Ano 11, No. 83, Março 2017
André Medici
André Medici
Prezados amigos,
Em dezembro último a Revista da Confederação Nacional de Seguros de Saúde (FENASEG) (Ano 91, No. 899, Outubro-Dezembro de 2016) publicou um resumo de uma entrevista que dei sobre o tema de modelos de remuneração de prestadores de serviços de saúde. O link da revista pode ser encontrado abaixo.
Esta entrevista foi dada ao jornalista e editor João Mauricio Carneiro Rodrigues. Dado os detalhes sobre esta complexa discussão, tomei a decisão de publicar a entrevista na íntegra nesta edição (No. 83) do Blog Monitor de Saúde.
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JMCR - Qual a sua opinião sobre o atual modelo de
remuneração dos prestadores, mais conhecido como fee-for-service?
As vantagens e desvantagens
ACM – O modelo de remuneração fee-for-service nada
mais é do que a compra direta de serviços (de profissionais, de
estabelecimentos de saúde ou de hospitais) pelos pacientes ou pelas operadoras
e seguros de saúde. Este tipo de pagamento normalmente ocorre no momento em que
o serviço é prestado (antes, durante ou imediatamente depois) e, em alguns
casos, os valores podem ser adiantados a título de garantia, quando se trata de
tratamentos prolongados. Os pacientes ou os financiadores (operadoras, seguros,
empresas, etc.) aceitam o contrato, recebem a conta e a pagam de acordo aos
serviços contratados, incluindo os materiais e medicametnos utilizados e
serviços eventuais, podendo haver reajustes previstos nos contratos, em função
da gravidade do caso.
Dito isso, as principais vantagens do sistema de fee-for-service são as
seguintes: (a)
fornece aos assegurados maior liberdade de escolha para selecionar médicos,
instalações e prestadores de cuidados de saúde. Em outras palavras, num sistema
de fee-for-service sem limites, o segurado poderá visitar um medico ou hospital
sem permissão da operadora ou seguradora; (b) como decorrência, o segurado
poderá também trocar de médico ou provedor de serviços a qualquer momento, dado
que a operadora não influencia na decisão do assegurado se uma emergência
médica é necessária ao não; (c) Caso existam tetos de gasto para os
assegurados, a operadora pagará todas as contas médicas até os limites
estabelecidos e caso existam limites para o gasto direto dos assegurados de seu
próprio bolso (stop loss), a operadora pagará a totalidade dos gastos depois
que o indivíduo esgotar seu limte de gastos.
As principais desvantagens estão associadas
ao fato de que o fee-for-service permite irracionalidades na gestão do cuidado
e pode levar a custos exagerados, como ocorre em qualquer modelo de
livre-escolha quando o mercado é imperfeito. Nesse sentido, o valor dos prêmios
aumenta na medida em que aumentam os custos anuais incorridos. Existe um baixo
nível de aderência entre custos e remuneração. Uma vez que mercado de serviços
de saúde é imperfeito, a formação dos preços e tarifas associadas ao
fee-for-service geralmente não tem relação com os custos, a não ser em
contextos em que existem tabelas de referência baseadas em custos ou maiores
níveis de concorrência no mercado que tendem a reduzir as margens de lucro dos
serviços de saúde e aproximar preços aos custos. Como decorrência, o
fee-for-service leva a um aumento maior no valor dos prêmios e exige, para o
paciente e para o seguro, mais burocracia no preenchimiento de formulários,
dado que em muitos casos o paciente necessita pagar antecipadamente ao médico
ou estabelecimento para ser reembolsado até o seu teto de serviços (no caso de
franquias) ou para receber o que pagou após estourar seu limite de gastos (no
caso de stop loss). Para que isso ocorra
o paciente tem que manter um registro específico de suas contas médicas.
Algumas operadoras tem suas próprias tabelas de pagamento por tipo de
procedimento, baseadas no que é habitual e usual, de acordo com o mercado, o
que faz com que alguns assegurados tenham que pagar a diferença entre o que foi
cobrado e a média estabelecida pelo mercado.
Em geral, as operadoras que utilizam
sistemas de benefícios baseados no fee-for-service não contam com serviços de
promoção e prevenção em seus planos, o que aumenta a possibilidade de gastos
catastróficos dos assegurados que não contam com linhas de cuidado
administradas (managed care).
