acham que tem o direito individual de não se vacinar, colocando em risco suas vidas e as de parte substancial da coletividade. Poucos estados, como Nova York[iii], têm adotado o passaporte de vacina para o uso de espaços públicos, como restaurantes, ou para autorizar o retorno presencial ao trabalho.

No Brasil, ocorreu o contrário, ou seja, se observou uma ampla disposição das famílias em se vacinar, apesar do negacionismo do presidente da república e de suas estratégias de marketing para criar um sentimento contrário à vacinação entre a população brasileira. Sendo assim, o avanço da vacinação no Brasil tem sido exponencial e só não foi maior em função de várias disfuncionalidades iniciais, como a falta de vacinas provocada pelo atraso em negociar acordos do governo com as empresas farmacêuticas para a compra antecipada e produção nacional de imunobiológicos para o Covid-19, além de demoras não previstas na produção nacional de vacinas como a CoronaVac e a Oxford-AstraZeneca. Muitos destes atrasos na negociação de vacinas ocorreram apesar dos esforços de algumas farmacêuticas, como a Pfizer, em tentar fechar antecipadamente acordos com o governo que poderiam ter posto o país numa situação mais segura no início do processo de vacinação.

O aspecto positivo, no entanto, foi o grande esforço da imprensa, das redes de comunicação, de algumas mídias sociais e dos governos estaduais e municipais não alinhados com o governo federal, em conscientizar a população e pressionar a classe política para avançar com o processo de vacinação e disponibilização de recursos para a compra e distribuição de vacinas, o que acabou levando o Brasil a alcançar, em 1º. de novembro de 2021, um número de vacinas administradas por 100 habitantes (130,4) superior ao existente nos Estados Unidos (127,0), como se observa no gráfico 3.

 O Dilema  da Vacinação nos Países Pobres

 

Nos países mais pobres e de renda média baixa, como demonstrou o gráfico 2, a vacinação tem avançado a passos muito lentos. Em 27 de novembro de 2011, por exemplo, o número de vacinas administradas nos países de renda média baixa era em torno de 70 por 100 habitantes, enquanto que nos países de renda baixa era de apenas 8 por 100 habitantes.

Os países de renda alta e de renda média alta tiveram mais do dobro de vacinas administradas por 100 habitantes do que o registrado nos países de renda média baixa em 27 de novembro de 2011 (em torno de 148 por 100 habitantes). Enquanto isso, os países de renda baixa tinham, nesta mesma data, níveis de administração de vacinas equivalentes aos registrados em 1º de fevereiro de 2021 nos países de renda alta. Isso pode indicar que, apesar de sua importância, os mecanismos de disponibilização de vacinas para os países mais pobres, como o COVAX, administrado por um consórcio de instituições multilaterais e-bilaterais liderados pela OMS, não têm sido suficientes para reduzir o fosso de cobertura entre as necessidades de vacinação e a disponibilidade de vacinas nos países mais pobres[iv]. Tudo isso, está associado, a vários fatores, cabendo destacar:

·       Primeiramente, a absorção de grande parte da produção de vacinas do Covid-19 pelos países de renda alta e de renda média alta, os quais tem poder de compra e disponibilidade de recursos para adquirir e estocar mais vacinas do que necessitam, em detrimento dos países de renda média baixa e renda baixa, que além das dificuldades financeiras, técnicas e operacionais para comprar, estocar e administrar vacinas, dependem da ajuda dos organismos multilaterais e da caridade dos países ricos para adquirir vacinas para seus cidadãos; 

·      Em segundo lugar, pelo fato de que há um forte desconhecimento das necessidades de vacinação nos países mais pobres. Segundo estimativas do Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), se pode dizer que embora o número oficial de mortes globais por Covid 19 esteja em torno de 5,1 milhões ao fim de Novembro de 2021, o número real do legado de mortes trazidos pela pandemia foi em torno de 12,2 milhões de vidas (variando entre 8.6 e 17,7 milhões), e a maior parte das mortes não registradas esteve concentrada nos países mais pobres. A inexistência de dados e registros consistentes sobre casos e mortes por Covid-19 se soma à falta de testes para diagnóstico e infraestrutura de saúde para tratamentos e hospitalizações, acarretando em um número extraordinário de casos e de mortes não registradas ou declaradas.

O gráfico 4 mostra que existe uma correlação exponencial entre o percentual de registro de mortes por Covid-19 como proporção das mortes totais pela doença e a renda per-capita das regiões mundiais, ou seja, quanto mais rica é a região, maior a capacidade institucional de registrar mortes por Covid-19 e, portanto, de ter indicadores que possam orientar a ação do governo no sentido de políticas proativas para orientar a vacinação, além da precisão das medidas de distanciamento social, hospitalização, alocação de recursos para o combate à pandemia e tratamento de casos.


