Ano 8, No. 49, Janeiro 2014
André Cezar Medici
André Cezar Medici
Introdução
Três
fatores continuarão impulsionando a dinâmica do setor saúde em 2014 e,
provavelmente, nos próximos anos. O primeiro deles é o envelhecimento da
população mundial, com o crescimento da epidemia de doenças crônicas. Este
fato, associado ao crescimento da classe média e dos níveis de renda faz com
que mais e mais recursos venham a ser consumidos pela população de mais de 50,
mais de 60 e daí por diante. O segundo é a pressão crescente da comunidade
internacional, liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em
universalizar a atenção a saúde ao nível mundial – uma versão modificada do que
saiu ao final dos anos setenta na Conferência de Alma Ata com a proposta de Saúde para Todos no Ano 2000. O terceiro é o avanço nas pesquisas e na inovação tecnológica, dado que o setor
continua sendo a incubadora da ponta
tecnológica em áreas como medicamentos, imunobiológicos, equipamentos médicos e
sistemas de informação.
No entanto,
alguns prognósticos podem mostrar que, apesar destas tendências, alguns
problemas para o setor poderão aparecer no ano que se inicia. A edição especial
da revista The Economist, fechada em 30 de outubro de 2013, intitulada The World in 2014, indica que muitos
governos estão preocupados com a tendência de crescimento dos gastos em saúde e
provavelmente tentarão cortar gastos como parte de seus esforços para
estabilizar suas economias em épocas ainda marcadas por um frágil cenário de
crescimento econômico, como será este ano.
Este é o tema desta edição – a primeira de 2014 – do blog Monitor da
Saúde.
Os Antecedentes da Crise
Mesmo nos
países europeus, onde em sua maioria a cobertura dos serviços de saúde é
universal, os impactos da crise se fizeram sentir no setor saúde. Entre 2000 e
2010, o número de consultas por habitante caiu em quase todos os países,
variando de 0,2% (Luxemburgo) até 3,1% (Eslováquia). Mas boa parte deste
processo pode estar associada às medidas de racionalização impostas pela crise,
na tentativa de aumentar a produtividade do setor e cortar custos eliminando
visitas médicas desnecessárias.
Do ponto de
vista do gasto, a crise teve alguns impactos. Pela primeira vez nos anos
recentes, o gasto em saúde como porcentagem do PIB nos Estados Unidos se
reduziu de 17,7% para 17,6% entre 2009 e 2010, mas voltou a crescer
posteriormente, alcançando os 18% em 2013. O país continua a ser, portanto o de
maior gasto entre aqueles que pertencem a OCDE, gastando quase o dobro da média
dos demais países com saúde, como porcentagem do PIB. Como parte deste crescimento
tem aumentado fortemente a participação dos programas públicos – Medicare e
Medicaid – na composição do gasto em saúde nos Estados Unidos. Atualmente o
gasto público como proporção do gasto total em saúde nos Estados Unidos é maior
do que no Brasil.
Nos países Europeus, o gasto em saúde como % do
PIB em 2010 variou entre 7,0% (Polonia) e 11,6% (França). Como resultado
da crise, a maioria dos países europeus reduziu o gasto em saúde como % do PIB
entre 2009 e 2010, sendo as exceções Holanda, Hungria, Espanha, Itália e Suiça.
Mas a maioria dos países europeus aumentou o gasto percapita em saúde entre
2009 e 2010. As exceções foram República Tcheca, Estonia, Finlandia, Grecia, Islândia, Irlanda, Italia, Eslovênia
e Espanha onde o gasto percapita se reduziu, em alguns casos, em grandes proporções. Os países mais afetados pela crise
- Grecia, Irlanda, Itália e Espanha - foram
os que tiveram cortes recentes nos gastos percapita com saúde, alguns deles já
iniciando em 2008. A crise, portanto, tem trazido um cenário de gastos em saúde
que muito raramente ocorreu no contexto europeu do crescimento do Estado de Bem
Estar. Mas quais perspectivas podem estar associadas à tênue recuperação da economia mundial que
se inicia em 2013, liderada pelos Estados Unidos?
As Perspectivas do Mercado em Saúde para 2014
O ano que
se inicia poderá trazer novas perspectivas para o mercado de saúde, tanto no setor público como no
privado, associado basicamente ao comportamento das famílias. A reportagem do
The Economist estima que o crescimento do consumo privado em saúde em 2014
poderá variar dos módicos 0,7% nos países da Europa Ocidental, aos 9% nos
países da Ásia e Oceania (incluindo a Austrália). O consumo de saúde na América
Latina poderá crescer uns 6,6% e nos Estados Unidos o crescimento é estimado em
4,8%, neste caso estimulado pelo Plano Obama.
