Ano 9, No. 68, Novembro 2015
André Cezar Medici
André Cezar Medici
Introdução
Os problemas de acesso a água, seja por causa
dos fatores climáticos ou pela degradação ambiental provocada pela ação do
homem, seja por causa da má administração dos recursos hídricos, poderão ser
determinantes na deterioração das condições sociais da população mundial mais
vulnerável e no aumento da desnutrição. Primeiramente porque o acesso a água é
determinante na produção agrícola e na disponibilidade de alimentos,
especialmente para os pequenos produtores e lavouras de subsistência. Em
segundo lugar, porque a falta de água, ou o acesso a água de má qualidade e a
falta de saneamento básico, aumenta a incidência de enfermidades transmissíveis
que podem causar diarréia e prejudicar os nives de nutrição infantil, estando
associada a questões como o baixo peso ao nascer.
É por este motivo que as preocupações com a
sustentabilidade ambiental, com a eficiência no uso de recursos hidrícos e com os
temas nutricionais e de saúde continuarão a ser relevantes no alcance dos
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), de acordo com a agenda mundial
definida no mês de outrubro de 2015. Ela leva a necessidade inexorável de
revisão das agendas nacionais de como os recursos hídricos deverão ser
gerenciados não só para a sustentabilidade ambiental (tais como decidir sobre
os níveis adequados de cobertura
florestal), mas também como elemento fundamental para a redução da pobreza e melhoria
das condições de saúde e nutrição, especialmente nos países em desenvolvimento,
como o Brasil.
O foco deste artigo é o impacto das condições
de acesso à agua e saneamento na nutrição e saúde na América Latina e Caribe.
Poucos estudos tem enfatizado o impacto das condições de saneamento nestes
temas. Demonstrar algumas evidências sobre o assunto poderá aumentar a
consciência e a mudar a gestão das políticas de acesso a água, saneamento e
seus processos de gestão.
Dados Utilizados
Utilizaremos a base de dados acessada para o
cálculo do Índice de Progresso Social –
IPS (1) de 2015 (2). Este índice, que começou a ser calculado em 2014, mede
de forma relativa o desempenho de diversos países considerando uma bateria de
52 indicadores ordenados segundo alguns princípios básicos: (a) são
considerados somente indicadores sociais e ambientais, dado que não
se quer medir o progresso social diretamente através de indicadores econômicos.
(b) Os indicadores refletem resultados e não insumos ou indicadores
intermediários. Nesse sentido, se o objetivo é medir saúde e bem estar, não se
precisa saber quanto se gastou ou quanto se utilizou de recursos para alcançar
os valores que estão refletidos no índice. (c) Os indicadores tem que ser holísticos
e relevantes para todos os países, e não somente para países em
desenvolvimento; (d) os indicadores tem que ser o reflexo da necessidade de ação
– do governo ou da sociedade civil - para resolver os problemas levantados,
focalizando em áreas que exigem imediata implementação de políticas.
Estes princípios básicos estão na base do
conceito de Progresso Social que caracteriza o IPS, entendido como “a capacidade da sociedade em alcanlar as
necessidades humanas básicas de seus cidadãos, estabelecendo os fundamentos que
permitem a comunidade e aos cidadãos melhorar e sustentar a qualidade de vida,
criando condições para que todos alcancem seu potencial pleno”
(3).
O IPS, como índice relativo, varia de 0 a 100,
onde 100 representa a posição do país em melhor situação no indicador
considerado e 0 o país que se encontra em pior situação. O índice considera
tres componentes: Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos do Bem Estar e Oportunidades.
Cada um desses tres componentes é
composto por quatro dimensões:
a)
No
componente necessidades humanas básicas foram consideradas as dimensões nutrição
e atenção médica básica, agua e saneamento, habitação e segurança pessoal.
b)
No
componente fundamentos do bem estar, se incluem acesso ao conhecimento, acesso a informação e comunicações, saúde e
bem estar e sustentabilidade ambiental.
c)
No
componente oportunidades, se incluem as dimensões direitos individuais, liberdade individual e de escolha,
tolerância e inclusão social e acesso a educação avançada.
Neste conjunto de 12 dimensões se distribuem os
52 indicadores que compõe o IPS, como se pode observar na tabela 1 abaixo.