O fee-for-service vem caindo crescentemente
em desuso como fonte de financiamento dos serviços de saúde nos países
desenvolvidos, mas ainda é uma forma importante de remuneração. No entanto,
dadas as imperfeições do mercado de saúde – assimetria da informação,
incertezas quanto ao futuro, possibilidades de riscos catastróficos etc. – os
financiadores da saúde (seguros, operadoras, indivíduos) passam a dar
preferência a outras formas de financiamento como a capitação, bundled payments
ou outras formas de contratação, baseadas em contratos vinculados a pacotes de
serviços e coberturas de segmentos populacionais, seja com o setor público,
seja com os seguros privados.
Boa parte das respostas podem ser encontradas em meu
caítulo do livro de Gestão de Serviços de Saúde (capítulo 4), organizado pelos
professores Gonzalo Veccina e Ana Maria Malik (https://issuu.com/guanabarakoogan/docs/vecina_amostras_de_p__ginas).
O pagamento por diagnóstico (ou DRG) não é
assim tão novo. Sua concepção e utilização se inicia nos Estados Unidos, ainda
na segunda metade dos anos setenta. Nele, as despesas incorridas pelos
provedores são ressarcidas pelo seguro mediante tabelas de pagamento baseadas
em diagnósticos, protocolos clínicos ou mesmo classificações especiais para
procedimentos ambulatoriais ou de internação. Pelo fato de ser um ressarcimento,
é considerado um sistema de pagamento retrospectivo (diferentemente do
fee-for-service, que é antecipado), cabendo ao assegurado revisar as contas em
função das tabelas de diagnóstico existentes.
O pagamento por diagnóstico está associado a um conjunto de procedimentos
necessários a cuidar de um quadro clínico diagnosticado em um paciente. A
fixação do valor a ser ressarcido para cada diangóstico normalmente é feita
através de negociações entre o organismo pagador (governo, plano de saúde,
empresa etc.) e os provedores (médicos, ambulatórios, hospitais, clínicas,
etc.). Alguns agentes pagadores (como o Governo ou uma grande operadora) atuam
de forma monopolista ou oligopolista e podem fixar o valor a ser ressarcido em
um contexto em que os hospitais, dada a concorrência, não têm muito poder de
barganha. No entanto, em muitos casos, os hospitais podem se aglomerar e,
através de suas associações, estabelecer acordos de preços que permitem a eles
atuar de forma cartelizada para garantir uma melhor posição ao negociar os
valores dos procedimentos ou diagnósticos com os pagadores em condições mais
vantajosas.
O pagamento por diagnóstico permite um mecanismo mais
sofisticado de controle por parte do pagador do que o fee-for-service. Os
diagnósticos são agrupados, através de critérios como a Classificação Internacional
de Doenças (CID), e são constantemente atualizados. As alternativas para o
tratamento das enfermidades em cada grupo de diagnóstico são exaustivamente
analisadas e discutidas entre médicos especialistas, contadores, economistas,
administradores e outros profissionais que entendem do dia a dia dos processos
de trabalho em saúde, a fim de construir protocolos consistentes. Estes
protocolos, do ponto de vista de análise econômica, devem representar as opções
de menor custo e maior efetividade clínica para cada doença ou grupo de
diagnóstico.
As principais vantagens da aplicação do pagamento por
diagnóstico são basicamente as seguintes: (a) Aumentam a qualidade da atenção
ao paciente, já que permitem uniformizar o tratamento médico com o uso de
protocolos que, baseados em evidência, representariam a alternativa de menor
custo e melhor resultado e, dessa forma, levam a um aumento da eficácia no uso
dos recursos; (b) Economizam recursos dos pagadores (operadoras, indivíduos,
etc), dado que o pagamento passa a ser fixo por diagnóstico e não variável de
acordo com o número de procedimentos aplicado ao quadro clínico de cada
paciente; (c) Melhoram a eficiência e estabelecem mecanismos de contenção de
custos dos hospitais ao criar sistemas de informação e de avaliação que,
baseados em uma métrica de custos e procedimentos aplicados em cada
diagnóstico, podem detectar os casos fora dos padrões, identificar as causas e
corrigir futuros processos associados aos protocolos e/ou linhas de cuidado.