Como os
Governos são cada vez mais os grandes compradores de produtos farmacêuticos,
especialmente nos países em desenvolvimento, continuarão buscando acordos
comerciais para a redução dos preços de remédios e fármacos, obrigando estas
empresas a cortar custos e negociar com os laboratórios a produção de
remédios com flexibilização das patentes dos medicamentos de grande necessidade. Este processo poderá afetar
basicamente a indústria farmacêutica tradicional de base química, dado que os
ramos baseados na biotecnologia e na genética continuarão a crescer com o
mercado de novas drogas, estimulados pelos sucessos recentes em áreas como o
combate ao câncer. Estes novos segmentos da indústria tem uma enorme quantidade
de investimentos para amortizar e provavelmente os países desenvolvidos que são os
mercados preferenciais para estas novas drogas, continuarão a ser os primeiros a
pagar a conta.
Os cortes
nos custos da indústria farmacêutica tradicional poderão estar associados a
áreas não operacionais, dado que estas indústrias costumam
gastar entre 20% e 30% dos custos finais de seus produtos com propaganda. Em
contrapartida, tentarão buscar mercados mais institucionais, como o setor público, onde as estratégias
de venda não se concentram tanto no varejo mas sim em acordos e negociações
comerciais com Planos de Saúde, Seguros Públicos e Governos, os quais
crescentemente passam a incluir medicamentos como parte de seus custos, antes
externalizados para os pacientes. Mesmo assim, se estima que as vendas na indústria
farmacêutica crescerão 9% em 2014, segundo a reportagem do The Economist.
Nos
mercados públicos, no entanto, a perspectiva não parece ser de aumento nos
gastos para os países desenvolvidos. Na Europa, a necessidade de ajustes
fiscais de curto prazo, sem muitas mudanças nos esquemas de cobertura, poderão
reduzir o volume de gastos em governos ávidos por estratégias de racionalização
e detenção do aumento de novos benefícios. Haverá uma busca generalizada por medidas que aumentem a eficiencia na entrega
dos serviços e racionalizem os gastos com pessoal, insumos e medicamentos. A
isto se associam medidas severas contra migração e a extensão de direitos sociais
às poulações migrantes.
As Perspectivas do Plano Obama no seu Primeiro
Ano Real de Funcionamento
No caso dos
Estados Unidos, a grande novidade é a entrada em vigor, em 1º. de janeiro de
2014, das principais medidas de aumento de cobertura associadas ao Patient Protection and Affordable Care Act,
aprovado pelo Congresso Norte-Americano em 2010, conhecido como Plano Obama. As
fontes oficiais preveem cortes nos gastos no MEDICARE, reestimados em US$ 760
bilhões entre 2014-2022. Tais cortes estariam associados a gastos
desnecessários com hospitais (US$260 bilhões), com o Programa Medicare
Advantage (US$ 156 bilhões), com saúde domiciliar (US$ 66 bilhões), com
enfermagem especializada (US$39 bilhões) e com serviços comunitários (US$17
bilhões). Todos esses cortes seriam compensados com programas preventivos e
promocionais mais efetivos que possam manter os 50 milhões de idosos
dependentes do MEDICARE mais ativos e saudáveis no longo prazo e com medidas
que estimulem os distintos atores do sistema (hospitais, empresas de saúde domiciliar,
enfermeiras especializadas, etc) a serem mais eficientes.
Mas ao
mesmo tempo se esperam investimentos no mesmo período – especialmente em
atenção primária, promoção e prevenção e sistemas de informação e gestão – da
ordem de US$1,7 trilhões, as quais poderão gerar uma economia de US$ 2,7
trilhões nos custos gerais do sistema entre 2014 e 2022. Isto porque os novos
planos de saúde terão que cobrir exames e medidas preventivas sem co-pagamentos
e dedutíveis. Os velhos planos de saúde terão que adotar as mesmas práticas a
partir de 2018.
No entanto,
as fontes não oficiais não são tão otimistas. Ainda que esteja previsto que o número
de pessoas sem seguro de saúde poderá se reduzir de 55 milhões em 2013 para 44
milhões em 2014 e 37 milhões em 2015, este número alcançará um patamar de 30
milhões em 2018, podendo se estabilizar ou até aumentar até 2022,
segundo a reportagem do The Economist.
Algumas
medidas do Plano já entraram em vigor desde 2013, como a extensão até 25 anos
de idade da proteção dos filhos solteiros pelos planos de saúde mantidos pelos
seus pais. Atualmente os planos de saúde podem aumentar os prêmios de seguro
quando aumenta a sinistralidade dos indivíduos ou expulsá-los da cobertura. Mas
a partir do corrente mês, nenhum plano poderá mais cobrar adicionais ou rejeitar
pacientes em função de doenças pre-existentes.