Tabela 1: Indice de
Progresso Social: Componentes, Dimensões e Indicadores
Componentes
|
Dimensões
|
Indicadores
|
Necessidades Humanas Básicas
|
Nutrição e Atenção Médica Básica
|
Subnutrição; Profundidade do déficit alimentar; taxa
de mortalidade materna; taxa de mortalidade infantil; mortes por doenças
infecciosas.
|
Água e Saneamento
|
Acesso a água encanada; acesso a água nas
comunidades rurais; acesso ao saneamento básico.
| |
Habitação
|
Accesso a habitação; acesso a eletricidade;
qualidade da eletricidade distribuida; mortes atribuidas a poluição no
ambiente doméstico.
| |
Segurança Pessoal
|
Taxas de homicídios; níveis de criminalidade
violenta; nivel de percepção da criminalidade; terrorismo político; mortes
por tráfico de drogas.
| |
Fundamentos do Bem Estar
|
Acesso ao Conhecimento
|
Taxa de analfabetismo adulto; taxa de escolaridade
na educação primária; taxa de escolaridade na educação secundária inferior;
taxa de escolaridade na educação secundária superior; equidade de gênero na
educação secundária superior.
|
Acesso a Informação e Comunicações
|
Taxa de assinatura de telefonia celular; taxa de
usuários de internet; índice de liberdade de imprensa.
| |
Saúde e Bem Estar
|
Esperança de vida ao nascer; taxa de mortes
prematuras por doenças crônicas; taxa de obesidade; mortes atribuidas a poluição
ambiental; taxas de suicídio.
| |
Sustentabilidade Ambiental
|
Taxa de emissões para o efeito estufa; poluição das
águas, biodiversidade e habitat.
| |
Oportunidades
|
Direitos Individuais
|
Direitos políticos, liberdade de expressão;
liberdade de associação; liberdade de movimento; direitos à propriedade
privada.
|
Liberdade Individual e de Escolha
|
Liberdade de escolha; liberdade de religião, índice
de casamentos prematuros; demanda satisfeita de contracepção; níveis de
corrupção.
| |
Tolerância e Inclusão Social
|
Níveis de tolerância aos imigrantes; níveis de
tolerância aos homosexuais; discriminação e violência contra as minorias;
níveis de tolerância religiosa; níveis de proteção social;
| |
Acesso a Educação Avançada
|
Anos de educação terciária; níveis de escolaridade
feminina; inequidade no acesso a educação; posicionamento global das
universidades do país.
|
Foram considerados sempre os últimos dados
internacionais disponíveis para cada um destes 52 indicadores. Em 2015, foi
analisado o IPS, seus componentes e indicadores em 133 países (dos quais 21
latino-americanos) dividindo os países em seis categorias de progresso social:
(i) países com muito alto progresso social (IPS acima de 86,4); (ii) países com
progresso social alto (IPS entre 77,4 e 86,4); (iii) países com progresso
social médio alto (IPSentre 67,1 e 77,4); (iv) países com progresso social
médio baixo (IPS entre 55,3 e 67,1); (v) países com progresso social baixo (IPS
entre 43,3 e 55,3) e (vi) países com progresso social muito baixo (IPS abaixo de
43,3). A tabela 2 abaixo mostra o IPS para os países da América Latina e Caribe
e sua renda per-capita.
Tabela 2 - Índice de Progresso Social nos
Páises da América Latina (IPS-2015)
País
|
Classificação
do IPS (Ranking)
|
IPS
|
Renda
Percapita em
US$
PPP
|
País
|
Classificação
do IPS (ranking)
|
IPS
|
Renda
Percapita em US$ PPP
|
Uruguay
|
Alto – 24º.
|
79,21
|
18,966.00
|
Paraguai
|
Médio Alto – 56º.
|
67,10
|
7,833.00
|
Chile
|
Alto – 26º.
|
78,29
|
21,714.00
|
El Salvador
|
Médio Baixo – 68º.
|
64,31
|
7.515.00
|
Costa Rica
|
Alto – 28º.
|
77,88
|
13,431.00
|
Venezuela
|
Médio Baixo – 72º.
|
63,45
|
17,615.00
|
Argentina
|
Médio Alto – 38º.
|
73,08
|
-
|
Bolivia
|
Médio Baixo – 73º.
|
63,36
|
5,934.00
|
Panamá
|
Médio Alto – 41º.
|
71,79
|
18,793.00
|
Rep. Dom.
|
Médio Baixo – 77º.
|
62,47
|
11,795.00
|
Brazil
|
Médio Alto – 42º.
|
70,89
|
14,555.00
|
Nicaragua
|
Médio Baixo – 78º.
|
62,20
|
4,494.00
|
Jamaica
|
Médio Alto – 44º.
|
69,83
|
8,607.00
|
Guatemala
|
Médio Baixo – 79º.