Regiões mais pobres, como a África Subsaariana e a Ásia do Sul, registraram até novembro de 2021 entre 10% e 20% das mortes estimadas por Covid-19. Em um patamar um pouco mais alto está a Ásia do Leste e Pacífico e o Oriente Médio e Norte da África, que registram entre 30% e 40% das mortes estimadas. Um pouco mais acima, se encontram regiões como a América Latina e Caribe e Europa e Ásia Central, que registraram entre 70% e 80% das mortes.  Por fim, a América do Norte (Estados Unidos e Canadá) foi a região com o melhor desempenho no registro de mortes por Covid-19, alcançando uma contabilidade de mais de 80% das mortes estimadas.

A América Latina e Caribe, como região, teve um bom desempenho relativo no registro de mortes pela pandemia, sendo, em relação à sua renda per-capita, um ponto fora da curva apresentada no gráfico 4 quando comparada com as demais regiões mundiais. Apesar de ter uma renda média per capita equivalente a um terço da estimada para os países da Europa e Ásia Central, a região apresentou um desempenho na capacidade de registro de mortes por Covid-19 ligeiramente superior ao daquela região, o que demonstra um alto nível de confiabilidade nos sistemas de vigilância epidemiológica montados para o registro de mortes associadas ao Covid-19.

Já nos países da África Subsaariana (com algumas exceções) os governos não têm como atender às necessidades de suas populações frente ao avanço da contaminação pandêmica. Além de outros graves problemas, como a incidência endêmica de outras doenças transmissíveis já erradicadas nos países de maior renda, indicadores precários de desnutrição e mortalidade materna e infantil, se somam às fortes deficiências nas estruturas de promoção, prevenção e tratamento organizadas através dos sistemas de saúde locais. Tudo isso tem levado muitos governos africanos a um negacionismo extremo, à indiferença ou a soluções inefetivas para o combate à pandemia.

Artigo recente publicado no The Wall Street Journal reportou que na Tanzânia, o ex-presidente John Magafuli que morreu em fevereiro de 2021 em decorrência de complicações de Covid-19, negou a existência da pandemia em seu país, propondo práticas irresponsáveis como receitar publicamente panaceias para o tratamento de gripe ou pneumonia e proibindo o registro e a coleta de dados sobre casos e mortes associados ao Covid-19[v], além da perseguição política a médicos e entidades que ajudavam as comunidades pobres a se proteger e a tomar medidas de precaução em relação à pandemia.

A Necessidade de Vacinar vai Além das Fronteiras Nacionais

Os progressos da vacinação contra o Covid-19 em 2021, embora tenham sido aquém do desejável, foram muito importantes para a redução do número de casos graves, hospitalizações e mortes pela pandemia.

Sabe-se hoje que as vacinas existentes podem não ser totalmente eficazes na prevenção dos casos de Covid-19, mas são a melhor forma de evitar casos graves e de hospitalização pela doença. Um estudo conduzido pelo Center of Diseases Control (CDC) dos Estados Unidos entre 4 de abril e 2 de outubro de 2021[vi], demonstrou que uma pessoa não vacinada tem 5,8 vezes mais probabilidade de contrair Covid-19 e 14 vezes mais risco de mortalidade pela doença do que uma pessoa totalmente vacinada (ou seja, duas semanas após receber a segunda dose da vacina), como pode ser visto no gráfico 4[vii].


A vacinação em massa, portanto, é a melhor aposta para a regressão da contaminação pandêmica. Mas o esforço de vacinação numa sociedade globalizada, onde as pressões para a retomada das atividades econômicas e do comércio mundial são a essência da prosperidade e do combate à pobreza, tem que ser um esforço global, e não apenas dos países que podem custear a produção de vacinas e a administração das estratégias de vacinação.

Se os países ricos e de renda média alta não colaborarem com os organismos multilaterais em buscar recursos e estratégias para a vacinação dos países mais pobres[viii], onde o número de casos e de mortes reais pela pandemia é várias vezes superior ao número de casos e mortes registradas, estarão contribuindo para que o quadro de risco pandêmico não venha a se reverter tão cedo. E a razão para isso é muito simples. Nestes países, onde os níveis de contaminação são mais elevados como resultado dos baixos níveis de vacinação, se geram condições mais favoráveis para o surgimento de variantes de "interesse" e "preocupação" do Covid-19, dado que um número maior de organismos humanos infectados aumenta a probabilidade do coronavírus, ao infectar células e reproduzir-se, produzir erros ao copiar seu próprio material genético, gerando então novos vírus com mudanças na sequência de RNA. Portanto, quanto mais pessoas forem infectadas, maior será a taxa de replicação e maiores são as chances de surgirem novas variantes do Covid-19.