A partir de janeiro de 2014 todos os indivíduos são obrigados a ter um plano de saúde, sob a pena de pagar uma multa no imposto de renda. E aqueles com renda entre um e quatro vezes o nível oficial de pobreza (que hoje é de US$ 11,5 mil per-capita por ano) receberão créditos fiscais para poder afiliar-se a um plano de saúde. Estas pessoas são aquelas que não tem, pela legislação em vigor, cobertura do MEDICAID – o seguro de saúde para aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza, criado com as reformas sociais de Eisenhower no final dos anos sessenta. Ainda que esta medida seja de aplicação imediata, ficará difícil sua adoção, dado que depende de que muitos estados façam os acordos necessários com o governo federal norte-americano e atualizem suas bases de cobertura do MEDICAID que se encontra defasada, não tendo incorporado, em muitos casos, os novos pobres que surgiram com a crise econômica iniciada em 2008.
A partir de janeiro de 2014 todos os indivíduos são obrigados a ter um plano de saúde, sob a pena de pagar uma multa no imposto de renda. E aqueles com renda entre um e quatro vezes o nível oficial de pobreza (que hoje é de US$ 11,5 mil per-capita por ano) receberão créditos fiscais para poder afiliar-se a um plano de saúde. Estas pessoas são aquelas que não tem, pela legislação em vigor, cobertura do MEDICAID – o seguro de saúde para aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza, criado com as reformas sociais de Eisenhower no final dos anos sessenta. Ainda que esta medida seja de aplicação imediata, ficará difícil sua adoção, dado que depende de que muitos estados façam os acordos necessários com o governo federal norte-americano e atualizem suas bases de cobertura do MEDICAID que se encontra defasada, não tendo incorporado, em muitos casos, os novos pobres que surgiram com a crise econômica iniciada em 2008.
Muitas
outras dificuldades ainda tem que ser resolvidas para que o Plano Obama seja
implementado. Entre elas, o aumento e atualização do valor da multa por não ter
o Plano na declaração de ajuste do Imposto de Renda. Em 2014 a penalidade foi
estipulada em somente US$95 (menos de 1% da renda correspondente a linha de
pobreza), o que não constitui nenhum incentivo material para que uma pessoa
venha a se afiliar ao Plano Obama.
Por outro lado,
como o estímulo a se afiliar a um plano de saúde está associado ao nivel de
saúde que os indivíduos tem, é provável que os mais jóvens não tenham incentivos para se afiliar e com isso, somente os doentes e mais velhos nas condições
de renda estipuladas se afiliarão aos planos, aumentando o risco atuarial
médio, o que pode a levar a aumentos indesejados nos custos. Este tem
sido um fantasma que ronda o Plano Obama desde sua concepção.
Outro
problema é a obrigação das empresas com mais de 50 empregados em organizar o
processo de afiliação de seus trabalhadores a um plano. Inicialmente prevista
para entrar em vigor em janeiro de 2014, esta medida foi postergada para o ano de 2015,
em função de pressões de distinta natureza. Neste
ínterim, muitas empresas de pequeno porte estão estudando a possibilidade de
converter seus trabalhadores de tempo integral para parcial (os quais não
entram na contagem dos 50 empregados) ou mesmo tercerizar seus trabalhadores
para que organizem pequenas empresas vendedoras de serviços. Com isso, a
obrigatoriedade se dilui e o aumento esperado na afiliação poderá não se realizar na proporção necessária.
O início do
processo de afiliação ao Plano foi conturbado, em função de problemas na página
web do Governo para acessar o sistema, gerando muitas críticas e
ceticismo em relação a eficiência dos mecanismos de gestão pública para a
implementação do Plano. No entanto, estes problemas se resolveram e, no início
de 2014 já se registraram cerca de 2 dos 11 milhões esperados para se
inscreverem ao longo do presente ano.
Por todas
estas incertezas, as expectativas do setor são de que o gasto com saúde salte
dos 18% para 18,3% do PIB, entre 2013 e 2014, permanecendo neste patamar até
2018, mas saltando para os quase 20% do PIB em 2022.
Um dos
maiores focos de resistência ao Plano, neste momento, são os médicos (incluindo
os clínicos gerais e médicos de família) que estão organizando seus próprios
esquemas de atendimento aos seus clientes e propondo processos mais
personalizados de atendimento que não seriam cobertos pelos Planos de Saúde. Passariam
a funcionar dessa forma, como uma fonte permanente de contacto para os
pacientes quando necessário mas limitariam o número de pacientes e receberiam
deles uma espécie de premio anual por este tipo de serviço personalizado.
Mas de
qualquer modo, não resta dúvida de que muitas soluções ainda estão a caminho. O
Plano Obama, mesmo com todo o debate que tem gerado sobre os problemas que pretende resolver, é sem
vias de dúvida um grande avanço para alcançar progressivamente a cobertura
universal em um país que tem os maiores gastos e as maiores desigualdades na
cobertura de saúde entre as nações desenvolvidas.
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