|
62,19
|
7,063.00
|
Colombia
|
Médio Alto – 49º.
|
68,85
|
12,025.00
|
Honduras
|
Médio Baixo – 82º.
|
61,44
|
4,445.00
|
Ecuador
|
Médio Alto – 51º.
|
68,25
|
10,541.00
|
Cuba
|
Médio Baixo – 84º.
|
60,83
|
18,796.00
|
México
|
Médio Alto – 54º.
|
67,50
|
16,291.00
|
Guiana
|
Médio Baixo – 87º.
|
60,42
|
6,336.00
|
Perú
|
Médio Alto – 55º.
|
67,23
|
11,396.00
|
De acordo com esta classificação nenhum país da
América Latina e Caribe, com dados conhecidos, tem progresso social muito alto.
Os países latino americanos tiveram os seguintes scores: a) progresso social
alto (Uruguai, Chile e Costa Rica); (b) progresso social médio alto (Argentina,
Panamá, Brasil, Jamaica, Colombia, Equador, México e Paraguai); (c) Progresso
Social Médio Baixo (El Salvador, Venezuela, Bolivia, República Dominicana,
Nicaragua, Guatemala, Honduras, Cuba, Guiana). Nenhum país da Região foi também
classificado como tendo progresso social baixo ou muito baixo, o que
caracteriza a Região como tendo progresso social médio ou ligeiramente alto.
Progressos nos níveis
de desnutrição nos países da América Latina e Caribe
De
acordo com as estatísticas da FAO (Organização das Nações Unidas para
Alimentação), as taxas de prevalência de desnutrição para a Região da América
Latina e Caribe se reduziram de 15,3% (1990-92) para 6,1% (2012-2014) com
efeitos na redução do número de desnutridos de 68,5 para 37,0 milhões de
pessoas, no mesmo período respectivamente (4). Este progreso, no entanto, não
foi homogêneo entre países e sub-regiões. Para exemplificar, por exemplo, nos
países do Caribe, as taxas de prevalência de desnutrição, que já eram elevadas
no início dos anos noventa, se reduziram pouco (de 27% para 20,1%), enquanto
que na América Latina, a redução foi bem
mais significativa: de 14,4% para 5,1%, respectivamente.
Estes dados mostram que, ainda que tenha
ocorrido uma redução expressiva e que as metas regionais associada s ao indicador
para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) tenham sido alcançadas (ver gráfico correspondente), a desnutrição
ainda é um problema que afeta a milhões de países na América Latina e Caribe e
que, portanto, deveria continuar na agenda futura dos Objtivos de
Desenvolvimento Sustentável na Região.
Correlações entre Nutrição
e Atenção Médica Básica x Água e Saneamento
A tabela 3 mostra as correlações entre os
indicadores de duas dimensões do IPS 2015 (Água e Saneamento e Nutrição e Atenção Médica
Básica) para o conjunto de 24 países da América Latina e Caribe onde os
indicadores estavam disponíveis. Os coeficientes de regressão foram
classificados em células de tres cores, indicando variáveis de alta correlação
( verde, quando o coeficiente de regressão é superior a 0,85); de média
correlação (amarelo, com coeficientes de regressão entre 0,7 e 0,85) e de baixa
correlação (vermelho, quando os coeficientes de regressão são inferiores a
0,7).
Tabela 3: Coeficientes de Regressão do
Cruzamento de Duas Dimenões do IPS-2015 (Nutrição e Atenção Médica x Água e
Saneamento) para 24 países da América Latina e Caribe
INDICADORES
SEGUNDO DIMENSÕES
|
Acesso a
Água Encanada
|
Aceso Rural a Água Tratada
|
Acesso a
Saneamento Básico
|
ÁGUA E
SANEAMENTO
|
Desnutrição
|
0,8493
|
0,7044
|
0,8793
|
0,9261
|
Profundidade
do Déficit Alimentar
|
0,9038
|
0,6696
|
0,8403
|
0,9226
|
Taxa de
Mortalidade Materna
|
0,6562
|
0,4138
|
0,6306
|
0,6499
|
Taxa de
Mortalidade Infantil
|
0,7189
|
0,4708
|
0,7305
|
0,7349
|
Mortes
por Doenças Transmissíveis
|
0,6275
|
0,3958
|
0,695
|
0,6485
|
NUTRIÇÃO
E ATENÇÃO MÉDICA
|
0,8616
|
0,5342
|
0,8535
|
0,8954
|
Fonte: Porter, M., Stern, S & Green (2015), M, Social
Progress Index 2015, Ed. Social Progress Imperative,
Washington DC, March 2015.