Na ausência de medidas globais de controle de aeroportos e fronteiras, distanciamento social, uso de máscaras e vacinação mandatória, as novas variantes que surgem nos países onde a transmissão é elevada e a vacinação é baixa, novamente passam a correr o mundo e acabam contaminando as pessoas que não se vacinaram nos países ricos ou até mesmo as pessoas com vacinação completa, dado que, como mencionamos antes, novas variantes podem enfraquecer o grau de imunização das vacinas até o momento ministradas.

Assim, a Variante P1 foi gerada no Amazonas – um estado brasileiro pobre e desigual - num momento em que enfrentava uma grande crise de contaminação pandêmica. A variante Delta foi gerada na Índia em condições similares, tomando em consideração que a Índia, apesar de ter alcançado níveis relativamente elevados de vacinação completa para um país de renda média baixa (32% em 27 de novembro de 2021), apresentava, na mesma data, um registro de mortes por Covid-19 de 14% do total de mortes estimadas no país, o que demonstra que o sistema de vigilância ainda é bastante débil.

Toda vez que o vírus replica no organismo de uma pessoa, há uma chance de surgir uma variante. Quanto maior a taxa de replicação, e quanto mais pessoas são infectadas, maiores são as chances de surgirem novas variantes. Mas nem sempre os países mais pobres têm a possibilidade de identificar estas variantes, dado que as mesmas dependem de sofisticados sistemas de sequenciamento do genoma do vírus que não estão disponíveis nestes países.

Portanto, os insuficientes níveis de vacinação nos países mais pobres, além de abrirem espaço para a criação de novas variantes do Covid-19, fazem com que a descoberta destas novas variantes ocorra quando os níveis de infecção das mesmas já atingem níveis comunitários e são exportados para outros países, o que torna premente a necessidade de medidas globais que possam facilitar o aumento dos níveis de cobertura vacinal contra o Covid-19 nos países mais pobres.

 O Desafio da Nova Variante Omicron

Desde a semana passada há notícias, em certo sentido alarmantes, sobre a expansão da variante Omicron do Covid-19 (Variante B.1.1.529). Identificada inicialmente em 9 de novembro de 2021 em Botswana, a variante foi reportada à OMS pelo sistema de saúde da África do Sul tendo sido imediatamente classificada como “variante de preocupação”[ix] porque em seu sequenciamento genético foi identificado um número muito superior de mutações quando comparado com qualquer outra variante previamente identificada. Seguem abaixo algumas das características que marcam esta nova variante:

  •  Número de mutações:  Cientistas reunidos pela OMS nos     últimos        dias            descobriram preliminarmente que a variante Omicron tem entre 45 e 52 mutações em seu perfil genético, mas dessas, foram destacadas como relevantes 26 a 32 mutações que   ocorrem na proteína “spike”, a qual estabelece  os     canais     de     infecção    do   vírus    nas células humanas na transmissão e desenvolvimento da Covid-19.
  • Efeitos das mutações: A avaliação das novas variantes busca detectar se as mutações são capazes de tornar o vírus resistente aos efeitos das vacinas, se tornam o vírus mais transmissível em comparação com as variantes existentes e/ou se aumentam a severidade e a hospitalização relacionada à doença. Estes temas estão sendo pesquisados em várias frentes em relação a variante Omicron, mas ainda não há respostas definitivas. Mas parece que a Omicron aumenta a transmissibilidade da doença em proporções maiores do que a variante Delta, em função dos resultados encontrados na África do Sul, expressos no gráfico 6, onde a Omicron (B.1.1.529) passa a representar quase 75% dos novos casos de Covid-19 registrados na primeira quinzena de novembro de 2021.