As principais desvantagens dos pagamentos por
diagnóstico se associam à necessidade de sistemas de informação eficientes,
além de funcionários e pacientes bem informados e treinados para operar o
sistema. Exigem também sistemas eficientes de auditoria médica e adequados
incentivos para premiar os prestadores que operam segundo as regras ditadas
pelos protocolos ou punir, ainda que financeiramente, aqueles que não trabalham
em conformidade com os mesmos. Todos estes fatores tornam a aplicação dos
Grupos Relacionados de Diagnóstico (DRGs) cara e complexa para os pequenos
hospitais, na medida em que estes necessitam de maior escala para que seus
custos de implantação e funcionamento possam ser amortizados rapidamente pelas
economias que geram.
No caso dos bundled payments (ou pagamento agrupado
por episódio), se pode dizer que são uma variação dos DRGs, dado que se
definem como um pagamento único para todos os procedimentos e serviços
associados a um episódio médico (incluindo os serviços de diagnóstico prévio,
internação e pós-internação durante um período de 90 dias após a internação,
inlcuindo acompanhamento de complicações e re-internações). Sua importância é
crescente, uma vez que o Medicare (o plano de saúde governamental para idosos
nos Estados Unidos) o tornou mandatório para seus assegurados. O preço abrange
todos os provedores envolvidos, incluindo médicos, hospitais, laboratórios,
prestadores de serviços pós-internação, etc. Esse sistema é geralmente
associado a um hospital ou internação e obriga ao hospital assumir parte
importante do risco, fazendo com que esse seja mais responsável em realizar uma
internação eficaz, para evitar custos adicionais elevados no pós-operatório e
re-internações.
No sistema de bundled payments, o dinheiro pago ao
hospital é determinado pela eficácia do procedimento baseado em um período de
90 dias após o procedimento. Se o custo do episódio vai além do valor
contratado, as perdas devem ser assumidas pelo hospital. Esta é uma grande
diferença em relação ao fee-for-service
dado que levará os hospitais a negociarem com os médicos e funcionários
que parte de seus salários também deverão estar associados aos riscos
incorridos pelo hospital.
As principais vantagens do sistema de bundled payments
são: (a) Moderação dos custos em saúde
para as operadoras e consequentemente para os pacientes; (b) maior transparência de entrada nos preços,
os quais são conhecidos a partir do contrato e imutáveis depois que os serviços
são realizados, permitindo as operadoras ter maior margem de visibilidade no
planejamento de seus orçamentos e melhor previsibilidade dos custos; (c) eliminação da fragmentação nas faturas
hospitalares (que normalmente vem discriminadas em exames, procedimentos,
cuidados domiciliares, etc). O recebimento de uma conta única para o pagador,
transfere o problema de administração e supervisão contábil para o hospital e
não mais para a seguradora; (d) desestimulam
a inclusão de procedimentos desnecessários que costumam ocorrer no
fee-for-service; (e) para os
assegurados, os bundled payments reduzem os custos administrativos e simplificam a vida pela eliminação de
burocracia e formulários, porque ha menos reclamações, queixas e processos nas
operadoras para acompanhar. Os usuários deixam de pagar por fora para serviços
não cobertos ou não reembolsados pelos seguros, dado que os preços são
totalmente pagos pelos seguros e conhecidos de forma antecipada; (f) deslocam
a ênfase da quantidade de cuidados (volume) para a qualidade dos cuidados
(valor). O foco do provedor deixa de estar em receber mais por serviços
adicionais e passam a estar focalizados nos resultados do procedimento w na
eficácia do episódio completo. Além disso, os médicos desempenham um papel mais
importante em todo o episódio, não apenas a cirurgia, a fim de manter um melhor
controle de qualidade e eficiência. Isso proporciona mais consistência para o
paciente, trazendo um relacionamento melhor e mais próximo com seu médico;
(g) Maior
Coordenação e Responsabilidade entre Diferentes Provedores, pois ao reduzir a
fragmentação que existe atualmente no setor de saúde, melhoram a coordenação de
cuidados entre os prestadores (médicos, hospitais, ambulatórios e laboratórios,
etc.) aumentando o incentivo para trabalhar em conjunto e para proporcionar uma
melhor qualidade e eficiência; (h) simplificação
da gestão do cuidado, dado que permitem soluções simples, diretas e fáceis de entender para os pacientes.
Facilita a compreensão dos preços dos serviços, permitindo que as operadoras e
os usuários possam comparar os preços de distintos prestadores e planejar um
orçamento para os seus cuidados.