Os dados mostram que, ao nível agregado, existe
uma forte correlação entre as duas dimensões consideradas (nutrição e atenção
médica x água e saneamento), o que leva a deduzir que a melhoria das condições
de abastecimento de água e saneamento básico poderá melhorar as condições de
saúde e nutrição na Região.
No entanto, se verifica, ao correlacionar os
indicadores individuais que compõe estas dimensões, que as maores correlações
se encontram associadas a dimensão água e saneamento e aos indicadores de
desnutrição e profundidade do déficit alimentar. Destaca-se também que pode existir um efeito
aditivo quando se consideram os três indicadores da dimensão água e saneamento
nos indicadores de desnutrição e déficit alimentar.
Vejamos, por exemplo, a relação entre a dimensão agregada água e saneamento do IPS e o indicador de desnutrição, como pode ser visto no gráfico que se segue. Se verifica um coeficiente de regressão de 0,93. O gráfico também posiciona alguns países para mostrar as diferenças existentes em relação a distintos contextos.
Vejamos, por exemplo, a relação entre a dimensão agregada água e saneamento do IPS e o indicador de desnutrição, como pode ser visto no gráfico que se segue. Se verifica um coeficiente de regressão de 0,93. O gráfico também posiciona alguns países para mostrar as diferenças existentes em relação a distintos contextos.
Considerações Finais
No mês de março de 2016 ocorrerá em Lima a IV
Conferencia Latino-Americana de Saneamento. Será um momento privilegiado para
discutir como se poderá melhorar a cobertura do saneamento na Região e também
os efeitos sobre a nutrição, saúde e outros indicadores sociais que poderão
melhorar com o estabelecimento de políticas que permitam melhorar o acesso ao
saneamento básico e a água de boa qualidade na Região.
Em meados da presente década, a Organização Pan
Americana da Saúde mencionava que a
falta de água potável e de saneamento constituia a segunda causa indireta de
morbi-mortalidade para as crianças com menos de 5 anos de idade na Região
Latino-Americana, sendo o maior componente de carga de enfermidade associada ao
ambiente (5). Mas a maior ironia associada a este processo, residia no fato de
que cerca de 31% dos recursos hídricos do mundo concentram-se na Região, sendo
a ALC a região mundial com maior disponibilidade de água doce per-capita do
mundo. No entanto, a irregularidade, a má gestão e a falta de uma cultura de
preservação dos recursos hídricos fazem com que os serviços não
cheguem a quem precisa, aumentando os riscos associados a saúde e a
desnutrição. A situação se torna ainda mais drástica com os problemas que se
associam à mudança climática que tem castigado fortemente a Região nos últimos
anos.
Notas
(1)
O Índice de Progresso Social (Social
Progress Index - SPI) é uma iniciativa da Social Progress Imperative,
uma organização não governamental americana, sem fins de lucro, coordenada por
Brizio Biondi-Morra, administrador e empresário com vasta experiência em temas
de estratégia e gestão de negócios em empresas internacionais na América
Latina. O índice foi desenvolvido por um grupo sob a liderança intelectual dos
professores Michael Porter e Scott Stern, mas contou com a participação de mais
de uma centena de especialistas e instituições diferenciadas, incluindo os
premios nóbel em economia Amartya Sen e Joseph Stiglitz. O esforço global no
desenvolvimento do SPI foi financeiramente apoiado por instituições e empresas
como Avina, Cisco, Deloitte, Rockfeller Foundation, Skoll Foundation, além de
várias empresas e governos de países diversos, especialmente da América Latina.
A metodologia e a descrição do SPI poderá ser encontrada na página http://www.socialprogressimperative.org/data/spi
(2) Porter,
M., Stern, S & Green (2015), M, Social Progress Index 2015, Ed.
Social Progress Imperative, Washington DC, March 2015.
(3) “Social Progress is the capacity of a
society to meet the basic human needs of its citizens, establish the building
blocks that allow citizens and communities to enhance and sustain the quality
of their lives, and create the conditions for all individuals to reach their
full potential.”, in Porter, Stern and Green (2015), Social Progress Index
2015, p 14.
(4) Food
and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), The State of Food Insecurity in the World 2014, Rome, 2014. Link http://www.fao.org/3/a-i4030e.pdf
(5)
Organización Panamericana de la Salud,
Agua y Saneamiento: En Búsqueda de Nuevos Paradigmas para las Américas, Ed.
OPS, 2012, Washington DC.
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