  •  Número de países onde a variante foi detectada: Até 30 de novembro de 2021 havia a notícia de que o número de países que identificaram a variante Omicron estava em torno de 20, mas esse número é incerto, dado que a cada hora novas notícias se sobrepõe, como a identificação, há poucas horas, de 61 dos 624 passageiros em um voo que chegou em Amsterdã proveniente da África do Sul. Em 1º de dezembro 3 casos já haviam sido identificados em São Paulo (Brasil) de passageiros oriundos da África do Sul e Etiópia (noticiado pela rede Bandeirantes), nos Estados Unidos (pelo menos un caso na California). Dos vários casos já identificados no Reino Unido, seis foram encontrados na Escócia, dos quais um deles de uma pessoa que não havia viajado para outros países e localidades, criando suspeitas de que já existe transmissão comunitária.
  • resposta das farmacêuticas e produtoras de vacinas: As empresas farmacêuticas estão apreensivas, mas já iniciaram testes em relação a variante Omicron. Mikael Dolstein, cientista da Pfizer, admite que a Omicron pode exigir novas vacinas se a nova variante superar a Delta globalmente e reduzir a proteção da vacina atual. Neste caso, a empresa deverá produzir uma nova vacina que deverá estar pronta até março de 2022. Paul Burton, diretor médico da Moderna, afirma que a empresa também poderia lançar uma vacina reformulada contra a variante no início do próximo ano, embora ainda não esteja claro se novas formulações serão necessárias ou se as vacinas atuais fornecerão proteção contra a nova variante. Já os representantes da AstraZeneca afirmaram que estão estudando os efeitos da vacina na variante Omicron em Botswana e Eswatini para coletar dados, enfatizando que sua vacina tem se mostrado eficaz em relação a todas as variantes do SARS CoV-2 até o momento.

Ainda é cedo para saber se a variante Omicron trará uma nova onda de contaminações, mortes e restrições à vida cotidiana, afetando ainda mais o crescimento econômico global e, especialmente, dos países pobres. Mas, pelo menos em minhas reflexões, considero que a melhor resposta global para evitar um longo e penoso período de doença e estagnação na economia global, seria aumentar a cobertura de vacinação em todos os países, tornando mandatório os testes e provas de vacinação para voos internacionais e investindo pesadamente em níveis globais de imunização que evitem a circulação do vírus e o surgimento de novas variantes. Isto exige, fundamentalmente, a responsabilidade e cooperação global para fortalecer os mecanismos de imunização e os sistemas de saúde dos países mais pobres, de onde saem hoje as principais variantes da pandemia. Não é apenas uma questão de solidariedade, mas também de sobrevivência e bem estar dos países ricos. Caso contrário, teremos que postergar indefinidamente nossas expectativas de retomar uma rota de crescimento sustentável.



[i] A variante Delta-Plus em países como a Inglaterra e os Estados Unidos representava cerca de 11% dos novos casos pandêmicos ao início de novembro de 2021.

[ii] A China, por exemplo, alcançou em 28 de novembro uma taxa de 1,9 vacinas para cada habitante, tendo como política explicita a universalização da segunda dose antes do final do ano em 2021.

[iii] Além de Nova York, que já adotou o passaporte da vacina, outros estados como Havaí e Illinois estão em processo de adotar. Enquanto isso, outros estados como Florida, Texas, Georgia, Tennessee, Missouri e Nebraska se pronunciaram veementemente que não irão adotar o passaporte ou medidas públicas restritivas contra não vacinados.

[iv] O mecanismo COVAX se dispõe a distribuir 2,0 bilhões de doses de vacinas para 92 países pobres em 2021 e 1,8 bilhões de doses adicionais em 2022, mas estes números para 2021, até o momento, não foram alcançados. A estimativa, em setembro deste ano, reflete um total de 1,4 bilhões de vacinas a serem distribuídas. Sobre as projeções iniciais do COVAX, ver Medici, A.C. (2021), Necessidades de Financiamento Global para Combater a Pandemia e Disponibilizar a Vacina em 2021, in blog Monitor de Saúde, Ano 15, No. 113, Janeiro de 2021, Link:   https://monitordesaude.blogspot.com/2021/01/covid-19-necessidades-de-financiamento.html

[v] Ver Parkinson, J. (2021), “Inside the World´s Most Blatant Covid-19 Coverup: Secret Burials, a Dead President” in The Wall Street Journal, published in November 4, 2021.

[vi]CDC (2021), “Rates of COVID-19 Cases and Deaths by Vaccination Status”. Link: https://covid.cdc.gov/covid-data-tracker/#rates-by-vaccine-status.

[vii] O gráfico 4 mostra também que existe evidência de diferenciais na eficácia relativa das vacinas no número de casos de Covid-19 na população totalmente vacinada, onde a Moderna e, em seguida a Pfizer, se posicionaram melhor do que a Janssen.

[viii] Até a data da publicação deste artigo, os Estados Unidos haviam distribuído, via COVAX, mais de 300 milhões de doses sobrantes de vacinas para países pobres e a China havia se comprometido a entregar cerca de 1 bilhão de vacinas somente para os países africanos.

[ix] Sobre a classificação das variantes do Covid-19 utilizada pela WHO, ver Medici, A.C. (2021), A Dança das Variantes in Blog Monitor de Saúde, Ano 15, No. 120, Junho de 2021, link: https://monitordesaude.blogspot.com/2021/06/covid-19-danca-das-variantes.html

 

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