No entanto, bundled payments tem aspectos que são
positivos para os pacientes embora impliquem em riscos para os provedores. Ao moderar
os custos de saúde e fazer com que o preço de um conjunto de procedimentos
associado a um episodio sejam transparentes, eles dão ao paciente a paz de
espírito de um orçamento previsível e suportável. Mas ao assim fazer, os provedores
podem assumir enormes riscos financeiros, dependendo de como os pacientes se
comportam em sua responsabilidade no tratamento e em como os seus serviços são
eficazes. Uma vez que são pagos por um valor fixo por episódio durante um
determinando tempo os provedores tem que prestar cuidados eficazes e de
qualidade no acompanhamento desse cuidado.
Ao mesmo tempo, os provedores passam a depender uns dos outros, e devem estar
preparados em conjunto com outros fornecedores e para gerenciar a coordenação
de cuidados em busca da garantia dos melhores resultados.
Outro risco para os provedores se associa ao fato de
que cada paciente tem seu próprio conjunto de complicações e podem incorrer em
custos adicionais que não seriam incluídos no pagamento negociado, no caso de
que os médicos precisem mudar os procedimentos para garantir uma melhor adesão
do paciente após o procedimento. Os provedores precisam aumentar sua
eficiência, ter excelente comunicação entre si, reduzir desperdícios e
readmissões e utilizar uma definição clara das melhores práticas clínicas e
caminhos de atendimento.
Outro aspecto negativo dos bundled payments reside na
distribuição dos pagamentos entre todos os provedores envolvidos em um episódio
de cuidados, o que pode ser difícil de estabelecer, especialmente em casos onde
contribuição de cada provedor pode ser diferente para cada paciente. Mas em
geral, os bundled payments oferecem mais vantagens do que devantagens e é
possível vislumbrar que eles serão um método de pagamento que aumentará nos
próximos anos, em função da coordenação do cuidado crescente e da concentração
em redes de saúde. É um passo importante para passar de cuidados baseados em
volume para cuidados baseados em valores.
Por fim, o pagamento por performance pode ser
vislumbrado no livro eletrônico (ebook) que recentemente lançamos (com Cesar Abicalaff e Leandro Tavares) no portal
saúde business (http://saudebusiness.com/lp/pagamento-performance-ebook/). O
pagamento por performance em saúde é parte de uma cadeia de desempenho que tem por
objetivo melhorar os resultados e a qualidade de processos que envolvem a
relação entre o financiamento e a prestação de serviços de saúde. Este conceito
pode ser usado tanto de forma restrita, associada a remunerar os trabalhadores
segundo os resultados alcançados, como também para orientar todos os tipos de
contratos entre entidades do setor público, entre entes públicos e privados, ou
mesmo entre entidades do setor privado entre si, para o pagamento por
performance. O Governo teria maior envolvimento na supervisão dos dois
primeiros tipos de contratos (entre entidades do setor público e entre entidades
dos setores públicos e privados).
Em alguns tipos de estabelecimentos de saúde de São
Paulo e outros estados – como as Organizações Sociais (OSS) – os contratos já
associam parte do pagamento ao estabelecimento ao cumprimento de metas e
indicadores e, dessa forma, podem ser considerados contratos por desempenho. No
que se refere ao pagamento de pessoal por desempenho, também existem poucas experiências
no Brasil, como a dos médicos de família na Bahia. Mas todas essas experiências
são ainda insipientes e pouco avaliadas. Sem vias de dúvida, o Brasil teria muito
a apreender com as experiências internacionais de pagamento por desempenho em
saúde. Mas para tal, seriam necessários alguns desafios.
JMCR - Qual o impacto da inflação da saúde nesse
segmento e sugestões para diminuir o custo?
ACM - Muito tem sido escrito sobre as razões que levam
o comportamento dos gastos em saúde a ser maior que o dos demais setores. A
influência da tecnologia médica sobre os custos, o envelhecimento populacional
que leva ao consumo crescente dos serviços e as assimetrias de informação, são
fatores tradicionalmente apontados para justificar os aumentos nos gastos do
setor.
Mas poucos tem avaliado a influência da eficiência
setorial nos custos e nos preços dos bens e serviços de saúde. Sabe-se que o
uso da tecnologia pode melhorar a eficácia dos tratamentos, mas não
nessessariamente a eficiência setorial. Um interessante estudo realizado
recentemente pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) colheu
algumas interessantes evidencias. Nos Estados Unidos, a incorporação de
tecnologia tem respondido entre 27% a 48% do crescimento dos custos em saúde. A
incorporação de tecnologia vem, em grande medida, sendo alimentada pelo aumento
da renda das familia e pelo crescimento dos processos de asseguramento em
saúde. Além do mais, desde os anos noventa, acredita-se que boa parte das
tecnologias incorporadas na saúde tem sido caras em relação aos benefícios
gerados aos pacientes e, por este motivo, uma frebre de estudos e instituições
de avaliação tecnológica em saúde, como é o caso do National Institute for
Clinical Excellence (NICE), tem surgido desde o início do novo milênio.
Novas tecnologias nos serviços hospitalares e
ambulatoriais, diferentemente do que ocorre em outros setores, podem levar a
maior utilização de recursos humanos e insumos, além de aumentar as
necessidades de treinamento especializado e gastos com equipamentos adicionais.
Assim, a despeito de ser o líder na geração de tecnologia, o setor saúde
continua sendo mais intensivo no uso de mão-de-obra do que outros setores e a
produtividade do trabalho cresce mais lentamente do que na média da economia.
Mas a demanda em saúde continua a crescer, com o
aumento da renda e com o envelhecimento populacional. E como os salários pagos
em saúde devem estar alinhados com os salários pagos nos demais setores da
economia, para que possa continuar a atrair recursos humanos à longo prazo, o
setor saúde passa a remunerar o trabalho em saúde como se tivesse uma
produtividade maior do que a que realmente tem. O aumento nos salários não é
acompanhado por uma redução da quantidade de trabalho em saúde. Com uma
produtividade mais baixa, mas com a remuneração dos fatores relativamente alta,
o gasto em saúde tende a crescer proporcionalmente mais, levando a uma inflação
setorial maior do que a experimentada em outros setores da economia.
Se o crescimento dos preços em saúde afetasse a
demanda na mesma proporção do que ocorrem em outros setores, o volume demandado
de serviços tenderia a se reduzir toda as vezes que os preços aumentassem. Mas
a demanda no setor saúde aparenta ser inelástica. E as tentativas para regular
os preços e a oferta no setor não funcionam para corrigir o problema. Assim, é
comum encontrar situações onde os gastos com saúde aumentam quando os preços
sobem e a quantidade demandada, quando se reduz, não leva a uma diminuição nos
preços setoriais. Preços mais altos ou mais baixos afetam pouco o comportamento
da demanda com saúde. Esta inelasticidade, nos países desenvolvidos, cria
poucos estímulos para a adoção de estratégias que reduzam os custos e a
inflação setorial.
Considerando-se a inflação em saúde, vale perguntar: a
brecha entre o comportamento da inflação em saúde e da inflação geral, tem
aumentadono Brasil? Certamente sim. Mesmo antes da crise que se inicia em
2014, se poderia notar que entre dezembro de 2010 e abril de 2014, a inflação
de saúde medida de diversas formas, aumentou mais fortemente do que o IPC da
FIPE. Mas especificamente, os preços do setor saúde em São Paulo, medidos pelo
IPC-SAUDE da FIPE, aumentaram 25,3% neste período, enquanto que a inflação,
medida pelo IPC geral da FIPE, foi de 19,1%, no mesmo período (32%). Depois da crise
a situação se descontrolou ainda mais. Só para termos uma idéia, a inflação
acumulada medida pela FIPE entre novembro de 2015 e outubro de 2016 (12 meses)
foi de 7,61%, enquanto que a inflação medida pelo IPC geral da FIPE saúde foi
de 11,83% (55% mais alta). Essa diferença é importante, porque mostra que
durante a crise a tendência é a inflação em saúde é crescer ainda mais
rapidamente do que a inflação geral.
Muito já foi tentado para reduzir a tendência ao
crescimento da inflação em saúde, mas os resultados tem sido poucos. No caso
dos Estados Unidos, entre 2014 e 2015, os gastos em saúde do país se
estabilizaram num contexto onde a cobertura cresceu em função do Plano Obama.
Isto parece interessante, dado que o custo médio por pessoa atendida baixou
(apesar do fato de que os custos dos planos de saúde de classe média tenham
aumentando, principalmente entre 2015 e 2016). Como o Plano Obama tem sido
baseado no crescimento da cobertura via atenção primária e cuidado integrado
(através do uso de bundled payments), pode ser que esse seja um caminho para
reduzir os custos da saúde. Pagamentos fixos por um episódio de saúde no tempo,
podem levar os profissionais a reduzir os custos e aumentar a qualidade. Mas
será que isso se manterá possível, com a crescente pressão pela geração e
incorporação de novas tecnologias, exames, medicamentos e terapias?
AM – Segundo as regras definidas pela Lei 13.003,
sancionada em junho de 2014, a ANS passa a ter a atribuição de estabelecer um
índice de reajuste em casos específicos, quando não houver consenso entre as
operadoras e prestadores sobre os índices de correção aos serviços contratados.
O índice estabelecido pela Agência será o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Dessa forma, o O IPCA a ser aplicado deve corresponder
ao valor acumulado nos 12 meses anteriores à data do aniversário do contrato,
considerando a última divulgação IBGE.
Em geral esta regra penaliza os prestadores que não
alcançarem um consenso com as operadoras sobre o valor dos reajustes aos
serviços contratados, dado que os obriga a negociar seus contratos para os
próximos 12 meses por reajustes inferiores ao da inflação em saúde que, como
vimos, é maior do que a inflação geral. Mas seria um bom estímulo para que os
provedores, por exemplo, comecem a aceitar contratos com as operadoras baseados
em bundled payments.
JMCR - Em relação às regras da ANS, também existem as
novas exigências para uma melhor qualificação dos prestadores. Como essa nova
formatação impactaria os custos das operadoras ao remunerar melhor quem investe
mais em qualidade?
AM – A Lei de 2014 também definia que em dois anos a
ANS passaria a utilizar um Fator de Qualidade, mas em 2015, através da
instrução Normativa 61 da ANS, ficou
definido que este fator seria aplicado ao reajuste dos contratos da seguinte
forma: 105% do IPCA para os estabelecimentos acreditados; 100% para hospitais
não acreditados mas que cumpram as metas dos indicadores selecionados e/ou
participem de projetos estabelecidos pela Diretoria de Desenvolvimento Setorial
(DIDES), como o Projeto Parto Adequado; e de 85% para unidades que não
atenderem nenhum desses critérios. Este processo entrará em vigor,
provavelmente, a partir de 2017.
A proposta da ANS é, portanto, considerar a
acreditação como foco do processo de qualificação dos prestadores, definido
como hospital acreditado aquele que possui certificado de acreditação em nível
máximo emitido por instituições que tenham obtido reconhecimento da competência
para atuar como Instituições Acreditadoras no âmbito dos serviços de saúde,
pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO ou pela
International Society for Quality in Health Care – ISQUA.
De acordo com a ANS, no primeiro ano de vigência dessa
Instrução Normativa (2017), os critérios de qualidade considerados para fins de
aplicação do percentual intermediário serão: atingir a meta do indicador
proporção de guia eletrônica de cobrança na versão 3 do Padrão TISS e ter
efetiva participação no Projeto Parto Adequado, comprovada pela melhoria no
indicador de partos normais ou cumprir a meta dos indicadores: núcleo de
segurança do paciente cadastrado na ANVISA e proporção de readmissão em até 30
dias da última alta hospitalar. Estes critérios seriam revisados anualmente,
podendo ser excluidos, alterados ou adicionados novos critérios.
Embora eu seja totalmente favorável a esta iniciativa,
há que levar em consideração os custos necessários à implementação dos
processos de acreditação, os quais poderão exigir investimentos adicionais dos
prestadores que poderiam contar com linhas de crédito bancário como as do
BNDES. No entanto, com a crise, a redução do número de assegurados que já
alcança quase dois milhões e o crescimento das taxas de juros e da inflação médica,
a iniciativa de fazer estes investimentos ficará bastante comprometida no ano
de 2017, cabendo a ANS rever se seria positivo postergar a vigência da referida
legislação.
No entanto, uma vez reestabelecido o processo de
crescimento econômico, este tema poderá ter impactos positivos na qualidade da
assistência prestada pelos planos de saúde e operadoras e quem sair na frente,
obviamente vai ser beneficiado na concorrência existente no setor.
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